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Feliz Páscoa

Cristo veio reformar


Este mundo de dores

Joel Duarte
Feliz Páscoa
Cristo veio reformar este mundo de dores

Autor
Joel Duarte

Capa
Ronaldo César

Diagramação
Henrique Gomes

Revisão
Mara Fernandes
Joel Duarte

Feliz Páscoa
Cristo veio reformar este mundo de dores

1ª edição
Rio de janeiro

Joel Alexandre Duarte


2021
Sumário
Dedicatória
Agradecimentos
Prefácio
Introdução
Parte I
Parte II
Parte III
Parte IV
Parte V
Parte VI
Bibliografia
Sobre o autor
“Porque, assim como a morte veio por um homem, também a
ressurreição dos mortos veio por um homem”. (I Coríntios 15:21)

“Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas
iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e, pelas suas
pisaduras, fomos sarados”. (Isaias 53:5)
Dedicatória

Dedico estas singelas linhas à minha irmã Luci, ao meu cunhado Eraldo e à sua nora
Rayanne. E que como o valoroso rei Davi vocês possam afirmar confiantemente a Deus:
“Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e morte, não temerei perigo algum, pois tu
estás comigo; a tua vara e o teu cajado me protegem”.
(Salmos 23:4)

Joel Duarte
Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço a Deus por sua bondade e misericórdia na minha vida.
Em segundo, a todos que apoiam o meu trabalho em orações, palavras e ações. Minha
profunda gratidão aos meus familiares que seguem o conselho de Tiago sobre a fé viva que se
expressa pelas boas obras.
Disse-lhe Jesus: Mulher, por que choras? Quem buscas? Ela, cuidando que era o
hortelão, disse-lhe: Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei.
Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, voltando-se, disse-lhe: Raboni, que quer dizer: Mestre.

(João 20:15-16)
Prefácio

Este pequeno e singelo livro, dividido em seis partes, sem nenhuma


pretensão teológica, enfoca as maravilhosas conquistas morais e espirituais que
o sacrifício de Cristo trouxe à humanidade, quando no período pascal, Ele foi
crucificado e três dias após ressuscitou dos mortos...
O evangelho registra que João Batista, o profeta que preparou o
caminho para a chegada do Messias, ao avistar Jesus, exclamou: “Eis o
cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (João 1: 24).
As palavras de João eram uma referência direta ao cordeiro que era
sacrificado na Páscoa judaica. Isso queria dizer que a promessa divina de
salvação e resgate registrada no livro de Gênesis sob a forma simbólica no
seguinte versículo: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua
descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o
calcanhar” (Gn 3: 15), quando Deus se dirige à mulher, seria cumprida com o
sacrifício de Cristo no Calvário.
Pois, o filho de Deus que tiraria o pecado do mundo, consequentemente
tiraria também a dor, o sofrimento e a morte. E isso realmente aconteceu
quando Cristo morreu e ressuscitou!
A Páscoa cristã celebra esse momento de vitória em que a promessa feita
no Éden foi cumprida. Enfim, é o triunfo do majestoso e incomparável poder
de Deus na vida e no universo sobre o pecado, a maldade e a morte.
Boa leitura.
Deus te abençoe!
Feliz Páscoa!

Joel Duarte
Na minha angústia, invoquei o SENHOR, clamei a meu Deus; ele, do seu templo,
ouviu a minha voz, e o meu clamor chegou aos seus ouvidos.
(II Samuel 22:7)
Introdução

O sentido tradicional da Páscoa, restrito a um povo em particular, ensina


que a passagem da escravidão para a liberdade se faz com fé, obediência,
esforço e dedicação. Uma difícil lição que durou quarenta anos. Retirar os
hebreus da servidão egípcia não foi difícil quando se compara com o trabalho
para formar uma mentalidade individual e coletiva que se coadunasse com a
nova condição social e política dos israelitas ao se constituírem a nação eleita.
Infelizmente, mesmo diante de milagres e prodígios, uma geração inteira
permaneceu na nostalgia da antiga vida no Egito. Resistente a todo tipo de
pedagogia e ensinamentos, com exceção de Calebe e Josué, somente os
descendentes dos ex-escravos conseguiram entrar na Terra Prometida.
Séculos mais tarde, a mesma proposta de libertação era estendida à
humanidade na pessoa de Cristo. Uma tarefa árdua e dolorosa também, que
até hoje não se concretizou... No Getsêmani, enquanto orava, o próprio Jesus
cogitou a possibilidade de renunciar aquela difícil missão em que a dor, a
humilhação e a vergonha da cruz eram anunciadas pela iminente chegada dos
seus captores. “Pai, se queres, passa de mim este cálice; contudo, não se faça a
minha vontade, e sim a tua” (Lucas 22: 43). O filho do homem agonizava.
Deus vendo a sua aflição mandou um anjo para consolá-lo. Porém, depois que
o ser celestial foi embora, a agonia voltou mais intensa a ponto de transformar
em sangue o seu suor. Um fenômeno que a medicina modernamente chama de
hematidrose: “excreção de suor sanguinolento por efeito de hemorragia das
glândulas sudoríparas”.
O filme “A paixão de Cristo” de Mel Gibson, capta de forma brilhante
esse momento quando o diabo em pessoa se apresenta de forma
acintosamente cínica ao Messias e pergunta:
— Quem é o seu pai?
Bem perto dali, os cansados e sonolentos apóstolos tiveram um pesadelo
naquela fatídica noite. Sonharam com um Cristo frágil que pedia por
misericórdia. Despertos, perceberam que as cores eram mais reais do que
pareciam na representação onírica.
Um povo rebelde que menosprezou a liberdade ofertada. Um Messias
frágil que suplica por auxílio. O que de grandioso tem esta festa Pascoal que
faz dela uma das maiores comemorações da cristandade?
O filósofo alemão ateu Nietsche, crítico ferrenho da opção cristã pelos
fracos e oprimidos, apesar de seu brilhantismo acadêmico, nunca compreendeu
a fraqueza humana como condição sine qua non para o resgate divino.
Condição que o cristianismo sempre fez questão de ressaltar, condição que
aponta para aquela parte da criatura que só o Criador pode preencher. "Minha
graça é suficiente a você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza.
Portanto, eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas, para
que o poder de Cristo repouse em mim (II Coríntios 12:9)”. Ensina o apóstolo
Paulo em sua Epístola a respeito do Poder de Deus que capacita o cristão para
vencer as maiores batalhas da vida A graça divina repousada sobre as nossas
fraquezas sinaliza que o Éden está mais próximo do que parece.
E foi o vislumbre de tal proximidade que a saudosa cantora americana
Whitney Houston, embalou com sua voz doce e forte na linda canção “One
moment in time” (Um instante no tempo) que diz em um dos seus inspirados
versos: “One moment in time When I'm more than I thought I could be.”
(Um instante no tempo quando eu sou mais do que pensei que poderia ser). É
por isso que o significado da Páscoa está muito além da rebeldia de um povo e
da angústia de um ser divino. A Páscoa, como diz a canção é o instante no
tempo quando somos mais que pensamos que poderíamos ser. O momento
em que o homem pode cumprir a missão delegada por Deus a ele. O único ser
feito à imagem e conforme a semelhança do Criador (Gênesis 1: 26) para
administrar o mundo. Agora, depois da Queda, um trabalho possível mediante
o sacrifício de Jesus Cristo que saiu do Getsêmani e enfrentou o Gólgota
vitoriosamente para que eu e você possamos celebrar definitivamente a
passagem da escravidão para a liberdade. O cálice amargo foi sorvido até a
última gota. Consequentemente, podemos afirmar que a Páscoa é a vitória de
Cristo sobre o pecado, o mal e a morte.
Este é o momento que a Páscoa cristã celebra. O momento em que
somos mais do que poderíamos ser depois que o pecado fez morada no
mundo e provocou a perda da nossa dimensão divina: a capacidade de
gerenciar a si mesmo e a natureza de forma harmoniosa.
Sim, através de Cristo recuperamos o que havíamos perdidos lá no
Éden, no Egito e no Deserto.
Por meio de Jesus Cristo, o filho de Deus, é possível desejar e usufruir
uma feliz Páscoa no domingo da ressurreição.
Feliz Páscoa
Cristo veio reformar
Este mundo de dores

