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CURSO

DEVOCIONAL DA ALEGRIA DA PAIXÃO

Com Ana Paula Silva Rocha.


O QUE É DEVOÇÃO?

A palavra “devoção” tem raiz no latim devotione, e significa afeição,


dedicação, sacrifício e culto. Na teologia e na espiritualidade católica,
devoção é um ato de religião. São Tomás de Aquino diz que devoção é “a
vontade pronta para se entregar a tudo que pertence ao serviço de Deus”.
Sendo assim, toda a verdadeira devoção tem como fim último o próprio Deus.

“Mediante a razão natural, o homem pode conhecer a Deus com certeza a


partir de suas obras. Mas existe outra ordem de conhecimento que o homem
de modo algum pode atingir por suas próprias forças, a da Revelação divina.
Por uma decisão totalmente livre, Deus se revela e se doa ao homem.”
(CIC 50)

Em nossos dias, a maioria das pessoas não entende mais o significado da


palavra devoção. Para grande parte dos católicos de hoje, as práticas
devocionais não passam de sentimentalismo subjetivista, que não os leva a
uma verdadeira conversão. Sendo assim, é urgente recuperar o sentido da
palavra devoção como vontade pronta de entregar-nos inteiramente a Deus,
para então passarmos à prática.
Na experiência espiritual, a devoção pode ser acompanhada de sentimentos
e consolações.
Existem várias expressões de devoção na Igreja Católica, que podem ser
divididas em duas categorias: a devoção de veneração, que é prestada aos
anjos e santos; e a devoção de adoração, que é devida e prestada
unicamente a Deus.

Toda a verdadeira devoção tem Deus como seu fim último. A devoção de
veneração, prestada aos anjos e aos santos, somente tem valor se nos faz
crescer na fé, na esperança e na caridade, se nos leva a amar Deus de todo
nosso coração, com toda nossa alma, com todo nosso espírito e ao próximo
como a nós mesmos.
A devoção de adoração diferencia-se da de veneração somente na forma
que prestamos nosso culto a Deus: na adoração, prestamos culto a Deus em
si mesmo; e na veneração, a Ele também, mas em suas criaturas.

A ALEGRIA DA PAIXÃO

Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, o Filho do homem
que está no céu.

“Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o


Filho do homem, para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna.
Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único,
para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois
Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo
seja salvo por ele.”
(João 3,13-17)

Queremos “levantar o Cristo crucificado no meio da Humanidade”, na mística


da “Alegria da Paixão”, para que a cruz não seja vista como sinal de derrota
ou de sofrimento, pelo contrário, mas como o grande sinal de nossa salvação
e redenção.
Na cruz está o Tudo e dela sai tudo – O mistério da cruz revela que tudo
provém dela, e ali expressa o tudo que é Deus. Jesus crucificado é o Tudo
que o Pai ofertou, expressão do Amor Incondicional de Deus para a todas a
humanidade. Olhar para o Cristo crucificado, dá sentido à vida do homem.
No alto do madeiro está Jesus e ali o Senhor reina no madeiro, o homem das
dores que se doa com amor incondicional. Desta forma:

“Para configurarmos à imagem do Amor Incondicional, adotamos como cerne


da nossa prática de vida espiritual a contemplação da Paixão do Senhor na
perspectiva da ‘Alegria da Paixão’. Estar aos pés da cruz não deve ser algo
sombrio, triste ou até mesmo melancólico e sim um motivo de grande alegria,
a alegria na potência da ressurreição.”
(Regra Vida CCPD, § 26)
Nós cristãos temos um lugar para estar, e esse lugar é aos pés da cruz do
Senhor, pois ali podemos experimentar a riqueza do Amor Incondicional que
promove em nossas vidas, frutos de ressurreição: vida nova, vida restaurada.
A Paixão e a cruz de Jesus são sinais de reconciliação. O coração de Jesus é
a porta que permite com que cada um de nós, possa se aproximar, entrar e
dentro do seu coração, ser acolhido, curado e restaurado pela força da
Paixão redentora.

