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CLAUDIA RODRIGUES DOS REIS

AUTISMO
SEM CENSURA

Autismo Sem Censura • 1


2 • Cláudia Rodrigues dos Reis
Autismo Sem Censura • 3
DOS REIS, CLAUDIA RODRIGUES

AUTISMO SEM CENSURA - Claudia Rodrigues dos Reis


Vila Velha (ES) - 2024

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AUTISMO
SEM CENSURA
CLAUDIA RODRIGUES DOS REIS

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PREFÁCIO

O Autismo é um Transtorno Global do Desenvolvimento que


tem suscitado diversas pesquisas nos últimos anos. Os compro-
metimentos na linguagem e na interação social são chaves para
diferentes abordagens clínicas e educacionais que buscam incluir
as pessoas com Transtorno do Espectro Autista na vida social.
Pessoas com TEA - Transtorno do Espectro Autista, apresen-
tam alterações no comportamento e dificuldades na comunicação
e interação social. Neste sentido, existem vários desafios para sua
inclusão em diferentes espaços, como a família, a escola e a so-
ciedade. Partindo desse contexto, a obra relata a vida real de uma
pessoa autista não diagnosticada na infância e como é trauma-
tizante superar o mundo sem saber quem é, e como o TEA está
inserido nos ambientes, de forma invisível, já que o AUTISMO
não tem cara.
Compreende-se que a falta de conscientização, políticas pú-
blicas e informações verdadeiras gera preconceito, desconforto,
julgamentos e exclusão em todos os ambientes por indivíduos que
talvez, por ignorância ou maldade, não respeitam as diferenças.
Este livro discorre sobre fatos pincelados da vida de uma mu-
lher, em suas quase quatro décadas, que teve seu diagnóstico tar-
dio. Porém, tudo foi revelado e todo preconceito pessoal acabou,
pois o autismo é um mundo individual, um infinito particular, um
mundo peculiar e puro.
Só o Criador tem o poder de fazer o intangível ser tocado pelos
humanos que buscam nos conhecer, amar e compreender.

“Eu sinto tudo, e não estou imune a maldade do mau... Mas o


bom, me blinda”.

Cláudia Rodrigues dos Reis

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“ E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença.
E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo:
Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?
Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim
para que se manifestem nele as obras de Deus.
Convém que eu faça as obras daquele que me enviou,


enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar.
Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.

João 9:1-5

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INTRODUÇÃO

“Não parece que você é Autista...”


“Você é normal...”
“Você está mentindo...”
“Você quer se autopromover...”
“Autista não fala...”
“Autista é impossível de ser alguém...”
“Tadinho dele...”

Não. Eu sou ABA, eu sei como um autista é. Sou neurologista,


vou introduzir a medicação! Fiquem 5 horas por dia na clínica...

“O Autista não fala”.


“O Autista não tem a capacidade de trabalhar, sair, viver, amar”.
“Não vou convidar seu filho, ele tem doença”.
“Teu filho é um peso”.
“Tua filha não acompanha a turma”.
“Vou dar massinha pra ela e deixá-la no canto”.
“Teu filho grita”.
“Teu filho roda”.
“Teu filho corre”.
“Teu filho é atrasado”.
“Você é muito seca, muito grossa, não sabe ser falsa”.
“Você não se corrompe”.
“Você não serve para andar comigo, pois não sabe fingir”.

São frases que frequentemente ouço hoje em dia, vindas de


pessoas que afirmam saber algo sobre o autismo, mas na realidade
não compreendem nada. Nem mesmo os pais de autistas conhe-
cem verdadeiramente seus filhos! Contudo, o amor, que tudo crê,
tudo suporta, tudo supera e tudo acredita, é o que impulsiona um
pai e uma mãe de autista. É o que motiva os amigos e é o que nos
impulsiona a amar um autista - o mais puro amor.

