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[nota do adaptador: material adaptado de acordo com o original]

qual, novo bebê (sem haver sido prevenido, aliás), devendo-se continuar chamando
todo o mundo pelo mesmo nome, isto não é possível. Estas crianças caem em um
incógnito" em relação a si mesmas. É a perda do sentimento de existir no
cruzamento de espaço-tempo, ligado â sua imagem do corpo. Elas entram na
psicose, na psicose em que predomina aquilo que se chama, em psicanálise, a
pulsão de morte, o que não quer absolutamente dizer uma libido que se volta sobre
o indivíduo para destruí-lo, não, trata-se de uma libido sem objeto e sem sujeito, que
se dissipa desta forma, por falta de desejo e apega por ele, sujeito perdida.
Finalmente, esgota-se de não ter encontro que faça eco àquilo que experimenta e
lhe dê coerência — sentido para viver — o que não é possível senão mediante um
dizer verdadeiro, por um ser crível por ela. sobre o que experimenta.
As pulsões de morte são o indivíduo que está sem relação com o mundo exterior: o
sujeito morre de não ter relação. O corpo viveria bem. mas não agüenta mais,
quando esta situação for muito precoce; ele não quer mais viver, pois não está
construído, "completo”.[2]
As pulsões de morte em alguém de seis ou sete anos podem muito bem ser vividas,
no máximo, com narcolepsia, mas. em um bebê, não podem ser vividas, pois ele
ainda não existe se o outro, que o conhece, não fizer com que ele se reconheça, até
que esteja estruturado, edipiano, isto é, em suas pulsões genitais; as pulsões de
morte em um bebê funcionam como se ele se destruísse. Se não se destrói. é
destruído pela ausência de possibilidade de encarnar-se mais. Ele está
desenraizado e morre, por perda de apetite, de peristaltismo, A angústia,
aumentando, torna-o insone, depois anorético. depressivo,
Mas a palavra, eis o que é inacreditável, é a “palavra verdadeira" que pode,
provavelmente pelo imaginário, restituir a estrutura simbólica, na verdade da relação
com quem lhe fale dele. daquilo que sofre, de sua história.
Seguramente, não poderia ser uma fita magnética a contar-lhe a sua história, é
preciso que isto ocorra em uma relação com ele, mas em uma relação triangular, ou
seja. uma relação ao mesmo tempo com ele e com outra pessoa, aquela que
atualmente fornece os cuidados a seu corpo e escuta; tanto faz quem seja esta
pessoa, por exemplo, se sua atendente diz: "Eu não consigo escutar a sra. Dolto.
isto me faz vomitar todas as tardes", então eu mando a estagiária. Por que não a
pequena estagiária? Digo à criança: "Ela substitui Taty Truc, porque Taty Truc fica
doente com o que te digo. mas ela gosta que eu trate de ti porque tu estás
melhorando, e a estagiária, como vês, não fica doente, ela Fica contente que eu te
diga tudo isto..”
(página 27)
Todas as pessoas são mediadoras de outra mais importante: aquela que a ama
tanto [mas em seu estômago] que, quando se fala a seu “lactante” dizendo-lhe a
verdade, coisas que não teria conseguido fazer, ela o vomita [despeja o bebê junto
com a água do banho], o que não a impede de ser muito gentil com ele em seus
cuidados maternais. Uma vez que tenha vomitado, sente-se muito melhor. Existem
muitas maneiras de ser maternal.
É muito bom que as atendentes amem com o estômago e que engulam suas
crianças, pois as crianças estão em idade de engolir a pessoa. Por que não, quando
vão bem? Essas crianças verão outras e, de resto, será preciso que se desliguem
delas e se liguem a outras. Esta é a vida dos bebês que passam de mão em mão,
mas isto nem sempre origina crianças autistas, crianças que queiram morrer. Existe
todo um sistema de significações acontecendo: elas não têm mais do que viver;
então, esta pessoa dá cada vez mais motivos para viver, mas, embora dê cada vez
mais do que viver, como não dá palavras, isto não consegue mantê-la em caso de
grande provação.
Certamente existem crianças mais sensíveis do que outras: acredito que. desde a
origem, o capital humano é feito de tal forma, que há crianças que poderio suportar
provas psíquicas prendendo-se à comida, que para elas é significante da relação
corpo a corpo com esta pessoa: mas existem seres humanos já diferenciados
mentalmente. Todos têm necessidade de relação emocional e de palavras, mas
alguns são mais sensíveis; vemos isto muito cedo nos bebés. Era isto que eu queria
lhes dizer contando a história deste menino esquizofrênico, longilíneo e fino, uma
pele de sensibilidade formidável.
Certamente, isto não acontece a qualquer um; seu irmão adotado era um bom
pícnico, moreno, com boa pele muito sólida, nem um pouco magro. Simplesmente
havia feito pipi na cama até os cinco ou seis anos – isto ocorre também nas famílias
em que as crianças não são adotivas -, depois saiu-se bem. Isto serve para dizer-
lhes que cada criança tem seu capital específico, onde o psiquismo é, certamente, a
metáfora do que vemos de fisiológico, o que podemos aprender por sua tipologia
primeira. A sensibilidade da pele, as reações do olhar, a rapidez da percepção, a
discriminação sensorial, olfativa, auditiva, gustativa, tátil, enfim, todas estas coisas
que se pode observar extremamente cedo nos bebês, são constitutivas de sua
personalidade potencial. Aí estão as duas histórias: a última, para mostrar a vocês
aquilo que um menino havia carregado por toda a sua vida, porque não se havia dito
a ele o que havia se passado no início.
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M. -M. Chatel. – Pode-se pedir que defina o que lhe dá a convicção de que se pode
falar desta maneira a uma criança?
Françoise Dolto. – O que me dá esta convicção é o efeito desta palavra, a
experiência dos efeitos desta palavra. Aliás, foi assim que cheguei à psicanálise de
crianças; na época, ensinava-se apenas a psicanálise de adultos, e nos
comportávamos com as crianças exatamente como com os adultos. No início, havia
“ludoterapia”[4], não havia absolutamente nada. Havia uma mesa, e não um divã,
para a criança, que não se deitava. Agora veja: “Se estiveres chateado e quiseres
falar, poderás dizer tudo o que quiseres com palavras, com um desenho, uma
modelagem, até ficando calado. Se algo estiver falando dentro de ti, escutarei,
calando-me também.” Isso é tudo.
As crianças faziam psicanálise, saiam-se bem em seus afazeres, e foi assim que
escrevi minha tese,[5] estupefata, verdadeiramente espantada de que este método
fosse tão operacional. Como aconteceu a cura? O que foi que aconteceu? Eu
tomava nota daquilo que acontecia, daquilo que percebia, e era aos poucos que eles
se transformavam. Posteriormente, relia minhas anotações para tentar compreender
o processo destas transformações.
Com os pequenos, é parecido; mas é preciso dizer aos pequenos, eis a diferença;
há necessidade do declarativo, do declarativo daquilo que os pais nos dizem. É uma
coisa espantosa, que uma "fita magnética" volte assim em uma criança: ela não o
havia integrado ao seu intelecto, mas conseguiu verbalizá-lo. Foi necessário todo
este trabalho prévio! antes de compreender do que se tratava.
M.—C. Busnel. — Gostaria de pedir-lhe alguma precisão. Quando você diz: "é
preciso falar-lhes de...", isto é para crianças de que idade?
F. F. — Não sei... oito dias... quinze dias... no nascimento...
Por exemplo, a criança que não consegue mais mamar na mãe, a assim chamada
anorexia do recém-nascida...
Certamente, é nos braços da mãe, em uma situação triangular, mas tudo aquilo que
a mãe diz eu repito à pessoa da criança. E a mãe dizendo: "Mas, pense bem ele não
compreende, por que lhe fala?"
Falei com pediatras que agora trabalham comigo, que tentaram aquilo que de início
pensaram ser um truque, dizendo para si mesmos: "Ela é completamente maluca,
mas vamos tentar... por que não?..."
