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MEU CONTATO COM O MUNDO ATRAVÉS DAS MÃOS

Maria Francisca da Silva*

Meu nome é Maria Francisca da Silva. Nasci em Ponte Nova, no Estado de Minas Gerais, em 29 de
dezembro de 1943. Minha mãe teve 19 filhos homens, dos quais somente 3 sobreviveram, os demais
morreram ainda bebês, e eu fui a de número vinte e a única mulher.
Penso que fui uma criança muito feliz até os 7 anos de idade, quando me surgiu um problema na
vista. Amanheci com o olho vermelho e com muita secreção. Mamãe ficou muito preocupada, pois além
disso, toda a noite o meu nariz sangrava muito. Apesar dos cuidados da minha mãe, apesar das consultas
médicas feitas em Viçosa e Belo Horizonte, nada pode ser feito. Minha mãe adoeceu gravemente logo depois
e meu pai teve que interromper o meu tratamento para poder tratar dela. As despesas eram grandes e ele mal
dava conta de suportá-las. Infelizmente, o estado de saúde de mamãe se agravou e ela veio a falecer pouco
tempo depois.
Foi uma fase dificílima para mim. Nós morávamos na roça, papai e meus irmãos saiam pela manhã e
eram obrigados a me deixar só, trancada dentro de casa. As horas se arrastavam e o silêncio era assustador. O
medo que eu sentia fazia com que eu tremesse e chorasse. Quando um deles chegava para me servir o almoço
eu respirava aliviada, para depois cair no mesmo sofrimento até que voltassem. Meu pai se afligia por deixar-
me só e muitas vezes mandava que um dos meus irmãos fosse ver se eu estava bem.
Em fevereiro de 1955, com 11 anos de idade, fui internada no Instituto São Rafael, em Belo
Horizonte onde também minha vida não foi nada fácil. Menina recém chegada da roça, acostumada a viver
sozinha, completamente ignorante das coisas da vida, passei a ser motivo de chacotas. Ao mesmo tempo em
que eu gostava das novidades e de algumas companheiras, sofria nas mãos daquelas que não podiam me
compreender. Passei a viver de castigo por faltas que cometia e também pelas que eu não cometia. Vivia
constantemente ameaçada de expulsão, o que Graças a Deus não me aconteceu.
Em 1957, meu pai que havia se casado novamente, veio me buscar para passar as férias com ele,
conforme sempre fazia. Foi lá que certa manhã notei que havia algo de errado com meu ouvido. Minha
irmãzinha chorava no quarto ao lado e no entanto parecia que seu choro estava distante. As pessoas falavam
comigo e eu mal escutava o que diziam a daí surgiram mal entendidos e suspeitaram que eu fingia não
escutar.
Ao voltar para o Instituto, continuou o sofrimento. Ninguém acreditava que eu não estivesse
escutando bem e diziam que eu estava me fingindo de surda. Foi um período dificílimo. Eu era considerada
anormal, não sentia vontade de estudar, todos me xingavam, eu não recebia nenhum carinho, nenhum amor!
Pouquíssimas pessoas me consideram um pouco. Em casa as coisas também não eram melhores. Assim foi-se
o 1958, que levou consigo o meu pai. Em 1959, ouvia mal do ouvido direito e nada do esquerdo. Na aula
eu só tirava zero, pois não entendia nada do que a professora dizia e também ela se recusava a acreditar na
minha surdez. Sofri incríveis tormentos até que na noite do dia 16 de fevereiro de 1960, pedi que colocassem
um remédio no meu ouvido direito, que doía e fazia barulho e fui dormir. Ao acordar percebi que alguma
coisa muito estranha estava acontecendo. Falei e não escutei a minha voz, percebi então, que havia ficado
completamente surda. Chorei muito, levaram-me ao médico, mas conforme me explicaram através da escrita
braile, ele havia dito que não tinha mais cura. Até hoje não compreendo porque duvidaram tanto de mim!!!
Por que ?
Iniciou-se aí um período longo e eterno de silêncio e solidão. Eu não havia nem ao menos
completado a minha alfabetização e repentinamente me vi obrigada a me comunicar através da escrita braile.
Meus primeiros anos de surdez foram dolorosos. Não gosto nem de lembrar daqueles dias tão difíceis
no Instituto de Cegos. Era aluna cega, falava, lia e escrevia em braile, cursando ainda o primário. Ao ficar
surda, não foi possível continuar os estudos. Os professores não eram especializados em surdocegos. Não
sabiam e não se interessavam em aprender o alfabeto manual para surdos. As dificuldades aumentavam.