Joel Duarte
Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus.
(II Coríntios 5:21)
Parte I
A relação da Páscoa com o conceito de bondade, justiça e maldade.

Geralmente, pode acontecer que alguém, um atônito cidadão do século


XXI, ao ouvir, de um cristão, que Jesus morreu na cruz por seus pecados,
perguntar surpreso: Mas, como assim? Uma pessoa que faleceu no primeiro
século da era cristã, bem antes de eu ter nascido pode ter morrido por mim?
Realmente a pergunta faz sentido. Respondê-la exige que voltemos mais
ainda no tempo. Para isso precisamos ser guiados pelo apóstolo Paulo que
explica didaticamente à igreja de Corinto que talvez tivesse passado por
experiência de dúvida semelhante, ao afirmar: “Porque, assim como a morte
veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem”
(I coríntios 15:21). Essa constatação antropológica, todavia, essencialmente
teológica pode ser resumida com as seguintes palavras: você também antes
mesmo de nascer já havia sido comprometido pelo ato de um homem que
viveu aproximadamente seis mil anos a.C. ,ou seja, a primeira pergunta sobre o
valor sacrificial e redentor da morte de Cristo nos leva ao Jardim do Éden. Lá,
em algum lugar da Mesopotâmia, devido à desobediência e rebeldia dos nossos
primeiros pais, toda humanidade herdou um legado de pecado, fraqueza,
doença e morte, herança fatídica que contaminou grandemente o livre-arbítrio,
mas não ao ponto de anulá-lo.
O primeiro homem que Paulo se refere é Adão, o segundo, é Jesus. É
dentro desse contexto histórico-antropológico-religioso que a questão
teológica sobre o definitivo sacrifício pascal se encaixa perfeitamente.
Todavia, precisamos, também, recorrer ao livro de Hebreus que, com
sua oratória professoral, é uma verdadeira aula sobre pecado, punição, perdão
e absolvição dentro dos rituais judaicos de substituição. Tais atividades
ritualísticas, presentes na religião mosaica com o objetivo de aproximar o
homem de Deus, são denominadas holocaustos, sacrifícios próprios de um
ritual de purificação e justificação. O autor dessa magnífica epístola, primeiro
apresenta Jesus como o cordeiro a ser sacrificado e depois como o nosso
sumo-sacerdote, o intermediário entre Deus e a humanidade. Quando Jesus
afirma: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por
mim” (João 14:6) e sobre isso que se trata. O caminho aberto por meio de
Cristo substitui a estrada ritualística usada na religião judaica.
Se no Judaísmo o povo se via obrigado a oferecer sacrifícios pelos
pecados cometidos rotineiramente, no Cristianismo esse sistema foi
reformulado e sintetizado em Cristo. Pois, o filho de Deus ao morrer na Cruz
estava cumprindo as exigências da Lei divina que prescrevia punições pelos
erros e infrações cometidas. A diferença é que o sacrifício de Cristo foi único e
suficiente. Você não precisa mais se preocupar com a punição divina, pois, na
cruz a Justiça foi feita.
Aqui, porém, cabe abordar, de forma bem sucinta, mais alguns conceitos
que também confundem a razão de muitos. Pois, como pode Deus ser justo,
bom e misericordioso ao mesmo tempo? Não seria uma contradição moral?
Um paradoxo ético?
Para responder satisfatoriamente essa pergunta, precisamos estabelecer o
conceito de maldade, justiça e bondade.
Comecemos com o significado de Justiça na sua acepção mais básica e
primitiva nascida da compreensão natural das coisas. Justiça é dá a cada um o
que cada um merece ou como dizia o filósofo Platão, fazendo uma aplicação
pública do princípio de equidade: justiça é cada homem ocupar o seu lugar que
a natureza determinou. O filósofo ateniense está afirmando que quando cada
homem ocupa o lugar ao qual está preparado para ocupar, está justamente
recebendo naturalmente o que merece. Na concepção política de Platão uma
sociedade justa se efetiva quando cada um ocupa seu espaço individual e
público apropriado.
Todavia, nestas breves considerações, ficaremos apenas no aspecto
ético-religioso da questão e sua dimensão individual. Por exemplo, se você
merece uma maçã apenas e ganhou uma maçã, houve justiça. Ao ganhar duas,
o que aconteceu foi u bondade, pois a bondade sempre vai além da justiça,
sem, no entanto transgredi-la (espere um pouco e você vai entender isso
melhor). E se a pessoa que merecia uma fruta e não ganha nenhuma, então
neste caso específico, houve injustiça que aqui chamaremos de maldade.
Ora, Deus, o bem supremo, é incapaz de praticar a maldade ou qualquer
forma de injustiça. O que então acontece quando o salmista louva a bondade e
a misericórdia de Deus? (Salmos 136: 1). Esses dois atributos morais
comunicáveis divinos são anunciados de forma profética, pois eles se
cumprirão no primeiro século da era cristã no Calvário. Paulo ensina aos
cristãos gentios a esse respeito:
Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a
sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de
Deus; (Romanos 3:25).