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E então, surpresa, cada vez que falam à pessoa da criança dizendo-lhe aquilo que
sua mãe acaba de dizer, ao invés de falar da criança com a mãe, sem dirigir-se
pessoalmente a ela (criança) acontece uma completa transformação das relações
destes médicos com seus bebês. Nunca é cedo demais para falar a um ser humano.
É um ser de palavra desde a vida fetal, e eu compreenderia muito bem que uma
mãe e uni pai falassem à pessoa do feto que está dentro do útero da mãe. Talvez
trate-se neles de um fantasma, talvez... Em todo caso, o efeito desta palavra é tal.
não precisa necessariamente ser a palavra de um psicanalista... mas que seja
verídica.
Enfim, agora que, como vocês sabem, faço este programa na Franca-Inter, quantas
cartas já chegaram para confirmar o espanto dos pais que disseram: "Vamos tentar,
mesmo assim". Por exemplo: a insônia de uma criança é algo grave, pois afeta o
prédio inteiro. A gente embala, sacode, de tapinhas, droga a criança, - Sim, é
preciso veras complicações que pode causar uma criança que grita a noite inteira, o
pai e a mãe trabalham, e são obrigados a embalar durante toda a noite, para que os
vizinhos não derrubem a porta. Que cansaço! Então eles dizem: "Não custa tentar
fazer o que ela diz: mal não pode fazer.” Resultado: a criança põe-se a dormir
tranqüilamente, porque a verdade lhe foi dita. Foi-lhe dito que ela sofria, queria dizer
alguma coisa gritando e perturbando os pais, que souberam reconhecer seu desejo,
foi tranqüilizada. Não importa quem sejamos, acredito que ao nascer somos dez
vezes mais inteligentes do que pensamos ser aos vinte anos... Todos temos
inteligência em nós, depois ela se distribui em múltiplos desejos e interesses. Enfim,
é como uma partida de xadrez, no início tudo é possível, depois, no decorrer da
partida, já não restam mais muitos peões, é preciso tomar muito cuidado para
conseguir avançar e ganhar a partida, sobretudo se o adversário for cruel.
Assim é esta palavra: nunca é cedo demais para “falar a verdade", O que aconteceu
a esta criança, ou o que alguém nos disse dela. Se nos dizem algo diante da
criança, cabe retomar "Estás ouvindo, teu pai diz isto, mas tu talvez tenhas
vivenciado este acontecimento de outra forma". Falar à sua pessoa, deixando-lhe o
lugar para uma resposta que não ouviremos, pois não tem a palavra para falar, mas
que. em desejo, emitirá em resposta não audível, mas o desejo e o sujeito estão lá.
Chamado para ser, ele se estrutura, se constrói, consciente — enfim, como direi,
coesivo; quero dizer coesivo consigo mesmo e acolhido como humano, “ser de
palavra”, palavra que ainda não pode ser dita por não haver aparelho emissor de
palavra, laringe e músculos coordenados da boca; mas ela se expressa, e muitas
coisas que nos dizem as mães são coisas que as crianças sentem, e as coisas que
as crianças sentem e significam são coisas que a mãe sente. Existe uma
comunicação, mas se esquece que a criança também tem sua palavra a dizer, em
todo
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caso a pensar, sendo ela um interlocutor silencioso mas receptivo, tão válido quanto
nós mesmos.
Já se sabe que a criança está no desejo de seus pais. mas o que não se sabe é que
a própria criança tem seu próprio desejo que ela quer nos manifestar, e que a única
maneira de reconhecê-la como sujeito é falar â sua pessoa e deixar-lhe um tempo
de resposta que escutamos com nosso coração, nossa pela... “Bem, tu tens razão.
Tu és infeliz, nós não podemos fazer de outro jeito, a mamãe precisa trabalhar, eu
preciso dormir e tu estás muito, muito infeliz, mas nós não te pegaremos de volta em
nossa cama, tua mãe não te pegará no colo de novo. É preciso que durmas.” Dito
isto. ao mesmo tempo em que se reconhece o sofrimento da criança, ela “se
reencontra”; eis aí como posso lhes responder...
Da mesma forma, quando uma criança fica completamente desanimada depois da
morta da avó materna, ou do tio... tudo isto são respostas, testemunhos que recebo
na France-Inter. Eu já sabia disso, mas não em tão larga escala, e com pessoas que
não são psicanalistas, com o "vale-tudo" da vida cotidiana. Os testemunhos: "Esta
criança que estava completamente desanimada vai bem melhor depois que eu lhe
disse a verdade, que sua avó estava morta e que eu fiquei muito triste e achei que
ela ainda era muito pequena". [Sempre é preciso reparar assim: "Eu pensei que eras
muito pequeno para que eu te dissesse, mas agora vejo que és bastante grande.”] É
preciso falar do sofrimento de toda a família, do sofrimento da criança, e também
desta morte. Se a criança tocar no assunto, a gente lhe diz a verdade e, quinze dias
ou três semanas depois, ela, que parecia não entender nada, fala da morte de sua
avó, pede explicações... e os pais respondem o que sabem, ou dizem que não
sabem. Quando não sabem, dizem:
— Eu não sei.
— Eu tenho medo de morrer...
- Todo o mundo tem medo de morrer, não és só tu.
Foi dita a verdade, ao invés de angustiar-se com o que diz a criança. O desânimo
desaparece, tudo volta a ficarem ordem. Ela é um interlocutor a quem se disse a
verdade, a questões que ela colocava sobre coisas que se evitava que ficasse
sabendo para, por assim dizer, não traumatizá-la. Contudo, traumatiza-se pelo
silêncio, muito mais pelo não-dito que pelo dito. Entre o não-dito e o dito, mesmo da
uma coisa gravíssima, é melhor dizer a coisa gravíssima. Mesmo que talvez
entristeça enormemente a criança, é preciso dizer-lhe... Quando os pais saem sem
dizer nada, isto deixa seqüelas na vida da criança e, no futuro, o abandonismo,
mesmo que jamais tenham sido abandonadas, ou o abandonismo grave, como
neurose, nas crianças cujos país, apesar de muito atentos, saiam sempre enquanto
elas dormiam para que não chorassem com sua partida, quando eram obrigados a
deixá-las com alguém. Isto ocasiona neuroses
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gravíssimas de abandono, muito mais do que na criança que sabe que foi
abandonada, real e legalmente.
A neurose de abandono vem do “não-dito” daquilo que é fantasiado pelos pais como
abandono, que eles consideram muito difícil de suportar, que é preciso evitar. Vocês
vêem, isto é difícil de pensar, para as pessoas que dizem: “Mas não, abandono é
uma mãe que deixou seu filho, que foi adotado, ou que ficou em uma casa da
Assistência Pública por toda a vida.”
Absolutamente. Estes não abandonismo. Fazem, por vezes, reações paranóicas, às
vezes não conseguem ser pais para seus filhos, mas não fazem abandonismo.
O abandonismo é o fantasma de abandono que não foi dito. Em nome deste
fantasma, os pais não conseguem dizer a seu filho: “Nós te deixamos”, por este ou
aquele motivo, e deixa-lo berrar, dizendo: “Nós não podemos fazer de outro jeito, te
amamos muito, mas é assim, voltamos a tal gora!” Ditas estas palavras sobre o
sofrimento, elas fazem com que o sofrimento seja humanizado, pois os pais
conseguem dizê-lo sem sofrerem demais, já que o dizem. Isto é viável, na relação
de amor sempre ambivalente entre pais e filhos: o resultado é positivo, a serviço da
vida da criança, e deve passar pelas palavras. É isso aí.
G. Hardouin. — Peço-lhe um pouco mais de exatidão quanto ao abandono na
segunda história: foi alguns dias depois do nascimento?
F. D. — Quarenta e oito horas; na quadragésima oitava hora estava “gravado”.
Perguntei a essa mulher; "Você está segura de que não disse nada a ninguém?" Ela
me respondeu; "Isto nunca saiu, pense bem, jamais Conseguiria contar, foi tão
terrível".
Ela havia ficado tão transtornada, chegando a dizer: "Este pequeno, vou deixá-lo,
gostaria de devolvê-lo..." Este era seu primeiro filho adotivo, ela tinha uma anomalia
anatômica, não tinha vagina, mas era uma mulher extremamente maternal, do ponto
de vista afetivo.
