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I DOMINGO DA QUARESMA – ANO C

A QUARESMA COMO TEMPO CERTO: O NASCIMENTO DE UMA NOVA HUMANIDADE.


Quinta-Feira. 03 de Março de 2022

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
A Igreja, constantemente, nos recorda da grandiosidade do Amor de Deus por nós e, consequentemente, para
corresponder a esse amor, nos é pedido um senso de responsabilidade. Amor e responsabilidade andam
juntos. O problema consiste em que algumas vezes esquecemos da interligação entre essas coisas. Por isso, a
mesma Igreja nos ensina que temos a urgente necessidade de voltar os nossos corações para o Senhor,
redirecionar a nossa vida para Deus, lugar este que ela nunca deveria ter saído, mas que por nossa
desobediência, assim o fazemos. O Jejum, a Esmola e a Oração propostos nesse tempo quaresmal são o
caminho seguro para voltarmos ao Senhor. São o caminho que Ele nos moldará homens e mulheres novos. O
nascimento de uma nova criatura, cuja gestação, cujo início somos convidados a dar a partir de hoje.

“A Quaresma é um tempo favorável de renovação pessoal e comunitária que nos conduz à Páscoa de
Jesus Cristo morto e ressuscitado”. Papa Francisco por ocasião da Mensagem Quaresmal de 2022.

Neste sentido, o percurso à ser percorrido se dará por meio dos paralelismos entre a primeira leitura e o
Evangelho através da ideia de libertação e que, consequentemente nos conduz à uma nova humanidade do
qual, a Quaresma se constitui como o “momento oportuno”, segundo o próprio Evangelho hodierno.

DESENVOLVIMENTO TEOLÓGICO-EXEGÉTICO
Na primeira leitura, o Deuteronômio apresenta-nos o rito de oferta das primícias da colheita: ao apresentar
ao Senhor Deus o fruto da terra, o israelita piedoso confessava que pertencia a um povo de estrangeiros e
peregrinos, vindos do Pai Jacó, que não passava de um arameu errante. O israelita fiel recordava diante de
Deus a história de Israel, história de escravidão e de libertação:

“Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egito… Ali se tornou um povo grande, forte e
numeroso. Os egípcios nos oprimiram. Clamamos ao Senhor… e o Senhor ouviu a nossa voz e viu a
nossa opressão… E o Senhor nos tirou do Egito… E conduziu-nos a este lugar e nos deu esta terra… Por
isso eu trago os primeiros frutos da terra que tu me deste, Senhor”.

O que podemos compreender disso? Éramos ninguém e o Senhor nos libertou, deu-nos uma vida nova – eis
o resumo da história e da experiência de Israel! Esta também é a nossa experiência, como Igreja, Novo
Israel: “Se com a tua boca confessares Jesus como Senhor e, no teu coração creres que Deus o ressuscitou
dos mortos, serás salvo”. Também a nossa história é de libertação: éramos escravos, todos nós, do grande
Faraó, o Pecado que nos destrói e destrói o mundo. Mas Deus enviou o seu Filho numa carne de pecado
(numa natureza sujeita às consequências do pecado): ele desceu a este mundo e entrou na nossa miséria, até
a morte, a nossa morte. Deus o arrancou da morte; ressuscitou-o e fez dele Senhor e Cristo e quem nele crer
e confessá-lo como Senhor na sua vida, encontra a salvação; encontra um novo modo de viver, encontra a
paz, encontra já agora a comunhão com Deus e, depois, a Vida eterna! Assim, Israel nasceu da Páscoa do
deserto; a Igreja nasceu da Páscoa de Cristo. Israel era escravo, atravessou o mar e o deserto e tornou-se um
povo livre para o Senhor. Nós éramos escravos, éramos ninguém, atravessamos as águas do Batismo com
Cristo, e ainda que caminhemos neste deserto da vida, somos um povo livre para o Senhor nosso Deus.
Na mesma esteira, o evangelho de hoje, apresentando-nos as tentações de Jesus, nos ensina a combater: ele
venceu Satanás ali, onde Israel fora vencido: Israel pecou contra Deus murmurando por pão; Jesus
abandonou-se ao Pai e venceu; Israel pecou adorando o bezerro de ouro; Jesus venceu recusando dobrar os
joelhos diante da proposta de Satanás; Israel pecou tentando a Deus em Massa e Meriba; Jesus rejeitou
colocar Deus à prova. Nas tentações de Cristo estão simbolizadas as nossas tentações: a concupiscência da
carne (o prazer e a satisfação desregrada dos sentidos), a concupiscência dos olhos (a riqueza e o apego aos
bens materiais) e a soberba da vida (o poder e o orgulho autossuficiente e dominador). Ora, Jesus foi tentado
como nós, tentado por nossa causa, por amor de nós. Ele foi tentado como nós, para que nós vençamos como
ele! Ele foi tentado não somente naqueles quarenta dias.