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FALANDO SOBRE MIM

Falar sobre mim é algo difícil, pois a vida de um autista é de-


safiadora. Na minha infância, não tive muitos brinquedos, mas
sempre desejei uma bicicleta. Quando criança, costumava pegar
emprestada a bicicleta dos meus amigos, às vezes às escondidas.
Sempre que minha mãe me dava algum dinheiro, eu o utilizava
para alugar uma bicicleta e aproveitar o momento. Isso aconteceu
quando eu tinha aproximadamente 8 anos.
As pessoas frequentemente se enganam em suas compreen-
sões, não é mesmo? Elas pensam que entendem o outro, mas,
como adulta, observo como muitas vezes as pessoas julgam sem
compreender. Ser autista não é fácil, pois dói lidar com a pressão
de se encaixar em padrões que muitas vezes nem mesmo são se-
guidos por quem os impõe.
Anualmente, ao passar de ano na escola, eu pedia a Deus algo
simples, como uma roupa nova ou um brinquedo. Entretanto, mi-
nha mãe, mesmo enfrentando limitações financeiras, sempre ti-
nha o suficiente para mim - seu amor genuíno. Maria das Graças
Vilaça Rodrigues, minha mãe, sempre teve amor para me ofere-
cer, algo que eu não experimentei com minha mãe biológica. Aos
16 anos, meu sonho era encontrar meu pai biológico, imaginando
entrar na igreja ao seu lado no dia do meu casamento. Infelizmen-
te, esse sonho não se concretizou.
Ao me reconhecer e descobrir que sou autista, compreendi
melhor minha infância. Sempre fui uma pessoa reservada, não
correspondendo aos sentimentos dos outros não por falta de senti-
mentos, mas por acreditar que a prática vale mais que as palavras.
Por exemplo, expressar o desejo de estar com alguém é importan-
te, mas o esforço para concretizar esse desejo é ainda mais signi-
ficativo. Cresci na periferia de Manaus (AM), onde aprendi a an-
dar sozinha desde cedo, sendo independente. Minha mãe, mesmo
sem compreender completamente minhas necessidades, ajudou
da sua maneira. Apesar dos desafios e sofrimentos que enfrentei,
e que ela desconhece, acredito na cura que Deus proporcionou.

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Tive uma infância complexa, extremamente feliz por ter mui-
tos amigos até hoje, mas ao mesmo tempo solitária, pois não con-
seguia corresponder a nada nem a ninguém, apenas aos meus
pensamentos. Autodidata, aprendi a ler e escrever sozinha, sem-
pre com o desejo de descobrir além do que estava diante de mim.
Autistas enfrentam a hipocrisia alheia, pois as pessoas frequen-
temente tentam moldar o autista conforme suas próprias expecta-
tivas. Querem vestir o autista como se fosse uma pessoa ‘predesti-
nada’ ou nascida para algo específico, sabe? Por exemplo, eu gosto
de escrever, estudar, cantar e dançar, mas não aprecio artesanato,
embora saiba fazê-lo. Prefiro a liberdade, coisas que não me ‘pren-
dam’, entende?
Não conheço meu pai, não sei quem ele é, mas Deus me pre-
senteou com alguém que pôde ser o pai dos meus filhos, como
eu sonhava para o meu pai. Enfrento críticas de pais e mães de
autistas que alegam que tento me autopromover com o autismo,
mas garanto que ser autista não é fácil. A instabilidade de humor,
as mudanças repentinas, a ansiedade, as crises, as intensas dores
de cabeça e a rejeição pelo afeto e abraço são desafios constantes.
A vontade de estar só é mais forte... é algo que não conseguimos
controla.
Escrever essa pequena biografia não é suficiente, pois nenhum
autista é igual ao outro. Já fui recusada diversas vezes em grupos
e equipes devido à falsidade das pessoas. Elas estão presentes,
mas depois falam mal por não conseguirem se expressar de forma
direta, sem ofender. Quando se faz pergunta a um autista, ele for-
nece uma palavra, frase exata, ou lógica, sem rodeios.
Aos 10 anos, questionava por que as pessoas tocavam em mim.
Há dias em que decido fazer várias atividades, levanto e falo: ‘vou
lá no mercado’, ‘vou no banco’, ‘vou estudar’, ‘vou trabalhar’, ‘vou
à praia’, ‘vou ao shopping’, ‘vou sorrir’, ‘hoje eu estou bem’. Mas
também existem dias em que quero estar sozinha, em que me
sinto normal como qualquer pessoa, e sou questionada sobre as
mudanças de humor, a falta de constância e a vontade diferente
de estar entre as pessoas.
Aí vem a resposta: Porque você é suficiente para você, assim

