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ESPIRITUALIDADE COMO MOTOR DO COMPROMISSO PASTORAL

(Texto para palestra)

I - INTRODUÇÃO
Esta palestra tem como meta desfazer os preconceitos dos jovens que ainda consideram a
espiritualidade como algo chato, superado, ligado às pessoas de idade avançada e sem relevância para
suas vidas.
É a espiritualidade que dá o sentido mais profundo, energia e gosto à vida. A espiritualidade cristã
se espelha na vida e nos ensinamentos de Jesus Cristo. Ela é uma questão chave e por isso não pode
fugir da necessidade de integração entre Fé e Vida. Um grupo de jovens que não dedica tempo para
aprofundar uma espiritualidade capaz de alimentar a caminhada, está destinado ao fracasso. Não
podemos pressupor que os jovens já são convertidos ou tenham uma espiritualidade cristã só porque
estão num grupo. Podem estar num grupo por uma variedade de motivos. É preciso desenvolver um
itinerário de educação na fé que conduza a uma espiritualidade cristã amadurecida.

a). A Espiritualidade Cristã dá direção e alegria à vida


Trata-se de algo que faz com que a pessoa levante de manhã e enfrente o novo dia, dá energia
para não desistir diante das dificuldades, dá direção, gosto e alegria à vida. Espiritualidade é algo muito
simples, mas isso não quer dizer superficial, sem importância. Vem da palavra espírito. É o espírito que
move a vida. É o que a pessoa coloca no centro da sua vida. Pode ser poder, dinheiro, prazer, amigos,
família, carreira, Deus. É sua espiritualidade. Mas aqui falamos de Espiritualidade Cristã. A
Espiritualidade Cristã significa colocar no centro da própria vida o Deus de Jesus Cristo como a principal
força motivadora de toda a existência.
É a tentativa de assegurar que o Espírito que nos impulsiona, motiva e guia, seja o Espírito de
Jesus Cristo e não qualquer outro espírito, como, por exemplo, a minha própria conveniência ou o
espírito de uma sociedade de consumo. É a espiritualidade que dá sentido a vida e faz com que tudo seja
uma unidade, esteja em harmonia. Ela nos dá coragem, garra e perseverança em nossos compromissos.
O Espírito de Cristo que transformou os apóstolos no primeiro Pentecostes; de homens derrotados,
fracos, tímidos, sem confiança em si, em homens dispostos a irem até as últimas conseqüências pela
sua fé, deve transformar também as nossas vidas.
Podemos perder todas as outras coisas; dinheiro, cargo, saúde, status, uma pessoa amada, o
marido, a esposa. Os pais podem perder o filho único que é a pessoa humana mais importante de suas
vidas! Se o Deus de Jesus Cristo (o Deus verdadeiro) não é o absoluto em nossas vidas, onde buscamos
forças para continuar lutando? E um dia, mesmo que seja no dia da morte, vamos perder tudo o que é
passageiro. Se colocarmos o dinheiro, o poder ou o prazer como absoluto em nossas vidas, este será o
nosso deus, o nosso ídolo. Assim criamos uma distorção que é a raiz de muitos problemas pessoais e
sociais. Por isso, o evangelho diz: "Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro" (Mt 6,24). Portanto,
quando falamos de espiritualidade cristã não falamos de pouca coisa, de algo que pode ser deixado de
lado ou ignorado, falamos da força propulsora da vida cristã.

b). Crise da Espiritualidade Tradicional


Os jovens quando rejeitam a espiritualidade é porque a identificam com a espiritualidade
tradicional e com algumas devoções que hoje estão em crise. Assim, consideram a espiritualidade como
algo chato, superado, ligado a pessoas de idade avançada, e sem relevância para suas vidas.
A espiritualidade tradicional de exercícios de piedade, que alimentava outras gerações encontra
dificuldades para responder aos anseios e à sensibilidade da geração atual, nascida numa época
completamente diferente. Não é verdade que o jovem não quer rezar. Ele quer rezar, quer se colocar na
presença de Deus, mas do seu jeito.
Há elementos da espiritualidade cristã que podem mudar porque são resultados de uma
determinada cultura. Mas nem tudo muda, por isso, numa nova espiritualidade podemos mudar algumas
devoções, os elementos secundários, mas mantendo os valores essenciais.
Mesmo devoções tradicionais podem assumir nova roupagem quando adaptadas à nova
realidade. É comum no Brasil, por exemplo, rezar a devoção tradicional da Via Sacra integrando temas
sociais por ocasião da Campanha da Fraternidade. Mudamos os enfoques para poder responder às
exigências de uma nova geração, de uma nova cultura, com novos desafios.
Porém, há elementos que não mudam, e por isso garantem a continuidade com o passado.