Neste momento, portanto podemos responder a pergunta: Como Deus


pode ser bom e misericordioso se é necessário que ele seja justo? A bondade e
a misericórdia de Deus são possíveis mediante a cruz de Cristo (no passado,
mediante rituais de ofertas e sacrifícios essa condição era satisfeita
parcialmente). “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a
vida eterna” (João 3: 16). Quando Jesus foi crucificado a justiça divina foi
satisfeita completamente e o caminho para a bondade e misericórdia estava
satisfatoriamente aberto.
Por tudo isso, quando comemoramos a Páscoa, estamos agradecendo a
Deus por seu amor, por ter enviado seu filho para cumpri a justiça e
estabelecer o relacionamento entre a terra e o céu. Entre o divino e o humano,
entre o físico e o espiritual. Foi para regatar um mundo que jaz no maligno que
Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou. Sua obra pôs um ponto final a
rebelião humana, a sedição de Satanás e reestabeleceu o contato com Deus.
Em Cristo, portanto, recuperamos a paz individual e coletiva. O religare,
palavra latina da qual se origina o termo religião e significa ligar de novo,
restabelecer, só foi possível mediante o sacrifício pascal do Filho de Deus. As
boas novas do Evangelho inclui uma doxologia que revela a razão da
verdadeira tranquilidade de alma que o cristão experimenta: “Deixo-vos a paz,
a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso
coração, nem se atemorize” (João 14:27).
Na minha angústia, invoquei o SENHOR, clamei a meu Deus; ele, do seu templo, ouviu a minha
voz, e o meu clamor chegou aos seus ouvidos (II Samuel 22:7).
Parte II
Mas, então por que Kierkegaard é tão angustiado?

Quem já assistiu a uma aula ou leu um livro desse teólogo e filósofo


cristão dinamarquês, inevitavelmente se faz essa pergunta. Pois, a angústia
humana é o aspecto predominante no pensamento de Kierkegaard. Sua
teologia parece encerrar certo desespero de existir como se não houvesse
esperança e a vida não fizesse sentido algum.
Todavia, apesar de apresentar o homem como um ser sensível e sofredor
que tem na vontade sua maior fonte de angústia, Kierkegaard não encerra a
sua filosofia negativamente. Pelo contrário, a partir do ponto de vista de que o
ser humano tem que encarar a si mesmo e depois o outro, e viver a partir das
suas decisões é que se faz necessário se aproximar do seu Criador, (aquele que
lhe concedeu soberanamente o livre-arbítrio, que Lutero e Calvino acharam
erroneamente não existir mais por causa do pecado generalizado) o único
capaz de preencher o vazio existencial provocado pelo mau uso da vontade
que na maioria das vezes é maior que a razão e a ética, fazendo a criatura
existir mergulhada em permanente angústia.
Vejamos uma passagem bíblica que fala da situação crítica da
humanidade e o remédio para o desespero existencial ateísta e seu desespero:
“Senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em
pranto, e o vosso gozo em tristeza” (Tiago 4: 9).
Ao se analisar a sentença, é possível afirmar que o existencialismo de
Sartre e Camus nasce na primeira parte do versículo de Tiago, caminha apenas
no lamento e no chorar e infelizmente permanece de forma desastrosa na
miséria, no lamento e no choro como se qualquer busca humana terminasse de
forma trágica na infelicidade. Como se a tragédia de Édipo fosse o paradigma
da existência humana. Nesse sentido, a filosofia ateia que surge a partir da
compreensão errada das ideias de Kierkegaard tenta dogmatizar a angústia, o
desespero, ao interpretar a vida como uma busca frustrada por algo
inalcançável e estabelece o sentido da vida na própria existência. Saber que o
sentido da vida está em Deus e não no homem é condição “sine qua non” para
a felicidade e as bem-aventuranças ensinadas nos Evangelhos.
Os filósofos existencialistas céticos ignoram completamente que é
possível transformar, por meio de Cristo o pranto em riso e a tristeza em gozo,
como afirma o irmão do Nosso Senhor em sua Epístola. A aplicação
exagerada e radical da teoria humanista de Protágoras de que o homem é a
medida de todas as coisas termina em frustração e derrota e mergulha a alma
humana em desespero, simplesmente por que o homem não é o fim do
homem, mas sim Deus. Quando Jean Paul Sartre diz que “tudo foi planejado,
exceto viver” ele se contrapõe a cartilha do bem viver estabelecida por Cristo
no Sermão da Montanha (Mateus 5-6-7).
A verdade é que Kierkegaard percebeu o quanto a existência humana é
vazia e triste sem Deus e que por mais que o homem racionalize a vida, ela não
possui sentido em si mesma, por mais prazerosa que seja o desfrutar da
natureza, do convívio social, da experiência estética, das conquista intelectuais-
cientificas, das conquistas amorosas. Nada disso, contudo, supre a ausência de
Deus na vida do homem. O “religare” é imperativo e só satisfaz em Cristo. A
tão combatida finitude humana encontra em Deus a sua extensão, pontua o
pensador dinamarquês:
“Na linguagem humana a morte é o fim de tudo, (sendo de) costume dizer-se,
enquanto há vida há esperança. Mas, para o cristão, a morte de modo algum é o fim de
tudo, e nem sequer um simples episódio perdido na realidade única que é a vida eterna; e
ela implica para nós infinitamente mais esperança do que a vida comporta, mesmo
transbordante de saúde e força” (O Desespero Humano).