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como um autista é suficiente para ele... Nosso mundo é um lugar
onde nunca somos intrusos, sabe? Mas quando amamos alguém,
amamos sem medida, somos intensos. Por muitos anos fui cha-
mada de: grossa, esquisita, retardada, antissocial, entre outros,
pois quando queria estar, estava, e quando não queria estar, eu
dizia que não queria. Todos sempre questionavam o porquê de
não querer estar, e eu simplesmente respondia que não queria,
que não achava legal ou não me sentia bem. As pessoas não estão
acostumadas com isso, já que sempre querem uma justificativa ou
uma autoafirmação.
Há dias em que simplesmente desejo dormir, sem vontade de
interagir com ninguém, nem mesmo com meu esposo ou filhos,
sem interesse em nada. Em momentos assim, uma pergunta
constante permeia meus pensamentos: Por que estou viva? Qual
é o propósito deste espectro em que me encontro? Por que não
experimento a carência ou a dependência dos outros? Por que
não sinto falta de participar de um meio social?
Quando eu era adolescente, sofria abusos sexuais, mas não en-
tendia o que era aquilo, mas passou. Eu gostaria de alertar a todos
vocês: tenham cuidado com seus filhos autistas em creches, em
casas de amigos, de vizinhos, em escolas ou clínicas.
Os profissionais que atendem os autistas têm experiência por
estarem com autistas; todos que estudam o autismo falam sobre
ele, mas não é a mesma coisa que ser autista e falar sobre como
você é autista. Um autista não é algo como “Nossa, você é um gê-
nio, você é isso, você é aquilo”.
Não! Um autista é um ser humano normal! Eu digo isso porque
um autista é um ser humano que nasceu com suas diferenças, sua
própria forma de ver o mundo. Assim como um cadeirante, uma
pessoa com síndrome de Down, um psicopata, um esquizofrêni-
co, são seres humanos com suas enormes diferenças na forma
de perceber o mundo. Não podemos medir os outros com nossa
régua; assim como existem pessoas boas, existem as más. Assim
como existem aqueles que buscam a cura, existem aqueles que
recusam a cura, e assim o homem vai se adaptando ao mundo.
Muitos dos profissionais que vejo sobrecarregam as crianças com

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estímulos sensoriais, mas isso é muito cansativo. Eu faço terapia,
apesar de ser uma profissional; tenho Transtorno Obsessivo, e te-
nho profissionais que cuidam de mim, e isso é cansativo. Eu sei
que todo pai quer que a criança se desenvolva, mas há dias em
que o cansaço mental é maior do que o benefício da terapia. Há
dias em que não queremos fazer nada, e isso não se aplica apenas
aos autistas, mas a qualquer ser humano. As pessoas se cansam!

“Meu filho é expert em computador, sabe inglês, sabe muito de


informática”, Ok! Mas, seu filho não criou aquilo, ele descobriu
como funciona, como se mexe!

