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FRANÇOISE DOLTO: as crianças primeiro.

1. 00:00:00
- A escola de vocês se chama “Françoise Dolto”, vocês sabem quem é?
- Uma psicóloga, que escreveu livros...
- Ela ainda está viva?
- Não, ela morreu.
- Faz quanto tempo mais ou menos?
- Eu diria uns 60 anos...
- É, se a escola tem o nome dela então ela já devia estar morta quando a
escola foi construída.
- Vocês acham que a psicologia e a psicanálise é a mesma coisa ou nada
a ver?
- A psicanálise é para crianças normalmente e a psicologia é para adultos
em geral.

2. 00:01:15
A primeira vez que ouvi falar da Françoise Dolto foi um momento difícil da
minha vida.
Consegui o número de telefone dela com seu filho Carlos que eu tinha
conhecido um tempo atrás.
A entrevista durou 10 minutos
5 minutos para eu apresentar meu problema e 5 minutos durante os quais
ela me perguntou 2-3 perguntas que me permitiram entender um pouco
melhor o problema que então se desdobrou e me interessei mais pela
psicanálise.
Isso mudou muitas coisas na minha vida, principalmente no meu papel de
pai, na relação que tive e que tenho ainda com meus filhos.
Desde então eu li Dolto, li todo Dolto.
Penso que tem sempre coisas para descobrir e redescobrir na obra dela.
Então vou levar vocês à descoberta da Françoise Dolto.

3. 00:02:39

Serviço de neonatal

“Ibrahim, bom dia Ibrahim, pois é você está com mais dificuldades para
respirar hoje de manhã né?”
“é por isso que estamos te dando um pouco de oxigênio pelo seu nariz
para que você fique melhor, hein, você está se sentido um pouquinho
melhor Ibrahim? “
“As máquinas parecem dizer que você está melhor mas eu gostaria que
você mesmo me falasse, sim você mesmo. “
“Porque eu sei que você é um menininho que sabe muito bem nos dizer
quando você não está bem, sim...”
“Esses dias foram difíceis para você né? É difícil"

3. 00:03:25

Se a gente fala de um bebê, do que aconteceu com ele, do que o envolve,


com o desejo de comunicar o que nós sabemos disso, ele entende, ele
tem o entendimento.
Como? Nós não sabemos, somente observamos pouco a pouco a
diminuição dos sintomas de uma criança que sofre de algo que aconteceu
com ela durante o parto ou depois e que não lhe foi explicado e pelo qual
ele está angustiado. Se a gente não fala para ela, se a gente não explica
para ela o que aconteceu ela mantém sua angústia, se a gente explica
para ela, a angústia desaparece.

4. 00:03:56

"E ai Bradley? (ele tem 2 dias).


Você tem razão, eu acho que você tem razão.
Realmente é um absurdo estar aqui com apenas 2 dias de idade.
Não chore mais, não chore mais, vc está bem,
a gente não vai te manter aqui para sempre,
a gente só vai esperar que vc engorde um pouquinho porque vc saiu muito
cedo da barriga da sua mamãe"
- Funciona né?
- Funciona!

5. 00:04:45

Um ser humano não existe sozinho, ele existe em relação com os outros.
Vocês sabem, é muito complicado porque um ser humano nasce
totalmente impotente comparando as outras espécies.
E ele é desde o começo um ser de comunicação e fala apesar dele ainda
não poder se expressar ele ouve/entende tudo que lhe é comunicado.
Um ser humano é um ser de linguagem antes mesmo de sua existência e
ainda mais uma vez que nasce.

6. 00:05:12
Como que era antes com os bebês, antes da Dolto?
Teve o Pasteur em medicina e teve a Dolto em psicanálise.
A mudança foi incrível, ela foi uma das primeiras a falar dos bebês na
França.
7. 00:05:50
Na época, quando Françoise era jovem, a criança não era nada de muito
importante até ela começar a falar, até ela começar a andar, ela não tinha
sua própria consciência, era alguém que chorava muito, então tinha que o
alimentar,
não podia pegar muito no colo porque ia ficar mimado e ficar acostumado
de ficar no colo.