Também não havia nela, absolutamente—o que é muito interessante, aliás, para a
questão da adoção — não havia nela, absolutamente, aquela reivindicação de
maternidade que se encontra em certas mulheres adotantes. Ela apenas tinha um
grande reconhecimento pelas mulheres que não conseguiram criar seu filho, era
verdadeiramente como se assumisse uma posição de substituta; é muito raro ver
uma mulher dizer. na evocação da mudança do nome: "Porque aquela mãezinha
quis dar-lhe este nome, ele o terá.
Também é muito raro uma mulher guardar tudo isto consiga. Acredito, com efeito,
tendo conhecido seu marido, que ele teria perturbado por uma história destas; pois,
como ela dizia. “Meu marido é muito sensível. Eu não teria conseguido lhe contar,
era terrível demais”.
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Eis o que nos coloca como problema esta "fita gravada”, mas não compreendida. por
não ser lembrada. Uma vez dita, acabou! Mas acabou também tudo aquilo que, com
estas palavras, se inscrevi de interdito de pacificação do indivíduo. Dir-se-ia que,
quando as coisas são faladas, resta só a paz do corpo. Senão o corpo fala, no lugar
daquilo que não se pode dizer, que deveria ser dito e que é antivida. Ora, havia
antivida simbólica naquilo que ocorreu: a avó... Mas aconteceu também, conforme
vimos na concepção, uma história edipiana transferida. O filho ''incestuoso", mesmo
por fantasma, é marcado pelo interdito em uma civilização como a nossa, como em
todas as civilizações. Mas, em uma civilização onde as pulsões são objeto de tantos
ressurgimentos (após seu recalcamento, e sua posterior simbolização), não é
possível que uma criança fantasiada, de saída, como incestuosa, e que a si mesma
fantasia como incestuosa, possa sair-se bem, se tal não lhe for dito. para que o
fantasma, colocado em palavras e partilhado com outra pessoa, seja por este fato
redimido em relação a esta profunda culpabilidade inconsciente. “Porque isto pode
ser dito em palavras, meu corpo não mais precisa jogar o interdito de estar vivo."
B. This. — Mesmo assim, é muito difícil compreender esta relação entre aquilo que
vivem os pais e o que a criança encarna em sua existência. Tomo um exemplo que
me vem à mente.
Uma moça, durante a guerra, escondeu-se num buraco, no fundo de um porão.
Bombardeio: aqueles que a albergavam foram mortos, ela se salvou. Vinte anos
mais tarde, ela se casa; nasce um filho que não pensará senão em se esconder, só
falando em buracos, nas paredes, na terra, em sua cabeça. Sua mãe, em
psicoterapia, reencontra a lembrança desse período de pesadelos, bate a cabeça
contra as paredes, gritando: "Não, não, não!" Sessões terríveis, angústia intensa.
Como havia ela podido esquecer? A criança, que parecia débil, se transforma:
“Estou em vias de sair do túnel.” Ela pergunta â sua mãe: "Como nascem os bebês...
e eu... como foi que eu nasci?...”
O que me espanta não é que esta mãe tenha conseguido esquecer o que se passou
quando tinha cinco anos. mas que o recalcado tenha podido agir sobre a criança! E
quando a mãe elaborou a angústia dessa idade, a filha, por seu turno, libertou-se de
suas angústias.
FALISMO E RECEPTIVIDADE
M. Tournaire. — Não é uma característica dos esquizofrênicos, a de serem
fechados?...
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F. D. — Questão interessante... Os esquizofrênicos nem sempre tão fechados em
buracos. Ou eles são buraco, ou então unicamente falismo. Justamente porque isto
não foi superado no tempo de sua em um espaço, é que eles se tomam
esquizofrênicos.
Somos todos ao mesmo tempo buracos e protusões, graças às quais tomamos
contato.
Os homens são mais fálicos; as mulheres, mais buracos.
Por causa da vida. a partir do momento em que se conhece a vida genital. Mas isto
é funcional, devido às formas de nosso corpo, e há metáforas, em nossa psicologia,
destes dados do corpo próprio e do sexo, da forma que têm no homem e na mulher.
Mas o esquizofrênico, seja ele homem ou mulher, não é nem um nem outro.
Há esquizofrênicos que são apenas ataque. Seu corpo, em seu desejo, é só
agressão, aliás são esses os que temos de internar, pois agrediriam, sem
sentimento de responsabilidade, seu desejo irresponsável é apenas de tomar
contato sob a forma de violência.
Finalmente, é a maneira de tomar contato de um só golpe, de ser um ejaculante de
morte".... de força, de energia para cima do outro que focaliza seu desejo.
No entanto, existem outros que desejam atrair, ou que pelo outro são só atraídos. E
por isto que se fala daquela homossexualidade profunda. passiva ou ativa, dos
homossexuais de ambos os sexos; também é par isto que podem eclodir as
psicoses puerperais maternas, porque uma mulher é receptora, deveria ser apenas
receptora. Ela não deveria emitir nada; o fato de emitir uma criança, menino ou
menina, é um ato inconscientemente fático, O falo da mulher é seu filho, no
momento em que sai de seu corpo. Algumas não conseguem suportá-lo. É um
problema tal de contradição profunda com sua estrutura, na efetividade de seu Édipo
e depois, em suas relações com os homens e as mulheres, que o fato de mostrar-se
fálica é, para elas, uma impossível transgressão. Isto as deixa "loucas".
Fiz a análise de uma mulher que não conseguia, absolutamente, gestar para além
dos três meses. Ele havia feito vários abortamentos espontâneos no 3º mês, sem
qualquer razão biológica, segundo os médicos, que lhe aconselharam uma
psicoterapia. Ela era filha adotiva, o que só ficou sabendo aos 18 anos, em
circunstâncias dramáticas. O que saiu de sua psicanálise foi com efeito, que sua
mãe de nascimento não havia podido "mostra-la", porque era adulterina. Ela havia
sido escondida até o momento da adoção, aos três meses. Se a mãe não havia
podido mostrá-la. ela não podia "mostrar" que era mãe. Todo o problema estava aí:
ela gostava de ser uma mulher feminina, bela, inteligente, mas não conseguia
colocar uma criança no mundo. Além disso, sua mãe adotiva, a qual não sabia ser
sua mãe adotiva até aos dezoito anos, sempre lhe disse que
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havia tido muitos abortos antas de tê-la, enfim! Ela não lhe disse que a tinha
adotado. Sua mãe verdadeira, de quem era o quarto filho, mas adulterino, concebido
quando o marido oficial estava preso, a tinha confiada, ela mesma, ao casal
adotante. Não colocar uma criança já concebida no mundo. Por quê? Isto era fálico
demais, para ume moça inteiramente construída em receptividade feminina.
Vocês vêem. É interessante esta questão de buraco e falo, na dinâmica relacionai
de receptividade e emissividade.
Um participante. — Gostaria de saber se esta criança-fato não é um fantasma de
homem.
F. D. — Bem, este era um dos fantasmas desta mulher que analisa.
Acredito que muitas vezes seja um fantasma de homem. Será que muitas vezes
também não é um fantasma de mulher?... Não é só um fantasma de homem.
A conservação do feto e sua colocação no mundo, vivo certamente é algo que
resulta do domínio imaginário emissivo, digamos, do falismo feminino bem aceito por
seu narcisismo. O corpo da mulher é receptivo por seu sexo, mas ela deve assumir
seu falismo feminino, para assumir a maternidade, sem o que não haveria sares
humanos na face da terra.
HISTÓRIA DE UM COMA NA ITÁLIA
Um participante. — Como, segundo o que a senhora disse, como se pode
compreender — que a linguagem "passe", quando ainda não houve aprendizado da
linguagem?
F.D. — Não sei! Eu não sei, mas vou contar-lhes uma história: um senhor muito
idoso vem me procurar por causa de seu neto de dezesseis anos que precisa ser
orientado e sofreu um terrível acidente quando tinha oito anos.