II - ELEMENTOS PERMANENTES DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ


Podemos mudar os enfoques e as devoções, mas não os elementos da espiritualidade cristã que
são permanentes em todas as épocas. Se mudamos, perdemos nossa identidade. Estes elementos são:
1 - Deus como absoluto da vida;
2 - Seguimento de Jesus Cristo (Crucificado e Ressuscitado);
3 - Opção pelos pobres;
4 - Valores do Reino;
5 - A oração;
6 - Espírito Santo.

1. DEUS COMO ABSOLUTO DA VIDA


Começamos com a leitura de 1Rs 19,9-13. Nós não estabelecemos a relação com Deus. Deus é
quem estabelece uma relação com a gente. Elias procura Deus no furacão, no fogo, na tempestade, mas
Ele não estava nestes lugares. Deus estava na brisa suave. Embora que o furacão e a tempestade
estavam presentes na vida de Elias, Deus não entra no, seu jogo. Às vezes procuramos Deus no
extraordinário e não percebemos sua presença nas pequenas coisas de nosso dia a dia. Diz Leonardo
Boff: "Deus perpassa toda a realidade. Pode, por isso, ser percebido e experimentado nas mais
diferentes situações da vida e em cada detalhe da vida pessoal e do universo. Geralmente não
percebemos sua presença porque age como uma brisa suave”.
O movimento neopentecostal e outros movimentos que utilizam uma metodologia de impacto
emocional, às vezes, podem dar a impressão que fé em Deus depende de fortes emoções. Fé em Deus
não depende unicamente dos sentimentos. As emoções mudam. Posteriormente, quando desaparecem
as emoções a pessoa pode concluir que também desapareceu a "fé". A verdadeira fé não pode ter como
única base, os sentimentos. Os grandes santos da Igreja, frequentemente, passaram pelo o que se
chama "a noite da alma" quando não sentiam nada. A falta de emoções pode ser uma maneira de
purificar a fé. É fácil crer quando te faz sentir bem. Mas, a fé não depende de oscilações emocionais e de
satisfação pessoal, mas de uma convicção que nos coloca numa atitude de profunda disponibilidade
diante d'Ele, que é fonte de toda vida.
Deus precisa ser o absoluto na minha vida. E quando colocamos Deus como o centro, diz o
Vaticano II, todas as outras coisas boas são enaltecidas, tem novo, mais profundo sentido. Por isso
pessoas com profunda fé em Deus são capazes de mover montanhas, enfrentar e superar grandes
obstáculos na vida. É neste sentido que devemos entender as palavras fortes de Jesus. "Aquele que ama
seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Aquele que ama seu filho ou sua filha mais
do que a mim não é digno de mim" (Mt 10, 37-38). Santa Teresa D'Avila resumiu isso num famoso
poema: “Nade te perturbe, nada te espante, tudo passa, só Deus não muda. A paciência tudo alcança. A
quem tem Deus nada falta. Só Deus basta”.
De outro lado, não se quer afirmar aqui que a experiência de Deus para a pessoa não deve
passar pela dimensão afetiva. O Cristianismo não é um corpo de verdades teóricas e abstratas que são
aceitas somente pela inteligência. Ele é aceito pela pessoa humana no seu todo, racional e emocional.
Uma visão seca e fria do Cristianismo não corresponde à realidade e necessidade das pessoas,
sobretudo no contexto da cultura pós-moderna que acentua a importância dos sentimentos, de sentir-se
bem. Às vezes, verdades da fé que são aceitas através de uma convivência afetiva, dificilmente seriam
aceitas por um processo racional. É questão de encontrar o equilíbrio.

