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Arquidiocese de Fortaleza

Região Episcopal Nossa Senhora da Conceição


PARÓQUIA NOSSA SENHORA DA GLÓRIA

Santo Exercício

Fortaleza,
2024.

1
Santo Exercício da Via Sacra

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Santo Exercício da Via Sacra

APRESENTAÇÃO

O Santo exercício da Via-Sacra é ocasião propícia de recordação e


contemplação do caminho doloroso que Jesus fez do Pretório até o
Calvário. Ao levar a cruz, nosso Senhor carregava sobre si os
sofrimentos de toda a humanidade. “Ele não tinha beleza nem
esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de
nos deleitar. Era desprezado e abandonado pelos homens, homem
sujeito à dor, familiarizado com o sofrimento, como pessoa de quem
todos escondem o rosto; desprezado, não fazíamos nenhum caso dele.

E, no entanto, eram nossos sofrimentos que ele carregava sobre si,


nossas dores ele carregava. Mas nós o tínhamos como vítima do
castigo, ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi trespassado por causa
das nossas transgressões, esmagado por causa das nossas iniquidades.
O castigo que havia de trazer-nos a paz caiu sobre ele, sim, por suas
feridas fomos curados”. (Is 53,2b-5)

O texto da Via-Sacra, apresentado a seguir, tem caráter


meditativo-contemplativo. Mais do que simplesmente lido, ele deve ser
rezado, imaginado e contemplado. Por isso, requer tempo e disposição.
A cada estação será indicado um texto dos padres da Igreja, para
meditação do leitor. Embora a primeira parte possa ser rezada de forma
comunitária, recomenda-se que a leitura das meditações seja feita de
maneira pessoal.

Ao longo destes passos da paixão, possamos acompanhar o amor


encarnado que veio nos dar vida nova. Que o Santo Exercício da Via-
Sacra desperte sempre em nós a gratidão por tudo que nosso Senhor foi
capaz de sofrer para nos salvar. Que Maria Santíssima nos acompanhe
nesse caminho de fé, e nos conduza ao seu Filho, Nosso Senhor.

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Santo Exercício da Via Sacra

INTROD UÇÃO
Ó preciosíssimo dom da Cruz! Vede o esplendor de sua forma!
Não mostra apenas uma imagem mesclada de bem e de mal, como
aquela árvore do Paraíso, mas totalmente bela e magnífica para a vista
e o paladar. É uma árvore que não gera a morte, mas a vida; que não
difunde as trevas, mas a luz; que não expulsa do Paraíso, mas nele
introduz, A essa árvore subiu Cristo, como um rei que sobre no carro
triunfal, e venceu o demônio, detentor do poder da morte, para libertar
o gênero humano da escravidão do tirano.

Sobre essa árvore o Senhor, como um valente guerreiro, ferido


durante o combate em suas mãos, nos pés e em seu lado divino, curou
as chagas dos nossos pecados, isto é, curou a nossa natureza ferida pela
serpente venenosa. Se antes, pela árvore, fomos mortos, agora, pela
árvore, recuperamos a vida; se antes, pela árvore, fomos enganados,
agora, pela árvore, repelimos a astúcia da serpente. Sem dúvida, novas
e extraordinárias mudanças! Em vez da morte, nos é dada a vida; em
lugar da corrupção, a incorrupção; da vergonha, a glória.

Não é sem razão que o Apóstolo exclama: Quanto a mim, que eu me


glorie somente na Cruz do Senhor nosso, Jesus Cristo. Por ele, o mundo está
crucificado para mim, como eu estou crucificado para o mundo (Gl 6,14). Pois
aquela suprema sabedoria que floresceu na Cruz, desmascarou a
presunção e a arrogante loucura da sabedoria do mundo; toda a espécie
de bens maravilhosos que brotaram da cruz, extirparam inteiramente a
raiz da maldade e do pecado.

Já desde o começo do mundo, houve figuras e alegorias dessa


árvore que anunciavam e indicavam realidades verdadeiramente
admiráveis. Repara bem, tu que sentes um grande desejo de saber: Não
é a verdade que Noé, com seus filhos e esposas, e os animais de toda
espécie, escapou da morte do dilúvio, por ordem de Deus, numa frágil
arca de madeira?

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Santo Exercício da Via Sacra
E o que dizer da vara de Moisés? Não era figura da Cruz quando
transformou a água em sangue, quando devorou as falsas serpentes
dos magos, quando separou as águas do mar com o poder do seu
golpe, quando as fez voltar ao seu curso normal, afogando os inimigos
e salvando aqueles que eram o povo de Deus? Símbolo da Cruz foi
também a vara de Aarão, quando se cobriu de folhas num só dia para
indicar quem devia ser o sacerdote legítimo. Abraão também
prenunciou a Cruz, quando colocou seu filho amarrado sobre o feixe de
lenha.

Pela Cruz, a morte foi destruída e Adão recuperou a vida. Pela


Cruz, todos os Apóstolos foram glorificados; todos os mártires,
coroados; e todos os que creem, santificados. Pela Cruz, fomos
revestidos de Cristo ao nos despojarmos do homem velho. Pela Cruz,
nós, ovelhas de Cristo, fomos reunidos num só rebanho e destinados às
moradas celestes.
(Dos Sermões de São Teodoro Estudita- Século IX)

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Santo Exercício da Via Sacra

ORAÇÃO PREPARATÓ RIA

Meu Senhor Jesus Cristo, que seguistes, com amor infinito, o


caminho doloroso do Calvário, e aí morrestes num patíbulo de infâmia,
dai-me a graça de vos acompanhar e de unir minhas lágrimas ao vosso
sangue precioso.

Tenho ardente desejo de consolar o vosso Coração tão bom e tão


amargurado pelos meus pecados, e de me associar à vossa dolorosa
paixão e morte.

Quem me dera sofrer e morrer por vós, que sofrestes e morrestes


por mim! Oh, Jesus, eu vos amo de todo o meu coração. Arrependo-me
sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Dignai-vos, meu querido Senhor, conceder-me as indulgências


com que vossos Vigários enriqueceram este Santo Exercício, e recebei-
as em satisfação dos meus pecados e em sufrágio das almas do
purgatório.

Ó Maria, rainha dos mártires, dai-me o amor e a dor com que


acompanhastes ao Calvário o vosso inocentíssimo Jesus.

Todos: Amém.

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Santo Exercício da Via Sacra
I ESTAÇÃO
Jesus é Condenado à Morte

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: Jesus está diante de Pilatos. A que


estado o reduziram! A cabeça coroada de
espinhos; a face banhada em sangue; todo o
corpo lacerado; os ombros cobertos com um
pedaço de púrpura; as mãos atadas. Inspira
compaixão o amabilíssimo Jesus. Todavia,
Pilatos, para agradar aos judeus, condena à morte o inocente Filho de
Deus. Jesus ouve com serenidade a sentença e aceita resignado a morte
para a salvação dos pecadores.

Leitor 2: Oh Jesus, eu merecia a morte. E vós, o Deus da vida, quisestes


morrer para me salvar. Seja bendita a vossa bondade infinita! Dai-me a
graça de viver e morrer no vosso santo amor.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Ao morrer crucificado, teu Jesus é condenado – por teus crimes,
pecados! Por teus crimes, pecador!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!
Perdoei-me, meu Jesus!

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Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

Era necessário que Cristo sofresse para entrar em sua glória

Cristo, por suas palavras e ações, revelou que era verdadeiro


Deus e Senhor do universo. Ao subir para Jerusalém com seus
discípulos, dizia-lhes: Eis que estamos subindo para a Jerusalém, e o Filho do
Homem será entregue aos gentios, aos sumos sacerdotes e aos mestres da Lei,
para ser escarnecido, flagelado e crucificado (Mt 20, 18-19). Fazia, na
verdade, estas afirmações em perfeita consonância com as predições
dos profetas, que haviam anunciado sua morte em Jerusalém.

Desde o princípio, a Sagrada Escritura havia predito a morte de


Cristo com os sofrimentos que a precederiam, e também tudo quanto
aconteceu com seu corpo depois da morte; predisse igualmente que
aquele a quem tudo isto sucedeu é impassível e imortal. De outro
modo, nunca poderíamos afirmar que era Deus se, ao contemplarmos
nela razões para proclamar, com clareza e justiça, uma e outra coisa, ou
seja, seu sofrimento e sua impassibilidade. O motivo pelo qual o Verbo
de Deus, e, portanto, impassível, se submeteu à morte é que, de outra
maneira, o homem não podia salvar-se.

Este motivo somente ele o conhece e aqueles aos quais revelou.


De fato, o Verbo conhece tudo o que é do Pai, como o Espírito que
esquadrinha tudo, mesmo as profundezas de Deus (I Cor 2,10). Realmente,
era preciso que Cristo sofresse. De modo algum a paixão podia deixar
de acontecer. Foi o próprio Senhor quem declarou, quando chamou de
insensatos e lentos de coração os que ignoravam ser necessário que
Cristo sofresse para assim entrar em sua glória. Por isso, veio ao
encontro do seu povo para salvá-lo, deixando aquela glória que tinha
junto do Pai, antes da criação do mundo. Mas a salvação devia
consumar-se por meio da morte do autor da nossa vida, como ensina a
Carta aos Hebreus: Consumado pelos sofrimentos, ele se tornou o princípio
da vida (cf. HB 2,10).