Ninguém sabia lidar comigo, e fui ficando revoltada, intratável, nervosa. A instituição queria que eu saísse da
escola. Mas não tinha para onde ir.
À tarde quando todos iam para as aulas, eu ficava sempre só e alguém ia me buscar nas horas das
refeições. Pouco tempo depois o professor Pedro Lucena Vaz, que até então estava viajando, ao chegar passou
a dedicar todas as tardes a me ajudar. Devo muito a esta alma boníssima que encorajava-me a ler bastante,
mandava que eu fizesse composições, aconselhava-me. Ele era bibliotecário e professor de leitura.
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* Presidente de Honra da Associação Brasileira de Surdocegos – ABRASC, fundada em 2000.
Passei a assistir as suas aulas do 1° até o 4° ano primário. Minha comunicação com ele era através da escrita
braile. Ia pessoalmente me buscar e me levava para tomar sol no pátio, pois eu estava proibida de ir lá.
Algumas vezes havia ficado o dia inteiro porque não sabia voltar. Graças a ele melhorei na escrita e passei a
me interessar pelos livros.
Aprendi depois o alfabeto manual dos surdos com uma funcionária do Instituto, que muito me
ajudou. E assim, aos poucos fui tomando contato com o mundo. Apesar do braile e do alfabeto manual, muito
dificilmente eu conseguia alguém que dedicasse um pouco de seu tempo para conversar comigo.
Em 1970 eu poderia ter ido para São Caetano do Sul, Estado de São Paulo para a Escola de Educação
Especial “Anne Sullivan”, para Surdocegos que Dª Nice fundara. Nós já nos conhecíamos e nos
comunicávamos através da correspondência mas, infelizmente a escola não pode ser residencial, passou a
funcionar em regime de externato. Se eu quisesse estudar lá, teria que morar com meus familiares. Isto não foi
possível porque meu irmão morava muito longe da escola. Tentei ir até São Paulo, fiquei 3 meses com meu
irmão, e nada consegui. Ao voltar, havia perdido meu lugar no Instituto São Rafael, então, fui morar no Lar
das Cegas. Continuei na minha solidão, desiludida com a possibilidade de freqüentar a escola.
Em 1970, passei a residir na Associação de Cegos Louis Braille (Lar da Cegas) onde estou até hoje.
Neste período fiz mais algumas consultas com especialistas de olhos e ouvidos. Encontrei médicos que
tiveram boa vontade para comigo, mas disseram que meu caso não tinha solução. Nunca me ficou esclarecido
exatamente o que me aconteceu, mas sei que é irremediável.
Quase ninguém gosta de conversar comigo. Logo arranjam uma desculpa para se afastarem. Algumas
se comunicam com tal rapidez que mal consigo pegar algumas palavras. Outras mostram impaciência, o que
imediatamente faz com que eu também fique impaciente, nervosa. Outra coisa muito desagradável pela qual
eu passo, é quando dizem: “Pare de gritar”, “Você está falando muito alto”, “Cale a boca”. É muito difícil
suportar esse tipo de coisa, dito desta maneira. Às vezes, também pedem para que eu repita duas, três, quatro,
cinco vezes alguma coisa e então fico desapontada e tomada de uma grande tristeza.
Existe outro detalhe muito curioso com relação à minha comunicação: sinto muitas vezes
necessidade de segurar os rostos das pessoas, maneira que me faz sentir que estão conversando comigo e
também para sentir como são aquelas pessoas. Minhas mãos são os meus olhos, infelizmente a maioria não
gosta disso. Alguns chegam a me dizer que “é feio”, isso me perturba , faz com que eu me retraia.
O meu mundo é bem pequeno, pouquíssimas pessoas me procuram e eu adoro conhecer gente!!
Apesar de tudo, sou alegre e comunicativa. Meu grande sonho era poder trabalhar. E como ansiei por estudar!
Durante esse longos anos, encontrei também pessoas amigas que me ajudaram a suportar a solidão
em que vivo. Aprendi com a boníssima e paciente Dª Conceição Pinheiro a fazer trabalhos manuais como:
tapetes de retalhos, suportes de vasos, tapetes e sacolas de sisal. Apesar de fazer esses trabalhos e gostar
imensamente de fazê-los, encontro sérias barreiras com o preço do material.
No dia 7 de abril de 1975, Dª Therezinha Carneiro passou a fazer parte importante na minha vida. Ela
passou a me visitar todas as semanas, me ajudava nas leituras da correspondência, nas transcrições em braile.
