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Roteiro

Dias comuns de um Janeiro branco


Imagine-se se importar com sua saúde mental apenas em Janeiro e ter
vários problemas psicológicos ao longo do ano. Ou, até mesmo, pessoas se

importarem com você apenas em Setembro. Seria divertido?

1 THEO: Meu nome é Theo, eu tenho dezesseis anos


e eu sofri bullying por meus colegas de sala de aula. Por eu
ser gordo, as pessoas da minha sala me chamavam de
“Nhonho”, “porco imundo" e "bujão". Me perguntavam todos
os dias se eu já pensei em fazer exercícios ou se algo
aconteceu comigo para eu ter essa aparência.
Desde criança eu sempre estudei na mesma escola,
mas o bullying se tornou muito mais frequente no nono ano.
Todos me conheciam mesmo como “o leitão”, eu realmente
tentei muito levar na brincadeira. A maioria eram meninos,
mas as garotas também achavam engraçado, ninguém mexia
um músculo pra me ajudar.
O pior de tudo, era que meus parentes também falavam do quão
gordo eu estava e que eu deveria fechar minha boca quando se
tratava de comida.

2 ISADORA: Meu nome é Isadora, eu tenho

dezessete anos e eu passei por situações muito


desagradáveis no meu antigo curso.
No início, eu realmente pensava ser coisas da minha
cabeça. Mas aquelas piadinhas e toques começaram a me
incomodar. A partir daí eu comecei a evitar tirar dúvidas
sobre as questões com meu professor. Eu fiz esse curso
preparatório por quase dois anos, e foi nesse período que
sofri assédio pela mesma pessoa. E pra mim, com 15 anos,
ter que perceber e saber que não eram apenas toques e sim
aliciamentos, foi perturbador. Me sentir sem reação por
ele ser alguém bem mais velho e ter mais influência no local
que eu, era um motivo enorme pra me envergonhar e me
calar.

3 THEO: Eu contei o que acontecia pra coordenação, não

suportava mais aquilo. Estava afetando minhas notas mais ainda,


antes já sentia uma enorme pressão por ter dificuldades nas
matérias, mas as pessoas pareciam só notar a minha gordura, o
que me afetava muito. Apesar de ter falado com a orientadora
da minha turma, e ela ter ido a sala conversar sobre o assunto,
não adiantou nada.
A pior aula de todas era Educação Física, eu tinha que tentar
fazer o que o professor pedia, se era fácil pra todos... Se eu
evitasse as aulas, iria ficar reprovado por causa da matéria que
é considerada a mais fácil e divertida para a maioria dos
meninos? Sendo assim, evitar não era uma opção. Ou me
chamavam de fracote ou de leitão, eu não tinha saída, do mesmo
jeito zombavam de mim.

4 ISADORA: Enquanto explicava, ele sempre citava meu

nome, e fazia perguntas para a turma toda como “E se a Isadora


fosse lá em casa gente? Seria bom né?” e meninos respondiam
“Aí sim professor!” Não sei o que passava na cabeça dele, mas
ele fazia comentários assim sobre as meninas da sala, que ao
todo eram cinco. Sei que não foi só eu que sofreu isso, mas… Foi
absurdo perceber que dentre os vinte meninos da turma, nenhum
deles falava alguma coisa, percebiam o que acontecia mas o dia
no qual questionei o porquê não diziam nada, me disseram pra
deixar quieto a situação.
Passei a pensar que ninguém iria me levar a sério se nem os
próprios garotos da minha sala se importavam, então nunca disse
o que acontecia para alguém, até porque, eu não queria que as
pessoas me vissem como uma adolescente que queira ser o
centro das atenções. Alguns achavam legal e riam, outros viam o
problema mas ficavam paralisados.
As outras quatro meninas começaram a morrer de medo por
conta do professor se mostrar um assediador constante, e não
foi diferente comigo. Dentre elas, eu fui a única a quem ele
chamou nas redes sociais puxando assunto, a situação ficava
cada vez mais estranha. A vergonha, o medo, a sensação de
estar em um beco sem saída, num poço sem fundo e as longas
noites de choro, passaram a ser mais frequentes.

5 THEO: A escola me pediu pra contar se

acontecesse mais alguma coisa, mas depois da conversa na


sala, tudo piorou. Os cochichos ficaram mais frequentes, e
passaram a me bater depois da aula enquanto falavam que
eu não deveria ter dito nada, e que era melhor eu morrer
porque eu estava passando vergonha demais ao andar e ter
que carregar tanta banha. Meus pais trabalhavam tanto por
conta do emprego deles, que não percebiam muito bem os
meus machucados. Eles não tinham que se preocupar
comigo, por isso davam mais atenção aos meus irmãos mais
novos. Mas o que mais me cobravam eram minhas notas, se
viam um ponto a menos no boletim, logo me diziam que tinha
que me esforçar mais. Só que eles não ficavam em casa
todos os dias do mês pra ver o quanto eu estudava.
Ir para a escola se tornava cada vez mais difícil, eu
não sentia a animação de antes, não estudava como antes. E
tinha tanto o que estudar e tanto dever pra fazer, que eu
tentava me concentrar mais nisso pra não pensar no que
sempre acontecia. Eu comecei a passar, as vinte e quatro
horas do meu dia, ouvindo e pensando nas coisas que
falavam de mim e para mim, isso atrapalhava meu sono, a
insônia tinha virado uma parte das minhas noites. Meus
irmãos sendo muito pequenos não entendiam o que
acontecia comigo, mas acho que
sentiam que após eu fechar a porta do meu quarto,
havia profundas lágrimas de dor e pensamentos que faziam
descontar em meus pulsos.

