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HUBERTO ROHDEN

IMPERATIVOS

DA VIDA
NÃO FAÇAS DEPENDER A TUA FELICIDADE
DE ALGO QUE NÃO DEPENDA DE TI!
UNIVERSALISMO
Sumário

Advertência

Luz Verde na Estrada

Guia-me, Luz Benigna!

Celebra o Teu Natal – de Dentro!

Sabe que o Cristo do Além é o Cristo do Aquém?

Alarga os Teus Horizontes!

Estende as Mãos Para a Luz!

Deixa de Ser Besouro Estonteado!

Toma o Teu Banho Espiritual Diário!

Faze as Pazes Contigo!

Transcende os Teus Vícios – e as Tuas Virtudes!

Desintegra o Átomo do Ego!

Não Creias Numa Outra Vida!

Interessa-te – Desinteressadamente!

Deixa o Egito, Atravessa o Deserto – e Entra em Canaan!

Sempre Avante!

Sabe Porque Vives!

Torna-te Achável – e Deus te Achará!

Guarda o que Tens – e Passa Além!

Descobre a Deus Dentro de Ti!

Integra-te no Todo!

Naufraga – e Vive!
Não Te Preocupes com Tua Salvação!

Acorda do Sonho – Para a Realidade!

Entra na Comunhão dos Santos!

Descobre o Teu Além de Dentro!

Desilude-te – Duma Querida Ilusão!

Sê o que És!

Estende as Tuas Antenas!

Ama – e Tudo Está Certo!

Sê o Cristo Eterno – O Teu Cristo Interno!

Purifica-te!

Não Chores a Noite – Que se Foi!

Ultrapassa o Teu Noivado!

Deixa de Ser Boneco de Engonços!

Não Queiras Ser Recompensado, Compensado, Pensado!

Conhece o Teu Valor!

Salva-te – Pelo Deus em Ti!

Deus
Advertência

A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar


é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e
dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior,
porque deturpa o pensamento.

Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a


transição de uma existência para outra existência.

O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é um criador de gado.

Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.

A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea nada se
aniquila, tudo se transforma”; se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa,
mas se escrevemos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.

Por isto, preferimos a verdade e a clareza do pensamento a quaisquer


convenções acadêmicas.
Luz
Verde na Estrada

Amigo e companheiro de jornada ao Infinito!

Não pares ante as luzes-vermelhas que homens ignaros puseram no meio do


teu caminho espiritual!

Guia-te pelas luzes-verdes com que Deus marcou a estrada da tua vida em
perene ascensão!

Não há “trânsito impedido” nos mundos de Deus – só há “trânsito livre”.

Vermelhos são os campos de batalha criados pelos homens – porque neles


agoniza a vida ou impera a morte.

Verdes são os campos e as campinas que Deus creou – porque neles cantam
as glórias da vida em plena evolução e felicidade.

“A vida eterna é esta – disse o grande Mestre – que os homens te conheçam, ó


Pai, como o único Deus verdadeiro, e o Cristo, teu Enviado.”

Vida eterna é eterno conhecimento – se o “conhecer” tivesse um fim findaria o


“viver”.

Conhecer é progredir, viajar, penetrar cada vez mais na íntima essência do


Deus do mundo e do mundo de Deus.

Conhecer é ir rumo ao Infinito, ao Eterno, ao Absoluto.

Jamais poderá o finito exaurir o Infinito – por mais que o cognoscente avance
em demanda do cognoscível, sempre poderá abismar-se mais e mais no
Incognoscível, nas trevas do Mistério, nas profundezas de Deus.

Que seria a vida eterna sem esse eterno Mistério? – que fascinação exerceria
sobre a alma um mundo totalmente por ela devassado, sem ulterior
possibilidade de novos descobrimentos?

Quanto mais a alma conhece tanto maior é a sua beatitude no conhecido – e a


sua audácia beatífica rumo ao desconhecido...
Se, algum dia, a alma chegasse ao termo final do seu “conhecer” e sua marcha
dinâmica se congelasse numa estagnação estática – seria este o fim da vida
eterna e o princípio da morte sem fim...

Viver é conhecer, conhecer é amar – e onde há vida, conhecimento, amor, lá


exulta inefável felicidade.

O Evangelho de Cristo é a mais alta expressão da vida, do conhecimento, do


amor, da felicidade.

“Eu vim para que os homens tenham a vida – e a tenham na maior


abundância.”

Os inscientes ignoram o Evangelho de Cristo.

Os semi-cientes consideram o Evangelho como a religião do sofrimento.

Os pleni-cientes, porém, sabem que o Evangelho é a mensagem da vida


abundante, da felicidade inefável.

Penúltimas são as sombras da sexta-feira da paixão – últimos são os fulgores


da Páscoa da ressurreição.

Penúltimo é o túmulo fechado – último é o sepulcro aberto e vazio.

* *

Amigo e companheiro de jornada! Este livro te fala de sombras e de luzes, de


sofrimentos e de glórias.

Negar os sofrimentos da vida, é mentira e falta de honestidade para consigo


mesmo.