A ALEGRIA DA OFERTA

“O Pai me ama, porque dou a minha vida para a retomar. Ninguém a tira de
mim, mas eu a dou de mim mesmo e tenho o poder de a dar, como tenho o
poder de a reassumir. Tal é a ordem que recebi de meu Pai”.
(João 10,17-18)

Neste mistério podemos observar a entrega de Jesus que deu sua vida por
amor, no Getsêmani, um jardim situado no monte das Oliveiras, o mesmo das
Bem-aventuranças. O suor que escorre corpo de Jesus, uma agonia mortal
que toma conta do seu sacratíssimo coração... O Cristo que está acometido
pelo sofrimento.
Podemos observar também que no ápice da agonia, Jesus dá sentido ao
sofrimento, dando ao mesmo tempo em seu coração uma certeza:

“Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua”


(Lucas 22,42b).

O mistério “A alegria da oferta” – vem nos ensinar a importância da


oblatividade, da entrega, da confiança, em Deus nos momentos mais difíceis
da nossa vida.
Transformar o sofrimento em oração é uma grande bênção. Entregar-se ao
Pai através da dor e da angústia e muitas vezes do desespero, é também
uma grande bênção. É nessa hora que Deus surge como refúgio, salvação. É
no meio das nossas provações, tentações, sofrimentos físicos ou morais que
podemos elevar uma súplica a Deus em favor de todas as pessoas pelas
quais intercedemos. A cruz é o lugar do encontro, é o lugar da cura, é o lugar
da fortaleza.

A ALEGRIA DO ALÍVIO

“Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei.
29.Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso
e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. 30.Porque
meu jugo é suave e meu peso é leve”.
(Mateus 11, 28-30)

Neste mistério podemos observar que Jesus precisou de alívio. O Deus que
sustenta o universo quis precisar de ajuda para carregar a Cruz. Na Paixão
de Jesus houve um Cireneu. Todos nós precisamos de um Cireneu em
nossas vidas, para nos estender a mão, nos ajudar nas travessias tortuosas
da vida. Nós também podemos ser “cireneus” na vida de tantas pessoas,
ajudando-as a carregar as suas cruzes. (Lucas 23,26)
Do encontro involuntário, brotou a fé. Acompanhando Jesus e compartilhando
o peso da cruz, o Cireneu compreendeu que era uma graça poder caminhar
juntamente com este Crucificado e assisti-Lo. Carregando a cruz com Cristo,
Cirineu foi aliviado.
O mistério de Jesus que sofre calado tocou o coração de Cirineu. Jesus, o
amor divino, era o único que podia, e pode, redimir a humanidade inteira.
Sempre que, bondosamente, vamos ao encontro de alguém que sofre,
alguém que é perseguido e inerme, partilhando o seu sofrimento ajudamos a
levar a própria cruz de Jesus. E assim obtemos salvação, e nós mesmos
podemos contribuir para a salvação do mundo.

A ALEGRIA DA CRUZ

“E quando eu for levantado da terra, atrairei todos os homens a mim” (João


12,32), ou ainda “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve
ser levantado o Filho do Homem, para que todo homem que nele crer tenha a
vida eterna”.
(João 3, 14-15)
Neste mistério podemos notar que Jesus amou profundamente a cruz. Ele a
assumiu como instrumento de amor, como sinal de reconciliação entre a terra
e o céu. A cruz é o sinal do amor divino, da sua misericórdia, da vitória dos
mártires. Jesus não rejeitou a cruz. Não há cristianismo sem a cruz.
O Jesus que nós cristãos seguimos é o Jesus da cruz; é o Jesus crucificado.
O Jesus que nós cristãos seguimos é o Jesus do sofrimento, o rejeitado; o
Jesus não amado. O Jesus que nós seguimos é o Jesus que foi morto e
abraçou a morte, para ressuscitar no terceiro dia.
Nos momentos difíceis podemos até mesmo questionar: “Senhor, por que eu
estou sofrendo?” E a resposta é bem simples: Porque você é pessoa
humana; e pessoa humana, sofre. “Deus, por que eu fiquei doente?”. Porque
você tem um físico, e todo corpo físico entra em decomposição, mais cedo ou
mais tarde. Nós não podemos negar as realidades humanas, Jesus veio para
abraçar todas elas e também nos ensinar a abraçá-las.