2. SEGUIMENTO DE JESUS CRISTO (Crucificado e Ressuscitado)


A experiência cristã é de um Deus que se revela a nós na pessoa de Jesus Cristo. "O seguimento
de Jesus" ou "a imitação de Jesus" tem sido sempre uma das constantes na espiritualidade cristã. Todo
cristão é convidado por Jesus a ser seu discípulo. O convite é pessoal: "Vem e segue-me" (Lc 18,22). Ele
sempre chama os seus pelo nome (cf. Jo 10,4). O entusiasmo provocado pelo convite é revelado por
André que corre em busca do seu irmão Simão e lhe anuncia jubiloso: "Encontramos o Messias" (Jo
1,41). O seguimento e o testemunho até dar a vida, são dois aspectos essenciais da resposta do
discípulo. O relacionamento entre o Mestre e o discípulo acontece por meio de uma vinculação pessoal:
'Vós sois meus amigos' - Jo 15,14 (doc. 85, 57).
Em Aparecida, os bispos da América Latina propõem uma inversão radical do sistema eclesial, de
enfoque da Igreja na conservação da sua herança do passado à proposta que tudo na Igreja deve ser
orientado para a missão: a formação de discípulos / missionários.
O critério fundamental do seguimento é a mensagem e prática do Jesus histórico. Esta
revalorização, dentro da teologia Latino Americana, da figura do Jesus histórico, não é algo novo. É uma
constante nos grandes momentos de renovação da espiritualidade feito por pessoas como Santo Inácio,
São Francisco, Santa Teresa e Charles de Foucauld. A própria religiosidade popular na América Latina é
impregnada por uma forte devoção ao Jesus histórico, como, por exemplo, a devoção ao Senhor Morto,
na Sexta-Feira Santa. Hoje, procura-se viver este grande potencial religioso, recuperando seus traços
libertadores e purificando-o de seus aspectos mais alienantes.
Para conhecer Jesus a pessoa precisa conhecer a bíblia que é o relato da sua vida e mensagem.
As pessoas têm contato com a Bíblia nas reuniões e nos cursos bíblicos onde confrontam a sua prática
com a prática de Jesus. Cada vez mais sabem se localizar na bíblia e são criativas na preparação das
suas celebrações.
Porém, quando falamos do Jesus histórico, levamos em conta que estamos a mais de dois mil
anos de distância. Portanto, a prática de Jesus não pode ser transportada mecanicamente para nossa
realidade.
No seguimento de Jesus encontramos sua mãe, Maria. Ela é o modelo que nos leva ao Filho. É
modelo pelo seu serviço silencioso aos outros, pelo seu sim ao convite de Deus, e pela sua opção
profética ao lado dos mais fracos, como se revela no magnificat. Na América Latina, a devoção a Nossa
Senhora tem ajudado muito a integrar o Cristianismo com as culturas locais. Nossa Senhora de
Aparecida, no Brasil, é negra e, historicamente, seu primeiro milagre foi de libertar um escravo negro.
Nossa Senhora de Guadalupe, do México, Padroeira da América Latina, tem traços indígenas e símbolos
da cultura local no seu manto. Ela aparece não para gente do poder colonial ou para as elites da
sociedade, mas sim, para gente do povo. A devoção a Maria, também, coloca em relevo a importância da
dimensão feminina na vida da Igreja.

