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Recentemente, o Papa Francisco consagrou a Rússia ao Imaculado Coração de

Maria, conforme pedido de Nossa Senhora à Irmã Lúcia. A importância dessa consagração
só pode ser compreendida se conhecermos, ao menos em suas linhas gerais, a história da
Revolução que ocorreu no ano das aparições de Fátima, além de suas origens intelectuais.
A influência da Revolução Rússia no mundo do século XX e no mundo de hoje decorre,
principalmente, não de um mero poder político ou militar que veio a ter a antiga União
Soviética. O maior perigo da Revolução Russa para o mundo e, também, para a Igreja, é a
influência intelectual e cultural que ela tem exercido nos últimos cem anos. Conceber a
cultura cristã como um alvo a ser destruído a fim de edificar uma “nova sociedade”
igualitária tornou-se um fetiche em todo mundo ocidental, mesmo em países não
comunistas. Essa forma de ver o mundo não teve origem na Revolução Russa, mas foi a
Rússia a principal apoiadora de movimentos anti-cristãos no mundo ocidental.

Uma breve história da Revolução

Em 1989, houve um acontecimento que mudou a história recente da humanidade: a


queda do muro de Berlim. O que aconteceu, na prática, foi o suposto desaparecimento do
comunismo real diante daquilo que parecia uma vitória do capitalismo ou uma vitória de dois
homens específicos: o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, anticomunista ferrenho,
e o papa João Paulo II, vítima do comunismo na Polônia.
Dois anos antes da queda do muro de Berlim, em 1987, Ronald Reagan, diante do portão
de Brandemburgo, em Berlim, falando a respeito do secretário geral do partido comunista
Mikhail Gorbachev, pediu aquilo que todos os homens de boa vontade do Ocidente
desejavam: "Mr. Gorbachev, open this gate. Mr. Gorbachev, tear down this wall!"[1]
Então, em 1989, diante da queda do muro, o capitalismo, os valores do ocidente e o Papa
João Paulo II pareciam ter triunfado.
Porém, na ocasião da viagem de João Paulo II a Cuba, um jornalista perguntou a Fidel
Castro como o líder cubano se sentia ao receber a visita do homem que havia derrubado o
comunismo. Fidel respondeu: “eu não desprezaria assim Mikhail Gorbachev". Hoje, cada
vez mais, se percebe que tudo aconteceu de caso pensado. Declarações do próprio
Gorbachev e de alguns comunistas já previam a necessidade de se promover uma aparente
morte do comunismo, para que o espírito e o ideal do comunismo se alastrassem no
Ocidente. Os próprios comunistas compreendiam que havia uma espécie de queda de
braço na guerra fria e que estavam perdendo a disputa. A guerra indicava uma vitória dos
EUA, que estavam muito melhor que os soviéticos. Quando os EUA estavam vencendo a
batalha militar, os comunistas se dirigiram para outro campo de batalha. Já há décadas
haviam percebido que o caminho da vitória sobre o capitalismo não era o militar, mas o
cultural.
Mas, como aconteceu o triunfo da linha marxista cultural, que parecia originalmente
heterodoxa? No século XIX, Karl Marx defendia a ideia de que a sociedade era injusta
porque explorava o trabalhador. Era necessário que através de um método revolucionário
(armado), a classe trabalhadora tomasse posse do governo, implantando uma ditadura do
proletariado, controlando os meios de produção. E essa ditadura seria uma ponte para uma
sociedade que, ao final, seria justa, sem classes, sem governo.
Em suma, o ideal de Marx era a implantação de um paraíso terrestre, de uma sociedade
justa, perfeita, através do poder criativo do mal. Marx, porém, não é a origem de tal
pensamento, mas somente um porta-voz. Afirmar a força criativa do mal, do negativo, que
da destruição faz surgir algo de bom é um princípio da filosofia Hegeliana. De uma antítese
forte, segundo Hegel, surge uma síntese superior. Hegel identifica uma espécie de injustiça
com o mal, com o negativo, que foi demonizado, exorcizado, criando imobilismo e falta de