A ALEGRIA DA REMISSÃO

“Um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: “Se és o Cristo,
salva- te a ti mesmo e salva-nos a nós!”. Mas o outro o repreendeu: “Nem
sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício? Para nós isto é justo:
recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas este não fez mal
algum.” E acrescentou: “Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no
teu Reino!” Jesus respondeu-lhe: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo
no paraíso”.
(Lucas 23, 39-43)

Existe um objetivo com a crucifixão e morte de Jesus: salvar toda a


humanidade e devolver a dignidade de filho. Jesus recebe com alegria o
pedido do ladrão chamado Dimas e, diante do seu arrependimento, lhe
garante a sua salvação, a entrada no paraíso.
Segundo a tradição católica milenar, os nomes dos dois ladrões eram “Dimas”
(o “bom ladrão”) e “Simas” (o “mau ladrão”). Os dois eram considerados
ladrões extremamente perigosos, por conta de terem recebido como pena a
morte de cruz, que era destinada aos piores malfeitores da época. Mas
porque Dimas foi considerado um bom ladrão?
1) Porque reconheceu o seu pecado
2) Porque reconheceu que Jesus não merecia morrer
3) Porque reconheceu Jesus como Rei

Por conta dessas três atitudes, Dimas foi o primeiro a entrar no céu e pode
ser considerado o primeiro santo, declarado pelo próprio Jesus, quando,
ainda na cruz, afirmou:

“Na verdade, te digo: ainda hoje estarás comigo no paraíso.”


(Lc 23, 43).

A ALEGRIA DO ACOLHIMENTO

“Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria,
mulher de Cléofas, e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua mãe e perto
dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: “Mulher, eis aí teu filho”. Depois
disse ao discípulo: “Eis aí tua mãe”. E dessa hora em diante o discípulo a
recebeu como sua mãe.”
(João 19, 25-27)

No mistério da Alegria do Acolhimento podemos observar que diante da cruz


de Jesus estavam de pé sua mãe a Virgem Maria, Maria, mulher de Cléofas,
e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo João,
disse à sua mãe: “Mulher, eis aí teu filho” e depois disse ao discípulo: “Eis aí
tua mãe”. A Palavra vai dizer que dessa hora em diante o discípulo recebeu a
Virgem Maria como sua mãe.
Essas palavras comoventes de Jesus, constituem uma “cena de revelação”:
revelam os profundos sentimentos de Cristo que está moribundo na cruz e ao
mesmo tempo uma grande riqueza. Com efeito, ao dirigir-se, no fim da Sua
vida terrena, à Mãe e ao discípulo João, Jesus crucificado estabelece novas
relações de amor entre Maria e os cristãos.
Entregar o discípulo à Maria, atribui a Virgem Santíssima uma nova missão
materna. Não estamos sozinhos... temos a Virgem Maria como mãe.
REFERÊNCIAS

VIA SACRA. Escola Veneziana  – Sec. XVIII, 2005. Disponível:


https://www.vatican.va/news_services/liturgy/2005/via_crucis/po/station_05.ht
ml

ADORAÇÃO, DEVOÇÃO E VENERAÇÃO. EXISTE DIFERENÇA? 2002.


Disponível: >https://formacao.cancaonova.com/igreja/doutrina/adoracao-
devocao-e-veneracao-existe-diferenca/<

NÃO HÁ CRISTIANISMO SEM A CRUZ, 2022. Disponível:


https://homilia.cancaonova.com/pb/homilia/nao-ha-cristianismo-sem-cruz/

COMO UM BOM LADRÃO CRUCIFICADO AO LADO DE JESUS SE


TORNOU SANTO, 2007. Disponível:
<https://www.a12.com/jovensdemaria/artigos/crescendo-na-fe/como-o-bom-
ladrao-crucificado-ao-lado-de-jesus-se-tornou-santo<

REGRA DE VIDA CCPD, SANTANA, Luiz Carlos, Nunes, 2022. Editora


Passio Domini, Praia Grande – São Paulo.

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