3. OPÇÃO PELOS POBRES


Na leitura de Mt 17,1-9, sobre a Transfiguração, os apóstolos sofrem a tentação de querer ficar
em cima, na montanha: "Pedro, emocionado, disse: Senhor, é maravilhoso podermos estar aqui! Se
quiseres, farei três abrigos: um para ti, outro para Moisés e outro ainda para Elias." Jesus insiste que
precisam descer. Para vivenciar a espiritualidade cristã é importante descer da montanha. Descer para a
realidade. Tecer fé e vida ao mesmo tempo, uma dando sentido e força à outra.
A experiência cristã da América Latina capta a realidade do sofrimento de uma faixa grande da
população que é pobre. O documento de Puebla descreve esta situação: "à luz da fé, é um escândalo e
uma contradição com a vida cristã o abismo entre ricos e pobres. O luxo de poucos é um insulto contra a
miséria das multidões. Isso é contra o plano de Deus. Essa é uma situação de pecado social. E o pior, é
que isso ocorre em países que se dizem cristãos e que tem a capacidade de mudar." (Puebla 28). O
documento de Aparecida acrescenta: "Se esta opção está implícita na fé cristológica, os cristãos, como
discípulos e missionários, são chamados a contemplar nos rostos sofredores de nossos irmãos, o rosto
de Cristo que nos chama a servi-Io neles. Os rostos sofredores dos pobres são rostos sofredores de
Cristo." (Aparecida 393).
A opção pelos pobres sempre foi uma característica da espiritualidade cristã. Quase todas as
congregações religiosas foram fundadas para trabalhar com os pobres, embora, muitas vezes, sofrendo
desvios posteriores. O voto de pobreza continua sendo uma exigência da espiritualidade dentro da vida
religiosa. A Igreja sempre trabalhou com os pobres, construindo hospitais, escolas, orfanatos, asilos e
obras sociais. Hoje, porém, há compreensão mais cientifica das causas da pobreza e esta opção é
entendida mais em termos de transformação e libertação.
A partir do documento de Medellín, em 1968, que teve como tema: "A Igreja na atual
transformação da América Latina à Luz do Concílio", a Igreja começa a perceber a necessidade de atingir
não somente os efeitos da pobreza, mas, sobretudo as causas estruturais. Através das conquistas das
ciências econômicas e políticas, ela tem hoje uma visão mais clara das reais causas da pobreza. O
Documento de Puebla, dez anos mais tarde, afirma "descobrimos que esta pobreza não é uma etapa
casual, mas sim o produto de determinadas situações e estruturas econômicas, sociais e políticas"
(Puebla 30).
Deus não exclui o rico, mas adverte dramaticamente que sua salvação está em jogo se não se
colocar do lado do pobre na sua luta pela libertação. Segundo Puebla o testemunho de uma vida simples
faz parte integral da opção pelos pobres. Esta opção é reforçada hoje pelo movimento ecológico que
chama a atenção para o fato que vivemos num planeta com recursos limitados e estamos rapidamente
esgotando os recursos que são necessários para sustentar as próximas gerações. Zelar pela
preservação da natureza não deve excluir o zelo pela inclusão social.
O motivo principal da opção da Igreja, porém, não são os motivos soci+ológicos apresentados,
mas sim as motivações bíblicas e espirituais. Nas reuniões e cursos, as pessoas percebem que em toda
a Bíblia, Deus faz opção clara pelos pobres. O teólogo bíblico Albert Nolan afirma: "Se formos resumir
numa palavra só o Novo Testamento diríamos "amor" e se formos resumir o Antigo Testamento numa
palavra diríamos "justiça". São os dois lados da mesma moeda”.
O segredo da felicidade consiste no equilíbrio entre os dois pólos da vida: o material e o espiritual.

4. VALORES DO REINO
A construção do Reino de Deus foi o termo mais usado por Jesus Cristo para exprimir sua
missão. O termo "Reino" expressa o sonho mais profundo do coração humano, em todas as épocas, no
meio de todos os povos. É o anseio e a esperança de que é possível uma convivência humana mais
fraterna e justa. Tudo o que contribui para a construção de uma sociedade justa e fraterna é uma
realização parcial do Reino. O Reino, porém, não se esgota na história humana, mas passa por ela. A
realização plena do Reino vem depois da morte.
O Reino é também um conceito mais amplo do que a Igreja, como reconhece o Concílio Vaticano
lI. A Igreja tem como missão a construção do Reino, junto com todos os homens de boa vontade
inclusive os não crentes.
A espiritualidade do Reino é expressa de uma maneira sucinta no sermão da montanha (Lc 6; Mt
5) que coloca nossa visão de mundo de cabeça para baixo. A felicidade não está nas opções
apresentadas por uma sociedade de consumo, mas pelo contrário nas opções opostas, opção pelo
despojamento, na sede pela justiça, nos corações puros, nos que promovem a justiça, a paz e a
misericórdia, e na perseguição que é a conseqüência de uma vida vivida assim, porque questiona as
pessoas e os sistemas injustos. O Evangelho, quando pregado com autenticidade, sempre questiona e
incomoda.
A espiritualidade do Reino tem como alicerce certos valores que cortam pelas raízes o pecado
social e o pecado pessoal. Sem a vivência destes valores, a espiritualidade cai no formalismo dos
fariseus. A seguir abordamos alguns destes valores: o amor, a cruz e a liberdade;

a). Amor
No Evangelho Jesus não deixa dúvida sobre o valor central e o maior mandamento da Lei no seu
Reino: "Amarás o Senhor teu Deus. Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mt 22, 36-40). O Novo
Testamento volta insistentemente a reforçar esta afirmação.
A espiritualidade cristã é autêntica somente quando tem como alicerce o amor. A condenação
mais forte de Jesus foi aos fariseus por serem incapazes de amar e serem amados. Em vez de servir,
procuravam ser servidos pelos outros. "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque devorais as
casas das viúvas e, para se justificar, fazeis longas orações; por isso sofrereis juízo mais severo" (Mt 23,
14).