6 ISADORA: Quando a pandemia começou, eu


fiquei mais aliviada para ser sincera. Eu continuei tendo
as aulas do curso, mas online, o que fez com que o
professor não fizesse os comentários por conta da aula
estar sendo transmitida ao vivo e por eu estar na minha
casa. Só que ele começou a me perseguir mais ainda nas
minhas redes sociais, pedia fotos minhas e,
recentemente descobri que era ele quem fazia os
comentários sobre o meu corpo por meio de outras
contas. Diariamente, eu sabia que tinha que estudar e
me esforçar mais para ficar atenta assistindo a aula no
computador, mas eu sentia uma perda de energia e um
excesso de cansaço tão grande me preocupando e
lembrando de tudo que eu passei, que só pensava em
dormir e nunca mais acordar.
Mas, com minha mãe na época desempregada e
passando mais tempo juntas, e ela percebendo minha
perda total de interesse e de peso. Ela me levou ao
clínico geral, que associou os meus sintomas à
depressão e recomendou uma ida a um psicólogo ou um
psiquiatra para que eu pudesse procurar ajuda
especializada. Minha mãe não acreditou muito no fato
de sua filha estar com depressão, mas realmente viu
uma necessidade. Foi difícil contar o que aconteceu
comigo nesses meses para uma desconhecida, mas no
meio do ano de 2020 fui diagnosticada com o
transtorno da depressão.
7 THEO: Mesmo tendo aulas online por conta da
covid, meus colegas ainda faziam piadas sobre mim. Eles
não perdiam uma oportunidade, era no whatsapp, no
discord e no chat da aula quando o professor perdia a
conexão. Eu só não me cortava como antes por causa da
minha mãe, ela começou a trabalhar em casa, enquanto
meu pai, que é médico, tratava de pacientes com covid.
Se ela não tivesse prestado mais atenção em mim, acho
que não estaria vivo.
Ela rapidamente marcou um psiquiatra quando viu
meus pulsos, e finalmente pude contar a ela o que vinha
acontecendo comigo. Após isso comecei meu
tratamento, com antidepressivos e psicoterapia.
Mudei de escola no meio do ano passado. Eu
realmente não estou curado, sendo considerado o
menino que quer chamar a atenção é difícil. Nunca vou
me esquecer das palavras ditas, e o que causaram em
mim, porque até hoje me olho no espelho e sinto a
necessidade de ficar mais magro. Não é vergonhoso
dizer, mas sim é uma forma de exemplo, eu tenho
depressão e eu faço tratamento para minha melhora. E
se você tem também um quadro de depressão ou
sintomas, busque a ajuda correta, isso não é uma forma
de ser o centro de tudo. Eu passei por isso, sei bem.
8 ISADORA: Dizer que muitos amigos e

familiares não acreditaram nas minhas condições me


abalou, mas fico extremamente feliz em dizer que
completei dezessete anos livre daquele curso e daquele
professor, e com quase um ano de tratamento. Ainda
me lembro, ainda sofro, e tenho constante sentimento
de nojo de mim mesma de ter me calado e me sujeitado
a essa situação, mas tenho orgulho em dizer que
cheguei até aqui. E pensar que eu não tive um fim como
as das 800 mil pessoas ao ano ou um fim como a de uma
mulher a cada oito minutos, é mais uma conquista do que
uma vergonha, porque eu procurei ajuda.
NARRADOR (Fernando)

Dia após dia, a depressão se torna algo mais comum em todos os


lugares do mundo. Ela sendo caracterizada como um transtorno
mental tendo uma constante sensação de tristeza, ou perda de
interesse na maioria das atividades diária de uma pessoa, é fatal
porém não é levada a sério por muitos.

As causas da depressão são várias, como: consumo e abuso de


álcool e drogas, principalmente em momentos difíceis, doenças
crônicas, dar à luz, solidão, acontecimentos considerados
vergonhosos e estressantes por partes das vítimas, como
assédio moral e sexual, bullying, pressão escolar, questões
familiares, e até mesmo pela vítima ser negra, albina, gorda,
magra ou fazer parte da comunidade LGBTQIA+ e entre muitas
outras causas.