Fixar os olhos nesses sofrimentos é perigoso, porque gera amargo pessimismo


e filosofia unilateral.

Conceder as sombras da vida, mas espraiar os olhos pelos horizontes além,


arraiados de luzes, é admitir a verdade integral e encher a alma de forças
suficientes para, no meio das trevas, crer na luz.

Entretanto, não te esqueças, meu amigo: essa alvorada salvadora não nasce
em algum horizonte fora de ti, mas sim no horizonte dentro de ti – esse sol
desponta no Grande Além de Dentro, nas divinas profundezas de tua própria
alma.

É, pois, necessário que descubras esse reino de Deus dentro de ti, esse reino
sempre presente a ti, mas do qual estás, muitas vezes, ausente.
Essa viagem rumo ao teu centro divino, naturalmente, é muito mais difícil do
que todas as jornadas para as periferias externas – porque “estreito é o
caminho e apertada é a porta que conduz ao reino de Deus”, dentro de ti.

Entretanto, uma vez habituado a trilhar esse caminho estreito, verás que ele se
alarga em esplêndida avenida – e, uma vez que entraste pela porta estreita da
disciplina e assídua comunhão com Deus, verificarás que te achas num
universo de infinita largueza e indescritível formosura...

Vale, pois, a pena iniciares essa jornada e arriscares essa grande aventura –
mesmo que seja no último quartel da tua existência terrestre...

Vai e desenterra do campo do próprio Eu esse “tesouro oculto”!

Decide-te e mergulha nas profundezas do teu ser em busca da “pérola


preciosa” da experiência divina, do encontro pessoal com Deus...
Guia-me,
Luz Benigna!

Guia-me, luz benigna, no meio das trevas que me cercam!...

Ilumina as veredas que meus pés palmilham...

Não te peço que me rasgues vastos horizontes, soberbos panoramas, dilatadas


perspectivas...

Suplico-te apenas, ó luz benigna, que ilumines o modesto espaço que cada
passo tem mister...

Basta-me um passo, um passo apenas, porque tu sabes onde ponho o pé...

Guia-me, seguro, por escarpas e alcantis...

Guia-me por ínvios desertos e estepes sem trilho...

Guia-me quando alegrias me exaltam e sofrimentos me deprimem...

Guia-me quando amigos me louvam e inimigos me vituperam, para que eu não


me julgue melhor nem pior do que sou a teus olhos...

Guia-me, luz benigna, para que nenhuma injustiça me faça injusto...

Que nenhuma ingratidão me faça ingrato...

Que nenhuma amargura me faça amargo...

Que nenhuma maldade me faça mau...

Que eu queira antes sofrer todas as injustiças do que cometer uma só...

Guia-me, luz benigna, e mostra-me que todas as coisas, mesmo as mais


pequeninas, são grandes, quando feitas com grandeza de alma...

Guia-me rumo à humilde grandeza de servir, longe da soberba mesquinhez de


querer ser servido...

Guia-me cada vez mais longe de mim, cada vez mais perto de ti...

Bem perto de ti...


Ó luz benigna!...
Celebra o
teu Natal – de Dentro!

Quantas vezes, meu amigo, celebrastes o Natal de fora? O Natal litúrgico, de


25 de dezembro de cada ano? 20, 30, 50 vezes em tua vida?

Foi um verdadeiro Natal – ou foi apenas um pseudo-Natal?

Foi um Natal – ou foi o teu Natal?

Foi como um fogo pintado na tela – ou foi um fogo real, cheio de força, luz e
calor?

Natal sem natalidade não passa de ilusão e mentira...

Que quer dizer um Natal onde não haja nascimento do Cristo?

Nasceu ele, é verdade, há quase 2000 anos, na gruta de Belém – mas não
nasceu na gruta de teu coração.

Foi reclinado na singela manjedoura de palha – mas podes tu dizer em


verdade: Já não sou eu que vivo, o Cristo é que vive em mim?

Ainda que mil vezes nasça Jesus em Belém – se não nascer em ti, perdido
estás...

A árvore de Natal que costumas armar em tua casa é bem o símbolo


inconsciente do teu pseudo-Natal interior: árvore sem raízes, morta ou
moribunda, ostentando lindos enfeites de papel sem vida, frutinhas ocas de
celulóide inerte – não é isto que é a tua vida espiritual?

Quanto tempo pretendes ainda “brincar de Natal” – sem celebrar um verdadeiro


Natal, um dia natalício do Cristo em ti?

Por que toda essa camuflagem e insinceridade diante de ti mesmo?

Por que não retificas, enfim, todas as tortuosidades da tua vida?

Por que não pões ponto final a toda essa política e diplomacia curvilínea do teu
egoísmo e inicias, finalmente, uma vida retilínea de absoluta verdade,
honestidade e amor universal?
Quando permitirás que nasça em ti o Redentor – ele, o Caminho, a Verdade e
a Vida?

Não imaginas, meu amigo, o que viria a ser para ti esse Natal externo do ano
litúrgico, se, de fato, celebrasses o Natal interno de tua alma.