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Santo Exercício da Via Sacra
Deste modo se vê como glória do Filho unigênito, glória esta que
por nossa causa ele havia deixado por breve tempo, foi-lhe restituída
por meio da Cruz, na carne que tinha assumido. É o que afirma São
João, no seu evangelho, ao indicar qual era aquela água de que falava o
Salvador: Aquele que crê em mim, rios de água viva jorrarão do seu interior.
Falava do Espírito, que deviam receber os que tivessem fé nele; pois ainda não
tinha sido dado o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado (Jo 7,
38-39); e chama glória a morte na Cruz. Por isso, quando o Senhor
orava, antes de ser crucificado, pedia ao Pai que o glorificasse com
aquela glória que tinha junto dele, antes da criação do mundo.

(Dos Sermões de S. Anastácio de Antioquia – Século VI)

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Santo Exercício da Via Sacra
II ESTAÇÃO
Jesus Carrega a Cruz

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: Jesus é despido do manto de púrpura


e coberto de suas vestes para que todos o
reconheçam e o insultem. Apresentam-lhe a
Cruz. O Salvador estende os braços e, num
transporte de ternura, aperta-a ao coração.
Banha-a de lágrimas e, pondo-a aos ombros
chagados, encaminha-se para o Calvário. “Aonde ides, meu bom
Jesus?” – “Vou morrer por ti! Depois de minha morte, lembra-te de
mim e ama-me!”

Leitor 2: Oh, Jesus, essa Cruz era devida a mim, que sou pecador, e não
a vós, que sois inocente. Mas o inocente quis pagar pelo pecador. Sede
sempre bendito, ó Senhor. Abraço, por vosso amor, todos os desprezos
e contrariedades da vida.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Com a cruz é carregado e de peso acabrunhado. – Vai morrer por teu
amor! Vai morrer por teu amor!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!

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Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

A plenitude do amor

Irmãos caríssimos, o Senhor definiu a plenitude do amor com que


devemos amar-nos uns aos outros, quando disse: Ninguém tem amor
maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos (Jo 15,13). Daqui se
conclui o que o mesmo evangelista João diz em sua epístola: Jesus deu a
sua vida por nós. Portanto, também nós devemos dar a vida pelos irmãos (1Jo
3,16), amando-nos verdadeiramente uns aos outros, como ele nos amou
até dar a sua vida por nós.

É certamente a mesma coisa que se lê nos Provérbios de Salomão:


Quando te sentares à mesa de um poderoso, olha com atenção o que te é
oferecido; e estende a tua mão, sabendo que também dever preparar coisas
semelhantes (cf. Pr 23,1-2 Vulg.).

Ora, a mesa do poderoso é a mesa em que se recebe o corpo e o


sangue daquele que deu a sua vida por nós. Sentar-se à mesa significa
aproximar-se com humildade. Olhar com atenção o que é oferecido é
tomar consciência da grandeza desta graça. E estender a mão, sabendo
que também se devem preparar coisas semelhantes, significa o que já
disse antes: assim como Cristo deu a sua vida por nós.

Também devemos dar a nossa vida pelos irmãos. É o que diz o


apóstolo Pedro: Cristo sofreu por nós, deixando-nos um exemplo, a fim de
que sigamos os seus passos (cf. 1Pd 2,21).

Isto significa preparar coisas semelhantes. Foi o que fizeram, com


ardente amor, os santos mártires. Se não quisermos celebrar
inutilmente as suas memórias e nos sentarmos sem proveito à mesa do
Senhor, no banquete onde eles se saciaram, é preciso que, como eles,
preparemos coisas semelhantes.

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Santo Exercício da Via Sacra
Por isso, quando nos aproximamos da mesa do Senhor, não
recordamos os mártires do mesmo modo como aos outros que dormem
o sono da paz, ou seja, não rezamos por eles, mas antes, pedimos que
rezem por nós, a fim de seguirmos seus passos. Pois já alcançaram a
plenitude daquele amor acima do qual não pode haver outro maior,
conforme disse o Senhor. Eles apresentaram a seus irmãos o mesmo
que por sua vez receberam da mesa do Senhor.

Não queremos dizer com isso que possamos nos igualar a Cristo
Senhor, mesmo que, por sua causa, soframos o martírio até o
derramamento de sangue. Ele teve o poder de dar a sua vida e depois
retomá-la; nós, pelo contrário, não vivemos quanto queremos, e
morremos mesmo contra a nossa vontade. Ele, morrendo, matou em si
a morte; nós, por sua carne, somos libertados da morte.

A sua carne não sofreu a corrupção, será por ele revestida de


incorruptibilidade, no fim do mundo. Ele não precisou de nós para nos
salvar; entretanto, sem ele nós não podemos fazer nada. Ele se
apresentou a nós como a videira para os ramos; nós não podemos ter a
vida se nos separarmos dele.

Finalmente, ainda que os irmãos morram pelos irmãos, nenhum


mártir derramou o seu sangue pela remissão dos pecados de seus
irmãos, como ele fez por nós. Isto, porém, não para que o imitássemos,
mas como um motivo para agradecermos. Portanto, na medida em que
os mártires derramaram seu sangue pelos irmãos, prepararam o
mesmo que tinham recebido da mesa do Senhor. Amemo-nos também
nós uns aos outros como Cristo nos amou e se entregou por nós.

(Tratado sobre o Evangelho de São João, de Santo Agostinho, - Século V)

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Santo Exercício da Via Sacra
III ESTAÇÃO
Jesus Cristo Cai pela Primeira Vez

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: O Filho de Deus cai do Pretório


oprimido pelo peso da Cruz. Está cheio de
amor, mas exausto. Depois de alguns passos,
os olhos se lhe obscurecem, verga sob a Cruz, e
cai por terra, penetrando ainda mais os
espinhos na delicada cabeça. Avalia o seu
martírio! Os algozes enfurecem-se e, com blasfêmias e golpes, ultrajam
e ferem o Cordeiro divino.

Leitor 2: Oh, Jesus, vós caístes sob o peso da Cruz, porque eu me


precipitei no abismo de iniquidade. Estendei-me a vossa mão para que
eu me levante. E auxiliado pela vossa graça, percorra confiadamente o
caminho da virtude e da santidade.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Pela Cruz tão oprimido, cai Jesus desfalecido – pela tua salvação! Pela
tua salvação!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!
Perdoei-me, meu Jesus!

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Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

Há uma só morte que resgata o mundo e uma só ressureição dos mortos

O desígnio de nosso Deus e Salvador em relação ao homem


consiste em levantá-lo de sua queda e fazê-lo voltar, do estado de
inimizade ocasionado por sua desobediência, à intimidade divina. A
vinda de Cristo na carne, os exemplos de sua vida apresentados pelo
Evangelho, a paixão, a cruz, o sepultamento e a ressurreição, não
tiveram outro fim senão salvar o homem, para que, imitando a Cristo,
ele recuperasse a primitiva adoção filial.

Portanto, para atingir a perfeição, é necessário imitar a Cristo, não


só nos exemplos de mansidão, humildade e paciência que ele nos deu
durante a sua vida, mas também imitá-lo em sua morte, como diz São
Paulo, o imitador de Cristo: Tornando-me semelhante a ele na sua morte,
para ver se alcanço a ressurreição dentre os mortos (Fl 3,10).

Mas como poderemos assemelhar-nos a Cristo em sua morte?


Sepultando-nos com ele por meio do batismo. Em que consiste esse
sepultamento e qual é o fruto dessa imitação? Em primeiro lugar, é
preciso romper com a vida passada. Mas ninguém pode conseguir isto
se não nascer de novo, conforme a palavra do Senhor, porque o
renascimento, como a própria palavra indica, é o começo de uma vida
nova.

Por isso, antes de começar esta vida nova, é preciso pôr fim à
antiga. Assim como, no estádio, os que chegam ao fim da primeira
parte da corrida, costumam fazer uma pequena pausa e descansar um
pouco, antes de iniciar o retorno, do mesmo modo, era necessário que
nesta mudança de vida, interviesse a morte, pondo fim ao passado,
para começar um novo caminho.

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Santo Exercício da Via Sacra
E como imitar a Cristo na sua descida à mansão dos mortos?
Imitando no batismo o seu sepultamento. Porque os corpos dos
batizados ficam, de certo modo, sepultados nas águas. O batismo
simboliza, pois, a deposição das obras da carne, segundo as palavras do
Apóstolo: Vós também recebestes uma circuncisão, não feita por mão
humana, mas uma circuncisão que é de Cristo, pela qual renunciais ao corpo
perecível. Com Cristo fostes sepultados no batismo (Cl 2,11-12).