Eu sempre incentivo os pais a darem voz aos seus filhos, a para-


rem de falar por eles. Um autista não verbal apenas não verbaliza,
mas ele se comunica através de gestos, desenhos, sinais, etc. A co-
municação nem sempre é verbal. Às vezes, um autista pode estar
expressando frases e mais frases sem proferir uma palavra sequer.
Política significa organização. Uma pessoa política é diferente
de alguém que vive de politicagem. Uma pessoa política é orga-
nizada, tem algo planejado para outrem ou para alguém, nun-
ca para si mesma. Fazer política é diferente de estar na política!
Quando vamos fazer política, pensamos em ajudar alguém. Quan-
do só queremos estar na política, queremos nos beneficiar. É algo
muito próprio, muito pessoal. Fazer política é alcançar os anseios
de quem você deseja beneficiar, é sempre pensando no próximo.
Por exemplo, quando um autista está irritado, não adianta con-
versar com ele. Deixe-o se acalmar. Se ele começa a se machucar,
pegue uma toalha, um lençol ou um colchão fino e abrace o autis-
ta. Deixe-o gritar, chorar; é o momento dele. Deixe-o estar irritado
e com dificuldade para se comunicar, sem questionar ou julgar.
No início, eu transcrevi a passagem bíblica do Evangelho de
João na qual as pessoas julgaram se a doença de alguém era resul-
tado do pecado dos pais: “Foram seus pais que pecaram?” - Não,
um pai de uma criança autista não peca. É uma honra ser pai de
qualquer criança autista ou com deficiência, pois você demonstra
seu amor por um ser que é totalmente dependente de você. É um

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ser tão vulnerável que você poderia fazer qualquer coisa com ele,
mas você escolhe amar. O amor é uma escolha. É por isso que me
revolto quando alguém pratica maldades com os mais vulneráveis.
O cérebro de uma pessoa com autismo pode ser comparado
a uma engrenagem com um parafuso solto; não há maneira de
apertar esse parafuso, nenhuma ferramenta que se encaixe per-
feitamente. Vivemos em uma complexidade que muitas vezes
nem nós mesmos conseguimos compreender, enfrentando insta-
bilidades de comportamento e emoções. Quando um autista se
torna muito nervoso devido a alguma situação dolorosa, é impor-
tante estar preparado para amá-lo mesmo em seu pior momento.
Há dias em que recebo muitas perguntas do tipo: “Nossa, você
é estranha”, “Nossa, você está chorando”, “Nossa, você está irri-
tada”, e constantemente me questionam: “Por que está irritada?”.
Minha resposta usual é: “Por que você não se preocupa consigo
mesmo em vez de cuidar da minha vida?”.
Entendo que, por vezes, as pessoas desejam cuidar de mim,
mas é essencial que compreendam que cada indivíduo é único.
Simplesmente questionar não resolve; precisamos de tempo para
que a pessoa que cuida compreenda as peculiaridades e necessi-
dades da outra.
Os autistas não buscam sempre atender às expectativas alheias,
mas sim fazer o que desejam, no momento que lhes convém, e
isso não é errado. Ajudar um autista a evitar situações perigosas,
como ficar muito perto de um fogão, tocar em objetos quentes,
facas ou animais peçonhentos, ou até mexer no vaso sanitário, é
diferente de impor exigências para um autista.
Às vezes, as pessoas prometem algo e não cumprem. Isso me
decepciona profundamente, causando uma sensação ruim em
meu cérebro. Por exemplo, alguns autistas podem não gostar de
ler, não porque não saibam, mas porque não desejam ou são tími-
dos. Há também aqueles que não conseguem escrever; talvez sai-
bam, mas não querem ser pressionados. Além disso, alguns autis-
tas não apreciam trabalhos em grupo; pessoalmente, eu sou uma
dessas pessoas. Sou muito individualista e me sinto mais confor-
tável sendo independente, não por egoísmo, mas por uma questão