Não imaginas o que te diriam a gruta, a manjedoura, os anjos do céu e os


pastores da terra se em ti acontecesse o glorioso simbolizado de que esses
fatos históricos são o símbolo longínquo e vago.

Não imaginas em que nova luz de compreensão te apareceria o Cristo do


Evangelho se dentro de ti nascesse o Cristo da tua experiência íntima, do teu
encontro pessoal com Deus.

Se o Cristo fosse para ti, não apenas um artigo de fé aridamente crido – mas
uma estupenda realidade intensamente vivida.

Se o Cristo vivesse em ti e tu vivesses no Cristo, ou antes, se fosses vivido


pelo Cristo – que vida abundante seria a tua...

Não caberias em ti de tão feliz – e a tua exuberante felicidade em Cristo


transbordaria em amor e benevolência para com todos os irmãos de Cristo em
derredor...

A própria Natureza inconsciente receberia um reflexo desse transbordamento


de amor e felicidade – e, como Francisco de Assis, ébrio de Deus, contarias e
cantarias as glórias divinas às pedras e às plantas, às aves e aos peixes, ao
sol, à lua e às estrelas...

Convidarias a própria “irmã Morte” para entoar louvores ao Pai celeste.

Se tivesses celebrado o teu Natal de dentro, se o Cristo tivesse nascido em ti e


em ti vivesse, seria a tua vida uma gloriosa ressurreição – e os anjos da
Páscoa confundiriam as suas vozes com os anjos de Belém, cantando hosanas
e aleluias, glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens, em todos os
caminhos da sua existência – mesmo por entre as sombras da morte.

Celebra o teu verdadeiro Natal, meu amigo – e saberás o que o Cristo significa
para ti e para todos os que o recebem e vivem nele...

“Renascidos pelo espírito”...

“Feitos novas creaturas em Cristo”...


Sabe que
o Cristo do Além
é o Cristo do Aquém?

É ele a imagem do Deus invisível – o primogênito, anterior a toda creatura.

Nele foram creadas todas as coisas, no céu e na terra, visíveis e invisíveis –


anjos, homens, a natureza toda.

Tudo foi creado por ele e para ele – pelo Cristo e para o Cristo eterno.

O Cristo do universo, o Cristo da terra, o Cristo de minha alma.

É ele o alfa e o ômega, o princípio e o fim de todas as coisas.

Nele tudo está, dele tudo vem, para ele tudo vai.

É ele o oceano donde as águas da creação sobem, levíssimas, como tênues


vapores brancos suspensos em invisíveis asas – nas asas da luz e do calor.

É ele o oceano para onde todas as águas da creação regressam, céleres como
sorridentes arroios a saltitar de pedra em pedra – lentas como majestosas
torrentes em silenciosa marcha rumo ao mar.

É ele, o Cristo eterno e universal, que, entre o egresso e o regresso, entre o


início e o fim, entre a subida e a descida, fertiliza todas as coisas com as águas
vivas da Divindade.

É ele que faz nascer as flores, viver os insetos, jubilar as aves, os animais.

É ele que dá alegria aos homens e sabedoria aos anjos.

Porque ele, o Cristo Cósmico, está acima do Universo; pois é nele que o
Universo subsiste como em seu alicerce; é nele que o Universo culmina como
em sua cúpula e coroa.

É nele, no Cristo eterno e universal, anterior e superior a toda a creação, que o


Universo se revela como um Todo harmônico – transbordante em sua
estupenda variedade, fascinante em sua esplêndida unidade.
Porquanto é nele que reside substancialmente toda a plenitude da Divindade –
é nele que todas as creaturas são reconciliadas com seu Creador.

Todos os seres conscientes e livres, sem exceção de um só – porque nele há


redenção copiosa.

E todos os seres, no céu, na terra e debaixo da terra, por mais distantes do


centro divino, acabarão por se prostrar diante do Cristo Cósmico,
reconhecendo-o como seu Senhor e Soberano.

És tu, ó Cristo do Universo, que vives e exultas em minha alma.

És tu, o eterno Logos, que, desde o princípio, estavas com Deus e que és
Deus, és tu que iluminas a todo homem que vem a este mundo.

És tu que enches de força e luz, de alegria e felicidade, todas as latitudes e


longitudes, todas as profundidades e altitudes do meu ser.

Como poderia eu ter um só momento de fraqueza ou agrura, quando tu, força e


alegria sem limites, estás comigo e dentro de mim?

Eu te dou graças, ó Cristo do Universo de fora e do Universo de dentro, do


grande Além fora de mim e do grande Aquém dentro de mim, porque tu guias
os astros pelas vias inexploradas do cosmos – e guias também os
pensamentos do mundo de minha alma...

Que seria sem ti o universo do Além e o universo do Aquém? – Caos e trevas,


frialdade e tristeza...

Enche-me da tua força, da tua luz, do teu calor de tal modo que eu, repleto de
ti, transbordante de ti, difunda pelos espaços em derredor a abundância que de
ti recebi...

Para que os fracos sejam fortes...

Que os filhos das trevas se transformem em filhos da luz...