Ora, o batismo, por assim dizer, lava a alma das manchas


contraídas por causa das tendências carnais, conforme está escrito:
Lavai-me e mais branco do que a neve ficarei (Sl 50,9). Por isso,
reconhecemos um só batismo de salvação, já que é uma só a morte que
resgata o mundo e uma só ressurreição dos mortos, das quais o batismo
é figura.

(Tratado sobre o Espírito Santo, de São Basílio Magno, bispo - Século IV)

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Santo Exercício da Via Sacra
IV ESTAÇÃO
Jesus Cristo encontra sua Mãe Santíssima

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: Que encontro doloroso! Que olhares


de desolação! Maria vê seu filho desfalecido e
desfigurado, e não lhe pode valer. Jesus vê sua
santa Mãe aflita e desolada e não a pode
consolar. Não falam os lábios, falam os
corações: “Minha mãe, minha pobre mãe!”.
“Meu filho, meu querido Jesus!” E essas palavras traduzem um oceano
de afetos e dores. Duas vítimas inocentes no mesmo sacrifício.

Leitor 2: Oh, Jesus, oh, Maria, com meus pecados fui a causa de vossos
tormentos. E vós amastes tanto a minha pobre alma. Oh. Maria,
consagro-vos a minha alma e o meu corpo. Amparai-me, defendei-me
sempre, mas, sobretudo, na hora da minha morte.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
De Maria lacrimosa, no encontro lastimoso – vê a viva compaixão! Vê a
viva compaixão!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!
Perdoei-me, meu Jesus!

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Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

Estava sua mãe junto à Cruz

O martírio da Virgem é mencionado tanto na profecia de Simeão


quanto no relato da paixão do Senhor. Este foi posto, diz o santo ancião
sobre o menino, como um sinal de contradição, e a Maria: e uma espada
transpassará tua alma (Cf. Lc 2,34-35).

Verdadeiramente, ó santa Mãe, uma espada transpassou tua


alma. Aliás, somente traspassando-a, penetraria na carne do Filho. De
fato, visto que o teu Jesus – de todos certamente, mas especialmente
teu- a lança cruel, abrindo-lhe o lado sem poupar um morto, não
atingiu a alma dele, mas ela traspassou a tua alma. A alma dele já ali
não estava, a tua, porém, não podia ser arrancada dali. Por isso, a
violência da dor penetrou em tua alma e nós te proclamamos, com
justiça, mais do que mártir, porque a compaixão ultrapassou a dor da
paixão corporal.

E pior que a espada, traspassando a alma, não foi aquela palavra


que atingiu ate a divisão entre a alma e o espírito: Mulher, eis aí o teu
filho? (Jo 19,26). Oh! Que troca incrível! João, mãe, te é entregue em vez
de Jesus, o servo em lugar do Senhor, discípulo pelo Mestre, filho de
Zebedeu pelo Filho de Deus, o puro homem, em vez do Deus
verdadeiro. Como ouvir isso deixaria de traspassar tua alma tão
afetuosa, se até a sua lembrança nos corta os corações, tão de pedra, tão
de ferro?

Não vos admireis, irmãos e irmãs, que se diga ter Maria sido
mártir na alma. Poderia espantar-se quem não se recordasse do que
Paulo afirmou que entre os maiores crimes dos gentios estava o de
serem sem afeição. Muito longe do coração de Maria tudo isso; esteja
também longe de seus servos.

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Santo Exercício da Via Sacra
Talvez haja quem pergunte: “Mas não sabia ela de antemão que
iria ele morrer?”. Sem dúvida alguma. “E não esperava que logo
ressuscitaria?” Com toda confiança. “E mesmo assim sofreu com o
Crucificado?” Com toda a veemência. Aliás, tu quem és ou de onde tua
sabedoria, para te admirares mais de Maria que compadecia, do que do
Filho de Maria a padecer? Ele pôde morrer no corpo; não podia ela
morrer juntamente no coração? É obra de caridade: ninguém a teve
maior! Obra de caridade também isso: depois dela nunca houve igual.

A Corredenção

A Mãe de Jesus, transpassada de dor, após ouvir a sentença


injusta proferida contra seu divino Filho, recorre a João, o discípulo
amado, em meio ao seu sofrimento, para que a conduzisse ao caminho
em que Jesus teria que passar em seu calvário. Imaginemos a dolorosa
Mãe de Deus, com os olhos vermelhos de tanto chorar, tremendo e
gemendo a espera de ver Seu Filho; tudo lhe penetrava o coração com
bastante intensidade: as trombetas, os anúncios da execução, os
impropérios proferidos pela multidão ingrata, os olhares de reprovação
e escárnios dos que a apontavam como a ʺmãe do condenadoʺ.

Não há como não rememorar a profecia de Simeão de que uma


espada transpassaria a alma de Nossa Senhora, pois aquilo que ela
guardava no coração por mais de trinta anos, agora estava se
realizando à vista de todos. Quão incomensurável foi a dor que,
alvejando violentamente todos os seus sentidos, penetrou-lhe a alma
sem piedade.

Anna Catharina Emmerich relata em suas visões místicas que a


Santíssima Virgem Maria ʺolhava na direção de seu Filho e esmagada
pela dor, encostou-se ao pilar do portão. Tinha a palidez de um cadáver
e os lábios roxos (…) O Filho de Deus, seu próprio Filho querido, O
Santo, o redentor: lá cambaleando e curvado, afastando penosamente a
cabeça com a coroa de espinhos do pesado fardo da cruz. (...)

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Santo Exercício da Via Sacra
Tinha o rosto pálido, coberto de sangue e pisaduras, a barba toda
junta e colada sob o queixo pelo sangue. Os olhos encovados e
sangrentos do Salvador, sob o horrível enredo da coroa de espinhos,
lançaram um olhar grave e cheio de piedade à Mãe dolorosa. A Mãe, na
veemência da dor, não via mais nem soldados nem carrascos, via só o
Filho querido em estado tão lastimoso e tão maltratado.

Estendendo os braços, correu os poucos passos do portão até


Jesus, através dos carrascos e abraçando-O, caiu-Lhe ao lado de joelhos.
Ouvi as palavras: ʺMeu Filho!ʺ - ʺMinha Mãe!ʺ - não sei se foram
pronunciadas pelos lábios ou só no coração.ʺ (Vida, Paixão e
Glorificação do Cordeiro de Deus)

No Gênesis, Deus impôs à mulher as dores do parto e o tormento


para dar à luz como consequência do pecado original; sendo
Imaculada, entretanto, a Santíssima Virgem Maria não experimentou
essas dores no nascimento de Jesus, mas estando unida aos sofrimentos
da Paixão de seu Filho, padece ela com as dores da gestação dos
membros de seu corpo na ordem da graça, sobretudo porque, pelos
méritos da dor de Cristo, fomos formados e salvos.

Essa aliança parental, formada na dor, é fruto da oferta dos


sofrimentos de Nossa Senhora, Mãe do Redentor, em cooperação com a
dor da Paixão a que Nosso Senhor se submeteu para nos redimir. A
salvação que nos foi dada por Cristo é completa, mas Ele quis associar-
se à participação secundária e subordinada de Nossa Senhora à dele,
porque Eva cooperou para o pecado de Adão, de modo que a “nova
Eva”, por vontade divina, veio a cooperar para a salvação.

(Do Sermões de São Bernardo - abade - Século XII)

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Santo Exercício da Via Sacra
V ESTAÇÃO
Jesus Cristo é Ajudado pelo Cireneu

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: Jesus está fraco e tão abatido que, a


todo momento, parece morrer. E ele é o Senhor
do Paraíso, que rege e governa todas as
criaturas! Os algozes, temendo que a vítima
faleça no caminho, e não possa chegar ao lugar
da infâmia, obrigam Simão Cireneu a levar a
Cruz junto com o Redentor.

Leitor 2: Oh, Jesus, vós sustentais com um ato da vossa onipotência o


céu e a terra, e precisais de amparo?! Oh, meu bom Deus, a que estado
vos reduziu o vosso amor pela minha alma. Nunca esquecerei tamanha
misericórdia. Pelos merecimentos dessa fraqueza, ajudai-me a levar a
cruz que mereço e desejo na qualidade de cristão e pecador.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça,
nunca mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Em extremo desmaiado, deve auxilio tão cansado – receber do Cireneu!
Receber do Cireneu!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!
Perdoei-me, meu Jesus!

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Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

Cristo ofereceu-se por nós

Os sacrifícios das vítimas materiais, que a própria Santíssima


Trindade, Deus único do Antigo e do Novo Testamento, tinha
ordenado que nossos antepassados lhe oferecessem, prefiguravam a
agradabilíssima oferenda daquele sacrifício em que o Filho unigênito
de Deus feito carne iria, misericordiosamente, oferecer-se por nós. De
fato, segundo as palavras do Apóstolo ele se entregou a si mesmo a Deus
por nos, em oblação e sacrifício de suave odor (Ef 5,2). É ele o verdadeiro
Deus e o verdadeiro sumo sacerdote que por nossa causa entrou de
uma vez para sempre no santuário, não com o sangue de touros e
bodes, mas com o seu próprio sangue. Era isso que outrora prefigurava
o sumo sacerdote, quando, uma vez por ano, entrava no santuário com
o sangue das vítimas.