vitalidade. Hegel traz para a filosofia algo que já era enxergado e defendido pela arte, pelo
romance[2].
“Dê asas à maldade e acontecerá algo de bom". Foi o que Hegel propôs com a sua
dialética. Marx levou tal conceito à prática. No caso de Marx e da revolução armada, a luta
seria suprassumida, levada para cima. Matar, destruir, hostilizar a civilização, trazer abaixo
a ordem foi o caminho adotado (ou proposto) por ele para a produção de uma ordem
superior. E esse mesmo princípio é o que governa a vida de muitos sacerdotes e muitos
bispos, dentro da própria Igreja hoje. Muitos fazem automaticamente coisas que não sabem
de onde vêm[3] .
É preciso que desde o início estas realidades fiquem claras, para que se consiga distinguir
claramente qual o papel que cada personagem desempenha na Igreja. Uma pessoa só
pode ser julgada a partir das coisas que combate. Se alguém diz que é a favor dos pobres,
dizendo que ama a justiça social, o único critério para verificar se está dizendo a verdade ou
não é analisar o que irá combater: se combate tudo o que há de sagrado, como a liturgia do
Missal, a disciplina do Código de Direito Canônico e a doutrina do Catecismo da Igreja
Católica, percebe-se, claramente, uma realidade diversa daquela que é apresentada
costumeiramente. Uma coisa é a propaganda que é feita de si mesmo, outra é o verdadeiro
intento de cada pessoa em seu agir cotidiano.
Um exemplo pode ser encontrado numa pessoa que declara seu amor à verdadeira tradição
da Igreja e não à “tradição engessada" de Trento; que afirma amar os santos, mas somente
os que são “comprometidos"; que diz amar a liturgia, mas a liturgia “inculturada", capaz de
“falar" ao povo. Na realidade, em todos os casos citados, é necessário entender que existe
um princípio de ação marxista, que permeia todos os comportamentos: é o princípio do
negativo, do destruidor, que busca por abaixo toda a estrutura vigente para que uma
“melhor" seja erigida[4].
O papa Bento XVI recentemente esteve na Alemanha, no Congresso Nacional (Bundestag)
e dirigiu uma palestra aos parlamentares de seu país. Foi aplaudido efusivamente de pé por
quase todos os congressistas, exceto por um pequeno número de pessoas, de um
determinado partido. Em suas palavras conclusivas o papa disse:
"A cultura da Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro
entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de
Roma. Este tríplice encontro forma a identidade íntima da Europa. Na consciência da
responsabilidade do homem diante de Deus e no reconhecimento da dignidade inviolável do
homem, de cada homem, este encontro fixou critérios do direito, cuja defesa é nossa tarefa
neste momento histórico"[5].
Segundo Bento XVI, é necessário defender a fé cristã, o direito romano, a filosofia grega
porque existe um movimento revolucionário que está derrubando (ou já derrubou) estas três
colunas da civilização ocidental. O papa professa publicamente que é necessário reerguê-
las. É preciso, porém, deixar claro quem quer e por que quer destruir estas colunas.
Hegel e Marx, como já apresentando, colocam a realidade do trabalho do negativo. Marx,
por exemplo, quer, através de um trabalho de destruição, trazer abaixo uma ordem e um
sistema que, segundo ele, oprimia o trabalhador. Marx profetizou uma sociedade justa, sem
classes, sem governo, dizendo que isso aconteceria por uma revolução dos trabalhadores.
Previa que os trabalhadores iriam sofrer tanto debaixo da pressão dos capitalistas que, mais
cedo ou mais tarde, haveria tanto conflito a ponto de estourar uma revolta [6].
Sua obra O manifesto do partido comunista termina com um convite para a união dos
proletários. Imaginava que os trabalhadores dos diversos países da Europa iriam se unir
contra os capitalistas, impondo uma ditadura do proletariado. Isso, porém, nunca aconteceu.