Que as vítimas do ódio ressuscitem para uma vida de amor...

Aleluia!...
Alarga os
teus Horizontes!

Eu era prisioneiro do cárcere do meu corpo – como prisioneiros eram milhares


de meus semelhantes.

E, por haver tantos outros presos, à direita e à esquerda, a minha prisão me


parecia coisa normal.

Estar encarcerado era a condição natural de todo homem, dizia eu – e não


procurava a liberdade.

Olhei em derredor – era tudo grade de ferro...

Comecei a chamar essa prisão a minha casa, o meu palácio.

E, para me iludir mais eficazmente, pintei com todas as cores do disfarce e da


auto-sugestão o meu querido cárcere – com pó de bronze, com tintas de prata
e de ouro.

E achei notável conforto na prisão-palácio do meu corpo.

Iluminei com as luzes da inteligência o meu cárcere físico-mental, instalei-me


confortavelmente nesse habitáculo terrestre – totalmente esquecido da minha
cidadania cósmica – dos vastos horizontes além, do azul dos céus acima, da
imensa epopéia de vida e alegria que cantava por todas as latitudes e
longitudes do universo de Deus.

Um dia, porém, à complacente sombra do meu cárcere-palácio, ouvi uma voz


estranha que estranhamente me falava de coisas estranhas...

Falava de “liberdade” – da “gloriosa liberdade dos filhos de Deus”...

Falava-me da “verdade libertadora” – mundos ignotos para mim...

Escutei, escutei, escutei...

Donde vinha essa voz? De fora? – Não, de dentro de mim, das longínquas
regiões de dentro, dos profundos abismos do meu próprio ser...

Desse ser ignoto dentro de mim...


Era minha alma que falava – com irresistível silêncio...

Minha alma, cristã por sua própria essência – imagem e semelhança de Deus,
participante da natureza divina...

Fiz calar todos os ruídos em derredor a fim de ouvir o silêncio de dentro.

E o silêncio me falava – e, quanto mais eu me calava, tanto mais ele falava...

Percebi, não com os sentidos; compreendi, não com a mente – vivi com o
espírito a grande mensagem de minha alma...

A bradar silenciosamente os seus “ditos indizíveis”...

E no meio desse trovejante silêncio de dentro desabaram as muralhas de


Jericó, diluíram-se, como cera ao sol, as barras de ferro dourado de minha
prisão-palácio...

De todas as minhas prisões – que eram “legião”...

E, quando voltei a mim dos mundos longínquos que invadira sobre as asas
brancas de minha alma, olhei em derredor – e não havia barreira em parte
alguma...

Ante meus olhos se espraiava, ilimitado, o universo de Deus, o Infinito, o


Eterno, o Incomensurável...

E eu me sentia um com o Pai dos céus...

E na luz impetuosa dessa consciência cósmica morreram todas as minhas


pequenezas e mesquinharias de outrora – o temor e o ódio, as impiedosas
críticas e murmurações, as queixas e susceptibilidades, desapareceu a
moléstia crônica do “querer-ser-servido” e nasceu a vigorosa saúde o “querer-
servir”.

O reino dos céus despontara em mim – e eu estava no reino dos céus...

Saíra do estreito cárcere do meu pequenino Eu humano – e entrara no vasto


universo do Tu divino...

Alargara os meus horizontes ao Infinito...


Estende as
Mãos para a Luz!

O mundo em que vives, ignoto amigo, é um misto de luz e de trevas.

Se ergueres as mãos para a luz, virá a ti a luz.

Se baixares as mãos para as trevas, virão a ti as trevas.

Semelhante atrai semelhante – é esta a inexorável homeopatia do universo de


Deus.

Dessa imensa trama de fios luminosos e fios tenebrosos que em torno de ti


estão, podes formar um luzente tecido de ouro – ou então uma negrejante
urdidura de carvão.

Tu é que és o autor do teu destino.

Convida os elementos celestes, e eles tecerão a tua vida rumo às alturas –


convida os elementos terrestres, e eles tecerão tua vida rumo ao abismo.

É este o glorioso e funesto privilégio do livre-arbítrio – que te faz criador do teu


destino.

Mas os fios com que o teces não são apenas de hoje nem de ontem –
remontam a milhares de anos e de séculos, a incontáveis eons e eternidades.

Quando começou, quando terminará essa complicada urdidura do teu destino,


meu ignoto amigo?

Não importa saber – o que importa é que estendas as mãos para apanhar os
fios luminosos que estão no ar e deixes de lado os fios tenebrosos que te
cercam também.

Nem te esqueças de que o universo de Deus está povoado de seres de


qualidades várias – seres mais avançados que tu, seres iguais a ti, seres
inferiores a ti.

Anjos da luz – e demônios das trevas.


Se estenderes as mãos aos anjos da luz e fizeres de ti mesmo uma alvorada
de luz, eles te ajudarão a subir – se estenderes as mãos aos demônios das
trevas e fizeres de ti um ocaso de sombras, também eles te ajudarão, mas é
para descer.