É Cristo, com efeito, que, por si só, ofereceu tudo o quanto sabia
ser necessário para a nossa redenção; ele é, ao mesmo tempo, sacerdote
e sacrifício, Deus e templo. Sacerdote, por quem somos reconciliados;
templo, onde somos reconciliados; Deus, com quem somos
reconciliados. Entretanto, só ele é o sacerdote, o sacrifício e o templo,
enquanto Deus na condição de servo; mas na sua condição divina, ele é
Deus com o Pai e o Espírito Santo. Acredita, pois, firmemente e não
duvides que o próprio Filho unigênito de Deus, a Palavra que se fez
carne, se ofereceu por nós como sacrifício e vítima agradável a Deus. A
ele, na unidade do Pai e Espírito Santo, era oferecidos sacrifícios de
animais pelos patriarcas, profetas e sacerdotes do Antigo Testamento. E
agora, no tempo do Novo Testamento, a ele, que é um só Deus com o
Pai e Espírito Santo, a santa Igreja católica não cessa de oferecer em
toda a terra, na fé e na caridade, o sacrifício do pão e do vinho.

(Tratado sobre a fé de Pedro, São Fulgêncio de Ruspe -bispo - Século VI)

21
Santo Exercício da Via Sacra
À espera da correspondência humana

A esta altura do percurso, os soldados impeliam o povo a ir


adiante, enquanto os carrascos posicionavam a cruz aos ombros de
Jesus com os braços um pouco mais soltos, de modo que o
deslocamento de um deles ao lado do tronco possibilitou o abraço
divino no madeiro.

Aqui cabe um adendo sobre a grandiosidade deste gesto; sendo


Deus, Jesus quis sacrificar-se ao extremo por nós sem repelir qualquer
pena mais danosa que lhe custasse um esforço sobrenatural da
humanidade por Ele assumida; é que Ele não se prevaleceu da sua
natureza divina para se sobrepor às limitações que a condição humana
lhe impôs, pelo contrário, ocultou-a de todos para cumprir tudo do
modo mais perfeito.

Assim, após tropeçar em uma pedra, Jesus vai ao chão sem


conseguir levantar-se, posto que enfraquecido e, vários grupos de
pessoas a caminho do templo se compadeciam de seu estado. Em meio
ao tumulto os fariseus sugerem que os soldados busquem entre a
multidão um homem que possa auxiliar Jesus a conduzir a cruz e todos
repararam quando um pagão com seus filhinhos vinha descendo pelo
caminho. Eis o eleito: um jardineiro que vinha todos os anos a
Jerusalém trazendo a família para a festa; ele logo recebeu ordens para
que ajudasse o galileu.

Como Deus, Jesus não precisava de ajuda para completar o


sacrifício voluntariamente por Ele aceito junto ao Pai, mas, desejando
sentir em sua carne o peso dos tormentos humanos, a partir da pena
correspondente a cada pecado cometido, cuja dívida foi Ele assumida,
experimenta a exaustão física e a dependência de outro ser humano
que o socorra.

22
Santo Exercício da Via Sacra
Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam (Jo 1, 11).
Não foi de braços judeus que Jesus recebeu o auxílio esperado, mas a
um pagão que foi confiada a honra de participar da obra de salvação de
Deus, para deixar claro aos olhos de todos que uma nova aliança, mais
perfeita que a anterior está sendo proposta.

Anna Catharina Emmerich disserta que ʺSimão resistiu e mostrou


muita repugnância, mas obrigaram-no a força. Os filhinhos choravam
alto e algumas mulheres que conheciam o homem levaram-nos
consigo. Simão sentiu muito nojo e repugnância, vendo Jesus tão
miserável e desfigurado e com a roupa tão suja e cheia de imundície.

Mas Jesus, com os olhos cheios de lágrimas, olhou para Simão


com olhar tão desamparado, que causava comoção. Simão foi obrigado
a ajudá-lo a levantar-se. (...) Simão ainda não tinha seguido muito
tempo Jesus, carregando o patíbulo e já se sentia profundamente
comovido. ʺ (Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus)

Considerando que a cada dia a Paixão de Nosso Senhor Jesus


Cristo se renova em toda Santa Missa celebrada, ainda hoje Jesus recebe
em sua cruz o peso de nossos pecados, cada vez mais ofensivos,
numerosos e capazes de desfigurá-lo.

Como cristãos, é preciso perceber que, assim como Simão, às


vezes cruzamos com Jesus pelo caminho e, em nossa indignidade,
rejeitamos o que não nos agrada os sentidos, sem compreender que o
chamado à santidade não se restringe a segui-lo, mas sobretudo a
aderir ao seu olhar que nos convida a uma união íntima com Ele, que
não precisa de nosso amparo, mas deseja ardentemente o nosso amor.

23
Santo Exercício da Via Sacra
VI ESTAÇÃO
Verônica enxuga o rosto de Jesus Cristo

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: Jesus perdeu toda a sua beleza. Jesus,


o mais belo dentre todos os filhos dos homens,
já não se conhece. A sua face está toda ferida e
banhada em sangue e lágrimas. Uma piedosa
mulher, vencendo o respeito humano,
aproxima-se de Jesus e limpa-lhe com o véu, a
sagrada face. O Salvador, sempre bom e grato, deixa impressa naquele
véu a sua imagem.

Leitor 2: Oh, Jesus, quão feliz foi Verônica que vos limpou a face
desfigurada. Também eu posso receber esse prêmio. Hoje, quando os
ímpios e os ingratos vos insultam e blasfemam, dai-me a graça de
reparar esses ultrajes. E, depois, gravai na minha alma a vossa face
divina.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
O seu rosto ensanguentado, por Verônica enxugado, contemplemos
com amor! Contemplemos com amor!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!

24
Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

Manifestemos uns para com os outros a bondade do Senhor

Considera de onde te vem a existência, a respiração, a


inteligência, a sabedoria, e acima de tudo, o conhecimento de Deus, a
esperança do reino dos céus e a contemplação da glória que, no tempo
presente é ainda imperfeita, como num espelho e em enigma mas que
um dia haverá de ser mais plena e mais pura. Considera de onde te
vem a graça de seres filho de Deus, herdeiro com Cristo e, falando com
os mais ousados, de teres também sido elevado à condição divina. De
onde e de quem vem tudo isso?

Ou ainda- se quisermos falar de coisas menos importantes e que


podemos ver com os nossos olhos – quem te concedeu a felicidade de
contemplar a beleza do céu, o curso do sol, a órbita da lua, a multidão
dos astros e aquela harmonia e ordem que se manifestam em tudo isso
como uma lira afinada?

Quem te deu as chuvas, as lavouras, os alimentos, as artes, a


moradia, as leis, a sociedade, a vida tranquila, e civilizada, a amizade e
a alegria da vida familiar? De onde te vem poderes dispor dos animais,
os domésticos para teu serviço e os outros para teu alimento? Quem te
constituiu senhor e rei de todas as coisas que há na face da terra? E,
porque não é possível enumerar uma a uma todas as coisas, pergunto
finalmente: quem deu ao homem tudo aquilo que o torna superior a
todos os outros seres vivos?

Porventura não foi Deus? Pois bem, agora, o que ele te pede em
compensação por tudo, e acima de tudo, não é o teu amor para com ele
e para com o próximo? Sendo tantos e tão grandes os dons que
recebemos ou esperamos dele, não nos envergonharemos de não lhe
oferecer nem mesmo esta única retribuição que pede, isto é, o amor?

25
Santo Exercício da Via Sacra
E se ele, embora sendo Deus e Senhor, não se envergonha de ser
chamado nosso Pai, poderíamos nós fechar o coração aos nossos irmãos
e irmãs?

De modo algum, meus irmãos e amigos, de modo algum sejamos


maus administradores dos bens que nos foram concedidos pela graça
divina, a fim de não ouvirmos a repreensão de Pedro: “Envergonhai-
vos, vós que vos apoderais do que não é vosso; imitai a justiça de Deus
e assim ninguém será pobre.”

Não nos preocupemos em acumular e conservar riquezas,


enquanto outros padecem necessidade, para não merecermos aquelas
duras e ameaçadoras palavras do profeta Amós: Tomai cuidado, vós que
andais dizendo: “Quando passará o mês para vendermos, e o sábado, para
abrirmos nossos celeiros?” (Cf. Am 8,5)

Imitemos aquela excelsa e primeira lei de Deus, que faz chover


sobre os justos e os pecadores e faz o sol igualmente levantar-se para
todos; que oferece aos animais que vivem na terra a extensão dos
campos, as fontes, os rios e as florestas; que dá às aves a amplidão dos
céus, e aos animais aquáticos, a vastidão das águas; que proporciona a
todos, liberalmente, os meios necessários para a sua subsistência, sem
restrições, sem condições, sem fronteiras; que põe tudo em comum, à
disposição de todos eles, com abundância e generosidade, de modo que
nada falte a ninguém.