Este senhor tinha uma filha casada, com dois filhos. Tendo ido à Iugoslávia, de
férias, retornam à noite, atravessando a Itália. Foi aí que aconteceu o terrível
acidente com o automóvel. A mãe morreu na hora. o pai não sai do coma e morre
oito dies depois. A neta, que estava deitada no banco traseiro, nada sofreu. Foi
abalada durante o sono, e levada imediatamente de volta à França. Os avós são
chamados com urgência e comparecem imediatamente ao hospital italiano, onde o
menino de oito anos está hospitalizado: fraturas múltiplas, afundamento do crânio,
enucleação de um olho e perda de substância cinzenta. Ele naturalmente estava em
coma profunda e assim permaneceu, pelo que diz o avô. de seis semanas a dois
meses.
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Os avós falam de como foram bem recebidos lá: instalaram um leito, de modo que
ambos pudessem ficar junto a este menino, único sobrevivente, além da irmã.
Os avós não falam italiano e distraem-se junto ao menino lendo revistas e jornais.
Neste hospital de Novare, o pessoal que os atendia estava muito
desejosa de fazer todo o possível.
Vemos os italianos, afetuosos, afetivos... (Os avós viram a diferença em relação aos
grandes hospitais de Paris) A criança, depois de sair do coma. ficou hospitalizada
um ano e meio no Enfants-Malades para as plásticas. Eles não tinham o direito nem
de entrar no quarto. Foram feitas muitas operações de face, e ele. aliás, ficou
magnificamente consertado; eles me mostraram a foto do neto.)
O menino acorda do coma ao cabo de dois meses:.. fala-se com ele, e ele responde
em italiano. Não sabe mais falar francês, fala em italiano, mas absolutamente não
como um bebê! Ele fala italiano como um italiano, eu ia dizer como vocês e eu.
Quando a avó lhe fala em francês e ele responde com algumas palavras, o faz com
linguagem de bebê francês: loto, tata, pipi..., enfim, palavras completamente
arcaicas. Efe compreende o que ela quer dizer, mas responde em italiano. Ao
mesmo tempo, nega o acidente. São curiosas as reações que teve. Aos oito anos,
muito inteligente na escola, era uma criança perfeitamente dotada.
Ele olhava as revistas que lá se encontravam, as pegava e mostrava, falando em
italiano. "Veja, papai está aqui, mamãe está aqui, o carro aqui, ele não foi demolido".
A qualquer alusão ao acidente, pegava as imagens, dizendo: “Não é verdade: papai
está aqui, mamãe ali, a maninha... sobre as imagens publicitárias ou fotos de
revistas".
Com o pessoal, falava italiano como um italiano. Quando retomou do Enfants-
Malades, perdeu as poucas palavras francesas que havia guardado, e todo o seu
italiano. Foi preciso ensiná-lo de novo a falar, um ano depois. Ele foi submetido a
anestesias, uma sobre a outra. É possível que as anestesias tenham contribuído
para a perda de suas aquisições... Ao passo que, ao sair do coma, era uma criança
que entendia italiano, que não falava mais o francês, um ano e meio após, em um
hospital francês, era uma criança retardada, que não sabia mais caminhar, nem falar
sua própria língua, mal compreendê-la.
Foi preciso recomeçar tudo.
Os avós me procuraram para que eu lhes aconselhasse uma orientação para este
menino, que agora estava com dezesseis ou dezessete anos. Ele, com efeito, havia
sido bem conservado, mas na escola não conseguia passar da sétima ou sexta.
Havia interesse em continuar os estudos? Como orientá-lo?
Este homem, o único que poderia criar este menino, era muito idoso, com uma
esposa de um pouco menos idade; ele veio falar deste problema
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de orientação para uma criança que não colocava nenhum problema caracterial e se
desenvolvia muito bem, tanto do ponto de vista social quanto afetivo e sexual, dada
a sua idade, sem qualquer timidez nem trauma de abandono dos pais. Tinha bons
amigos, uma "namoradinha", e interessava-se pelas coisas de sua idade. Nenhum
conflito com a irmã.
Enfim, mesmo assim é interessante saber que era um garoto perfeitamente sadio no
plano das relações humanas.
Quanto aos avós, penso que isto deve tédios rejuvenescido, pois de modo algum me
pareceram ultrapassados ou retrógrados.
Mas voltemos à palavra, pois esta era a sua pergunta.
Visitei um reanimador na mesma noite em que entrevistei os avós, e pedi-lhe
algumas explicações. Ele explicou-me que há proteínas que são perfundidas durante
os comas e. como todas as percepções se fixam sobre proteínas, havia inúmeras
percepções fixadas sobre as proteínas de perfusão.
Por que não, mas por que então não seria um italiano de "fita magnética”? "Pobre
criança, é preciso colocar-lhe a sonda", não sei tudo o que se possa dizer em
italiano em tomo de uma criança que se reanima... “Ah! Olha, o traçado está ficando
plano. Ah! O traçado ficou regular."
Ao final das contas, por que não teria ele memorizado e rédito, palavra por palavra,
como o recém-nascido que ficou esquizofrênico, do qual lhes falei, que redisse uma
"fita magnética" sem nada compreender? Tratava-se de uma linguagem construída,
em italiano, como se o italiano tivesse sido sua língua-mãe.
Este menino de oito anos falava uma língua aprendida em dois meses de coma,
quando antes não sabia dela uma só palavra; ele havia ido à Iugoslávia, onde não
havia italianos: a menina, que passou as férias com seu irmão e que nada sofreu,
não sabia uma palavra de italiano.
De qualquer forma, é um relato extraordinário! Ou não?
B. T. — Mas, habitualmente, se quer esquecer estas coisas extraordinárias.
F. D. — A gente não as conta; é preciso que caiam, que sejam esquecidas. Este
homem certamente as contou no Enfants-Malades, quando chegou... se é que o
deixaram falar. Mas talvez nem o tenham deixado falar. Este menino, como foi que
acordou? O que se passou?
D. Teyssandier. — Quem me prova que isto é verdade? Que o avô verdadeiramente
ouviu aquilo? Não existem verdadeiras provas.
F. D. — Tem razão. Mas eu vi os avós, e como se aliviavam em sua narrativa. Não
há prova verdadeira, mas vocês sabem que não me contaram isto para fazer mal.
Não. Contaram-me o que aconteceu porque
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perguntei que acidente havia traumatizado o menino pelo qual consultavam.
D. T. - Eus acho isto suspeito.
F. D. – É possível. Você tem razão, é preciso sempre pôr em dúvida o que se ouve.
D. T. - Se você mesma tivesse ouvido, eu acreditaria.
F. D. - Ah, é... (Risos na assistência.)
B. T. — Ela poderia delirar...
F. D. - E, contudo, eu poderia delirar. Sim, é como ele diz!
D. T. — Certamente, mas jamais teríamos percebido.
F, D. — Mas este senhor não delirava, absolutamente, e sua mulher, que não é
idosa, tem quinze anos a menos do que ele, foi ela que me contou (Deus sebe que
provação isto foi para ela], ela relatou como uma provação, não poder comunicar-se
com seu neto.
D. T — Acho que devemos desconfiar das coisas que passam por muitas bocas e
muitos ouvidos.
F. D. — Mas aí. é direto; esta mulher esteve presente. Acho uma história destas
difícil de inventar. Não vejo por que teriam me contado isto e me relatado suas
provações, de não poder falar com ele que falava em italiano, sua provação de não
haver compreendido nada.
D.T. – Bem, eu não acredito.
F. D. – Sim. Bem, é possível! Enfim, eu conto isto como um documento que me
impressionou.
M. – M, C. – Nunca nos espantamos o suficiente com o fato de uma criança
aprender a falar, que um belo dia ela fale.
F. D. – Ela já perfeitamente na linguagem, mesmo que diga apenas uma palavra, a
linguagem que está por baixo, a linguagem implícita, é perfeita.
(página 38)
D. R. – A linguagem não começa assim, quando uma criança se põe a falar. Falou-
se ontem da marcha. Quando uma criança de quinze meses se põe a caminhar, isto
não quer dizer que antes não tenha ficado de pé, e tudo o que houve antes, no
imaginário do corpo andante, as raízes dinamógenas da marcha. Quando aparece a
linguagem, tudo já foi preparado antes. Existem possibilidades de recepção, de
compreensão, e de uma forma extraordinariamente rica e indiferenciada: um dia elas
se expressam. Exatamente pelo desenvolvimento biológico.