Alimenta, pois, os anjos dos bons pensamentos, pensamentos positivos,


pensamentos de benevolência, de fé, esperança e amor – e os anjos da luz
reforçarão os teus pensamentos, porque neles vêm seus irmãos e amigos.

Evita os demônios de maus pensamentos, pensamentos negativos,


pensamentos de malquerença, de desânimo, de pessimismo, de temor e de
ódio – para que esses demônios das trevas não reforcem com sua maléfica
afinidade esses seus irmãos que em ti estão.

Tu és e serás o que são os teus pensamentos – são eles os invisíveis


arquitetos da tua vida, do teu destino – do teu céu ou de teu inferno.

Tua vida é a imagem e semelhança dos teus pensamentos.

Destes pensamentos conscientes que formam, depois, o substrato inconsciente


do teu Eu.

Crê na onipotência dos anjos da luz – e os demônios das trevas serão


reduzidos a impotência!

Fecha as portas a estes – abre as portas àqueles!

Teu destino está nas tuas mãos – nos teus pensamentos.

Os teus pensamentos habituais, quando abandonam a zona diurna do teu


consciente vígil e se infiltram na zona noturna do teu subconsciente dormente,
ali depositam e estratificam vastas camadas de hábitos.

Dessas estratificações subconscientes do teu Eu irradiam sem cessar forças


misteriosas, positivas ou negativas, para as regiões da tua vida consciente,
modelando-a, enriquecendo-a, empobrecendo-a, conferindo saúde e vigor, ou
então espalhando venenos e moléstias.

Cuidado com teus pensamentos – ressurreição ou ruína para tua vida!

Coloca uma sentinela vigilante à entrada do teu Eu!

Não permitas que tua alma seja praça pública por onde transite indistintamente
a turbamulta dos profanos!

Faze de tua alma um santuário, onde só tenham ingresso os anjos de Deus e


arda a lâmpada sagrada das grandes idéias e dos nobres ideais!

Amigo, estende as mãos para a luz!


Deixa de ser
Besouro Estonteado!

Por que é que esbarras sem cessar contra as vidraças da janela fechada,
besouro estonteado?

Não sabes que esse vidro é duro demais para teu crânio?

O que acabará em pedaços não será o vidro, mas sim tua cabeça.

Ou perecerás de fome e exaustão no peitoril da janela.

Olha para o lado! Não vês essa porta aberta de par em par?

Por que não renuncias a essa louca teimosia de querer passar onde não há
passagem, e desprezas o caminho aberto?

O besouro estonteado, porém, continuou a esvoaçar furiosamente contra a


vidraça da janela fechada.

Não quis saber de porta indicada por outrem – só quis saber da janela
descoberta por ele mesmo.

Esse insipiente sabichão...

Esse teimoso egoísta cerebral...

E tanto voou, e tanto esbarrou, e tanto se cansou que, finalmente, tombou,


exausto e semimorto, no peitoril da janela.

Onde agonizou por mais um dia – e morreu...

Morreu na prisão, a dois palmos da liberdade...

* *

Por que tentas, minha alma, abrir o teu caminho, quando está largamente
aberto o caminho dele?

Dele, que é o caminho, a verdade e a vida?...


Nunca ninguém achou a Deus, nem nunca ninguém achará a Deus – Deus,
porém, pode achar o homem, suposto que o homem seja achável...

Torna-te achável – e Deus te achará!

Despega o olhar da janela fechada do teu pequeno Eu humano e volta-o para a


porta aberta do grande Tu divino!

E deixarás a escravidão que encontraste, ganhando a liberdade que te é


oferecida...

A “gloriosa liberdade dos filhos de Deus”...


Toma
o teu Banho
Espiritual Diário!

É costume de todo homem higiênico tomar o seu banho diário – seja de


manhã, seja à noite.

Que será da tua higiene espiritual, meu amigo, se não banhares a tua alma,
diariamente, no oceano da Divindade?

Toma, pois, o teu banho espiritual cotidiano nas águas puríssimas do mundo
divino.

Expõe a tua alma ao tonificante banho de luz da comunhão diária com Deus.

Não inicies os teus trabalhos profissionais sem primeiro mergulhares nas ondas
da meditação, da oração, duma intensa e profunda consciência da presença de
Deus.

Verás que essa diatermia espiritual matutina transformará o teu dia em algo
bem diferente daquilo que os dias profanos costumam ser.

Verás que os teus companheiros de casa ou de negócio te parecerão mais


amigos e mais suportáveis – porque tu és mais suportável a ti mesmo, e,
quando alguém é tolerável a si mesmo, tudo é tolerável.

Verás que tens olhos para ver antes o que nos outros há de bom e de positivo
do que o que neles há de mau e de negativo – porque o banho espiritual te
limpou os olhos turvos e te deu uma visão mais clara da realidade.

Verás que essa comunhão com Deus, longe de impedir os teus trabalhos
profissionais, lhes aumentará grandemente a eficiência, porque envolverá tudo
num como que halo de luz e leveza, fazendo parecer simpáticos até os
trabalhos mais antipáticos.

Porquanto, tu vês as coisas, não como elas são, mas assim como tu és.