8. 00:06:16
"Você começou a falar com bebês como se eles pudessem responder,
devem ter rido muito de você?
-Sim, eu era a louquinha de plantão, achavam engraçado me ver falar com
as crianças.
Devem ter achado que vc era louca mesmo né?
-Sim na minha própria família achavam que eu era meio louca, e até hoje
acho que meus filhos me acham meio louca, você não me acha louca?
-Não mesmo.
-Mas é verdade que tenho essa convicção, essa maneira de viver, que é
que o interlocutor mais jovem é mais esperto que o mais velho. Um pouco
com uma partida que ainda não foi jogado e que tem toda sua
potencialidade ainda.

9. 00:07:26

Vou te contar uma pequena anedota,


você sabe que o nome de solteira dela era Marette e ela queria que o
epitáfio dela fosse “Françoise Marette entrou desesperada, Françoise
Dolto saiu feliz”.
Esse álbum é muito precioso, é um álbum de infância da família de Dolto.
Ela chega aqui, em 1908. Ela nasceu numa família muito burguesa, na qual
ela sempre se sentiu fora do lugar. Ela dizia que ela não entendia o código
da família.

10. 00:08:18

Minha família tinha uma amiga, Madame Chapelot que me disse que ela
pensou quando eu nasci
“o que vem fazer essa pato na lagoa de sapos?”.
Fui a quarta filha de 7 e já era diferente dos meus irmãos quando nasci,
porque, eu não sei, são os mistérios da genética.
Eu fazia olhos redondos e absorvia tudo ao meu redor e ai me
perguntavam “Françoise no que você esta pensando?”
Isto era terrível, "no que estou pensando: porque se eu falava o que
estava pensando, sempre acabava mal porque eu pensava coisas que não
podiam ser pensadas. Eu estava um pouco a parte, é verdade.

11. 00:08:54
Para Dolto, nunca foi uma questão de estar conforme, mas pelo contrário
de achar apoio nesta inadaptação para ouvir o que outros não podiam
ouvir ou não sabiam ouvir. Ouvir um bebê, um lactante, ouvir no silêncio
do bebê, seu sofrimento, seu desamparo. E estou convencido que é
graças a esta inadaptação primeira que FD pôde se manter aberta a esta
atitude de ouvir o que outros não ouviam.

12. 00:09:38

"Lembranças da vida de Jacqueline Marette",


é a irmã de FD, é 1920, são 3 meses antes de sua morte, ela tinha 18 anos,
ela morreu de câncer e sua mãe teria preferido que fosse FD que tivesse
morrido.
Durante as 3 semanas que seguiram a morte da minha irmã, ela não
queria me ver e ela me disse “eu não quero te ver, é vc que devia ter
morrido”.
E eu pensava que ela tinha razão, eu achava Jacqueline muito bonita e
durante 15 dias eu tive que comer a parte no meu quarto, minha mãe não
suportava nem me ver, era o mesmo efeito que se falassem de Jacqueline.
Meu pai obrigada minha mãe a me suportar mas era terrível.

13. 00:10:19

A partir da morte de Jacqueline a gente vê que o que era latente,


implícito, esse lugar singular de FM na sua família, vira manifesto. Não
estamos mais no implícito mas na ordem do conflito, do ódio e da rejeição.

Muitas pessoas achavam que minha mãe era inumana comigo mas eu
tinha uma compaixão enorme por ela, nunca fiquei brava com ela, com
quem era terrível conviver.

"Essa era FD. viu como ela era linda, 24 anos. Isso é ela de jovem médica"

Quando comecei a medicina foi um problema terrível, não para meu pai
mas para a minha mãe que achava que eu estava destruindo minha vida,
estava virando fora da lei, marginal definitiva.
Se eu falasse que ia me mudar para um bordel, não teria sido pior.
Ela esperava que eu ficasse rapidamente desmotivada. Mas quando ela
viu que eu não estava desmotivada e que pelo contrário tinha achado uma
esperança em virar médica, ela entrava num estado depressivo. Eu era a
pessoa que a fazia sofrer.
Eu não queria a fazer sofrer mas eu não podia fazer de outro jeito, meu
próprio ser a fazia sofrer porque eu não era o que ela esperava de mim.
Se bem que eu sofria de a fazer sofrer e é por isso que comecei com
grande culpabilidade uma psicanálise e realmente esse psicanalista me
pontuou até rapidamente desta minha culpabilidade.
E esta fé que é a minha, é que todo mundo escolheu nascer e que se
sobrevivemos é que tem uma razão cada um de nós escolhe seu destino
por uma razão que eu não sei qual é e pode a enfrentar se ele achar
alguém que o ajude.