F. D. – Sim, certamente. A psicologia é uma metáfora da fisiologia, justamente.
D. T. – Tudo é espantoso neste caso, em minha humilde opinião, que uma criança
tenha falado uma linguagem que, em princípio, não ouviu: ela ouviu uma linguagem
técnica, de traçados planos, traçados anormais, etc.
F. D. – Ela poderia, com efeito, fazer eco ao italiano ouvido. Ela não falou esta
linguagem. O que mais me espantou foi que ela, absolutamente, não falou de coisas
médicas.
Um participante. – A senhora fala a uma criança de poucos dias, por exemplo.
Poder-se-ia falar a ela em qualquer língua?
F.D. – Certamente. Com a condição de falar a ela na língua que sai da gente, no
ponto em que não pensamos nas palavras: se diz o que se tem a dizer, sem pensar
no modo como se diz, a um ser que é no mínimo seu igual, talvez superior àquele
que lhe fala.
D. R. — Não se sai do coma assim. Eu, que passo pela reanimação, passo lhe dizer
como é: quando uma criança sai do coma, ela absolutamente não sai logo do
hospital. Passam-se ainda oito, dez, quinze dias, o que faz com que tudo o que
ouviu em seu coma tome sentido.
F. D. — Sim, sem dúvida: ele ouviu falar à sua volta, uma enfermeira que diz "hoje à
tarde vou visitar minha mãe, vou visitar meus sobrinhos"; enfim, não importa... ele
ouviu falar um pouco de tudo. durante o seu coma e durante os dias em que
recuperou o ânimo, como se diz.
M. T. Esses italianos falam tanto que não deixam lugar para que ninguém mais
fale... (risos)
F. D. - Conheço outra história de coma. É uma história que aconteceu
recentemente...
(página 39)
Nota do editor: Por motivos de segredo profissional como os acontecimentos
relatados eram muito recentes, F. Dolto pediu-nos para não publicar este relato na
íntegra, podendo ser assim resumido;
Uma mulher, tendo dado é luz, cai em coma profundo. Transportada à reanimação,
seu eletroencefalograma é plano. O marido que na ocasião já havia ficado sabendo
dos acontecimentos dramáticos ocorridos no nascimento de sua esposa, revela-os a
ela no coma. Ela aos poucos sai do coma, sem qualquer seqüela. Contudo, o
aplainamento do traçado por várias vezes durou dez minutos. O reanimador havia
advertido à família que se, neste estágio, ela saísse do coma, certamente ficaria
paraplégica.
RELAÇÕES MÃE-FILHO DURANTE A GRAVIDEZ
G. H. — Pode-se falar de outro assunto, e saber o que você pensa das relações
mãe-filho durante a gravidez?
F. D. — O que eu penso... O que eu penso das minhas? Tive relações com meus
filhos antes de seu nascimento; fiquei muito espantada em duas ocasiões: cinco e
sete meses. Sobretudo para o primeiro, porque uma mulher fica muito surpresa
quando se trata do primeiro. No segundo, se reconhece que já se experimentou isto
antes. Não sei se as mães que tiveram bebês podem dizê-lo...?
J. Bienaymé. — Falamos da relação mãe-filho durante a gravidez. Tive ocasião de
ouvir gravações realizadas por acusticistas da equipe de Tomatis, que fizeram um
modelo físico reproduzindo o ouvido fetal em seu meio líquido.
Este modelo reproduz minuciosamente o que escuta o feto: uma quantidade de
coisas. Ele ouve a música da vitrola, vozes exteriores: a voz da mãe, do pai e de
pessoas do meio, ele escuta os ruídos digestivos, e ouve muito bem o coração;
estes ruídos respiratórios, que são totalmente transmitidos. O que espantou a todos
os que ouviram esta gravação foi que o ruído respiratório da mãe reproduz
exatamente o ruído do mar sobre a praia...
Seguramente, nesta atração particular que certos indivíduos têm pelo ruído do mar
sobre a praia, encontra-se provavelmente esta fia magnética do ruído da respiração
materna, gravada durante meses.
F. D. – Isto é interessante, pois nos indica aquilo que toda criança, independente da
relação que tenha com sua mãe, percebe em tal situação, pelo fato de estar in útero;
mas... se falarmos da relação pensada a falada da mãe com seu filho, isto depende
de cada mãe.
(página 40)
Agora não se dizer nada quanto a como as mães a estabelecem, apenas posso
contar minha experiência pessoal. Bem, para mim foi aos cinco meses, e não se liga
ao fato de saber, aos 4 meses, de meu futuro obstetra, que o coração batia; a
primeira coisa que muito me espantou ocorreu aos cinco meses. Eu passeava no
Jardim de Luxembourg, quando repentinamente tive a sensação de uma presença
próxima, muito atenta, como que igual à minha.
Volto-me para a direita, para a esquerda, mas não havia ninguém, eu caminhava e
este sentimento de presença persistia... Depois, ao chegar em casa, falei a meu
marido e lhe disse: “Sabe, talvez seja o bebê. Também é estranho que eu não
consiga saber se é menino ou menina.” Bom, é isso! A partir daquele momento, esta
presença não mais me deixou, havia uma presença em mim.
Nas minhas duas outras gravidezes, voltei a reencontrá-la, sempre por volta dos
cinco meses, sem noção de pessoas sexuada, mas de presença indubitável,
agradável.
Depois, aos setes meses, isto foi muito, muito manifestado, houve uma luta. Tive
gravidezes absolutamente sem problemas, mas havia uma luta psíquica, assim: “Me
aborreço com o que tu fazes... repousa”, algo assim... porque eu trabalho, sou muito
ativa, mas o bebê exigia repouso. Eu bem que teria continuado, mas eu sentia (não
é força de expressão), eu sentia: “Você precisa repousar”, não era meu corpo que
falava, porque meu corpo... tenho muitas reservas! Mas havia alguém que não tinha
as mesmas reservas que eu, e queria que eu repousasse. Ocorreu-me que,
certamente, ameaças de parto prematuro por volta dos setes meses poderiam estar
ligadas à “não-escuta” das necessidades da criança. Posso dizer-lhes que isto
aconteceu durante a guerra; tive meus dois primeiros durante a guerra: na gravidez
do primeiro, eu circulava de bicicleta e, na do último, andei de moto até a véspera do
parto. Era uma moto pequena, eu colocava a barriga sobre o tanque, e toca o barco!
Não era fadiga física, era uma fadiga de ordem geral, eu sentia em mim, e eu não
estava fatigada, nem na cabeça, nem no corpo.
Talvez seja por isto que meu segundo filho gosta tanto de motores. Foi-me de
grande valia andar de moto, já que, para o primeiro, eu andava de bicicleta e como
ele se agitava, a partir dos setes meses! Era impressionante, na lomba da rua Saint-
Jacques. (Eu moro na rua Saint-Jacques, e é uma verdadeira lomba, esta rua Saint-
Jacques!)
Eu fazia esforços, e aquilo reclamava em meu ventre, e quanto mais gesticulava,
mais me cansava...
Então eu lhe falava e dizia: “Escuta, eu te peço, ou não chegaremos... (Risos na
sala.) Fique tranqüilo, não gesticule, que eu vou chegar, senão, não conseguirei...
estou cansada, e tu precisas repousar, como eu.”
Bom, imediatamente, aquilo parava. Quando descia da bicicleta, chegando à porta,
eu dizia: “Agora podes continuar”... e ele se punha a
(página 41)
gesticular... a rumba, lá dentro... a rumba, aliás, é o mais velho. Ele havia parado
com a minha palavra. Quanto à voz do pai, é espantosa a receptividade, para todos
os bebês! A voz do pai imediatamente interrompia o movimento e o colocava na
escuta. Estas experiências são muito espantosas, como todas as coisas em que há
projeção... sempre histeria... não o são todas as mulheres?