Se estás insatisfeito contigo mesmo – nada te pode satisfazer.


Se toleras a própria consciência – todas as pessoas e coisas são toleráveis.

Verás que esse banho matinal nos mares de Deus te encherá de tamanha
serenidade interior, durante as 24 horas do dia, que nenhuma infelicidade te
fará infeliz, nenhuma injustiça te fará injusto, nenhuma ingratidão te fará
ingrato, nenhuma maldade te fará mau.

Não digas que te falta o tempo necessário para dares 30 minutos diários a esse
banho espiritual.

Se, dentro das 24 horas do dia, não encontrares meia hora para a coisa mais
importante da tua vida, sabe que o teu programa é visceralmente falso e urge
retificá-lo hoje mesmo.

Será que a tua vida está tão cheia de outras coisas que não tenhas tempo para
viver?

Se dás 98% do tempo diário a outros trabalhos – ao trabalho externo, ao


descanso, aos divertimentos – não te sobrarão 2% para o teu aperfeiçoamento
pessoal?

Se não dispuseres desses 30 minutos, sabe que estás em vésperas de falência


moral – se é que ainda não és um falido e derrotado.

Não escolhas para a tarefa mais importante do dia a meia hora pior, a que,
porventura, te sobrar dos outros trabalhos – reserva-lhe antes a meia hora
melhor, quando corpo, mente e alma se acharem perfeitamente calmos e
receptivos.

Nem te exponhas ao perigo de seres perturbado ou interrompido no teu


colóquio com Deus – retira-te a um lugar onde possas estar realmente a sós
com Deus e tua alma.

“Quando orares, retira-te para o teu aposento, fecha a porta atrás de ti, e fica a
sós com teu Pai celeste.”

Fecha as portas também à intrusão de pensamentos profanos e impertinentes


– transforma a praça pública dos teus cuidados ordinários num silencioso
santuário da Divindade.

Não é necessário que fujas para o deserto ou te isoles numa caverna – mas é
necessário que tenhas dentro de ti essa “caverna” aonde te possas refugiar
para momentos de passividade dinâmica, de silêncio fecundo, de auscultação
do Infinito.

Não creias apenas no que te estou dizendo – procura sabê-lo por experiência
pessoal.
Do crer pode-se voltar para o descrer – mas do saber experiencial não há
regresso para o não-saber.

Faze, pois, a tua comunhão diária com Deus, com profundeza e intensidade –
e sentir-te-ás leve e feliz – para ti mesmo e para os outros...
Faze as
Pazes Contigo!

Há anos, longos anos, que meu Eu é um campo de batalha, porque há em mim


dois Eus, que se digladiam sem tréguas.

O Eu ativo de antanho – e o Eu passivo de há pouco.

Afirma aquele que ele é o verdadeiro Eu e que este é intruso e impostor.

O Eu passivo não afirma nem nega coisa alguma – continua a ser o que é,
receptivo, cada vez mais receptivo, na certeza de que ele é o grande aliado do
Universo, que não pode ser jamais derrotado, por fraco que pareça.

O Eu ativo quer receber, tirar, arrebatar – porque é vazio – e como poderia a


vacuidade dar algo? Tudo que do vácuo pode sair é o nada, a nadíssima
irrealidade, a vacuíssima ausência do ser, o infinito não-ser.

O que o Eu ativo julga dar, antes de fecundado pelo Eu receptivo, é por força
um aborto macabro, uma prole sem vida, algum monstro teratológico.

Sabedor disto, o Eu receptivo gravita para o pólo oposto – o da passividade


absoluta, para o misticismo contemplativo, inerte, inoperante, mortífero.

Quer fugir do convívio social, da família, da política, do comércio, da indústria,


do próprio corpo; quer isolar-se, longe do mundo e dos mundanos, no vasto
silêncio de alguma caverna desnuda, no verdejante mistério de alguma
floresta-virgem, no solene quietismo de algum ermo ignoto, nas puríssimas
alturas de algum Himalaia amortalhado em neves eternas...

Deveras! Quem bebeu uma gotinha sequer desse vinho mágico do misticismo
além-nista, dificilmente voltará dessa dulcíssima embriaguez para a sobriedade
trivial dos profanos.

Que significa ainda, para ele, essa farsa cotidiana que os analfabetos da
sapiência chamam “vida”?... Essa longa agonia dos prazeres? Essa louca
palhaçada de posses, glórias e vaidades? Essa corrida frenética às
deslumbrantes vacuidades que formam o cobiçado alvo dos caçadores de
miragens e sonhadores de sonhos vazios...
O ébrio do Além, sepulto no silêncio da sua caverna, vive muito mais
intensamente do que todos esses semi-vivos, pseudo-vivos, ainda-não-vivos,
do mundo dos barulhos profanos, porque ele é um pleni-vivo no vasto cemitério
dos mortos ou no triste hospital dos moribundos...

Ele é um nascido, um re-nascido – no meio de nascituros ou abortivos...

Que admira, pois, que esse vidente da realidade nada queira saber da cegueira
dos mundanos – não por motivo de orgulho e de desprezo, mas por causa da
verdade libertadora e beatífica que possui?...