Assim procede Deus para com as suas criaturas, a fim de


conceder a cada um os bens de que necessita segundo a sua natureza e
dignidade, e manifestar a todos a riqueza da sua bondade.

(Do Sermões de São Gregório de Nazianzo - bispo - Século IV)

26
Santo Exercício da Via Sacra
VII ESTAÇÃO
Jesus Cristo cai pela Segunda Vez

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: O coração de Jesus está pronto a


sofrer e a morrer, mas a sua humanidade
desfalece. Caminha com passo trêmulo,
incerto, vacilante. O sangue, que lhe desfigura
a face, turva-lhe o olhar. E, afinal, o divino
Mestre cai por terra pela segunda vez. A
violência da queda reabre as feridas de seu corpo. Os espinhos rasgam
ainda mais aquela delicada cabeça. Os algozes levantam o manso
Cordeiro, arrastando-o e ferindo-o.

Leitor 2: Oh, Jesus, as minhas repetidas culpas causaram a vossa queda.


Se eu não tivesse cometido tantos e tão graves pecados, seria menos
intenso o vosso sofrimento. Perdoai-me tamanha ingratidão pela vossa
infinita misericórdia.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Outra vez desfalecido, pelas dores abatido – cai por terra, o Salvador!
Cai por terra, o Salvador!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!

27
Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

Quem se gloria, glorie-se no Senhor

Não se glorie o sábio de seu saber, não se glorie o forte de sua força, nem
o rico de suas riquezas (Jr 9,22). Qual é então o verdadeiro motivo de
glória e em que consiste a grandeza do homem? Quem se gloria – diz a
Escritura – glorie-se nisto: em conhecer e compreender que eu sou do Senhor
(Jr 9,23).

A nobreza do homem, a sua glória e a sua dignidade consistem


em saber onde está a verdadeira grandeza, aderir a ela e buscar a glória
que procede do Senhor da glória. Diz efetivamente o Apóstolo: Quem se
gloria, glorie-se no Senhor. Essas palavras encontram-se na seguinte
passagem: Cristo se tornou para nós, da parte de Deus, sabedoria, justiça,
santificação e libertação, para que, como está escrito, “quem se gloria, glorie-se
no Senhor” (1 Cor, 1,31).

Por conseguinte, é perfeito e legítimo nos gloriarmos no Senhor


quando, longe de orgulhar-nos de nossa própria justiça, reconhecemos
que estamos realmente destituídos dela e só pela fé em Cristo somos
justificados. É nisto que Paulo se gloria: desprezando sua própria
justiça, busca apenas a que vem por meio de Cristo, ou seja, a que se
obtém pela fé e procede de Deus; para assim conhecer a Cristo, o poder
de sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos,
configurando-se à sua morte, na esperança de alcançar a ressurreição
dos mortos.

Aqui desaparece todo e qualquer orgulho. Nada te resta para que


te possas gloriar, ó homem, pois a tua única glória e esperança está em
fazeres morrer tudo o que é teu e procurares a vida futura em Cristo. E
como possuímos as primícias desta vida, já a iniciamos desde agora,
uma vez que vivemos inteiramente na graça e no dom de Deus.

28
Santo Exercício da Via Sacra
É certamente Deus quem realiza em nós tanto o querer como o fazer,
conforme o seu desígnio benevolente (Fl 2,13). E é ainda Deus que pelo seu
Espírito nos revela a sabedoria que, de antemão, destinou para nossa
glória.

Deus nos concede força e resistência em nossos trabalhos. Tenho


trabalhado mais que os outros – diz também Paulo – não propriamente eu,
mas a graça de Deus comigo (1Cor 15,10). Deus nos livra dos perigos para
além de toda a esperança humana. Experimentamos, em nós mesmos – diz
ainda o Apóstolo – a angústia de estarmos condenados à morte.

Assim, aprendemos a não confiar em nós mesmos, mas a confiar somente


em Deus que ressuscita os mortos. Ele nos livrou, e continuará a livrar-nos, de
um tão grande perigo de morte. Nele temos firme esperança de que nos livrará
ainda, em outras ocasiões (2 Cor 1,9-10).

(Das Homilias de São Basílio Magno - bispo - Século IV)

29
Santo Exercício da Via Sacra
VIII ESTAÇÃO
Jesus Cristo consola as filhas de Jerusalém

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: Umas piedosas mulheres, vendo Jesus


ensanguentado e vacilante sob o peso da Cruz,
choram e se compadecem dele. Jesus,
esquecido de seus sofrimentos, as consola e as
instrui, dizendo-lhes que chorem, sobretudo,
os próprios pecados e os pecados da
humanidade, que são a causa dos martírios de Deus e da perdição de
tantas almas.

Leitor 2: Oh, Jesus, dai-me lágrimas de amor e de arrependimento, para


que eu chore sempre os meus pecados e os pecados dos vossos
martírios e, assim, desagrave o vosso Coração aflito. E, depois, quando
eu agonizar no leito de morte, ah! Vinde consolar e receber minha
pobre alma.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Das mulheres piedosas, de Sião filhas chorosas – é Jesus consolador! É
Jesus Consolador!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!

30
Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

Jesus Cristo ora por nós, ora em nós, e recebe a nossa oração

Deus não poderia conceder dom maior aos homens do que dar-
lhes como Cabeça a sua Palavra, pela qual criou todas as coisas, e a ela
uni-los como membros, para que o Filho de Deus fosse também filho
do homem, um só Deus com o Pai, um só homem com os homens. Por
conseguinte, quando dirigimos a Deus nossas súplicas, não separemos
dele o Filho; e quando o Corpo do Filho orar, não separe de si sua
Cabeça. Deste modo, o único salvador de seu corpo, nosso Senhor Jesus
Cristo, é o mesmo que ora por nós, ora em nós e recebe nossa oração.
Ele ora por nós como sacerdote, ora em nós como nossa cabeça e recebe
a nossa oração como nosso Deus. Reconheçamos nele a nossa voz, e em
nós a sua voz. E quando se disser sobre o Senhor Jesus, sobretudo nos
profetas, algo referente àquela humilhação aparentemente indigna de
Deus, não hesitemos em lhe atribuir, já que ele não hesitou em fazer-se
um de nós. È a ele que toda criação serve, porque todo o universo é
obra de suas mãos. Por isso, contemplamos sua divindade e majestade,
quando ouvimos: No princípio era Palavra, e a Palavra estava com Deus; e a
Palavra era Deus. No princípio estava ela com Deus. Tudo foi feito por ela e
sem ela nada se fez (Jo 1,1-3). Mas se, nessa passagem, contemplamos a
divindade do Filho de Deus que supera as mais excelsas criaturas,
ouvimos também em outras passagens da Escritura o mesmo Filho de
Deus que geme, ora e louva. Hesitamos então em atribuir-lhe tais
palavras, porque nosso pensamento reluta em passar da contemplação
de sua divindade à sua humilhação, como se fosse uma injúria
reconhecer como homem aquele a quem orávamos como a Deus; por
isso, o nosso pensamento fica muitas vezes perplexo, e esforça-se por
alterar o sentido das palavras. Porém, não encontramos na Escritura
recurso algum para aplicar tais palavras senão ao Filho de Deus, sem
jamais separá-las dele.

(Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho - bispo - Século V)

31
Santo Exercício da Via Sacra
IX ESTAÇÃO
Jesus Cristo cai pela Terceira Vez

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: Jesus desfalecido e exausto, cai de


novo por terra e, novamente, fere nas pedras a
cabeça coroada de espinhos. Deus cai por
terra! Mas, à vista do Calvário, reanima-se e
levanta-se. O amor dá-lhe novas forças. É tão
ardente o seu desejo de morrer pela
humanidade, ainda que pecadora e ingrata. Oh, só Deus pode amar
assim!

Leitor 2: Oh, Jesus, são tantos e graves os meus pecados, que, para
perdoá-los, não basta só uma queda vossa. É necessário que muitas
vezes humilheis a vossa divina face. Oh, dai-me a vossa graça, para que
eu deteste os meus pecados e vos siga no caminho das humilhações e
dos sofrimentos.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Cai terceira vez prostrado, pelo peso redobrado – dos pecados e da
Cruz! Dos pecados e da Cruz!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!

32
Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

A Cruz de Cristo é fonte de todas as bênçãos e origem de todas as graças

Que a nossa inteligência, iluminada pelo Espírito da Verdade,


acolha com o coração puro e liberto a glória da Cruz, que se irradia
pelo céu e a terra; e perscrute, com o olhar interior, o sentido dessas
palavras do Senhor, ao falar da iminência de sua paixão: Chegou a hora
em que o Filho do Homem vai ser glorificado (Jo 12,23).

E em seguida: Agora sinto-me angustiado. E que direi? “Pai, livra-me


desta hora? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu
Filho! (Jo 12,27). E tendo vinda do céu a voz do Pai que dizia: Eu o
glorifiquei e o glorificarei de novo (Jo 12,28), Jesus continuou dirigindo-se
aos presentes: Agora o chefe deste mundo vai ser expulso, e eu, quando for
elevado da terra, atrairei tudo a mim (Jo 12,30-32).