b). A Cruz
A Cruz é um dos elementos típicos da espiritualidade cristã. Jesus foi categórico: "quem quer ser
meu discípulo, deve tomar a sua cruz e seguir-me" (Mc 8,34). A vida é possível na medida em que somos
capazes de nos perder no outro e em Deus. "Se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica ele só;
mas se morrer, produz muito fruto" (João 12, 24).
A afirmação "cada um deve aceitar a sua cruz", foi muitas vezes no passado mal entendida. Não
significa uma atitude passiva: "a vida é assim mesmo", "Deus quer assim", mas de enfrentamento de
todas as cruzes, na vida. Neste enfrentamento, as falsas cruzes vão desaparecendo e ficam somente as
verdadeiras cruzes. Alguém escreveu uma oração muita conhecida que exprime bem esta verdade: "Ó
Deus, me dê a coragem de enfrentar o que pode ser mudado e paciência de aceitar o que não tem
solução". A cruz é uma mística para os corajosos e não para os covardes.
A mística da cruz, portanto, provoca uma verdadeira transformação pessoal. Abandonamos a
fantasia de que controlamos tudo. Na cruz morre a ilusão falsa de si e nasce "o homem novo" do qual
fala São Paulo.
Na cruz também morre a falsa visão do mundo. Na cruz, Deus marcou um encontro com todos
que lutam em prol da humanidade pela qual seu Filho morreu. Na cruz, Deus responde ao sofrimento
humano, vem ao seu encontro. A cruz nos ensina que o Evangelho envolve a dimensão profunda de uma
luta contra o mal - o pecado na sua dimensão social e pessoal.
Os verdadeiros revolucionários se alimentam em última instância, de forças espirituais. As
pequenas vitórias conseguidas no meio de tantas derrotas não são suficientes para alimentar a luta de
libertação por um Reino justo e fraterno que começa agora. "O Reino de Deus está no meio de vocês"
(Lc 17, 21). Por este motivo a alegria no meio das cruzes que carregaram, foi uma característica dos
cristãos logo após a morte de Jesus: "Deixaram o Sinédrio, muito alegres de terem sido julgados dignos
de sofrer afrontas por esse Nome" (At 5, 40-41).

c). Liberdade
Hoje, para um número cada vez maior de pessoas, o destino e ideal da humanidade são
concebidos em termos de liberdade: libertação do pecado pessoal e do pecado social. O anseio de
liberdade motivou as grandes mudanças históricas deste século. Na teologia da América latina a
salvação que Jesus veio nos trazer é concebida em termos de libertação. Para a juventude a liberdade é
um valor central na sua maneira de conceber a vida e o mundo. Falamos de libertação que é
transcendental. É total porque ataca as raízes de todas as formas de opressão e dominação. Outras
formas de libertação são parciais. A libertação transcendental inclui os outros tipos de libertação.
► O Deus da Bíblia: O Deus da Bíblia se apresenta como libertador de seu povo do pecado e de suas
conseqüências. O primeiro grande ato de libertação acontece no êxodo. Deus escuta a voz do sofrimento
do seu povo, escravo no Egito e o conduz através do deserto à terra prometida. Deus se manifesta na
luta de libertação de um povo: "Eu vi a aflição do meu povo no Egito... e resolvi libertá-lo" (Ex 3, 7). Não é
um Deus fora da história.
A Opção Libertadora coincide com a construção do Reino. Nos dois textos clássicos de São
Lucas (Lc 4,14-22 e Lc 7,21-22), resume-se todo o esforço de evangelização em termos de libertação
dos pobres, dos cativos, dos cegos e dos oprimidos. O Espírito de Deus é libertador, portanto qualquer
tipo de espiritualidade que oprime e mata a iniciativa e a criatividade das pessoas não vem de Deus.
► A Credibilidade de Nossa Pregação: Os temas da liberdade e da libertação colocam uma questão
fundamental para que nossa pregação possa ter credibilidade: o amor deve se tornar eficaz e histórico. A
prova de uma pregação cada vez mais encarnada e realista é o grande número de mártires na Igreja da
América Latina. Tertuliano, nos primeiros anos do cristianismo afirmava: "o sangue dos mártires é a
semente da Igreja".
► Conceitos Errados: Alguns jovens confundem liberdade com libertinagem. Na realidade, estão partindo
de um conceito de liberdade que faz com que qualquer escolha seja impossível. Toda escolha envolve a
renúncia. Para se formar como bom profissional tem que renunciar a "liberdade" de aproveitar muitas
oportunidades de lazer. Até que ponto, por exemplo, a liberdade de poder me viciar em tóxicos é
liberdade ou escravidão? Até que ponto pode realizar o sonho de todo coração humano, de um amor
duradouro; a ausência da renúncia, do sacrifício e da disciplina?