A humanidade de hoje está dividida em duas metades – digamos, em duas


partes desiguais: a turbamulta dos mundanos – e o pusillus grex dos místicos.

E assim continuará a ser enquanto o próprio indivíduo for um campo de batalha


em si mesmo, enquanto o Eu não fizer as pazes entre o seu ativo e o seu
passivo, entre a dinâmica e a estática, entre sociedade e solidão...

Ai do homem social!

Ai do homem solitário!

Bem-aventurado o homem social na solidão – o homem solitário na sociedade!


Dele é o reino dos céus...

Infeliz daquele que só conhece a horizontalidade estéril dos barulhos


periféricos!

Desditoso do homem que só conhece a verticalidade imóvel do silêncio central!

Aqueles são invólucros sem conteúdo – eternamente infecundos...

Estes são sementes vivas, mas que nunca chegam a brotar com verdejante
vitalidade, porque se isolaram do solo e do sol, que deviam atualizar o
potencial que neles dormita.

Se a semente não cair em terra, ficará estéril – mas, se cair em terra, produzirá
muito fruto...

Se o místico se ensimesmar e isolar dentro do Eu e perder o contato com a


terra do Nós e do Eles, definhará o seu misticismo por inanição e atrofia
interna, porque nada pode viver e crescer sem manter o contato com o grande
Todo, com o Cosmos, com Deus.

Esse mesmo mundo horizontal que para o profano é morte, é para o iniciado
elemento de vida e saúde, sem o qual a sua verticalidade acabaria doentia e
estéril.

A atividade dinâmica é fraca.


A passividade estática é mórbida.

Mas, a passividade dinâmica transborda de saúde e indefectível juventude.

A mística é a raiz da ética – a ética é o fruto da mística.

É necessário que todo homem tenha o seu “santuário” para o qual possa
retirar-se periodicamente, a fim de intensificar o foco da sua consciência
espiritual e não naufragar por entre as tempestades da vida profana.

Quem necessita de um santuário fora de si, não deixe de o frequentar em


horas de culto – mas é essencial que cada um tenha o seu sancta sanctorum
portátil, dentro da alma, onde possa sempre de novo haurir luz e força,
elementos vitais de paz e felicidade...

Faze, pois, as pazes contigo mesmo – pacifica-te, para que possas ser
pacificador, porque os “fazedores de paz” é que serão chamados filhos de
Deus...

Estabelece consórcio e equilíbrio fecundo entre o Eu ativo e o Eu passivo.

E serás um homem integral, de passividade dinâmica, distribuindo a mãos


cheias da abundância que recebeste...
Transcende
os teus Vícios –
E as tuas Virtudes!

Não basta que abandones os teus vícios – é necessário que também renuncies
às tuas virtudes.

O cristão integral não é apenas virtuoso – ele é intimamente bom e santo.

O vicioso não cumpre a lei de Deus.

O virtuoso cumpre a lei de Deus com sacrifício e gemidos.

O homem realmente bom e santo cumpre a lei de Deus com jubiloso


entusiasmo.

Cumpre a vontade de Deus aqui na terra assim como é cumprida no céu.

O cristão integral não é sacrificialmente virtuoso – ele é radiantemente perfeito


– porque entrou no reino dos céus.

O vicioso nada tem de positivo que possa dar ao mundo – porque ele mesmo é
um indigente.

O virtuoso teria algo que oferecer – mas o mundo tem medo das suas virtudes,
porque vêm amortalhadas de sombras e tristezas.

Por isto, os mundanos preferem viver alegremente maus a agonizar


tristonhamente bons.

Só o homem espontaneamente bom e radiantemente feliz é que exerce sobre


outros irresistível fascínio e misterioso magnetismo – porque não existe nada
tão contagioso como a perfeita saúde espiritual, que é o Cristianismo no zênite
da sua grandeza e formosura.

Pouco importa o que o homem diga ou faça – o que importa é o que ele é.

Ser algo ou alguém é incomparavelmente mais poderoso do que ter ou fazer


alguma coisa, por maior que ela seja.
Em última análise, não é o nosso invólucro, visível ou audível, que atua sobre
os outros – mas sim a invisível medula do nosso ser.

Podem, certamente, as deslumbrantes periferias estontear por algum tempo os


inexperientes e os incautos – mas as almas receptivas percebem através das
fumaças das aparências a realidade da essência.

O homem integral, o cristão jubilosamente bom, é um sábio – mas não


despreza os ignorantes.

É genial – mas não exibe gênio.

E poderoso – mas não ostenta poder.

É puro – mas não vocifera contra os impuros.

É humilde – sem servilismo.

Adora o que é sagrado – sem fanatismo.

Carrega fardos pesados – com leveza e sem gemido.

Domina – sem insolência.

Fala a grandes distâncias – sem gritar.

Ama intensamente – sem se oferecer.

Serve a seus semelhantes – sem o desejo de ser por eles servido.

Faz bem a todos – mas é um grande anônimo.

Rasga caminhos novos à humanidade – sem esmagar ninguém.