De acordo com dados da OMS, o Brasil é o segundo país das


Américas com o maior número de pessoas depressivas,
correspondendo a 5,8% da população, sendo cerca de mais de 12
milhões de pessoas. Esses casos aumentaram mesmo, após o
início da pandemia, o que também levou ao fato do Brasil possuir
63% de sua população com casos de ansiedade e 59% com casos
de depressão, sendo uns dos primeiros países com mais pessoas
diagnosticadas com tais quadros.
Estima-se que em todo mundo mais de 300 milhões de pessoas
sofrem dessa condição, tendo cerca de 800 mil suicídios a cada
ano.

Então, como pode-se observar, o confinamento desde 2020,


ocasionou o crescimento de casos de depressão e de suicídio. O
fato de ter que passar por situações estressantes e
desconfortáveis dentro da própria casa, sendo elas como
agressões, abusos sexuais, como o caso de violência doméstica,
pressão escolar, por conta das aulas online, ou a solidão, devido
ao distanciamento social, causaram esse aumento absurdo do
transtorno mental que leva aos pensamentos e atos suicidas.

Em alguns casos específicos como assédios e abusos sexuais a


pessoa pode ficar se culpando ou lembrando do que aconteceu,
causando pensamentos constantes de tristeza, ou seja,
desenvolvendo o transtorno da depressão.

Imaginar que, das 572 mil pessoas estupradas ao ano, 89% são
mulheres e 70% são crianças e adolescentes, a maioria delas
ainda sofrem resquícios dessas violências, tanto físicas quanto
psicológicas.

Sem contar com os casos de bullying escolar no Brasil, que


apesar de terem tido uma decadência por conta do cenário
pandêmico, obteve uma maior frequência no meios digitais.
Sendo caracterizado como cyberbullying, seu crescimento foi
muito mais que perceptível, sendo constatado por meio de
pesquisas (TIC Kids Online 2019) com cerca de 3 mil crianças
entre 9 e 17 anos que utilizam internet, 61% dos entrevistados
dizem que veem discriminação mais de uma vez por dia nas redes
sociais.

E além de tudo isso, é notório que a mudança repentina no


processo de ensino por conta da pandemia, aumentando a
sobrecarga escolar, ajudou também na intensificação dos riscos
de desajustes mentais. As aulas remotas causam um maior
encargo tanto nas crianças quanto nos adolescentes, porque os
responsabilizam pelo próprio aprendizado, então, nessas
circunstâncias os estudantes sofrem uma enorme sobrecarga,
assim ficando mais vulneráveis à depressão. Sobre o ensino
convencional, a pressão escolar também é muito grande, em que
as preocupações referentes ao desempenho e resultados
escolares causam enorme pressão nos estudantes, o que gera
uma alta carga de estresse, podendo levar a problemas
psicológicos como ansiedade e depressão.

E essa situação não engloba apenas alunos, mas sim professores,


que muitas das vezes acabam fazendo esforços maiores para
disponibilizar materiais de apoio aos estudantes e fazer aulas
mais dinâmicas. O que pode ocasionar um grande excesso de
cansaço, que na maioria das vezes não é correspondido pelos
alunos, fazendo com que gere uma carga de estresse podendo
causar tais transtornos psicológicos.

Sendo este o triste cenário das causas da depressão, é pior


ainda saber que menos da metade da população mundial
diagnosticada com depressão não assume um tratamento correto
como medicamentos, psicoterapia ou tratamentos naturais ou
alternativos. E muitos possuem vergonha de admitir um quadro
depressivo até mesmo para familiares.

Admitir ter um quadro depressivo, ou possuir quaisquer outros


quadros envolvendo algum transtorno psicológico, não deve ser
considerado uma vergonha. Apesar de ser chamado de “sinal de
fraqueza”, “pouca vontade” ou “estar querendo chamar atenção”,
em hipótese alguma uma pessoa deve se desvalorizar ou se
envergonhar por conta dessas frases extremamente
desconfortáveis.

A depressão pode até afetar mais mulheres do que homens, mais


pessoas de baixa renda do que as de alta renda, mais jovens do
que idosos, mas a realidade é que ela afeta qualquer pessoa, e
todos merecem e precisam do devido tratamento com
especialistas.

Por mais que existam campanhas e meses específicos para tratar


desses assuntos, como o Janeiro branco ou o Setembro amarelo,
após esses dias de conscientização, parece que tudo foi
esquecido e que a empatia e a preocupação das pessoas são
apenas nesses meses. Porém deve ser todos os dias.

Infelizmente essa é a realidade, essas causas da depressão


acontecem em dias comuns de um Janeiro branco e os suicídios
em dias comuns de um Setembro amarelo. Pessoas negligenciam
a própria saúde mental, e sem saúde mental, não há saúde. E
lembrar-se sempre
O suicídio é o final de um ato contínuo de comportamento,
peocupe-se.

Bernardo Theo
Fernando O narrador
Mariana Isadora

OBS: Nesse roteiro pode haver erros de ortografia.

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