Você está na página 1de 4

A democracia é um valor universal?

Deve ser qualificada por sua natureza de classe, burguesa


ou proletária? Ou por seu sistema, representativa ou direta? Ou trata-se de um conceito
integral, que não carece de adjetivação?

Carlos Nelson Coutinho popularizou entre nós um texto famoso em que sustentava que a
democracia é um valor universal, seguindo, aliás, as pegadas de Enrico Berlinguer, secretário-
geral do Partido Comunista italiano.

José Paulo Netto sempre sustentou uma noção diferente. A democracia para os socialistas
revolucionários é um valor instrumental-estratégico. Não é algo que descartável na sua
estratégia de avanço para uma sociedade mais justa, sem a exploração, sem a opressão e a
alienação. Não se trata de defender a democracia hoje e abandoná-la amanhã. Mas trata-se de
entendê-la como um instrumento, indispensável. Sem democracia, o avanço das ideias
socialistas e revolucionárias torna-se extremamente difícil.

Democracia e revolução em se tratando do Brasil.

Quem estuda a evolução das sociedades chamadas democráticas a partir de meados do século
XIX (1848), há de constatar que há uma visceral incompatibilidade – uma contradição
antagônica – entre desenvolvimento capitalista e expansão democrática. O capitalismo é
visceralmente avesso às expansões democráticas. É só olhar a história da Europa Ocidental ou
dos Estados Unidos. No caso brasileiro, na nossa história republicana, tivemos pouquíssimas
experiências de democracia política – entendendo a ideia de democracia como operante no
plano político, no plano social e econômico, nunca tivemos essa experiência no Brasil. Tivemos
um momento democrático no país, extremamente importante, do ponto de vista político entre
1945 e 1947, e um segundo momento entre 1961 e 1964. Mas nos dois casos nós tivemos,
tencionando, especialmente no segundo caso, o que Florestan Fernandes chamava de
“democracia restrita”. A democracia constituída pelo direito ao voto – o direito universal ao
voto só foi consagrado no Brasil pela Constituição de 1988; antes disso, uma parte significativa
da população brasileira, os analfabetos, não participavam dos processos eleitorais. O que é
possível dizer aqui no Brasil, com as experiências políticas do século XX e XXI, é que a nossa
democracia ainda é uma democracia limitada, “restrita”, ao plano político. Os impactos, as
implicações sociais e econômicas, mesmo nesses períodos democráticos, são muito reduzidos.

“Karl Marx, a história de sua vida”, Franz Mehring

“Marx e Engels”, Auguste Cornu

“Engels”, Gustav Mayer

“Karl Marx, uma biografia”, de José Paulo Netto

3 níveis discursivos (narrativa é coisa de pós-moderno)

O primeiro nível é cronológico.

Capítulo 1 – Marx entre 1818 (nascimento) até 1843 (sai da Alemanha num autoexílio)
No primeiro nível José tratou de encontrar as condições históricas do cenário onde Marx se
inscreve. A Confederação Germânica de 1818 até 1843. Este substrato de todos os capítulos
não há originalidade do autor: ele recorreu aos historiadores europeus e norte-americanos.

No segundo nível José tratou da biografia pessoal de Marx. Aqui a preocupação foi em
construir um entendimento de como Marx se movimenta no chão histórico. O esforço de José
foi de não deslocar a História do movimento de Marx. Não oferecer ao leitor um quadro
histórico e depois Marx. A questão é: mostrar que a História não é o chão do Marx; a História é
a substância da biografia pessoal de Marx.

A partir da articulação entre o desempenho histórico de Marx e as suas ideias, o terceiro nível
consistia na tentativa de José de reconstruir a atmosfera cultural na qual Marx de
movimentava. Deixar claro para o leitor que sem a referência à Hegel Marx é incompreensível.
Não é possível compreender o primeiro capítulo do Livro I d’O Capital – o personagem não é a
mercadoria, é o valor –, não é possível compreender minimamente se não compreender o
legado de Hegel.

O subtítulo do Capital é “crítica da economia política”. Marx não é um economista. Marx lia
romances e poesias. Cultivava a dramaturgia de Shakespeare.

O livro começa com duas epígrafes. A primeira é uma determinação hegeliana: “o verdadeiro é
o todo”. Adorno, contra Hegel, disse “o todo é o falso”. A segunda epígrafe é um poema de um
poeta português.