A psicanálise, seja para as crianças, seja para os adultos, finalmente é


isso, é permitir às pessoas virarem o que elas são.

Da psicanálise pessoal de FD ao virar psicanalista então é seu analista que


a leva nesta direção. É ele que a provoca a virar psicanalista. Seu desejo
era virar pediatra mas sua analista lhe diz que ela foi feita para isto.

Eu sei que tenho que fazer algo para ter a dignidade de viver mas que sou
feita para espalhar uma certa paz, para deixar os seres feridos
descansarem no meu calmo espaço de suas tempestades, se deixando
flutuar.
Deve haver curvas claras e obscuras no rostos e no mexer dos seres que
os destinam a este papel.

No começo ela esta na única sociedade psicanalítica que existe, a


sociedade psicanalítica de Paris e ela se interessa em casos que ninguém
está interessado, crianças com grande dificuldades físicas, fisiológicas e
psicológicas.
Ela é alguém, que todo mundo sabe, quis ser pediatra, é medica de
educação como ela diz, ela tem uma originalidade.

Para Dolto a psicanálise pode e deve cuidar. Não releva de um exercício


intelectual ou filosófico mas releva verdadeiramente do cuidar.

Para mim a psicanálise do pequenos e dos bebês é a psicanálise pura.


Quer dizer eles estão no nível do verbo, eles estão na linguagem, no nível
do verbo que ainda não assimilou tal ou tal código, mas eles tem o código
do humano o mais autentico e mais profundo que é: a saúde é isso viver e
que a doença é um sofrimento do viver e que vem de uma comunicação
errada com o mundo.

Ela estava no 260, aqui estamos no 254, aqui a grade onde ela está. Essa
foto foi tomada aqui exatamente. Ela morava no terceiro andar, ela morou
mais de 50 anos aqui, ela trabalhou, viveu aqui.

Eu pensava que eu não aguentaria ficar sentada todo dia para mim isso
era horrível. Os meus primeiros casos eu era obrigada a fazer a volta do
quarteirão, na época não existia jogging, eu fingia que estava muito
apressada e corria em volta de casa para me recompor.
Depois me dei conta que se recitasse alexandrinos para mim mesma,
principalmente Racine, totalmente no meu ritmo, eu estava totalmente
recomposta com uma página de Racine e capaz de ouvir alguém
novamente.

Nosso casamento 12 fevereiro 1942.


Este é o Boris Dolto, ele era russo, eles se conheceram em 1941 e se
casaram 6 meses depois foi amor a primeira vista. Ele era fisioterapeuta.

-Vc era aluno de BD


- Sim, entre outros, desde 1949, ele foi um precursor porque ele tinha
feito a relação entre o corpo e o espirito.
- Ele se interessava então ao psiquismo
- Sim ele se interessava então ao psiquismo ao mesmo tempo que o
corpo. Ele achava que os sinais do corpo tinham uma razão física mas
muitas vezes também relacionada ao intelecto.
-Muitos dizem que a relação dos dois (FD e BD) era bem particular.
-Sim ele a amava muito, chegou até a me dizer no almoço que nunca
estava tão feliz que quando estava fazendo amor com sua mulher, que ela
o fazia muito feliz e ele a admirava muito. E as vezes amor e admiração
não vão juntos mas no caso deles sim, eles se inspiravam mutualmente. O
que ele sabia do corpo ela o interpretava e o que ela sabia da linguagem
do corpo ela falava para ele.

Para mim é o ser humano mais inteligente que conheci, de inteligência de


todos os tipos, seja táctil, seja intelectual. Ele não era cartesiano porque
ele era russo e se eu o amava e, eu acho que é isso o amor, é porque
nunca podia o conhecer direito, sempre havia uma surpresa, não havia um
dia que eu não descobria algo que não conhecia. É isso que é incrível do
ser humano, é que não se conhece ele e ao mesmo tempo sentir ele como
uma vida vibrante
-vc teve um grande amor com ele?
-Sim, não tinha como não, ele tinha uma envergadura afetiva enorme, mas
não era fácil de conviver
- Você também não deve ser fácil de conviver né
- Claro também não sou.