Portanto, a maior verdade teológica descoberta por Kierkegaard é que a


ausência de Deus no homem só pode ser preenchida pela presença de Deus no
homem. Pois, o ser humano, criação de Deus, somente em Deus encontra a
sua verdadeira razão de existir. A frase “não é bom que o homem viva só”,
pronunciada em Gênesis, tem duas dimensões: a social-familiar e a espiritual-
religiosa. Sendo a segunda a mais importante.
Portanto, Deus, para Kierkegaard é um ponto final ao desespero e
angústia humanos. Todavia, o ateísmo existencialista, infelizmente, escolheu a
cena de pranto no Getsêmani na qual Cristo chora e pede para que Deus afaste
o cálice de amargura como prova única e paradigmática da angústia universal
capaz de desesperar até o filho de Deus. Esses pensadores esquecem o triunfo
no Gólgota, o ressurgir esplendoroso do Filho de Deus no terceiro dia, o
significado maior da Páscoa: Cristo ressuscitado vive!
Disse o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão? Ele respondeu: Não sei; acaso, sou eu
tutor de meu irmão? E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim.
(Gênesis 4: 9)
Parte III
Como tudo começou?

No primeiro velório da história, Adão estava inconsolável. Eva desde


que soube da tragédia foi absolvida por aquela sensação de inexistência na qual
a gente só sabe que está vivo por causa da intensa dor que sente. Fora isso, o
mundo parecia uma paisagem irreal, uma pintura dadaísta desprovida de
sentido...
— Quem matou meu querido Abel, uma pessoa tão boa?! — indagava
Eva em prantos.
Depois da queda e suas consequências desastrosas para o mundo era a
primeira vez que a morte entrava no universo humano. Talvez por isso, Adão,
ao lembrar seus últimos atos no Éden, era sufocado pela solidão que a dor
provocava na alma ao ouvir aquelas palavras.
Fora ele que havia encontrado o corpo sem vida do filho jogado em um
descampado. O balido das duas ovelhas próximas ao cadáver como se
lamentasse pela morte do seu pastor atraiu sua visão para algo que ele jamais
desejou ver...
O que lhe consolava por enquanto era a revolta misturada o com os
rudimentares instintos de justiça que se diluíam na mais pura e primitiva
vingança como o único paliativo para aquele sofrimento. Punir o culpado não
traria Abel de volta, todavia, traria equilíbrio moral e psicológico para um
coração que aos poucos queria se desfazer levado pelo vento do desespero.
Deus havia ido atrás dessa perversa criatura capaz de cometer crime tão
terrível. Logo, Abel seria vingado, a justiça seria feita.
Ainda pensava nisso quando ao longe por trás de grandes rochas que
circundavam seu novo lar, avistou o Criador que se aproximava no seu andar
majestoso e postura singular. Ele, para espanto de Adão, não trazia ninguém
consigo.
O primeiro homem, perturbado, perguntou:
— Então, achou o culpado?
Deus com a segurança de quem conhecia os meios e os fins de tudo,
respondeu:
— Sim.
Adão insistiu incomodado com a resposta monossilábica:
— O Senhor o executou?
— Não.
— Como não? Ele é um assassino. Matou o inocente e bondoso Abel.
Meu querido filho. Ele merece punição sumária.
— Ele já foi punido com banimento — concluiu Deus.
Eva que ouvia a conversa levantou-se de onde estava e lentamente como
se reunisse suas últimas forças para aquele movimento, andou até eles
impulsionada pelo instinto materno...
— Diga pelo menos quem foi? — continuou Adão.
Neste momento, Eva percebeu que os olhos do Criador estavam
levemente avermelhados, e que em seu semblante havia o pesar de quem
presenciou o desconsolo. Ela conhecia muito bem aquele sentimento e agora
começava a temer a própria intuição.
Depois de um silêncio reflexivo, o Criador respondeu:
— Caim.
Disse isso e se afastou do casal enlutado, pois até para Deus aquela
tragédia fora decepcionante demais e enquanto se afastava ouviu os gritos de
desespero de Eva...
Como afirmou o profeta: “Mas foi Deus quem fez a terra com o seu poder,
firmou o mundo com a sua sabedoria e estendeu os céus com o seu entendimento” (Jeremias
10: 12). Sim, Deus é a razão única da vida e do universo, por isso, Ele
simplesmente poderia estalar seus dedos e superior ao gênio da história de
Aladdin, aquele que concede três desejos ao dono da lâmpada, retornar ao
quinto dia. Incutir no “fiat lux” (faça-se a luz) criador a luz espiritual e
sapiencial, tornando possível de forma impositiva sempre que olhássemos algo
o enxergássemos na sua totalidade, com isso eliminando qualquer possibilidade
do erro. Mas Javé não era um Deus de fracassos e derrotas e o mal que havia
entrado no mundo tinha que ser combatido e vencido com os mesmos
recursos utilizados pelo tentador: o livre arbítrio mais uma vez seria usado, só
que desta vez auxiliado e fortificado pela Graça...
No roteiro original divino não cabia aquele tipo de fim em que sua obra-
prima era arruinada. O mundo e a vida humana deviam refletir a sua bondade,
beleza e verdade, e qualquer coisa abaixo desse padrão era intolerável e seria
purificada pelo sangue de Cristo.
Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós. (I Pedro 5:7)
Parte IV
A História pode e foi mudada...