Filosofia e literatura constituíram o mundo em que Marx se movia. Poetas como Drummond e
John Lennon são companheiros de Marx na sua projeção do futuro.

O que faz um clássico? É a capacidade que ele tem de condensar na sua elaboração
conhecimentos que não são apenas conhecimentos limitados pelo seu tempo histórico, mas
são conhecimentos que permitem uma leitura não suprahistórica ou ahistórica, mas
transhistórica. Marx é o último desses clássicos.

18 de Brumário (1852) – Marx faz uma análise refinada do papel da burocracia estatal

A década de 1850 (Londres) para a família Marx foi uma época miserável. Perde um dos filhos
e não tem dinheiro para comprar um caixão. É um vizinho francês que dá o dinheiro para ser
comprado um caixão.

Enquanto estudante, e que era comum na época, Marx se envolveu em duelos. Quando da
Comuna de Paris, a imprensa burguesa do mundo inteiro se referia a Marx como o “doutor
terrorista vermelho”.
Hegel: “nenhum homem vai além do seu tempo. Mas há uns poucos homens que são os
melhores do seu tempo”. Marx é um desses.

Enquanto homem, Marx foi um homem do seu tempo.

Não podemos hipotecar a obra de Marx a seu tempo, mas sua vida é de um homem do século
XIX.

Conexão entre o ser histórico, o ser social e o ser humano singular.

O conjunto do marxismo não é para ser alguma coisa de uma construção de heróis inflexíveis,
mas de seres sociais e humanos enfrentando e construindo processos possíveis e identificando
essas possibilidades.

Marx é absolutamente necessário. Mas não é suficiente. Existes processos novos no nosso
mundo. Marx não era profeta. Era um cientista. O que é importante em Marx não são suas
conclusões, mas o método de análise do capitalismo que ele foi capaz de descobrir e
consolidar.

Marx instaura uma tradição intelectual teórico-política. Ele e Engels. Dê o nome que se quiser:
materialismo histórico, materialismo dialético, pensamento crítico-dialético. É uma tradição
que está assentada em um tripé: teoria do valor-trabalho (a única que é capaz de mostrar o
caráter explorador do capital na sua relação com o trabalho); o método dialético tal como
Marx o compreendeu e o elaborou; a perspectiva da revolução.

O chamado “marxismo” tem fronteiras, limites. Ao cabo de mais de um século, essa tradição
derivou em vertentes distintas. Em correntes de análise e interpretação distintas. Isso dá uma
ideia da fecundidade da tradição teórico-política inventada por Marx.

Chave heurística que Marx descobriu para pensar a sociedade burguesa: a teoria das lutas de
classe. Marx é claro: não foi ele quem inventou, esta concepção já estava nos historiadores
franceses da revolução. O que ele faz é utilizar a concepção para estudar a sociedade do século
XIX. Qualquer estudo de realidade social que prescinda de uma análise das classes em
presença e dos seus conflitos e dos seus projetos, com toda certeza leva uma análise mutilada.
As lutas de classe estão cada vez mais intensas e acentuadas. Elas não estão visíveis à
superfície da sociedade. Na superfície vemos conflitos fundados em propostas identitárias,
corporativismos vários. Mas debaixo do gramado aparentemente sólido, a velha toupeira da
revolução está trabalhando.

Dizem que os indígenas norte-americanos, vítimas da cultura que ainda está lá até hoje,
encostavam o ouvido na terra para ouvir o grande som, para ouvir o tropel da cavalaria que
vinha de longe, mas que não estava visível a olho nu. Hoje, para percebermos a intensidade da
luta de classes, em todos os quadrantes do mundo, é preciso meter o ouvido no chão e
auscultar a palpitação que não aparece claramente, mas que logo logo, quando a toupeira
colocar a cabeça de fora, vai entoar o grande som.

Marx é ponto de partida, mas não pode ser ponto de chegada. O ponto de chegada tem de ser
construído histórica e socialmente, concretamente. Marx nos impõe um desafio e exigência:
ser capaz de perceber a reconfiguração das placas tectônicas que opõem trabalho ao capital,
que reconfiguram o conjunto da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, redesenham o
conjunto das burguesias.

Você também pode gostar