Apesar de ter acontecido uma guerra (I Guerra Mundial), os trabalhadores não se uniram
para lutar contra os proletariados, mas para lutar contra outros trabalhadores.
Depois da I Guerra Mundial, o marxismo estava em plena crise teórica: como foi possível a
união dos trabalhadores para matar outros trabalhadores, buscando defender os interesses
de seus patrões? Quem os alienou?
Marx, de certa forma, já havia encontrado a “solução" em uma de suas frases mais
conhecidas: a religião é o ópio do povo [7]. Marx havia entendido que havia um fator cultural
que alienava o povo. Porém, não conseguiu elaborar tal pensamento de forma adequada.
Tal elaboração será feita por dois filósofos, de forma independente, um húngaro, Georg
Lukács e o outro italiano, Antonio Gramsci (que teve seu método acolhido pelos marxistas
culturais). Quando terminou a I Guerra, diante da grande crise teórica do marxismo, para
Gramsci e para os marxistas culturais, o grande adversário a ser derrubado mostrou a sua
face: a ética judaico-cristã, a filosofia grega, o direito romano, eram como que uma espécie
de veneno que alienava as pessoas, impedindo os trabalhadores de lutarem de forma
revolucionária.
Gramsci esteve na URSS, durante a década de 20. Presenciou a tentativa de Lênin de
estabelecer as bases do estado soviético. Viu também quando Stálin tomou as rédeas do
partido, matando vários dissidentes comunistas (Trotsky, por exemplo). Viu que o
comportamento de Stálin era a aplicação prática da filosofia de Hegel. Gramsci pôde
compreender que era necessário destruir, trazer abaixo a cultura ocidental, mas que não
haveria solução pelo caminho stalinista. Era preciso implodir as três colunas do Ocidente,
lentamente, anonimamente, gradualmente. Na técnica gramsciana, nada pode ser
ostensivo, tudo deve ser feito disfarçadamente, com o veneno sendo ministrado ao paciente
como se fosse um remédio, como se fosse o medicamento de sua salvação. Em outras
palavras, é necessário destruir a cultura ocidental em nome da dignidade e da liberdade do
homem. Em nome da liberdade, cria-se a ditadura. Em nome dos Direitos Humanos,
cerceiam-se os direitos do homem.
Uma coisa é aquilo que o marxismo cultural alardeia, outra coisa é o que ele
verdadeiramente busca fazer. Em nosso país, um exemplo disso é a aprovação do
“casamento" homossexual. Tudo foi feito em nome da dignidade humana, pois os
homossexuais não podem ser oprimidos, têm direitos, não podem ser vítimas de um olhar
preconceituoso.
O objetivo, na realidade, é a destruição da família, pois para o pensamento marxista a
família é um valor burguês, uma desgraça que precisa ser extinta, já que está baseada em
elementos que impedem a revolução: a propriedade privada (bens passados para herdeiros,
perpetuação da propriedade privada), a opressão patriarcal (o homem é maior do que a
mulher, não há igualdade) e a ética sexual burguesa. Só como exemplo, numa relação
homossexual existe uma clara afronta à ética sexual cristã, uma violação ao patriarcalismo
ocidental, não há herdeiros. A propaganda é a defesa dos direitos dos homossexuais, mas
o interesse verdadeiro é a destruição da família. Como o povo está alienado, com um
pensamento cristão muito arraigado, é necessário entrar em sua consciência e arrancar à
força os valores “burgueses" que impedem a revolução. Mais uma vez, o caminho é olhar
para o que é combatido, não para aquilo que pretensamente é defendido.
Esta introdução buscou colocar uma visão panorâmica do que é marxismo cultural. Marx
quis implantar uma sociedade nova aqui na terra. Gramsci mostrou que os meios para tal
empreendimento são os culturais, já que os métodos armados não deram certo. O que
Gramsci propõe é a mudança do interior das pessoas, pois somente assim acontecerá
verdadeiramente o início da nova sociedade. É necessário aculturar as pessoas, acabar
com a cultura de cada uma delas.

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