Desconheço o valor de meu testemunho. Não posso lhes falar das relações mãe-
filho antes do nascimento. Existem pessoas que podem entende-las, alguém diria,
mas quem?
Reflitam todos, vocês pais, quando vocês e suas mulheres esperam bebês, sobre o
impacto da voz e do dizer de vocês sobre seus filhos, acho muito importante que se
multipliquem estes testemunhos.
A ESCUTA DO OBSTETRA
R. Le Lirzin. Gostaria simplesmente de acrescentar algumas observações ao que
você disse.
Tem-se a impressão de que durante a gravidez há uma espécie de processo de
incubação. Este processo é necessário, e a mulher não pode poupar-se dele.
Pareceu-me que um certo número de ameaças de partos prematuros podia produzir-
se por falta desta incubação, o que muito me impressionou foi que. ao escutar estas
mulheres, coisa que costumo fazer, saem tantos fantasmas. Elas falam, de forma
extremamente importante, do pai e da mãe, mas sobretudo do pai delas. Além disto,
elas têm inúmeros fantasmas de crianças mortas ou malformadas, etc. Ficamos
surpresos ao ver a facilidade com que saem estes fantasmas durante a gravidez,
evaporando-se a partir do momento em que falham deles. Isto é verdadeiramente
muito freqüente.
Quando me aventurei um pouco neste domínio, falei disto diante de pessoas
versadas em psicanálise e psicologia, com o que me fiz agredir. Era algo do estilo:
“Jovem imprudente, você não sabe em que esta se metendo, a gravidez é algo de
muito especial; a mulher não tem defesas, está muito volnerável.” Na realidade, é
impressionante ver que, por esta abordagem e esta escuta, um certo número de
ameaças de aborto e de parto prematuro “se evaporam”. O mesmo vale para muitos
problemas de passagem do prazo, que podem assim resolver-se. Tenho, a este
respeito, uma história muito significativa:
Trata-se de uma professora que esperava seu segundo filho. Na primeira gravidez,
havia passado bem. Sua mãe estava lá, ela disse. Na segunda, ela passou do
prazo. Vejo-a chegar um pouco cansada, deprimida. Digo a mim mesmo que alguma
coisa não vai bem. Eu a examino, faço a amnioscopia, tudo ia bem. Depois, a escuto
um pouco. Manifesta-
(página 42)
mente, não era como da outra vez. Habitualmente, ela era cheia de tônus, explica.
“Não sei por que, atualmente ando cansada, deprimida. Minha mãe não está aqui e,
quero dizer-lhe, tenho sonhos idiotas: passo meu tempo a sonhar que, por exemplo,
estou no colo de meu inspetor da academia, um pouco assim como se fosse meu
pai.” Depois acrescenta: “Bem, já que estou aqui, vou contar um sonho que tive,
sonhei que estava aqui na sala de parto, não queria dar à luz, não havia nada a
fazer, o senhor estava me xingando, desculpe a expressão que não é muito
acadêmica”. Eu nada disse.
Quarenta e oito horas depois, voltou a vê-la para outra amnioscopia. Ela volta a falar
um pouco mais de seus outros sonhos, de seus fantasmas. Na terceira vez, vejo-a
voltar com um aspecto totalmente diferente. Manifestamente, alguma coisa havia
acontecido. Ela me disse, desculpando-se: “Estou muito envergonhada de lhe ter
contado tudo aquilo. Mas, afinal, vou lhe dizer que tive outro sonho esta noite. Era
igualmente extraordinário, mas o inverso. Eu estava aqui na sala de partos. Era
maravilhoso, tudo se passava maravilhosamente bem, o parto ia muito rápido,
depois você estava lá, ajudando a criança a sair: tudo estava calmo, tudo estava
sereno. Eu tinha a impressão de que a criança safa da água e de mim ao mesmo
tempo. Foi verdadeiramente extraordinário.'‘
Devo dizer que não demorou muito tempo. Na noite seguinte, ela se dilatou em uma
hora e meia e pariu “como uma flor". O que também me impressionou, neste caso, é
que depois ela mudou muito em seu comportamento. Ela metabolizou muito
rapidamente uma série de problemas pessoais. Quando voltei a vê-la, mais tarde. no
exame pós-natal, ela confirmou: “Agora não sou mais a mesma, sou diferente".
Depois, com uma piscadela de cumplicidade, acrescentou: "O que mudou tudo foi a
água”.
O que me impressionou neste caso foi que esta mulher liquidou uma fixação a seu
pai por um procedimento que se desenrolou de forma impressionante. Fiquei
absolutamente aturdido. Ela disse, de passagem: "Neste sonha, era um pouco como
se o senhor fosse meu pai”. O que coloca a questão de saber como é percebido o
obstetra. Pode-se ainda colocar outra questão. No início da manhã, você evocou o
problema das crianças perturbadas. São crianças que sofrem, sofrem de modo
assustador. Então, como impedir isto? Eu me pergunto em que medida pode-se
chegar a prevenir um certo número destes distúrbios, dando â mulher a
possibilidade de verbalizar. Não se trata aqui de receitinhas estúpidas, que nos
imputam um pouco exageradamente neste momento. Trata-se de dar-lhe direito à
palavra. Fico impressionado constantemente, cotidianamente, porque fui levado a
orientar-me cada vez mais para estes problemas. por ver quantas situações
extremamente angustiantes se desbloqueiam, simplesmente porque as mulheres
falam delas. Penso que atualmente sente-se a necessidade de tudo isto através de
todas estas histó-
(página 43)
rias de Leboyer. Mas tenho muito medo de que esta instituição subjacente, que é
profundamente justa, esta relação mãe-filho, seja infelizmente levada, através de
tudo o que se faz e diz agora, a uma onda de pequenos truques que infelizmente
ponham tudo a perder.
F. D. – Você tem toda a razão, e por isto é preciso que, ao mesmo tempo que
damos a informação, saibamos que cada caso é diferente, que apenas pela escuta
podemos ajudar a quem quer que seja. Só que, para poder escutar, é preciso saber
que isto não é perigoso, quando até psicanalistas lhe diziam que era perigoso.
Bem, não para a paciente. Talvez o seja para o médico, se pegar para si o que for
dito, quando na verdade se trata de fantasmas onde sua imagem serve de suporte a
emoções concernentes a uma relação passada da paciente.
R. Le L. – Mais do que isto, havia talvez algo que intervinha, eles tinham ares de
dizer que eu avançava em um domínio que não era, absolutamente, o meu.
F. D. — Mas nenhum psicanalista teria ouvida o que você ouviu, porque você não
estava na mesma situação. Tratava-se do corpo, de fato você tinha a ver com a
"academia" desta mulher, você era o inspetor do estado de sua academia, em
relação à academia de um novo, que iria nascer. Certamente é importante esta
palavra que ela lhe disse, para uma mulher que teve mestres da palavra, pois no
ensino a palavra é a portadora do saber, não se trata de comportamentos físicos,
mas da palavra. Quando ela esteve na escola, isto como que nunca lhe foi ensinado.
Nunca lhe ensinaram o que era seu corpo, o que eu acho uma pena.
Não se ensinam, na escola, o conhecimento e a higiene do corpo às crianças.
R. Le L. – Você insistiu enormemente, esta manhã, no problema da palavra, do
“dizer” e da escuta: dar à mulher a possibilidade de “dizer”. O que me inquieta um
pouco é que atualmente, no “nascimento à nova moda”, tal como o apresentam a
nós, não há “dizer”, e isto é grave! Não há tempo nem espaço para falar.
F. D. – Sim, é verdade, você tem toda a razão.
B. T. – O que aprendemos nestas jornadas é que este “dizer”, esta escuta, não é
problema só do especialista, é o problema de todo ser humano presente, com seu
coração, seus ouvidos e sua técnica. Parteiras e obstetras são, essencialmente,
seres humanos, em uma relação viva.