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de bem-estar pessoal.
Gosto de limpar minha casa todos os dias, lavar roupa e passar
no mesmo horário. Gosto me sentar em minha cama e assistir ao
mesmo programa, de dormir na mesma posição. Gosto de vestir
a mesma roupa até que ela se rasgue! Gosto de acessar as redes
sociais nos mesmos horários e de realizar meu trabalho terapêuti-
co com meus amigos clientes de forma correta, sem burlar, sabe?
Não gosto de flertes; preciso saber se você gosta de mim ou
não! Gosto de tomar meu café na minha caneca, não em copo
plástico ou descartável, mas sim no meu copo ou na minha cane-
ca. Preciso saber se você vai ou não fazer algo, nada de “talvez”;
tem que ser exato! “Que horas?” “Quando?” “Vai me ligar?” - e
quando a pessoa não cumpre, fico tão decepcionada que começo
a perder meu interesse.
Às vezes, vejo na igreja crianças correndo, pulando, rodando, e
as pessoas se incomodam com isso. Por favor, se a pessoa está no
local de socialização e está bem daquela forma, por que interrom-
per? A sociedade precisa se preparar para todas as pessoas. Fala-
-se tanto de diversidade, mas será que a diversidade é apenas um
tipo de pessoa com a mesma cor? Não é! “Diversidade” abrange
universos diversos, mundos diversos e pessoas diversas. Todas as
pessoas, sendo elas deficientes ou não, precisam saber como en-
tender o outro.
É melhor enfrentar o mundo do que o mundo nunca ter enfren-
tado você! Digo o seguinte: o mundo sempre será um obstáculo,
cabe a nós usar esses obstáculos como escadas para ultrapassar as
barreiras que surgem em nossas vidas. Não adianta viver em um
mundo de miséria e lamúrias; precisamos superar, e é isso que
faço, vou superando... e o primeiro mundo que supero é o meu.
Não vou exigir de ninguém que me aceite, e também não faço
questão de aceitar todo mundo, mas o respeito é primordial. Uma
pessoa que acha, porque o achismo é uma doença do intelecto
informal, são pessoas que pensam de forma pedante, acham que
têm cultura e começam a humilhar os outros para se sentirem
superiores; essas são as mais miseráveis.
Eu reconheço minha limitação de conhecimento e busco cons-

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tantemente adquirir sabedoria para não agir com injustiça. A bus-
ca pela justiça é o princípio que guia minha vida, pois ser justo é
ter a essência de Deus, reflexo do Criador. Sigo uma perspectiva
criacionista e sou cristã, não por arrogância, mas pela visão de ser
imagem e semelhança do Mestre.
Não me enxergo como mera célula ou átomo; mesmo diante
de deficiências físicas, como a ausência de membros, mantenho a
convicção da minha perfeição. Autistas, portadores da Síndrome
de Down, deficientes intelectuais são igualmente perfeitos, pois a
perfeição transcende a aparência física.
As opiniões externas não definem nossa essência; é o caráter
que molda quem somos, especialmente quando estamos sozinhos
e ninguém nos observa. A complexidade da vida de um autista é
incontestável, pois cada mente autista é única; nenhum autista é
igual. Existem vários autistas famosos, mas a comparação com fi-
guras públicas autistas como Elon Musk e Temple Grandin, entre
outros, é inviável, pois cada um vive em um universo distinto. No
entanto, isso não os torna melhores que eu ou ninguém.
Todo mundo, quando morre, volta para a mesma terra; todos
serão consumidos da mesma forma, a diferença está em se o cai-
xão será de madeira ou se não haverá caixão. A morte niveladora
afeta a todos, ricos ou pobres, honestos ou desonestos. A verdadei-
ra diferença reside na essência, que constrói nosso legado e per-
manece nas memórias daqueles que compartilharam suas vidas.
Desmistifico a ideia de perfeição associada a padrões superfi-
ciais da sociedade. “Mas, pela sociedade, perfeição é gente bonita,
magra, rica, siliconada, bunduda, sem peito, com peito”. A bele-
za, a magreza, a riqueza e outros estereótipos são apenas rótulos.
Reforço para mim mesma que sou única, e os outros existem não
para moldar minha identidade, mas como complementos à minha
própria existência.
O autista não se insere na coletividade, mas sim na singularida-
de e individualidade; entretanto, representa a essência humana,
como um ser único com sua subjetividade, preferências, ações e
comportamentos. Desde o nascimento, o autista é um ser huma-
no completo, mantendo sua identidade autística ao longo da vida.