Ó admirável poder da Cruz! Ó inefável glória da Paixão! Nela se


encontra o tribunal do Senhor, o julgamento do mundo, o poder do
Crucificado! Atraístes tudo a vós, Senhor, para que o culto divino fosse
celebrado, não mais em sombra e figura, mas num sacramento perfeito
e solene, não mais no templo da Judeia, mas em toda a parte e por
todos os povos da terra. Agora, com efeito, é mais ilustre a ordem dos
levitas, maior a dignidade dos sacerdotes e mais santa a unção dos
pontífices.

Porque vossa Cruz é fonte de todas as bênçãos e origem de todas


as graças. Por ela, os que creem recebem na sua fraqueza a força, na
humilhação, a glória; na morte, a vida. Agora, abolida a multiplicidade
dos sacrifícios antigos, toda a variedade das vítimas carnais é
consumada na oferenda única do vosso corpo e do vosso sangue,
porque sois o verdadeiro Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo (Jo
1,29).

33
Santo Exercício da Via Sacra
E assim realizais em vós, todos os ministérios, para que todos os
povos formem um só reino, assim como todas as vítimas são
substituídas por um só sacrifício.

Proclamemos, portanto, amados filhos e filhas, o que o santo


doutor das nações, o apóstolo Paulo, proclamou solenemente: Segura e
digna de ser acolhida por todos é esta palavra: Cristo veio ao mundo para
salvar os pecadores (1Tm1, 15). E é ainda mais admirável a misericórdia
de Deus para conosco porque Cristo não morreu pelos justos, nem
pelos santos, mas pelos pecadores e pelos ímpios. E como a natureza
divina não estava sujeita ao suplício da morte, ele assumiu, nascendo
de nós, o que poderia oferecer por nós.

Outrora, ele ameaçava nossa morte como poder de sua morte,


dizendo pelo profeta Oseias: Ó morte, eu serei a tua morte; inferno, eu serei
a tua ruína (cf. Os 13,14). Na verdade, morrendo, ele se submeteu às leis
do túmulo, mas destruiu-as ressuscitando. Rompeu a perpetuidade da
morte, transformando-a de eterna em temporal. Pois, como em Adão
todos morrem, assim também todos reviverão (1 Cor 15,2).

(Dos Sermões de São Leão Magno - papa - Século V)

34
Santo Exercício da Via Sacra
X ESTAÇÃO
Jesus Cristo é Despido de Suas Vestes

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: Eis o Calvário! Os algozes arrancam a


túnica de Jesus, presa ao seu corpo lacerado.
Abrem-se, de novo, as feridas. Não satisfeitos,
amarguram com fel a boca do dulcíssimo
Redentor. Jesus tudo sofre com paciência e
amor. Oferece todos os seus tormentos ao
divino Pai, para a salvação dos pobres pecadores.

Leitor 2: Oh, Jesus, eu me compadeço dos tormentos que sofreis por


mim. Como hei de agradecer –vos tamanha bondade? Completai,
Senhor, a vossa misericórdia. Despi-me dos meus vícios e paixões;
vesti-me de humildade, pureza e castidade; tornai-me amargos os
prazeres da vida e doces as mortificações e os sofrimentos.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Das suas vestes despojado, por algozes maltratado – eu vos vejo, meu
Jesus! Eu vos vejo, meu Jesus!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!
Perdoai-me, meu Jesus!

35
Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

O amor fraterno a exemplo de Cristo

Nada nos impele tanto ao amor dos inimigos – e é nisso que


consiste a perfeição do amor fraterno – do que considerar com gratidão
a admirável paciência de Cristo, o mais belo dos filhos dos homens (Sl 44,3).
Ele apresentou seu rosto cheio de beleza aos ultrajes dos ímpios;
deixou-os velar seus olhos que governam o universo com um sinal;
expôs seu corpo aos açoites; submeteu às pontadas dos espinhos sua
cabeça, que faz tremer os principados e as potestades; entregou-se aos
opróbrios e às injúrias; finalmente, suportou com paciência a Cruz, os
cravos, a lança, o fel e o vinagre, conservando em tudo a doçura, a
mansidão e a serenidade.

Depois, como cordeiro levado ao matadouro ou como ovelha diante dos


que o tosquiam, ele não abriu a boca (Is 53,7). Ao ouvir essa palavra
admirável, cheia de doçura, cheia de amor e de imperturbável
serenidade: Pai, perdoa-lhes! (Lc 23,24), quem não abraçaria logo com
todo o afeto aos seus inimigos? Pai, perdoa-lhes! Disse Jesus. Poderá
haver oração que exprima maior mansidão e caridade?

Entretanto, Jesus não se contentou em pedir; quis ainda


desculpar, e acrescentou: Pai, perdoa-lhes! Crucificaram-me, mas não
sabem a quem crucificam, porque, se soubessem, não teriam crucificado o
Senhor da glória (1Cor 2,8). Por isso, Pai, perdoa-lhes! Julgaram-me um
transgressor da lei, um usurpador da divindade, um sedutor do povo.
Ocultei-lhes a minha face, não reconheceram a minha majestade. Por
isso, Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!

Por conseguinte, se o homem quer amar-se a si mesmo com amor


autêntico, não se deixe corromper por nenhum prazer da carne. Para
não sucumbir a essa concupiscência da carne, dirija rodo o seu afeto à
admirável humanidade do Senhor.

36
Santo Exercício da Via Sacra
Para encontrar mais perfeito e suave repouso nas delícias da
caridade fraterna, abrace também o verdadeiro amor os seus inimigos.
Mas, para que esse fogo divino não arrefeça diante das injúrias,
contemple sem cessar, com os olhos do coração, a serena paciência de
seu amado Senhor e Salvador.

(Espelho da Caridade – do Bem-aventurado Elredo - abade - Século XI)

37
Santo Exercício da Via Sacra
XI ESTAÇÃO
Jesus Cristo é Pregado na Cruz

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: A uma ordem dos algozes, o Salvador


estende seu corpo lacerado sobre a Cruz. E,
levantando os olhos aos céus, apresenta as
mãos e os pés para serem traspassados pelos
cravos. Aos golpes repetidos do martelo,
rasga-se a pele, dilacera-se a carne, rompem-se
as veias. Jesus sofre um martírio imenso, mas não se queixa. Apenas
ama!

Leitor 2: Oh, Jesus, dissestes um dia que, pregado no madeiro,


haveríeis de atrair a vós todos os corações. Atraí o meu coração com
força suave e irresistível do vosso amor; pregai-o na vossa Cruz
bendita, para que nunca mais se afaste de vós. Estarei tão bem aos
vossos pés!

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Sois por mim na cruz pregado, insultado, blasfemado – com cegueira e
com furor! Com cegueira e com furor!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!

38
Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

O Poder do Sangue de Cristo

Queres conhecer o poder do sangue de Cristo? Voltemos às


figuras que o profetizaram e recordemos a narrativa do Antigo
Testamento: Imolai, disse Moisés, um cordeiro de um ano e marcai as portas
com o seu sangue (cf. Ex 12,6-7). Que dizes Moisés? O sangue de um
cordeiro tem poder para libertar o homem dotado de razão? É claro que
não, responde ele, não porque é sangue, mas por ser figura do sangue
do Senhor. Se agora o inimigo, ao invés do sangue simbólico aspergido
nas portas, vir brilhar nos lábios dos fiéis, portas do templo dedicado a
Cristo, o sangue verdadeiro, fugirá ainda mais para longe.

Queres compreender mais profundamente o poder desse sangue?


Repara de onde começou a correr e de que fonte brotou. Começou a
brotar da própria Cruz, e a sua origem foi o lado do Senhor. Estando
Jesus já morto e ainda pregado na cruz, diz o evangelista, um soldado
aproximou-se, feriu-lhe ao lado com uma lança, e imediatamente saiu
água e sangue: a água, como símbolo do Batismo; o sangue, como
símbolo da Eucaristia.

O soldado, traspassando-lhe o lado, abriu uma brecha na parede


do templo santo, e eu, encontrando um enorme tesouro, alegro-me por
ter achado riquezas extraordinárias. Assim aconteceu com esse
cordeiro. Os judeus mataram um cordeiro e eu recebi o fruto do
sacrifício.

De seu lado saiu sangue e água (Jo 19,34). Não quero, querido
ouvinte, que trate com superficialidade o segredo de tão grande
mistério. Falta-me ainda explicar-te outro significado místico e
profundo. Disse que essa água e esse sangue são símbolos do Batismo e
da Eucaristia.

39
Santo Exercício da Via Sacra
Foi desses sacramentos que nasceu a santa Igreja, pelo banho da
regeneração e pela renovação no Espírito Santo, isto é, pelo Batismo e
pela Eucaristia que brotaram do lado de Cristo. Pois Cristo formou a
Igreja se seu lado traspassado, assim como um lado de Adão foi
formada Eva, sua esposa.