Aqui estão os três filhos.


-Dizem que é difícil ter uma esposa psicanalista agora é difícil ter uma
mãe psicanalista?
-Não, nem um pouco, é até engraçado porque como mamãe falou
tínhamos um pai incrível, e era muito bom ter pais que se amavam, se
entendiam, eles davam tempo para a família, minha mãe trabalhava o dia
inteiro, a gente até abria a porta para os clientes mas de noite tínhamos
momentos incríveis de família, já levei uns bofetões do meu pai por causa
de deveres, mamãe vai dizer que não, mas era sempre papai que decidia.

Eu derretia, eu era uma mãe coruja que achava que tudo que vinha dos
meus filhos era incrível então felizmente meu marido botava disciplina
porque eu era incapaz de botar autoridade nas crianças. Nunca tive uma
ideia pré-concebida de educar as crianças, e se as crianças reclamavam
que eu tinha opinião diferente do meu marido eu respondia para que serve
ter dois pais se é para serem iguais.

O que vimos de nossa mãe é que ela nos consolava e nos apoiava sem
jamais o questionar sua autoridade senão eles teriam divorciado. Ela
falava vces sabem que seu pai é assim, ele ama vces, se virem. Vces
escolherem nascer nesta família então se vces não estão felizes é
problema de ves. Ele é meu marido e eu o amo, se alguém tem que ir
embora não vai ser ele. Mas era dito com muito amor e compaixão. Era se
vc quiser ir embora vai ser terrível mas vamos te ajudar. O que era igual na
educação dos dois era “responsabilize-se” se vc esta achando intolerável,
então mexe, porque o mundo não vai mexer para vc. E uma educação
incrível essa.

Acho que meu egoísmo na vida serviu muito a eles, meu egoísmo devido
ao pai deles, fez com que não me grudei muito aos meus filhos. O
importante era que meus filhos não me prendam para me deixar trabalhar
e para ser do meu marido quando ele estava lá.

Acho que as pessoas achavam que ela nos davam liberdade demais e
ouvia demais o que falávamos. Os problemas que podíamos ter é que
tínhamos um educação diferente dos nossos colegas mas enfim nos
saímos bem. Como isso se manifestava? Confiavam muito na gente. A
primeira coisa que escrevi, não sei se vc estava lá, foi “merda” na parede
da escola, via os mais velhos fazerem isso e quis fazer, e minha tia que
levava a gente naquele época ficou brigando comigo na volta para casa
dizendo que meus pais iam ficar bravos. Ai quando ela contou para minha
mãe ela me disse “que incrível vc sabe escrever”. Mas depois ela falou
“não pode escrever merda”.

Esses são os desenhos de seu filho Jean.


“Um pequeno peixe que vai ser pego pelo pescador, uma baleia que quer
comer ele como um filet”. Ela escreve apenas a interpretação que ele dava
de seus desenhos.

Ela tem um senso de observação que faz com que ela dê sentido aos
gestos, aos desenhos, massinha, aos gestos espontâneos de um bebê,
coisas que até lá ninguém tinha prestado atenção. Ela vai tirar relações
entre o corpo do bebe, a imagem que a criança se faz de seu corpo mais
tarde, seu esquema corporal, sua relação com a linguagem, com os
outros e de tudo isso ela vai tirar um teoria.

São mais os testemunhos que são botados em palavras do que uma


teoria, se estes testemunhos tais como os expus podem ajudar alguém a
escutar um outro, então podemos chamar isso de teoria mas para mim é
uma maneira de explicitar o que esta acontecendo.