Acultura religiosa judaica é a mais rica do mundo antigo, principalmente


na sua abordagem antropomórfica (características humanas) da divindade,
quando procura colocar Deus, apesar de todo seu poder, ao nosso lado como
alguém, que da mesma forma que qualquer ser humano, preocupado com as
dificuldades cotidianas, se entristece e se alegra com as derrotas e vitórias da
vida. E dentro dessa concepção humanista e humanizada, o apóstolo João
profetiza em Patmos: “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá
mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou”
(Apocalipse 10:12).
Em linhas gerais, os ensinamentos bíblicos sempre retornam ao Éden
nos seus dois momentos fundamentais: o idealizado por Deus: um mundo
harmonioso de paz, felicidade, saúde e fartura (sim, o mundo ideal de Platão já
existiu e foi o mundo pré-Queda). E o modificado pelo homem: um mundo
desarmonioso de guerra, infelicidade, doença, morte e miséria ao desobedecer
aos mandamentos divinos.
Sigmund Freud, médico suíço, fundador da psicanálise tem uma
conclusão que reflete a decadência do ser humano quando publica sua obra “A
interpretação dos Sonhos” no qual tenta desvendar o inconsciente nas suas
motivações mais profundas. O pesquisador da alma vê a humanidade regida
por forças poderosas como Eros (amor) e Tanathos (morte). O impulso para
vida e o impulso para morte respectivamente moram no interior do homem.
Sobre essas pulsões e instintos, através dos quais a psiquiatria freudiana
imaginou alcançar a alma humana, a Bíblia ensina didaticamente “é mau o
desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade”; (Gênesis 8:21). Não
deixando dúvidas sobre a tendência ao pecado (instintos e pulsões) e de
quanto o homem precisa do auxílio divino para melhorar em sua dimensão
moral, racional e espiritual.
Desse modo, como resultado do mau desejo, da maldade e da rebeldia
dos nossos primeiros pais, a dor, o sofrimento e a morte foram introduzidos
no mundo.
Portanto, olhando por essa perspectiva, dentre os males que assolam a
humanidade, aquele que possui a maior carga dramática e poder deletério,
desde que o sofrimento teve início, temos a morte como principal
personagem. Seja em escala coletiva como se dá nas guerras e epidemias seja
em escala individual, familiar, quando um ente querido nos deixa... Pois, a
morte, aparentemente, põe um ponto final em nossas esperanças de melhorias
e superações. Faz-nos comtemplar a nossa pequenez no universo, a passagem
do tempo e a transitoriedade da vida. E do ponto de vista moral e psicológico,
muitas vezes, torna-se uma interrupção aparentemente brusca em nossas
esperanças...
A mitologia grega que com tanto brilho literário abordou praticamente
todos os grandes temas humanos, também viu na morte a personificação de
um poder espiritual superior e colocou na mortalidade o grande diferencial
entre deuses e humanos. Sísifo, o pastor de Corinto, considerado o mais astuto
de todos os mortais, conseguiu temporariamente enganar Tânatos. O que não
significou uma vantagem, pois o seu castigo foi deveras severo. A religião e a
mitologia gregas, apesar de criarem uma terra mítica chamada de “os Campos
Elíseos para onde os mortais favorecidos pelos deuses eram levados, sem
provar a morte, a fim de gozar a imortalidade da bem-aventurança.” Elas não
possuíam uma solução moral ou espiritual de forma universal para a morte.
Somente com o surgimento do cristianismo, no século I a.C., a concepção de
um mundo sem dor, sofrimento e morte foi proposta como um Reino divino
vindouro e estendida a todos. A morte, na teologia cristã, é, definitivamente,
vencida por Cristo e essa vitória é oferecida, sem distinção, à humanidade.
Sim, Jesus, em resposta ao chamado divino, derrotou a hegemonia da
morte com sua mensagem de inexistência e toda sensação horrível de
abandono que ela trás e os cristão relembram esse momento na Páscoa. O
mestre ensina: “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda
que morra, viverá” (João11:25). Suas Boas Novas por promover o
restabelecimento da primeira ordem divina, têm efeito restaurador em todas as
áreas da vida. Desfazendo aquela terrível sensação opressiva da finitude da
vida marcadas por despedidas, separações e adeus...
A animação Toy Story 4 tem uma cena memorável que ilustra este
momento da existência humana. O amável e participativo xerife Woody quer
trazer de volta à casa de Andy a pastora Betty, ao que ela replica ao herói:
— Não sou o brinquedo do Andy, está na hora da próxima criança.
Olha só, crianças perdem brinquedos todos os dias. Às vezes são largados no
quintal ou vão parar numa caixa.
E Wood reflexivo, finaliza:
— Que vai embora e desaparece...
Nunca uma animação infantil abordou tão profundamente um
sentimento que às vezes faz a vida não ter sentido e nada mais ter importância
no mundo. Deus, em sua sabedoria já havia proposto uma solução para a
questão da finitude da vida.
Jesus Cristo é a resposta ao problema da morte e a finitude da vida.
Lázaro, ainda não ciente dessa conquista, quando soube que Cristo havia
morrido não acreditou. Em agonia assistiu o corpo se retirado da cruz. Um
mundo sem sentido, sem razão de ser. Assim, como Lázaro, até que a gente
compreenda a mensagem da Cruz e o amor de Cristo, o mundo regido pelo
pecado, pela dor, pela morte e sofrimento não faz sentido...
O poeta e cantor Sérgio Lopes fala poeticamente sobre esse momento
em seu hino “A dor de Lázaro”, retratando essa momentâneo experiência
trágica :
Algo me Algo me fez ver que o teu poder se mostraria
Mas a tua dor, também o meu coração feria
Não apenas Rei
Eras meu Senhor e meu amigo
Ao te ver naquela cruz
Uma parte da tua dor ficou comigo