De 15 em 15 dias retirava livros para mim na Biblioteca Pública. Procura resolver meus problemas, minhas
dificuldades. Ela é a luz que brilha no meu caminho, guia meus incertos passos e me ajuda a sair um pouco do
isolamento em que eu vivo. Depois que a conheci, tomei um pouco mais de contato com outras pessoas e senti
mais gosto pela vida. Ela me trata como amiga, como uma pessoal normal, aceita e entende minhas
limitações. Seria maravilhoso se outros voluntários se interessassem em colaborar com o surdocego. Hoje, a
presença de Dª Therezinha não é tão freqüente. Ela casou-se com o Sr. Manoel Osório que também é
surdocego.
Mas, os voluntários, os amigos, precisam procurar entender e respeitar os sentimentos do surdocego.
Como por exemplo posso citar inúmeras situações constrangedoras. Entre elas, é quando alguém de minha
família, ou algum amigo, negam-se atender a um pedido meu para me levarem a algum lugar ou para fazer
uma visita. Já chegaram a me falar: “Se a pessoa quisesse vê-la, viria procurá-la”. E a minha vontade fica em
segundo plano. Acho isso muito errado, a vontade é minha, o coração é meu. Não é certo decidirem por mim
e me levarem para onde querem e não para onde eu quero.
Gosto de ter amigos mas, amigos sinceros. A amizade é um sentimento profundo, é ser como irmão,
trocar idéias, sofrer junto, alegrar junto. Amigo é para se confiar, contar com ele a qualquer hora. Tenho
alguns bons amigos, tenho bons amigos que ouvem, que enxergam, que falam, tenho bons amigos cegos,
tenho bons amigos surdos.
Amigos, confio em vocês. Preciso da companhia de vocês para sair um pouco do isolamento em que
vivo. Preciso do seu calor humano. Preciso do seu contato físico para não me sentir só. A companhia de vocês
é muito importante para mim.
Até 1980 eu só havia convivido com cegos, até que surgiram em minha vida pessoas surdas que me
procuraram e percebi então que me sentia bem melhor entre eles. Não sei qual seria a explicação, contudo
sinto uma grande alegria quando me procuram. São mais comunicativos do que os cegos, de uma maneira
geral. Comunicam-se comigo através do alfabeto manual digitado ma palma de minha mão.
Um de meus sonhos é possuir casa própria e ser um pouco livre. Sinto-me muito sem liberdade,
dependendo muito dos outros. Na maior parte das vezes eu vou onde querem que eu vá e não onde gostaria de
ir. Fico aborrecida por não ter condições de trabalhar, porque seria um consolo para as horas silenciosas e
solitárias e também poderia ser útil. Na realidade sinto condições de fazer muitos trabalhos, mas as pessoas
não acreditam nisso.
Outro sonho que alimento é conseguir reunir as pessoas com esta dupla deficiência para formarmos
uma Associação. Estaríamos unidos para nos apoiarmos, procurando vencer nossas limitações. Temos um
grande exemplo de vitória em Helen Keller e, através dela outros surdocegos venceram suas dificuldades
baseando-se em sua vida.
Seria muito bom que pudéssemos ter o apoio do governo e também da sociedade para criarmos a
nossa Associação e que pudessem assim nos proporcionar todo tipo de ajuda e serviço apropriado.
Aconteceram-me também, coisas bonitas e importantes, como por exemplo, a viagem que fiz a
Bahrain, Arábia Saudita, em novembro de 1983 para participar da 3° Conferência Internacional Helen Keller.
Fui em companhia de minha amiga de São Paulo, Nice Saraiva Loureiro. Conheci lá outros surdocegos e
através de Nice pude me comunicar com eles. Foi uma experiência maravilhosa, mas infelizmente por não
saber inglês, não pude manter um contato mais direto com eles. Foram 4 dias em que Nice procurava me
colocar a par de tudo o que se passava, e assim as novidades chegavam até mim. Os aparelhos moderníssimos
e espetaculares que ali foram apresentados, como a bengala eletrônica, o computador braile, o telefone
vibratório e outros mais, faziam com que eu ficasse pensando se algum dia eles chegariam às nossas mãos, no
Brasil . Com toda a dificuldade que temos aqui, até de uma escola! Senti que esta viagem trouxe um pouco de
enriquecimento para o meu mundo, viagem esta realizada graças ao entusiasmo e boa vontade de Dª Nice.