Ela era uma grande leitora de Freud, conhecia muito bem, e tentava re-
articular, como a teoria para que fosse um instrumento que ela pudesse
transmitir.
Eu assisti aos seminários que ela fez sobre desenhos de criança. Tinha
uma máquina velha que projetava os desenhos, ai ela ficava na luz da
máquina no topo do anfiteatro, parecia voodoo, as pessoas traziam
desenhos e ela os interpretava. Ai ela dizia coisas alucinantes “essa
criança deve ter perdido a avó” ou “este foi separado da mãe” e todo
ficavam chocados na sala porque ele não tinha informações sobre a
criança. Ai ela perguntava “vocês querem saber como eu fiz isso”, ai a
gente respondia “claro”. Então ela falava, o formato do teto, as mãos em
formato de torneira, ah então essa criança foi abusada quando pequena,
tem um histórico de incesto, tinha um avô que era assim, uma avó que era
assado e o pior é que quase sempre ela acertava. Mas era baseado nas
centenas, provavelmente milhares de pacientes, visto que eram 20 a 30
crianças por dia que faziam desenhos, ai vai rápido. E ai ela falava que o
que acontecia é que ela via todos esses desenhos e que quando a criança
associava ou era contada a história dessa criança, muitas vezes eram as
mesmas interpretações que se repetiam. Ela falava que não era
genialidade e sempre certo mas que tinha que pensar nessas associações
repetidas. Foi sempre a partir da clinica e do que ela aprendia com as
crianças.

“Os pacientes, as pessoas com quem mais aprendi foram os bebes e as


crianças entre eles e os bebes em relação com seus pais. Meus colegas
são os bebes, acho que tenho algo de bebe em mim que não foi acabado
e são os bebes que me educam”.

Sobre as bonecas flores. Março 1950.


A FD nunca teria tido a ideia sozinha da boneca flor, é porque uma mãe
lhe falou que sua filha que se tratava com D não gostava de brincar de
boneca, de animais, de historinhas. FD perguntou a criança se ela gostava
de flores e ela disse que sim e ela mandou a mãe fazer então uma boneca
verde sem sexo com cabeça de flor. Essa boneca foi muito importante no
avanço do tratamento porque era muito complicado para ela a
representação do corpo sexual de menino ou menina ou até de animal que
era pulsional demais. Ela ia buscar as crianças la onde elas tinham ficado
bloqueadas, em regressões, em estados, as vezes muito longes e que ela
consegui identificar de maneira incrível esses momentos e la ela dizia as
palavras que tinham faltado para que a criança passasse para o próximo
estado.

Acho que é um dever de ser um mediador do que aprendemos com os


outros sobre os que conseguimos tratar e dos que não conseguimos
tratar mas que fizeram um caminho para encontrar processos de saída de
suas historias. Que pelo menos sirva aos outros se para a própria criança
não serviu.

Acho que sua preocupação era mais de compartilhar do que transmitir no


sentido próprio do termo porque implica a relação aluno-professor.

Sua consulta começa no Hospital Trousseau e logo, abre um grupo de


jovens analistas em formação e os faz testemunhos e co-participantes de
dispositivos particulares.
Assistir uma de suas consultas, todos queriam, tentei por 3 anos então
escrevi esta carta:
Cara FD, você não sabe o quanto queria assistir a sua consulta em
Trousseau, então vc esquece meu nome. Eu me chamo Olivier Grigon, eu
sei que está cansada com todos esse pedidos, eu não quero a cansar
então o que preciso fazer para que vc me aceite em Trousseau? Eu
poderia me fazer de louco mas é muito difícil e vc deve estar cansada
disso. Aceitaria que eu fosse seu motorista? Eu poderia a dirigir a
Trousseau todas as terças, dirijo bem e meu carro é confortável, perdoe
minha insistência que é sustentada pelo meu desejo de ser analista.

Caso Fabienne

Criticavam FD nesta época de transmitir magia e não saber, de transmitir


um maneira de ser. Até na escolha freudiana, de Lacan, ela vai encontrar
muita oposição.
Ela dizia que esse depois de uma conferencia todos concordavam, ela nao
tinha dito nada de interessante, para avançar tinha que criticar, rir dela,
ela nao se importava, ela não queria fazer uma escola mas queria
transmitir o que ela sabia e ai podiam fazer com isso o que queriam.

Livros de FD

FD você é um cristã convencida?


Sim depois da minha psicanalise, antes eu era porque todo mundo era,
mas depois entendi que era uma experiência incrível quando não era
vivida de maneira neurótica. Tinha nos evangelhos tudo que a psicanalise
descobriu. A dinâmica é mais que a moral.
Krishna era uma não religião. Espiritualidade humanista mas não religiosa

Pegaram o pretexto do seu interesse pelos evangelhos e sua fé assumida


de espiritualidade mas dizer que o que ela fazia não era mais psicanalise
mas besteiras. O conflito foi violento porque dizer disso do equivalente
feminino de Lacan na escola freudiana revela de uma tensão muito
grande. Hoje em dia olhando para trás a verdadeira razão dessa critica foi
de achar que pela morte de Lacan, FD iria o suceder.