Por esta razão, a Sagrada Escritura, falando do primeiro homem,


usa a expressão osso dos meus ossos e carne da minha carne (Gn 2,23), que
São Paulo refere, aludindo ao lado de Cristo. Pois assim como Deus
formou a mulher do lado do homem, também Cristo, de seu lado, nos
deu a água e o sangue para que surgisse a Igreja. E assim como Deus
abriu o lado de Adão enquanto ele dormia, também Cristo nos deu a
água e o sangue durante o sono de sua morte.

Vede como Cristo se uniu à esposa, vede com que alimento nos
sacia. Do mesmo alimento nos faz nascer e nos nutre. Assim como a
mulher, impulsionada pelo amor natural, alimenta com o próprio leite
e o próprio sangue o filho que deu à luz, também Cristo alimenta
sempre com o seu sangue aqueles a quem deu novo nascimento.

(Das Catequeses de São João Crisóstomo, bispo - Século IV)

40
Santo Exercício da Via Sacra
XII ESTAÇÃO
Jesus Cristo Morre na Cruz

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: Pobre Jesus, quanto sofre! Está


pendente de três cravos. Não encontra o menor
alívio. Todos concorrem para atormentá-lo. E
ele pensa em todos. Pensa nos algozes, e pede
para eles perdão; pensa no ladrão arrependido,
e promete-lhe o céu; pensa em sua mãe, e dá-
lhe João por amparo; pensa em nós, e dá-nos Maria por mãe. Como
Jesus é bom! Mas ele morre. Inclina a cabeça, solta o último suspiro.
Morreu! Deus morreu por mim!

Leitor 2: Oh, Deixai-me, Jesus, abraçar-me aos vossos pés


ensanguentados, deixai-me viver e morrer aqui. Ah! É justo que a
criatura viva e morra pelo seu bom Deus, que vivei e morreu pela
miserável criatura.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Por meus crimes, padecestes – meu Jesus, por mim morrestes! Ó quão
grande é minha dor! Ó quão grande é minha dor!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!

41
Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

Gloriemo-nos também nós na Cruz do Senhor!

A paixão de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo é para nós


penhor de glória e exemplo de paciência. Haverá alguma coisa que não
possam esperar da graça divina os corações dos fiéis, pelos quais o
Filho unigênito de Deus, eterno como o Pai, não apenas quis nascer
como homem entre os homens, mas quis também morrer pelas mãos
dos homens que tinha criado?

Grandes coisas o Senhor nos promete no futuro! Mas o que ele já


fez por nós e agora celebramos é ainda muito maior. Onde estávamos
ou quem éramos quando Cristo morreu por nós pecadores? Quem
pode duvidar que ele dará a vida aos seus fiéis, quando já lhes deu até
a sua morte? Por que a fraqueza humana ainda hesita em acreditar que
um dia os homens viverão em Deus? Muito mais incrível é o que já
aconteceu: Deus morreu pelos homens.

Quem é Cristo senão aquele que no princípio era a Palavra, e a


Palavra estava com Deus: e a Palavra era Deus? (Jo 1,1). Se não tivesse
tomado da nossa natureza a carne mortal, Cristo não teria a
possibilidade de morrer por nós. Mas deste modo o imortal pôde
morrer e dar sua vida aos mortais. Fez-se participante da sua vida. De
fato, assim como os homens, pela sua natureza, não tinham
possibilidade alguma de alcançar a vida, também ele, pela sua
natureza, não tinha possibilidade alguma de sofrer a morte.

Por isso entrou, de modo admirável, em comunhão conosco: de


nós assumiu a mortalidade, o que lhe possibilitou morrer; e dele
recebemos a vida. Portanto, de modo algum devemos envergonhar-nos
da morte de nosso Deus e Senhor; pelo contrário, nela devemos confiar
e gloriar-nos acime de tudo.

42
Santo Exercício da Via Sacra
Pois, tomando sobre si a morte que em nós encontrou, garantiu
com total fidelidade dar-nos a vida que não podíamos obter por nós
mesmos. Se ele tanto nos amou, ao ponto de, sem pecado, sofrer por
nós pecadores, e como não dará o que merecemos por justiça, fruto da
sua justificação? Como não dará a recompensa aos justos, ele que é fiel
em suas promessas e, sem pecado, suportou o castigo dos pecadores?
Reconheçamos corajosamente, irmãos e irmãs, e proclamemos bem alto
que Cristo foi crucificado por amor de nós; digamos não com temor,
mas com alegria; não com vergonha, mas com santo orgulho.

O apóstolo Paulo compreendeu bem esse mistério e proclamou


como um título de glória. Ele, que teria muitas coisas grandiosas e
divinas para recordar a respeito de Cristo, não disse que se gloriava
dessas grandezas admiráveis – por exemplo, que sendo Cristo Deus
como o Pai, criou o mundo; e sendo homem como nós, manifestou o
seu domínio sobre o mundo – mas afirmou: Quanto a mim, que eu me
glorie somente na cruz do Senhor nosso, Jesus Cristo (Gl 6,14).

(Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo - Século V)

43
Santo Exercício da Via Sacra
XIII ESTAÇÃO
Jesus Cristo nos braços de sua Mãe Santíssima

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: Que desolação para Maria receber


Jesus em seus braços, não belo e cândido como
em Belém, mas todo ferido e desfigurado.
Inclina-se sobre seu filho morto e chora
inconsolavelmente. Depois, reanima-se e
considera os estragos que os flagelos, os
espinhos e a lança fizeram naquele santíssimo Corpo. Pobre mãe! Que
desolação!

Leitor 2: Oh, Maria, fui eu que, pelos meus pecados, dei a morte a Jesus
e causei tão grandes dores ao vosso coração. Ó Senhora, não me
desampareis. Não vedes que a minha alma está banhada no sangue de
Jesus, que é também sangue de vossas veias? Perdoai-me as minhas
ingratidões, dai-me a graça de viver unicamente para Jesus. Amo-vos,
minha boa mãe, e espero amar-vos por toda a eternidade.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Do madeiro vos tiraram e à Mãe vos entregaram – com que dor e
compaixão! Com que dor e compaixão! Pela Virgem dolorosa, vossa...

44
Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

Contemplemos a Paixão do Senhor

Quem venera realmente a Paixão do Senhor deve contemplar de


tal modo, com os olhos do coração, Jesus crucificado, que reconheça a
carne do Senhor a sua própria carne. Trema a criatura perante o
suplício do seu Redentor, quebrem-se as pedras dos corações infiéis e
saiam para fora, vencendo todos os obstáculos, aqueles que jaziam
debaixo de seus túmulos. Apareçam também agora na cidade santa,
isto é, na Igreja de Deus, como sinais da ressurreição futura, e realize-se
nos corações o que um dia se realizará nos corpos.

A nenhum pecador é negada a vitória da Cruz e não há homem a


quem a oração de Cristo não ajude. Se ela foi útil para muitos dos que o
perseguiam, quanto mais não ajudará os que a ele se convertem? Foi
eliminada a ignorância da incredulidade, foi suavizada a aspereza do
caminho, e o sangue sagrado de Cristo extinguiu o fogo daquela
espada que impedia o acesso ao reino da vida. A escuridão da antiga
noite cedeu lugar à verdadeira luz.

O povo cristão é convidado a gozar as riquezas do paraíso, e para


todos os batizados, está aberto o caminho de volta à pátria perdida,
desde que ninguém queira fechar para si próprio aquele caminho que
se abriu também a fé do ladrão arrependido. Evitemos que as
preocupações desta vida nos envolvam na ansiedade e no orgulho, de
tal modo que não procuremos, com todo o afeto do coração, conformar-
nos a nosso Redentor na perfeita imitação de seus exemplos.

Tudo o que ele fez ou sofreu foi para a nossa salvação, a fim de
que todo o corpo pudesse participar da virtude da Cabeça. Aquela
sublime união da nossa natureza com a sua divindade, pela qual o
Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14).

45
Santo Exercício da Via Sacra
Não excluiu ninguém da sua misericórdia, senão aquele que
recusa acreditar. Como poderá ficar fora da comunhão com Cristo
quem recebe aquele que assumiu a sua própria natureza e é regenerado
pelo mesmo Espírito por obra do qual nasceu Jesus? Quem não
reconhece as fraquezas próprias da condição humana? Quem não vê
que alimentar-se, buscar o repouso do sono, sofrer angústia e tristeza,
derramar lágrimas de compaixão, eram próprios da condição de servo?

Foi precisamente para curar a nossa natureza das antigas feridas


e purifica-las das manchas do pecado, que o Filho unigênito de Deus se
fez também Filho do Homem, de modo que não lhe faltasse nem a
humanidade em toda a sua realidade, nem a divindade em sua
plenitude.

É nosso, portanto, o que esteve morto no sepulcro, o que


ressuscitou ao terceiro dia e o que subiu para a glória do Pai, no mais
alto dos céus. Se andarmos pelos caminhos de seus mandamentos e não
nos envergonharmos de proclamar tudo o que ele fez pela nossa
salvação na humildade do seu corpo, também nós teremos parte na sua
glória. Então se cumprirá claramente o que prometeu: Portanto, todo
aquele que se declarar a meu favor diante dos homens, também eu me
declararei em favor dele diante do meu Pai que está nos céus (Mt 10,32).