(página 44)
Durante a sua gravidez, a mulher é lançada no selo de todos os seus conflitos,
porque nela ressoa toda a sua infância. Ela talvez nunca venha aos nossos divãs,
mas é extraordinariamente importante que seres humanos a escutem. Que talvez
não possam der conta, racionalmente, de tudo o que se passou, não é isto o que
importa. O essencial não é teorizar, mas viver... É por isto que me espanto por
psicanalistas se ofuscarem com a tua escuta. Durante anos escutei mulheres
grávidas, e esta escuta pareceu-me indispensável. Em todas as maternidades. a
acolhida das mulheres grávidas deveria ir de par com a dos recém-nascidas; não há
nada. al, de inconciliável.
PULSÃO DE MORTE — PULSÃO DE HOMICÍDIO
R. Le L — Ainda outro exemplo neste domínio: uma mulher havia sido hospitalizada
no serviço com uma vaga ameaça de parto prematuro. Ela não ia bem; chorava, e
não queria este filho. Dei-lhe um pouco de oportunidade para falar; disse-me que
antes, para seus outros filhos, tudo ia bem, ela tinha sido muito maternal. Depois,
repentinamente, não conseguia mais suportar este filho. Nem os outros, em geral,
inclusive seu marido. Pouco a pouco, através de três entrevistas ocorridas durante
esta semana, ela estava descobrindo em si uma espécie de pulsão que ela
absolutamente não compreendia, uma força, dizia ela. Não sabia de onde vinha
aquilo. Ela não compreendia, absolutamente, o que aí havia, fazendo com que ela
odiasse esta criança. Pareceu-me muito importante dar-lhe oportunidade de dizê-lo.
Tinha-se a impressão de que ela estava em vias de descobrir a pulsão de morte.
F. D. — Tratava-se de pulsão de homicídio; não é a pulsão de morte; é preciso não
confundir, não é, absolutamente, a mesma coisa.
A pulsão de morte, todos sabemos entregarmos a ela para entrar no sono. O que faz
a maioria das insônias é o medo de entregar-se à segurança da pulsão de morte.
Liberação do sujeito que se ausenta do condicionamento do ego, e que por isto
deixa seu corpo viver, vegetativamente, o que tem a viver, sem que haja
participação da consciência.
Aliás, durante as insônias, as preocupações de desejos fantasmáticos subjugam o
imaginário e angustiam o insone.
A pulsão de "homicídio” é completamente diferente, é uma pulsão ativa emissiva,
ofensiva, que visa. por vezes, até à destruição do outro: “ele me rouba o ar", “não
consigo senti-lo", sinto-me confuso ao vê-lo... Isto não é suficientemente conhecido;
confunde-se todo o tempo. Quando Freud a descobriu, também ele confundiu pulsão
de morte a pulsão de homicídio. A pulsão de morta pode, peta angústia que provoca,
despertar pulsões de homicídio, chegando à autodestruição. ao suicídio.
(página 45)
Há pessoas que se suicidam, por exemplo, que por falta de alvo se voltam sobre o
corpo, lugar do EGO, levando o sujeito ao suicídio para não cair na pulsão de morte,
sentida como fraqueza. Por ódio deste corpo que, para elas, lhes escaparia; querem
guarda-lo, narcisicamente, na não-troca com os outros e, para guarda-lo, como isto
é ambivalente, ao mesmo tempo o guardam para si imaginariamente e agem pra
destruí-lo, em um desejo de recusar-se ao desejo. Não é, portanto, a mesma coisa,
permito-me insistir neste ponto.
Aceitar ceder às pulsões de morte é muito salutar, ao passo nossas pulsões de
homicídio, embora não sejam destruidores do outro são de tal forma condenadas por
nossos pensamentos superegóicos pré-conscientes e conscientes, que nos
proibimos de dizê-las, por vezes até de pensá-las. Nós as recalcamos, e é então que
se instala a depressão mortífera passiva e por vezes impulsivamente suicida. O ódio
é uma das coisas que dificilmente chegamos a dizer; vivemos com emoções
indizíveis que por isto tomam uma parte de nossa imagem corporal como alvo ao
invés do de alguém outro. Daí os espasmos, os distúrbios digestivos, e todas estas
autodestruições psicossomáticas que são, originalmente. uma defesa contra as
pulsões de morte, que, necessárias e sadias, trazem o repouso do sujeito, um tempo
de esquecimento do tempo e dos objetos da realidade.
Este ódio de que você fala talvez tenha aparecido nesta mulher por ela estar mais
fatigável, já tendo outros filhos. Os filhos mais velhos desempenham um importante
papel no modo como se passa uma gravidez mm comumente, eles não querem esta
criança. Quando você está na escuta de uma mulher grávida, faça com que também
fale das reações dos seus mais velhos, dos primogênitos edipianos, sobretudo, que
estão em dificuldade. A mãe bebe esta angústia que não pode ser dita, a angústia
de uma criança que se sente culpada por odiar. Se pudermos dizer a esta criança
(coloca-se em palavras): “Mas tu não tens necessidade alguma de amar esta
criança, podes perfeitamente detestá-la, tu não és pai dela, nem sua mãe. Ela tem
seu pai e sua mãe”, imediatamente se consola a reação de ódio deste primogênito
contra o fruto carregado pela mãe, porque isto foi dito em palavras e ele foi
consolado por sua culpa de detestar este futuro que não é seu e do qual não tem
necessidade alguma, esta é a verdade. Mas devido a um dos componentes do
Édipo, que é o de identificar-se com o adulto, a criança acredita que também ela
deve esperar com alegria este novo rival.
D. Rapoport. – A propósito da escuta, ontem escamoteou-se um pouco um problema
que você retomou. Acredito que, com efeito, é importante dizer que não é perigoso
escutar as futuras mães. Não é perigoso para elas, mas há muitos médicos que o
percebem como perigoso para eles
(página 46)
mesmos e não conseguem fazê-lo. Talvez deva-se respeitá-lo, mas talvez se deva
falar?
M.—M. C.— Cabe salientar, neste caso, que se tratava da "pessoa boa”. Ela falava
a "seu obstetra, que aceitava receber esta palavra, ao invés de falar a qualquer
outro, a um qualquer outro, a um "especialista psi”, isto também é importante.
F. D.— A pessoa adequada, você quer dizer, a pessoa idônea. A pessoa idônea
neste momento é o obstetra, certamente.
R. Le L.— O espantoso é que parecemos ter um lugar um pouco à parte, que existe
alguma coisa que só pode dirigir-se a nós, aliás muito transitoriamente. Estas
mulheres nos falam, é um processo por vezes muito intenso, mas momentâneo,
transitório.
Não temos o papei de um psicanalista: concordo que possamos utilizar certos
aspectos da abordagem psicanalítica, mas não é a mesma coisa. Existe algo de
específico que precisa ser examinado.
B. T.— Neste caso. somos escolhidos. Não é simplesmente o obstetra que diz: "Eu
te escuto"; é a mulher que fala e dir. "Bem. ainda tenho mais alguma coisa a lhe
dizer... e por que não lhe diria..." Ela poderia ter escolhido uma parteira. Algumas
mulheres têm necessidade de falar a uma mulher, outras, a um homem.
O "inspetor da academia" deveria representar algo para ela...
F.D. — Sim, e ela se desculpa depois de pronunciar a palavra xingar, “isto não é
muito acadêmico".
IMPORTÂNCIA DAS PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO
F. D.— O que eu queria lhes dizer, sobretudo às parteiras que aqui estão. pois sei
que há algumas, era do impacto das primeiras palavras sobre as mães, bem no
início, a importância da pessoa que se ocupa do bebê, sobretudo se for uma mulher,
a importância da forma como se ocupa dele e fala, pela primeira vez, do bebê.
Vi muitas mulheres que tinham filhos com graves problemas, que me diziam: “Mas...
a parteira, quando dei à luz, bem que me disse. “É extraordinário o impacto destas
primeiras palavras! Como se, neste momento, o ser humano vivesse com tal
intensidade arcaica a relação ao Outro, que uma palavra, dita em tom pejorativo,
agirá na relação da mãe com seu filho de modo a suscitar, nesta criança, a relação
de defesa para entrar em uma relação social com a mãe, que seria... Por exemplo,
uma
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mãe me fala de seu filho “insuportável” (estas crianças insuportáveis, como vemos,
sobretudo a partir da idade da marcha confirmada, a partir do não à mãe.)