O evangelho diz que “terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo
oportuno”.

A tentação de Jesus foi até a cruz, quando ele, no combate final, colocou toda a vida nas mãos do Pai e pelo
Pai foi ressuscitado, tornando-se causa de vida e ressurreição para nós, que nele cremos, que o seguimos,
com ele combatemos e o proclamamos Senhor ressuscitado. A respeito desse termo: “tempo oportuno” é
interessante esclarecer.

O Evangelho no original assim diz: “Καὶ συντελέσας πάντα πειρασμὸν ὁ διάβολος ἀπέστη ἀπ’ αὐτοῦ
ἄχρι καιροῦ”.
“Terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno”.

Chamo a devida atenção para o termo καιροῦ que chega a nós com o mesmo significado de sua origem:
tempo oportuno. Kairós, que é a origem do termo καιροῦ é uma palavra de origem grega, que significa
"momento certo" ou "oportuno", relativo a uma antiga noção que os gregos tinham do tempo. A noção de
tempo representada pelo termo kairós teria surgido a partir de um personagem da mitologia grega. Kairós era
filho de Cronos, deus do tempo e das estações, e que, ao contrário de seu pai, expressava uma ideia
considerada metafórica do tempo. Para Kairós o tempo era não-linear e que não se pode determinar ou
medir, uma oportunidade ou mesmo a ocasião certa para determinada coisa. Pode-se entender que o
chamado "kairós" é um momento oportuno único, que pode estar presente no espaço de um tempo físico,
determinado por Cronos, segundo a mitologia grega. Em outras palavras, kairós seria o período ideal para a
realização de uma coisa específica, que pode ser um objeto, processo ou contexto.

CONCLUSÃO
Ora, nesse sentido, não fica difícil compreender o porquê proclamamos a Quaresma como o tempo
favorável. A Quaresma é o tempo ideal para a nossa conversão, para fazer-se cumprir a célebre expressão
outrora por Jesus proferida: “Convertei-vos e crede no Evangelho - μετανοεῖτε καὶ πιστεύετε”. Essa palavra,
conversão, é muito especial e merece a nossa atenção: μετανοεῖτε - μετανοῖα quer dizer uma mudança
radical, mudança completa, firme, decidida e principalmente, verdadeira, capaz de deixar de lado, de
abandonar tudo o que temos, e aqui não se trata dos nossos pertences materiais, mas sim das nossas manias,
dos nossos pecados, do nosso orgulho, da nossa “sede de aparecer sempre”, da nossa vaidade física e social,
dos nossos medos, da nossa fofoca, inveja e tantas outras coisas que vem atrapalhando a nossas vida... é
necessário deixar imediatamente nossos velhos hábitos, e seguir Jesus. Porém, essa consciência, essa
vontade não se dão de forma automática e imediata. De forma mágica. O mesmo Evangelho recorda que “O
Espírito levou Jesus para o deserto e que lá, ficando por 40 dias, foi tentado por Satanás” é após esse
deserto, que a sentença aparece. O que é automático não é a conversão, mas sim a adesão à ela.
Esse mesmo Espírito nos convida e impulsiona a irmos também ao deserto de nossa vida. A quaresma é esse
propício tempo em que por amor a Jesus submetemos e nos propomos à enfrentar nossos demônios, aquilo
que nos afasta de Deus. A mudar nossa mentalidade. Jesus nos chama a irmos também com Ele nesse
caminho quaresmal. Creiamos nele, pois somente por meio Fé, conseguiremos segui-lo, e somente seguindo-
o, poderemos renascer em Deus.

Sem. José Demétrio de Camargo


3º ano de Teologia.

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