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Não há utilidade em tentar descrever, enfeitar ou moldar o
mundo do autista de uma forma diferente. Ele não é um ser ex-
traterrestre, um super gênio ou um semideus. Trata-se simples-
mente de um ser humano que percebe o mundo de uma maneira
diferente. O autista não é um anjo, mas sim um indivíduo que
come, anda, pensa, expressa-se, fala ou não fala, ama, namora ou
não namora, busca conquistas e evolução, sorri ou não sorri. Ele
expressa o amor de uma maneira única, talvez incompreensível
para alguns, mas fundamental para quem precisa.
A temática do meu livro busca apresentar a realidade sob a
perspectiva de um autista, sem as limitações frequentemente im-
postas por conceitos preestabelecidos. As pessoas muitas vezes
presumem que somos seres desprovidos de malícia, mas minha
intenção é desmistificar essa visão, revelando a complexidade e a
riqueza de experiências que compõem a vida de um autista.
Ao longo da maior parte da minha vida, minha sobrevivência
foi muitas vezes sustentada pela astúcia, pois percebia o mundo
com uma intensidade de sentidos aprimorada em 100%. A habi-
lidade de decifrar as intenções maliciosas das pessoas tornou-se
uma segunda natureza, manifestando-se através de suas expres-
sões e gestos. Aos oito anos, enfrentei uma experiência traumática
de violência; não conseguia entender que tipo de ato era aquele,
só conseguia entender que doía. O autismo me ajudou a não in-
ternalizar aquilo como um trauma. Essa capacidade peculiar me
permitiu manter uma perspectiva positiva e não deixar que tal
episódio definisse minha vida.
AApesar dos desafios, como o impacto emocional que muitas
mulheres neurotípicas enfrentam após experiências semelhantes,
consegui construir uma vida amorosa e duradoura. Casar-me foi
uma escolha consciente e, ao longo dos meus 21 anos de casa-
mento, meu esposo tem sido um pilar fundamental. Nos conhe-
cemos quando eu tinha apenas 16 anos e, com o passar do tempo,
escolhi investir na construção de nossa relação. Embora tenha
enfrentado tentações de infidelidade ao longo do caminho, optei
por lutar contra essas inclinações.
O casamento pode ser desafiador, mas a infidelidade demanda

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ainda mais esforço, com suas rotinas clandestinas que muitas pes-
soas estão dispostas a seguir.
Valorizo muito o esforço, a fadiga e o preparo psicológico neces-
sários para realizar algumas ações. Às vezes, as pessoas querem
conhecer mais sobre mim, mas eu mostro que minha intimidade
não está disponível para qualquer um. Não sou um experimento
para ninguém, nem mesmo para aqueles que buscam respostas
para situações que nem elas mesmas compreendem. Percebo que
há uma tendência de erotizar tudo, e isso, por exemplo, é algo que
eu evito.
Ao longo da vida, aprendi que aqueles que praticam várias pos-
turas e posições são atletas, e que o sexo é algo puro e sério, um
transferidor de sentimentos. A vida deve ser vivida de maneira
mais íntima. Quando comecei a compreender a indústria da por-
nografia, buscava entender como as pessoas conseguiam superar
seu pudor para se expor nuas, proporcionando prazer aos outros.
Para mim, isso é um pecado, mas entendo que cada um esconde
sua infelicidade da melhor forma que consegue. Não vejo norma-
lidade em uma pessoa se mostrar nua e ser feliz; se fosse algo tão
comum, as pessoas não se esconderiam entre quatro paredes para
fazer amor. Isso é apenas a minha perspectiva.
O AUTISMO é um universo diferente para cada autista, e cer-
tamente, essa história não termina aqui.
Continua...

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