Vocês sabem que há uma idade do não à mãe, um “não” no fazer ou na mímica, que
é um “dizer sim” do sujeito que advém a si mesmo e que, para chegar a si mesmo,
deve dizer “não” a esta fatal dependência para com a mãe, que faz com que o ser
humano se aliene no outro de maneira histérica. Se a criança diz “não”, que a mãe
resposta: “Eu disse”, e não faça um drama desta oposição, e alguns minutos depois
a criança obedece perfeitamente. Ela precisa de tempo para “ser sim”,
pessoalmente, à sugestão de sua mãe. É uma época conhecida, que sobrevém
entre dezoito meses e dois anos e meio. Bem, é neste momento que algumas
crianças tornam-se "perversas", por uma espécie de angústia da mãe diante da
aposição verbal da criança. São sempre mães que dizem: "Ah) bem que a parteira
me disse que ele seria terrível!” Ou: "Bem que uma amiga minha, que já viu muitos
bebês, chegou perto do berço e me disse: Ah! esse aí. vocês vão ver! Esse aí vai
ser fogo!"
Muitas vezes trata-se de uma mãe que até aí havia criado seus filhos sem
problemas.
Bastou que uma só mulher lhe predissesse que este a farra ver, que esperasse
dele... o mal. Depois, desde que esta criança, como se diz "lhe mostre", aí está. ai
está! Em seguida, forma-se a bola de neve, ocasionando uma relação que se
perturba.
Até o dia em que elas possam chegar a dizê-lo, a criança está marcada. como se
seu destino fosse apenas de ser agressivo com sua mãe, de fazê-la sofrer, como se
isto estivesse escrito.
As palavras que foram ditas por cima do berço de um recém-nascido inscrevem-se
como um destino.
B. T. – Como as fadas que falam e decidem uma vida!
F. D. – Exatamente – isto me faz pensar naquilo que se conta nos contos, com as
fadas ou bruxas sobre os berços.
E. Jalenques – Talvez se pudesse generalizar e dizer que, justamente, nos casos
em que o sujeito se encontra em um período emocional intenso, ele é
particularmente receptivo. Assim, toda situação excepcional, de par com as
circunstâncias e as reações afetivas imediatas que ela implica, provoca um estado,
um “despertar” particularmente propicio à aquisição definitiva, pela memória, de
diferentes aspectos da situação percebida pelo sujeito.
Uma vez que no momento do parto há uma forte carga afetiva e, cada vez que se
trata de uma forte carga afetiva, tudo o que se diz
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entra com muita força. Logo, tentem falar de maneira absolutamente positiva com
suas pacientes.
Tenho caso o inverso daquilo que você dizia (esta pessoa saída do coma pelas
“boas palavras”).
Ocupei-me casualmente, quanto estive na Argélia, de dois afogados, dois soldados
que estavam, ambos, em coma. No primeiro, fiz boca-a-boca e consegui tirá-lo.
Bem, o segundo, estava lhe fazendo boca-a-boca, havia muita gente em torno de
mim, e o coração estava recomeçando a bater, ele estava começando a ter alguns
soluços respiratórios quando, repentinamente, uma mulher que estava a meu lado
disse: “De qualquer forma, não adianta, ele se afogou, vejam como está roxo.”
Terminou. Houve um “hop”, e fim! Não consegui mais recuperá-lo: se estivesse só,
certamente o teria salvo. Eu tinha reanimado o primeiro... Neste momento fatídico, a
certeza da mulher que dizia: “Ele está todo roxo, vejam, terminou..” determinou o
êxito letal. Terminou!
A criança percebe perfeitamente o que a mãe diz de maneira repetitiva, o que
implica uma certa constância em relação a uma dada situação. Tenho o caso de
uma criança, enfim, de um adolescente, que tinha dificuldade nos estudos, tinha
medo dos livros. Ele tinha a impressão de que, na leitura, havia algo que iria mata-lo.
Não cheguei, absolutamente, a saber a origem disso...
Finalmente, mostrou-se, no decorrer de um surto emocional que ele tinha medo que
que sua mãe o matasse.
Eu analisei sua mãe; ela havia tido dificuldades durante a guerra, com esta criança,
e queria matá-la. Para não matar o filho e não pensa em matá-lo, ela o pegava no
colo, e lia... Ela nunca falou com ele, que pegou isto integralmente e, mais tarde,
teve dificuldades. A partir do momento em que se descobriu isto, terminou...
Logo, eles percebem bem as coisas, diretamente, o inconsciente é extremamente
sensível.
M.—C. Busnel— Tudo o que você contou esta manhã e o que Jalenques acaba de
contar é muito importante no plano desta escuta e deste entendimento pré-natal,
numa época em que, fisiologicamente. seriamos tentados a dizer que isto é
impossível, que o sistema nervoso-auditivo não está concluído. Foi dito há pouco
que, no fundo, se poderia dizer qualquer coisa a uma criança de oito dias... Acho
que não se pode falar ela em qualquer língua. Jacques Mehler demonstrou que, ao
cabo de um mês, e provavelmente bem antes, se falarmos a língua materna de uma
criança, seu ritmo cardíaco se comporta de modo completamente diferente do que
se falarmos uma língua estrangeira. Logo, ela reconhece a língua materna. Por mais
forte razão, a voz materna.
(página 49)
Poderíamos dizer que ela reconhece a voz materna... em conseqüência de sua
experiência intra-uterina, mas em todo caso, reconhece a língua. Começa-se a
pensar, notadamente depois dos trabalhos de Feijoo sobre o reconhecimento de
certas palavras ditas pelo pai, que ela grava até palavras.
B. This. – In útero?
M. – C. B. – Sim. In útero.
"MINHA QUERIDINHA DE OLHOS MAIS BELOS QUE AS ESTRELAS"
F. D. - Vou contar uma história que parece confirmar o que você diz. É o caso de
uma criança de nove meses.
Trata-se de uma psicanalista de grande valor, que morreu de doença de Hodgkin;
uma psicanalista que eu estimava e apreciava muito, quando sua doença se
declarou, cujo diagnóstico, aliás, ela não sabia, nem eu (só sabia que ela estava
muito doente). Ela me pediu que a recebesse, estando abaixo de cortisona, com
essas forças pulsionais dadas pela cortisona em casos limítrofes. Para continuar seu
trabalho, ela precisava de alguém que a escutasse em análise. Seu próprio analista,
o qual voltara a procurar, não se sentiu com coragem.. Ele disse: "Não, não. isto não
adianta... não é caso para análise", etc. Bem, então ela veio me ver. Eu disse: "Por
que não?", e a escutava uma vez por semana.
Isto ocorria de tempos em tempos, interrompido por estadas na Salpêtrière. Ela
retornava dizendo: “Me examinaram, me deram tal tratamento, mudaram o
tratamento, a dose de cortisona.” Nunca, nunca, até três dias antes de morrer, ela
falou de sua morte; ela não falava senão da vida e da resistência ao mal, de uma
forma que chegava a inquietar a família, no sentido em que ela fazia economias...
não queria gastar demais, pois provavelmente precisaria de uns quatro ou cinco
anos para se curar, lhe diziam... Ao final, ela estava paraplégica, mas continuava
com esperança de cura. Ela jamais pensou que poderia ficar assim, e teve relações
sexuais até dois dias antes de morrer. Vale dizer, como se pode viver tão
gravemente enfermo estando plenamente na vida, e com os outros.
Um dia ela veio até mim, foi a última vez que veio até minha casa, porque depois
(estava se formando uma metástase medular), na semana seguinte, estava
paraplégica e não pôde mais vir; na última vez em que veio, contou-me um sonho,
dizendo: “Experimentei esta noite, através de um sonho, uma felicidade que não
pode existir sobre a terra, uma
(página 50)
(notas de rodapé)
[2] Complemento de um casal cujo desejo e amor se completam nesta criança.
[3] Morfologia atarracada, curta.
[4] Terapia pelo brinquedo; a criança utiliza brinquedos que se coloca à sua
disposição para expressar sues conflitos inconscientes. (Nota do editor).
[5] Psychanalyse et pédiatrie, 1939, Paris, Le Seuil, 1971.

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