Agora, depois que você compreende que desde aquela cena trágica em
Gênesis em que nossos primeiros pais choraram a morte do filho, e que Deus
já havia se comprometido “pisar na cabeça da serpente” após a queda do
homem, para por fim ao desespero humano e que isso se cumpriu em
Cristo, tudo fica claro.
O Cristo ressuscitado recupera Abel, Jeremias, Jó, consola o desesperado
rei Davi, que em seu palácio gritava de agonia ao saber da morte do filho
Absalão, alegra o aflito amigo Lázaro. O Cristo ressuscitado consola o aflito
Kierkegaard que reconheceu que apenas em Deus reside a resposta da vida e a
razão da existência humana por mais que ela pareça insólita. O Cristo
ressuscitado tem poder para consolar a todos os que sofrem neste mundo
incréu. Ele restaura a ordem universal alterada pela queda...
Sim, temos motivo para tristeza e desalento, mas não para o desespero,
pois, mesmo que choremos, a dor está com os dias contados, uma vez que a
morte e os sofrimentos já foram vencidos.
Nesta páscoa, portanto, amados e amadas, Cristo ressuscitado nos
convida para um novo dia, uma nova vida, aquela projetada por Deus e
que por causa do pecado foi abandonada no Éden, restabelecendo as
condições originais: “Asseguro que, se alguém obedecer a minha palavra,
jamais verá a morte” (João 8:51). Sendo assim, na porta do paraíso, agora, já
não há mais necessidades dos querubins armados de espadas fulgurantes, pois
lá se encontra o Filho de Deus, com a alegria que só quem ama experimenta, a
espera de você e dos seus ente queridos para a maior e melhor
confraternização de todas. Na qual Deus sorrindo, em cumprimento da sua
promessa, declara: a harmonia foi restabelecida. E todos nós seguiremos os
conselhos de um dos maiores profetas do Velho Testamento, considerado o
quinto evangelista: “Gritem bem alto e cantem de alegria, habitantes de Sião,
pois grande é o Santo de Israel no meio de vocês” (Isaias 12:6).
Cantem amados:
“Porque ele vive, posso crer no amanhã
Porque ele vive temor não há
Mas eu bem sei, eu sei, que a minha vida
Está nas mãos do meu Jesus que vivo está”
Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com
a glória a ser revelada em nós. (Romanos 8:18)
Parte V
O homem é a imagem de Deus...