Carta de Heitor de Macedo 1975.

Quando a criança aparece


Vamos começar com a carta de uma jovem mãe que já tem 4 filhos, 2
gêmeos de 16 anos, um de 14 anos e um de 21 meses. Ele não para de
acordar, 15-20 vezes por noite.

FD acreditava que a psicanalise tinha uma função social e que se dava as


pessoas os meios para pensar sobre o que fazem com os filhos a partir de
exemplos concretos ou cenas da vida cotidiana eles achariam eles
mesmos as soluções.

Eu queria fazer algo que não fosse voyeur onde as pessoas que
escutassem pudessem ser ajudados nas relações vizinhas entre adultos e
crianças. Eu pedia pelo menos 5 paginas e não hesitem em me mandar 10.

Cara FD eu estou medindo o peso desta carta com tudo que espero da
resposta dela. Aqui esta meu caso, eu fui muito mal educada pois não sou
feliz.
O que nos falta para saber se seus conselhos são bons é saber se seus
filhos são mais felizes que os outros.
Selecionávamos as cartas pela urgência mas também pela diferenciação
porque eu sabia que tal carta ia ser respondida de maneira totalmente
diferente do que se esperava.

Ela fez o que queria fazer com 6-7 anos “médica de educação”. Ela
ensinou uma higiene de vida afetiva e mental.

Teve um pico da psicanalise de crianças e ai teve demais. Quer dizer


tinham crianças que não queriam nada e iam pro psicólogo, vc se sente
responsável por essa banalização?
Vc acha que sou?
Não sei, estou perguntando.
Talvez.

E vc acha que se vc não tivesse descoberto D vc teria feito os mesmos


erros?
Sim, acho que minha análise pessoal me ajudou muito e eu não teria
conseguido fazer vc e sua irmã tão felizes como eu queria. Ela ajudou a
mudar o olhar da sociedade sobre as crianças e alias seu ultimo grande
projeto foi a casa verde.

Não são creches, são lugares onde as pessoas podem vir se elas
quiserem e onde elas podem fazer encontros com um psicanalista, um
psicólogo, um educador, outra mãe, e onde um mínimo de lei é dado para
deixar as crianças transitarem entre os adultos e as outras crianças e
assim criar um lugar onde a criatividade do laço vai ser testada.
A visão dela não é que a psicanalise precisa ser aplicada na criança o mais
cedo possível para que não aparecem sintomas mas que tem efeito que
impedem os sintomas se inserir. Nunca saberemos até que ponto isso
evita neuroses ou coisas mais graves mas o que sabemos é que não é em
vão. A prova é que as pessoas vão e voltam.
Estamos longe de uma tendência contemporânea de reduzir a
inadaptação de maneira geral, de despistar problemas de adaptação na
crianças de 3 anos e inscreverem isso em seus históricos médicos, os
estigmatizando e estamos numa situação oposta com FD que faz a prova
que a inadaptação traz criatividade, de abertura, de vida.

Como vc esta vendo a evolução da psicanalise, e a psicanálise de criança?


Não sei, estamos caminhado para uma sociedade robotizada tanto no
afetivo que no psicológico. É como se estivéssemos fazemos indivíduos
não como sujeitos mas como cidadãos calibrados como ovos. É uma
mutação que vemos, a psicanalise tem seu lugar, se é como motor ou
seguidor não sei.
Um enorme papel.
Ela nos ensinou muito no seu jeito de morrer, ela estava feliz. Ela me disse
“É prazeroso saber como é morrer depois de tanto tempo mas é um
pouco inquietante”. Ela nao estava com medo da morte e estava certa que
ia encontrar seu marido com quem ela mantinha uma relação telepática.
Um dia me ligaram do SAMU e me disseram que estavam com ela na
ambulância mas ela nao queria ir ao hospital até eles confirmarem o
diagnostico. Meu pai já tinha morrido uns 7-8 anos atrás e ela falou que
sabia que nao estava fazendo um OAP e seu marido concordava.

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