Na Inglaterra a “Liga Nacional de Ajuda ao Surdocego” , que foi fundada por um pequeno grupo de
surdocegos e alguns de seus amigos não deficientes, oferece ajuda e orienta a todos os surdocegos. Através de
atividades, reuniões e de uma revista editada em braile, eles estão sempre se comunicando. A Liga tem
inclusive, construído apartamentos especialmente para o surdocego e assim ele consegue sua independência e
uma vida social.
Nós não temos ainda nem ao menos uma Associação. Poderemos consegui-la e voltaremos então os
nossos sonhos para aquele exemplo da Inglaterra.
Gostaria de poder encontrar um apoio para a comunicação com todos os surdocegos do país e assim
poderíamos dar inicio ao estudo de nossa futura Associação.
Durante muitos anos, nos meus depoimentos de vida, tenho falado sobre minha dupla deficiência.
Cega aos sete anos, somente aos doze fui recolhida a uma instituição especializada para ser alfabetizada.
Iniciava-se aí, porem, o processo da surdez que me impediu de continuar os estudos. O que aprendi naquela
época foi às custas de muita leitura em braile, ajudada por pessoas amigas e dedicadas, que me ensinaram o
alfabeto dos surdos. No início vivi uma vida quase vegetativa, mas aos poucos fui aprendendo a reagir e fui
vencendo as dificuldades que surgiam.
Durante mais de 30 anos vivi no silêncio e na escuridão, guiada pelo olfato. Através dele eu
controlava os horários de levantar, de refeições, de deitar. Sabia se chovia, distinguia as pessoas, percebia os
perigos. Infelizmente, em setembro de 1991, também dele fui privada. Passei por momentos difíceis após um
mal estar que me levou a desmaio, provocando um traumatismo. Em conseqüência perdi o olfato e o paladar.
Depois de me submeter a vários exames médicos, ficou constatado que não há possibilidade de os recuperar.
Não era fácil conviver com a dupla deficiência e agora convivo com quatro. No primeiro momento
me senti desesperada e chorava muito. Estava mais isolada do que nunca no mundo. O olfato era o meu guia.
Quantas coisas eu percebia através dele!! Passei a sentir uma grande insegurança, um grande medo. Já não
tenho como me proteger dos perigos, como por exemplo um curto-circuito no chuveiro ou no ferro de passar
roupa. Mas, restou-me o tato. Agradeço a Deus por ele. Através dele vem toda a minha comunicação com o
mundo. Através dele, somente dele! Como minhas mãos são importantes! Elas são os meus olhos! Quando as
pessoas me permitem pegar em seus rostos, posso até dizer que são bonitas, se estão alegres ou tristes, que são
simpáticas. Através da leitura com as mãos, posso saber o que se passa no mundo que está tão distante de
mim. Tudo o que sei sobre ele me vem através do tato. Faço também trabalhos manuais, trabalhos caseiros,
graças a ele. Tudo que recebo e percebo vem através das mãos e vai direto à minha mente ou ao meu coração:
os aprendizados, as alegrias, as tristezas.
Procuro aceitar com paciência essas limitações, mas, gostaria que as pessoas acreditassem mais em
mim, sem se preocupar em superproteger-me, deixando que eu as ajudasse em seus serviços caseiros, que me
dessem oportunidade de trabalho. Adoro ser útil!
Quando estou sentada no banco do jardim, que é o meu lugar predileto, envolvida pelos raios de sol,
meu grande amigo, penso em Deus, nos amigos que procuram me ajudar nesta longa e silenciosa caminhada e
posso perceber que, apesar de tudo, brilha no meu coração uma luz que me ilumina e me acompanha, pois,
apesar de todas as minhas dificuldades, sou uma pessoa alegre e comunicativa, sempre pronta para o
aprendizado, para o crescimento.
Muitas vezes é demasiado o peso da minha solidão que me traz a impressão de total abandono e
desamparo, mas apesar de tudo, posso perceber muitas coisas à minha volta, até mesmo quando as pessoas
estão por perto e tentam que eu não as perceba. Posso perceber quando há tristeza e quando há alegria;
percebo se o dia é claro ou se é chuvoso; percebo a beleza do sol que me aquece e da noite que cobre a minha
cabeça e chego a ter a impressão de ouvir a música das estrelas!
Hoje em dia posso resumir minhas atividades ao seguinte:
1) Adoro ler e escrever:
A Biblioteca Pública tem um setor de braile e Dª Therezinha leva constantemente livros para eu ler.