Conta-se que um rei inconsolável após a morte da sua mulher, em


desespero, prometeu a metade do seu reino para quem a trouxesse de volta. O
decreto real foi espalhado fora e dentro do seu reino, convidando todos os
sábios e estudiosos a se candidatarem a missão.
Certo dia apareceu um homem na corte, dizendo que era capaz de trazer
a falecida e amável rainha de volta. Logo, ele foi levado à presença do
monarca.
O soberano era só expectativa... Diante dele o ancião desconhecido
falou:
— Posso atender o seu pedido — observou o estranho — porém tenho
uma exigência.
— Sim, é claro — disse o rei — pode falar!
O senhor continuou:
— Eu conseguirei realizar a sua vontade, majestade, apenas se o senhor
conseguir encontrar e trouxer ao palácio dez pessoas que nunca sofreram.
O esperançoso rei imediatamente chamou os seus ministros e generais e
deu ordens de busca.
Assim, passou uma semana, duas... Um mês, dois meses, três, e o tempo
foi passando...
Logo a impaciência e a irritação fez com que o rei convocasse seu mais
competente chefe militar para cobrar resultados.
O soldado experiente, apenas falou:
— Até agora, meu senhor, quanto mais buscamos, mais a busca se
mostra inútil. Porque mesmos as mais satisfeitas pessoas alegaram que já
conheceram os dissabores da vida.
Revoltado, o monarca mandou buscar o ancião estrangeiro que havia
feito tão absurda exigência. Assim que ele chegou tanto os funcionários que
estavam perto quanto os que estavam longe do trono puderam escutar os
gritos:
— Que tipo de pedido foi este que você fez?! Já se passaram seis meses
e nada! E nem sequer uma pessoa, nas condições exigidas, foi encontrada nem
no meu reino nem nos reinos vizinhos.
O senhor com a mesma tranquilidade do primeiro encontro, respondeu:
— Sim meu soberano, o meu pedido é tão absurdo quanto o seu. Pois
da mesma forma que não é possível encontrar pessoas que não tenham
conhecido a dor e o sofrimento, também não é possível encontrar alguém que
volte dos mortos por ação humana.
— Por isso, — concluiu o ancião — devemos viver da melhor maneira
possível, em amor e respeito, sempre evitando o mal e praticando o bem. Uma
vez que ninguém está livre do sofrimento.
O rei aquietou-se ao ouvir as palavras do ancião. E percebeu que aquela
primeira angústia da ausência havia se transformado numa consoladora
saudade. Dessa forma, ele entendeu a lição do sábio homem: o sofrimento faz
parte da existência humana e nenhum mortal está livre dele.
Em sua busca pela felicidade a filosofia grega deparou-se e teve que
enfrentar o problema da universalidade da dor e da morte que essa história
aborda. Grandes sábios da Grécia antiga como Sócrates, Platão e Aristóteles
preconizaram condutas para tornar a vida mais aprazível. Todavia, são duas
correntes de pensamentos, o epicurismo e o estoicismo, posteriores ao
período mais importante da filosofia grega, que estabelecerão conceitos não só
para o bem viver, mas também definirão a melhor postura diante dos
problemas da vida.
A ótica de Epicuro ensinava a doutrina materialista do mundo e da vida,
ou seja, tudo era matéria até a alma humana. Para o pensador grego tudo que
acontecia era explicado pelo movimento aleatório dos átomos que produzia
forças cegas e indiferentes ao destino humano. Epicuro acreditava que se as
pessoas pensassem assim, conseguiriam eliminar um dos maiores fatores de
angústia e infelicidade: as falsas crenças e o medo da morte. “Acostuma-te à
ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo
mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das
sensações” ele ensina em seu livro “Carta sobre a Felicidade”.
A outra forma de abordar a existência humana foi o Estoicismo. Para
Zenão, o seu fundador, é feliz aquele que vive segundo a ordem cósmica. Essa
ordem cósmica, chamada também de Providência ou Deus permeia tudo e está
no mundo. Pois, é imanente ao mundo. Assim, os estoicos acreditavam que
tudo que acontecia na vida tinha uma razão de ser. E nada poderia ser
diferente do que é. Lembrando que Deus nessa concepção é uma força
imanente que está em tudo.
Todavia, diferentemente da mensagem do rei desolado, Jesus encorajou
mais do que ser forte diante das vicissitudes da vida e ter espírito de resignação
diante das dores que nos cercam. Ao contrário também às filosofias
materialistas acima descritas que negavam uma divindade pessoal, o Filho de
Deus, sobretudo, ensinou que o sofrimento, a dor e a morte haviam sido
vencidos juntos com o pecado.
Tal ensinamento está contido na mensagem cristã: "Eu disse essas coisas
para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham
ânimo! Eu venci o mundo” (João 16:33). A vitória de Cristo na cruz é um legado
moral e espiritual para todos aqueles que aceitam a mensagem redentora do
Evangelho de Jesus.
Teologicamente falando vencer o mundo é disponibilizar para toda
humanidade as condições originais de existência quando o mal e o pecado não
tinham influência sobre a vontade do homem, isso aconteceu por meio da
morte sacrificial de Cristo, na Páscoa.
Vencer o mundo é ter condições de iniciar, através de Cristo, um
relacionamento com Deus, nosso criador. É reatar a antiga amizade
perdida no paraíso quando o primeiro ato de rebeldia foi introduzido pelo
pecado. Em Jesus Cristo somos religados ao Criador.
Por tudo isso, sim, celebramos a Páscoa, pois o cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo triunfou.
Triunfou sobre a dor, o sofrimento, sobre o mal e sobre a morte.
Portanto, temos motivos de sobra para sermos felizes até mesmo neste
mundo de aflições, pois Cristo ressuscitado tornou isso possível. Certeza que é
registrada nas palavras do apóstolo Paulo: Palavra fiel é esta: que, se morremos
com ele, também com ele viveremos (I Timóteo 2:11).
— Por que vocês estão procurando entre os mortos àquele que vive? (Lucas 24: 5)
Parte VI
Páscoa é mais do que esperança, é vitória! É a certeza de que o homem
não está sozinho.
Todo cristão, quando é confrontado com a miséria da mundo, suas
contradições, dores e lágrimas, pode afirmar imbuído de toda certeza, tendo
como base moral e espiritual das suas palavras os ensinamentos de Cristo, que
Deus é senhor da sua vida.
Essa certeza no contexto judaico-cristão recebe o nome específico de
fé. Em hebraico, com o mesmo sentido, temos a palavra ‫( אֱ מוּנָה‬émuná) para
designar esse estado de ânimo e exprimir uma confiança absoluta em Deus que
homens como Abraão, José, Josué, Davi, Elias, Eliseu, Amós, Habacuque,
Neemias, demonstraram em suas vidas. Já em grego, os escritores do Novo
Testamento chamarão de πίστη (píste).
No livro de Hebreus encontraremos a mais bela definição desse conceito
espiritual: “Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas
que não vemos” (Hebreus 11:1). O próprio Jesus que ao se dispor a ir à casa
do oficial romano, foi dissuadido com uma incrível declaração de fé, pois, para
o militar gentio bastava o Mestre ordenar dali mesmo que seu criado ficaria
curado. Tal convicção produziu no Filho de Deus uma profunda admiração ao
ponto de afirmar que nem em Israel havia encontrado tanta fé assim. É essa fé
que sem a qual é impossível agrada a Deus que o apóstolo Paulo enfatiza em
seus escritos. E Tiago a apresenta como mantenedora de todo equilíbrio ético-
religioso do cristão.
Todavia, a atitude dos seguidores de Cristo nas horas imediatamente que
se seguiram a sua morte se relaciona diretamente à falta dessa virtude cristã.
Vejamos alguns exemplos.
No caminho de Emaús, dois viajantes tiveram a companhia de um
terceiro, ao qual foi narrado a surpreendente trajetória de um pregador da
Galileia que havia morrido recentemente nas mãos das autoridades judaicas e
romanas (Lucas 24: 13-33). A história de um profeta poderoso em obras, Jesus
de Nazaré, era contada em um tom de lamento e tristeza, como se a esperança
mais vivificante do povo de Israel tivesse perecido com aquela cruel execução.
Mesmo estando a par da notícia das mulheres que encontraram o túmulo vazio
naquela madrugada, e afirmavam terem visto Jesus, os viajantes mantinham o
tom fúnebre na face e a cadência tristonha nas palavras. O estranho, que até
aquele momento maninha-se calado, ao ouvir aquela versão tão triste de
acontecimentos tão recentes retoma a história, agora, interpretando-a segundo
a exegese da vitória sobre o pecado e a morte. Neste momento, possuído por
uma persuasiva oratória, afirma que tudo aquilo aconteceu para que se
cumprissem as Escrituras e que aqueles eventos aparentemente trágicos para
os néscios eram, na verdade, o inicio de uma nova Era de vitórias e conquistas
a era das Boas Novas do evangelho para a humanidade.
Os dois caminhantes não sabem que o seu ouvinte e agora entusiasmado
locutor e corretor de noticias que extrai fé e esperança de acontecimentos tão
trágicos pelos quais passou Jerusalém recentemente é o profeta, protagonista
da história que eles acabaram de ouvir.
Como a noite havia caído e não era seguro viajar nesse período, o
estranho é convidado para pernoitar na casa de um deles. Então, o milagre
aconteceu por completo, na hora exata de repartir o pão, os atônitos homens
reconhecem maravilhados que em todo o momento, estiveram na presença do
maravilhoso Cristo ressuscitado.
Assim, depois que Jesus desaparece do recinto, eles lembram que desde
o momento que começaram a conversar com o terceiro viajante, o suposto
desconhecido, sentiam um estranho queimar no espírito. Pois, mesmo que a
visão deles estivesse anuviada pela dúvida e incerteza o coração não resistiu à
presença divina.
Outro caso peculiar que aponta para mesma direção da dúvida e da
descrença é o de Pedro, pois, ele ao ouvir o relato das mulheres sobre o
túmulo vazio e do rápido encontro com Jesus com elas, não se conteve de
expectativa e surpresa. Em sua mente tudo ainda estava muito confuso,
principalmente por não fazer muito tempo que ele pessoalmente aconselhará a
Jesus evitar o caminho da cruz por se tratar de algo temerário e fatídico.
Repreendido severamente pelo Mestre, calou-se. Depois disso, tentando
recuperar o prestígio que ele achou perdido, prometeu eterna fidelidade, voto
que prontamente, Cristo refutou, afirmando que naquela mesma noite mesmo
ele o negaria três vezes antes que o galo cantasse. Após a prisão do mestre e
sua reação violenta quando desembainhou a espada e cortou a orelha do
soldado Malco, Pedro seguiu a distancia o prisioneiro. Seu sotaque popular da
região da Galileia no pátio da guarda, porém, o entregou e temendo a própria
vida, negou que conhecesse o pregador de Nazaré. Fez isso três vezes como
fora alertado por Cristo.
E mesmo que tenha encontrado afeição no olhar de Jesus no momento
da sua transferência pelas autoridades, seu espirito conturbado persistia. Por
isso tudo, ao encontrar o túmulo vazio, foi uma surpresa tão grande e uma
profunda perplexidade que o fazia recordar as palavras do Mestre que no
terceiro dia, retornaria do túmulo.
Por fim, temos Tomé que entrou, de forma um tanto injusta, para a
História do Cristianismo como protótipo da desconfiança e da incredulidade.
Nas primeiras aparições de Cristo aos apóstolos e aos demais seguidores, ele
não estava presente, assim quando ouviu que o Mestre havia ressuscitado, pôs
em dúvidas as narrativas dos amigos e amigas. E, o que soou mais grave e
causou péssima impressão foi ele estipula as condições para que sua crença
fosse estabelecida nessa história tão fantástica de um morto que voltava a vida.
O apóstolo afirma precipitadamente ainda sobre o efeito do luto e da
desesperança:
“Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o meu dedo no
lugar dos cravos, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o
crerei” (João 20:25).