(Dos Sermões de São Leão Magno, papa - Século V)

46
Santo Exercício da Via Sacra
XIV ESTAÇÃO
Jesus Cristo é Sepultado

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes
o mundo.

Leitor 1: Jesus é encerrado no sepulcro. A sua


aniquilação não podia ser mais completa. É o
Deus da vida, mas aqui não vive.
Contemplam-no pela última vez. A sua fronte
está rasgada pelos espinhos; os olhos,
fechados; os lábios, mudos; as mãos e os pés,
traspassados; o Coração, oh! Aquele coração que tanto amou e sofreu,
já não bate mais. Jesus, o bom Jesus, está morto e sepultado.

Leitor 2: Oh, Jesus, adoro-vos no santo sepulcro. Eis o que ganhastes


com o vosso amor a mim, ingratíssimo pecador. Seja sempre bendita a
vossa misericórdia. Dai-me a graça de me esconder do mundo e de
viver no vosso Coração. Aí, encontrarei a paz, a felicidade, o céu.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
No sepulcro vos puseram, mas os homens tudo esperam – do mistério
da Paixão! Do mistério da Paixão!
Pela Virgem dolorosa, vossa mãe tão piedosa – perdoai-me, meu Jesus!
Perdoai-me, meu Jesus!

47
Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

A descida do Senhor à mansão dos mortos

Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a


terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio,
porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa,
porque Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há
séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.

Ele vai antes de tudo à procura de Adão, nosso primeiro pai, a


ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas
trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao nosso encontro
de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos.

O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a


arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, a ovelha
perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e
na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva
cativos, agora libertos dos sofrimentos.

O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a


arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu,
exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração:
“O meu Senhor, está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E
com teu espírito.” E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que
dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará.

Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; e por ti
e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder,
ordeno aos que estavam na prisão: ‘Saí!’; e aos que jaziam nas trevas:
‘Vinde para a luz!’; e aos que entorpecidos: ‘Levantai-vos!’

48
Santo Exercício da Via Sacra
Eu te ordeno: Acorda tu que dormes, porque não te criei para
permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te dentre os mortos; eu
sou a vida dos mortos. Levanta-te obra das minhas mãos; levanta-te, ó
minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te,
saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível
pessoa. Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu filho; e por ti, eu, o Senhor,
tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos
céus, desci à terra e fui até mesmo sepultado debaixo da terra; por ti,
feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os
mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim
fui entregue aos judeus e num jardim crucificado. Vê em meu rosto os
escarros que por ti recebi, para restituir-te o sopro da vida original. Vê
na minha face as bofetadas que levei para restaurar, conforme a minha
imagem, tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos
açoites que suportei por ti para retirar de teus ombros o peso dos
pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas á arvore da cruz, por
causa de ti, como outrora estendeste levianamente as tuas mãos para a
árvore do paraíso.

Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado,


como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso. Meu lado curou a
dor da morte. Minha lança deteve a lança que estava dirigida contra ti.
Levanta-te, vamos daqui! O inimigo te expulsou da terra do paraíso;
eu, porém, já não te coloco no paraíso, mas num trono celeste. O
inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida, eu, porém, que sou a
vida, estou agora junto de ti. Constitui anjos, que como servos, te
guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não
sejais Deus. Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos
os mensageiros, construído o leito nupcial, preparado o banquete, as
mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de
todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a
eternidade”.

(De uma antiga Homilia no Sábado Santo - Século IV)

49
Santo Exercício da Via Sacra
XV ESTAÇÃO
Jesus Cristo Ressuscita dos Mortos

Dir.: Nós vos adoramos, Senhor, e vos


bendizemos.
Todos: Porque pela vossa santa Cruz remistes o
mundo.

Leitor 1: Três dias após sua morte, o Senhor da


vida ressuscita dente os mortos. Ressuscitando
dos mortos, o Filho de Deus reabre para nós as
portas do paraíso, que estavam fechadas por
conta do pecado de nossos primeiros pais. Oh,
Jesus, tão tristes foram aqueles dias em que
vossa ausência fez chorar os discípulos e Maria. Mais ainda, porém, foi
a alegria deles ao vos ver ressuscitado e glorioso. Não há maior alegria
do que esta!

Leitor 2: Oh, Jesus Ressuscitado, será que mereço tão grande amor? Eu,
pecador, fui a causa da vossa morte. E vós, sumo bem, ressuscitado dos
mortos, abris para mim as portas do céu! Oh, Jesus, eu quero morar
para sempre convosco no céu. Dai-me a graça de nunca me afastar de
vós.

Todos: Oh, Jesus, eu vos amo de todo meu coração. Arrependo-me


sinceramente de vos ter ofendido e prometo, com a vossa graça, nunca
mais vos tornar a ofender.

Pai-nosso, Ave-maria, Glória ao Pai.


Dir.: Senhor, tende piedade de nós.
Todos: Senhor, tende piedade de nós.

Cântico
Vitória, tu reinarás! Ó Cruz, tu nos salvarás! Brilhando sobre o mundo
que vive sem tua luz, tu és um sol fecundo de amor e de paz, ó Cruz!

50
Santo Exercício da Via Sacra
MEDITAÇÃO DOS PADRES DA IGREJA

Cristo é o dia

A ressurreição de Cristo abre a mansão dos mortos, os neófitos da


Igreja renovam a terra e o Espírito Santo abre as portas do céu. A
mansão dos mortos aberta devolve seus habitantes, a terra renovada
germina os ressuscitados, o céu reaberto recebe os que para ele sobem.
O ladrão sobe ao paraíso, os corpos dos santos entram na cidade santa,
os mortos retornam à região dos vivos. E de certo modo, pela
ressurreição de Cristo, todos os elementos são elevados a uma
dignidade mais alta.

A habitação dos mortos restitui ao paraíso os que nela estavam


detidos, a terra envia ao céu os que foram nela sepultados, o céu
apresenta ao Senhor os que recebe em suas moradas. E por um único e
mesmo ato, a paixão do Salvador retira o ser humano das profundezas,
eleva-o da terra e o coloca no alto dos céus. A ressurreição de Cristo é
vida para os mortos, perdão para os pecadores, glória para os santos.
Por isso, o santo profeta convida todas as criaturas para a festa da
ressurreição de Cristo, exultando e se alegrando neste dia que o Senhor
fez.

A luz de Cristo é um dia sem noite, um dia sem fim. O Apóstolo


nos ensina que este dia é o próprio Cristo, quando afirma: A noite já vai
adiantada, o dia vem chegando (Rm 13,12). Ele diz que a noite já vai
adiantada e não que ela ainda virá, a fim de compreendermos que a
chegada da luz de Cristo afasta as trevas do demônio e dissipa a
escuridão do pecado; com o se esplendor eterno ela vence as sombras
tenebrosas do passado e impede toda a infiltração dos estímulos
pecaminosos. Este dia é o próprio Cristo. Sobre ele, o Pai, que é o dia
sem princípio, faz resplandecer o sol da sua divindade. Ele mesmo é o
dia que assim fala pela boca de Salomão: Fiz brilhar no céu uma luz que
não se apaga (Eclo 24,6 Vulg.).

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Santo Exercício da Via Sacra
Assim como a noite não pode absolutamente suceder ao dia
celeste, também as trevas dos pecadores não podem suceder à justiça
de Cristo. O dia celeste pode ofuscar o fulgor da sua luz. Do mesmo
modo, a luz de Cristo resplandece e irradia a sua claridade, e sombra
alguma de pecado poderá ofusca-la, como diz o evangelista João: E| a
luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la (Jo 1,5).

Portanto, irmãos, todos nós devemos alegrar-nos neste santo dia.


Ninguém se exclua desta alegria universal, apesar da consciência de
seus pecados; ninguém se afaste das orações comuns, embora sinta o
peso de suas culpas. Por mais pecador que seja, ninguém deve neste
dia desesperar do perdão. Temos a nosso favor um valioso testemunho:
se o ladrão arrependido alcançou o paraíso, por que não alcançaria o
cristão a graça de ser perdoado?

ORAÇÃO FINAL
Jesus Cristo, seja sempre bendito o vosso Coração amabilíssimo.
Oh, meu Deus, quem teria sido capaz de dar uma só gota de sangue
por mim? E vós destes todo, até a última gota, para salvar a minha
vida. Todavia quantas vezes para agradar às criaturas vos tenho
desprezado, meu sumo bem. Perdoai-me pelo vosso sangue precioso!

Quero, para o futuro, amar-vos de todo o meu coração, e cumprir


fielmente a vossa santíssima vontade. Amparai-me sempre com a vossa
graça. Concedei-me que o meu último alimento seja o vosso corpo
adorável, que minha última palavra seja o vosso nome bendito, que o
meu último suspiro seja de amor e de arrependimento. Oh Jesus, pela
desolação imensa que sofrestes no Calvário, tende piedade de mim
quando chegar a hora da minha morte. Assim, depois de vos ter
seguido nas tribulações da vida, eu vos seguirei na felicidade eterna do
céu.
Todos: Amém!

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