Leio mais do que a Biblioteca pode suportar e então, muitas vezes fico relendo alguns de meus
preferidos até que tenham novos livros. Dª Therezinha também transcreve toda a minha
correspondência.
2) Adoro lavar, passar e cozinhar:
Lavo e passo minhas roupas, arrumo o meu quarto diariamente.
Quando estou em casa de meu irmão, gosto de cozinhar mas, as pessoas em geral acham que eu não
sou capaz, o que me tolhe bastante.
3) Faço trabalhos manuais, quando consigo o material e depois os vendo, sempre por preço muito
barato, ou então não consigo vendê-los.
4) Para ir a médicos e dentistas, tenho sempre aquelas amigas que se dispõem a me levar, de boa
vontade.
Jamais fiz qualquer curso especializado. Tive aulas de locomoção mas não fui até o fim do curso.
Fiquei limitada ao estudo de 1o. grau por falta total de apoio a uma surdacega neste setor.
Costumo agradecer a Deus por saber ler. Antes de ficar surda, freqüentei o 1o. ano primário do
Instituto São Rafael, que é uma escola para cegos. À custa de muita leitura, consegui me aprimorar e hoje os
livros são meus companheiros das horas longas e silenciosas.
Depois que conheci Dª Therezinha, não posso e nem devo me queixar da vida. Graças a ela que,
tudo faz para me ver feliz, hoje em dia tenho livros para ler, permanentemente. Ela ensina-me coisas, resolve
vários de meus problemas, leva-me ao médico e a passeios, faz compras, enfim, não deixa que nada me falte
Tenho procurado aceitar a vida, sem revoltas, não dando importância aos problemas, não
descarregando os nervos em ninguém e principalmente pensando sempre em Deus. Assim, a vida torna-se
mais suportável. Procuro ainda brincar bastante para não pensar muito.
Sou uma pessoa alegre, animada, pronta para trabalhar, se me fosse dada esta oportunidade.
A maior dificuldade que enfrento na vida é que as pessoas, em geral, tentam me governar,
esquecendo-se de que, apesar de surdacega, sou normal, tenho os mesmo sentimento, as mesmas ansiedades,
os mesmos sonhos que todos eles têm. Outra coisa que ignoro é que ao me faltarem o sentido da visão e da
audição, outros sentidos ficaram mais aguçados e assim, posso perceber perfeitamente, quando as pessoas
estão perto de mim e fingem não estar, coisa que me deixa profundamente triste.
Não me recuso a aceitar as deficiências, apenas gostaria de ser respeitada por todos como um ser
humano. Gostaria de ter liberdade para agir, para escolher, para trabalhar, para opinar, para trocar idéias.
Gostaria de ter amigos que me aceitassem a qualquer hora, que não me repelissem em certas ocasiões que não
se envergonhassem de minha companhia, que não demonstrasse também nenhuma piedade e proteção.
Sinto que minha vida se arrasta, sem objetivo. Nada fiz de importante até hoje, as barreiras são
difíceis de serem transpostas, o que me faz pensar em meus companheiros de deficiência espalhados e
esquecidos por este Brasil
Meu grande sonho é possuir casa própria e ser um pouco livre, me sinto muito sem liberdade,
dependendo muito dos outros. Quando quero ir a algum lugar e solicito a companhia de uma amiga, raramente
podem me atender. Geralmente eu é que vou onde querem ir e quando bem entendem. Aborrece-me não ter
condições de trabalhar, porque levando a vida que levo, seria um conforto para as horas silenciosas e
solitárias, um trabalho útil.
Neste isolamento, fico pensando como seria bom se todas as pessoas procurassem aprender a língua
de sinais. Não só os surdos, mas principalmente seus familiares, seus amigos, a sociedade em geral. Acho que
não seria assim tão difícil, bastaria um pouquinho de boa vontade.
Outro sonho que alimento é conseguir reunir as pessoas com esta dupla deficiência para termos um
ponto de encontro. Estaríamos unidos para nos apoiarmos, procurando vencer nossas limitações, tomando
como exemplo a vitoriosa Helen Keller.
Sei que o Governo não se interessa muito pelos problemas dos deficientes, mas seria bom que ele nos
estendesse suas mãos, dando-nos condições de estudo e trabalho.
Neste momento, estou me lembrando de uma frase que Dª Therezinha copiou para mim: “À
Sociedade não cabe outorgar direitos ao deficiente e sim reconhecer os direitos que tem. Já que ele (o
deficiente) é parte dela!”.

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