Oito dias depois, Jesus reaparece entre os discípulos e se dirige a Tomé


em especial, mostra a ele os sinais exigidos e o exorta a ter fé. Tomé, então, em
uma das mais poderosas confissões no salvador que o Evangelho registra,
exclama arrependido e comovido: “Senhor meu, e Deus meu!”. O encontro
termina com o didático ensinamento de Cristo: bem-aventurados os que não
viram e creram.
Dizem, que quando Kierkegaard adoeceu da enfermidade que em tão
pouco tempo lhe levaria a morte, ele tinha um estranho brilho nos olhos, uma
esperança rejuvenescedora e um fraterno contentamento existencial. Era, sem
sombra de dúvida, o émuná que o patriarca Abraão havia experimentado e que
guiara seus passos ao monte Moriá na firme convicção de que servia JEOVÁ
(YHWH) Jired (hry hwhy) “O Senhor Proverá” mesmo que, por enquanto,
nem ele nem Isaque compreendessem os inescrutáveis desígnios divinos.
É essa certeza absoluta da presença de Deus em nossa vida que faz
Soren Kierkegaard descrever a atitude de Abraão como algo que ficará
conhecido entre os interpretes de “o salto de fé”, pois, a fé nesse caso, na sua
extensão, está acima da razão, acima da moral, acima da realidade, acima da
necessidade, acima de tudo que envolve o homem, pois magistralmente ela é o
ponto de intersecção entre a humanidade e Deus. E com temor e tremor que o
pensador dinamarquês se rende maravilhado ao Criador pela fé. “Mas Abraão
acreditou sem jamais, duvidar, Acreditou no absurdo. Se tivesse duvidado
agiria de outro modo (...)” afirma Kierkegaard.
Enfim, o atribulado filósofo, da mesma forma que os apóstolos e os
seguidores de Jesus naquele momento tão aflitivo que se seguiu a crucificação,
compreendeu as alvissareiras palavras de Cristo e a sua mensagem de Páscoa
restauradora.
Pois, Aquele que veio reformar este mundo de dores, lágrimas e tristezas,
exige algo de nós: fé, a certeza de que todo mal foi vencido e que Deus já
determinou a minha, a tua, a nossa vitória desde a eternidade e para todo
sempre, amém.

Feliz Páscoa!
Disse-lhe Jesus: Mulher, por que choras? Quem buscas? Ela, cuidando que era o
hortelão, disse-lhe: Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei.
Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, voltando-se, disse-lhe: Raboni, que quer dizer: Mestre.

(João 20: 15,16)


Bibliografia

DE ALMEIDA, Ferreira João. A Bíblia Sagrada: Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica


Brasileira, 1977.
REALE, G. Historia da filosofia, 3: do Romantismo ao Empiriocriticismo / G.
Reale, D. Antiseri; tradução Ivo Storniolo. - São Paulo: Paulus, 2005.
DICIONÁRIO BÍBLICO WICLIFFE- Direção de Charles F. Pfeiffer; Howard F.
Voz; John Rea. Rio de Janeiro: CPAD, 2013.
AMARAL, Emília Português: novas palavras: literatura, gramática, redação/– São
Paulo: Editora FTD S.A., 2000.
BULGINCH Thomas, O livro de ouro da Mitologia (A Idade da Fábula) História
de Deuses e Heróis – Tradução David Jardim Júnior – 26ª edição – Ediouro
HÖRSTER, Gerhard Introdução e Síntese do Novo Testamento. Curitiba-PR:
Editora Evangélica Esperança, 1996.
STRATHEN, Paul, 1940-S891s Kierkegaard (1813-1855) em 90 minuto/Paul
Strathen; tradução, Marcus Penchel; Consultoria, Danilo Marcondes. – Rio de Janeiro: Jorge
Zarar Ed.,1999 ( Filósofos em 90 minutos)
HUNT Dave, Que amor é este? – Tradução Cloves Rocha dos Santos e Walson Sales
da Silva. 1. Edição - São Paulo: Editora Reflexão 2015.
KIERKERGAARD Soren Aebye / Diário de um Sedutor; Temor e Tremor; O
Desespero Humano/ (Os pensadores) Traduções de Carlos Grifo, Maria José Marinho,
Adolfo Casais Monteiro. – São Paulo: Abril Cultura, 1979
PLATÃO /A República /. Organização: Daniel Alves Machado – Brasília: Editora
Kiron, 2012.
Sobre o autor
Joel Duarte, escritor e autor independente.

Cursa o 4º período do Curso Bacharel de Teologia(livre) Instituto Nascidodenovo.org


Aluno do 2º período do Curso de Letras- Português-Literatura UFRJ
Outras obras do mesmo autor:
SAL DA TERRA LUZ DO MUNDO

https://www.amazon.com.br/dp/B07GTHXRTR

Mensagens de Fé
https://www.amazon.com.br/dp/B07JKC81C9

Próximo lançamento.
A Vida de José, A vitória da persistência,
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