5. A ORAÇÃO
Freqüentemente os jovens identificam espiritualidade com oração. Mas até agora não falamos de
oração. A espiritualidade é mais ampla. Quando as pessoas estão se esforçando para pautar suas vidas
nos valores do Reino e têm consciência da presença do Senhor da Criação nas suas vidas, já estão
vivendo a espiritualidade, embora que falte algo. Falta a oração.
A oração também é importante. É uma das formas de viver a espiritualidade. Sem oração não há
espiritualidade cristã. Mas, os momentos especiais de oração, de retiro, só têm sentido se o corriqueiro
da vida é levado a sério. Ao mesmo tempo, embora, os momentos de oração pessoal sejam
fundamentais para fortalecermos nossa espiritualidade, devemos lembrar que espiritualidade não se
resume a momentos ou atos. É uma questão de atitude.
► O específico da mística cristã: A mística cristã é diferente de qualquer outra motivação ou
mística, no sentido de que o seu específico, seu ponto de partida é a fé em Jesus Cristo. Quando esta
mística é vivida coerentemente, ela imprime uma qualidade de sacrifício, de luta, de perseverança, de
vida e de relacionamento entre os membros do próprio grupo e com as pessoas fora dele.
O desafio, portanto, é descobrir meios de criar na pessoa uma estrutura de fé que possa ajudá-Io
a fazer frente aos desafios do secularismo e às tentações de reduzir o grupo a uma clínica psicológica ou
a uma associação política. É o desafio de síntese entre a fé e a vida, a oração e a ação, a oração e o
trabalho.
A oração sempre significa centrar nossa vida em Deus, colocando-nos em contato com Ele. A
oração também nos coloca diante das grandes interrogações da vida: o sentido da própria vida, a morte,
nosso destino, o sofrimento, o mal, a felicidade, o fracasso. A oração não é algo complicado; não
precisamos de condições especiais. É só fazer silêncio para entrar em contato com Deus. A oração
assim, nos unifica interiormente.
Assistimos a proliferação de dois tipos de grupos contrastantes no trabalho pastoral com jovens.
De um lado grupos espiritualistas que reduzem a fé cristã apenas à oração. São grupos que nas palavras
de um jovem "estão tocando violão e cantando aleluia enquanto o mundo está pegando fogo". Do outro
lado são os grupos que traduzem tudo em luta pela justiça social. Precisamos encontrar o equilíbrio de
Santo Inácio que falava de contemplação e ação; e de São Bento que falava em oração e trabalho.

A oração tem três dimensões:


► A dimensão pessoal que apresenta o desafio de cultivar a comunicação pessoal com Deus;
► A dimensão comunitária que apresenta o desafio da Missa Dominical e a vivência dos outros
sacramentos;
► A dimensão social que apresenta o desafio de uma oração preocupada com a justiça social.
A espiritualidade, no fundo, é um exercício de honestidade consigo mesmo, com Deus e com os
outros. É a linha guia que impede que saiamos das trilhas sonhadas por Deus para as nossas vidas.

6. ESPÍRITO SANTO
Quem conduz a igreja não é o papa, o bispo, o padre ou uma liderança leiga. Somos conduzidos
pelo Espírito Santo. "Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que virá sobre vós, e serão então
minhas testemunhas em Jerusalém... e até aos confins da terra" Cf (At 1, 8). Estamos convencidos que o
Espírito Santo é o protagonista da Missão.

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