Abre largos espaços – sem arrombar portas.

Tudo isto faz o pleni-homem, o homem integral, porque ele é como o sol – esse
astro assaz potente para arremessar gigantescas esferas pelos espaços
cósmicos, e assaz delicado para beijar uma pétala de flor sem a lesar, para
acariciar as faces duma criança dormente sem a acordar...

Assim é o homem plenamente cristificado – silenciosamente grande,


suavemente poderoso, poderosamente suave, porque ele é um arauto de Deus
– desse Deus onipotente cuja voz não é ouvida nas praças públicas, ele, que
não quebra a cana fendida nem apaga a mecha fumegante...

Sê um embaixador do Infinito, ó homem, neste mundo finito, atraindo tudo a ti!

Pela leveza dos teus sacrifícios...

Pela espontaneidade da tua ética...


Pela radiação da tua bondade...

Pelos cânticos de alegria em pleno campo de batalha...

Pelos sorrisos de júbilo por entre as lágrimas da dor...

Saudando os albores da vida eterna – dentro do ocaso da vida terrestre...


Desintegra
o Átomo do Ego!

Quem diria que tão vastas energias se recatassem no pequenino átomo físico –
e no misterioso átomo humano?

Esse átomo, que parece algo estático, imóvel, substancial – mas que é um
imenso universo de forças de inconcebível potência...

Mas como libertar essas forças ocultas? Como romper esse invólucro que as
encerra?

Deveras? Árdua tarefa é essa, da desintegração atômica!

Para a fissão do núcleo atômico físico construiu o intelecto humano


gigantescos cíclotrons com milhões de volts.

Mas, para romper o núcleo atômico humano não bastam cíclotrons, nem que
gerem milhões e bilhões de volts.

É necessário que uma potência cósmica de fora se alie à força cósmica de


dentro e rompa o duríssimo invólucro do ego – a onipotência do Amor.

O Amor, filho duma grande compreensão da natureza divina do Eu.

Compreender o seu verdadeiro Eu é ser libertado do falso Eu – do pseudo-ego


físico-mental.

Quando um átomo humano se desintegra, abrindo o invólucro do ego pela


força do Amor – tudo é possível ao redor desse homem, porque dentro dele
aconteceu a maior coisa que pode acontecer.

“Se o grão de trigo não morrer, ficará estéril – mas, se morrer, produzirá muito
fruto.”

O não-rompimento significa esterilidade – o rompimento diz fecundidade.

Na razão direta da sua desegoficação cristifica-se o homem.

E na razão da sua cristificação torna-se o homem uma bênção para o mundo


inteiro.
Energias inéditas e jamais suspeitadas irrompem do seio duma alma que aboliu
definitivamente toda e qualquer espécie de egoísmo e iniciou uma vida de
altruísmo e amor incondicional.

“Torrentes de águas vivas jorram do seu seio.”

Torrentes, não de destruição, mas de construção.

Redime-te, ó homem, da irredenção do teu ego – e Deus se servirá de ti como


arauto para grandes coisas.

Deus não pode servir-se dum homem que serve ao ego, porque ninguém pode
servir a dois senhores: a Deus e ao ego.

A condição única para que Deus realize grandes coisas por meio do homem é
que ele reconheça que nada pode fazer por si, quando separado de Deus.

Quando o homem, rompendo os invólucros periféricos do pseudo-Eu, descobre


a sua verdadeira natureza divina, o seu Cristo interno, o reino de Deus dentro
dele – tudo pode acontecer no mundo externo.

Pode acontecer essa coisa inaudita: que o homem se esqueça de si mesmo


para pensar nos outros – que queira fazer felizes a todos sem se lembrar da
sua própria felicidade.

E verificará, depois, que Deus faz feliz a quem, por amor de Deus, abre mão da
felicidade...

Pela desintegração do ego integra-se o homem em Deus – e quem está


integrado em Deus, está a serviço de toda a humanidade...

“Se o grão de trigo não morrer... mas, se morrer...”


Não Creias
Numa Outra Vida!

Não, meu amigo, não creias em outra vida – porque ela não existe!

Esta vida que agora vives é a única vida.

Vida que está em princípios aqui na terra, que vai continuar alhures,
indefinidamente, por todos os mundos de Deus – porque “há muitas moradas
na casa do Pai celeste”.

Agora estás soletrando essa vida sem fim.

Agora estás ensaiando os primeiros passos numa estrada que não conhece
luz-vermelha – mas sempre tem diante de si luz-verde, trânsito livre.

Que diria esse ovinho de borboleta colado na face inferior duma folha, se lhe
falasses numa outra vida? Na vida da lagarta, da crisálida, da borboleta?

Não, esse ovinho sabe e sente que não há outra vida, que a vida do ovinho é a
vida da lagarta, a vida da crisálida, a vida da borboleta – uma única vida em
estágios vários de vitalidade.

Do ovinho dormente sai a lagarta vígil; da lagarta irrequieta nasce a crisálida


imóvel; da crisálida inerte rompe a borboleta vivíssima – formas múltiplas,
diversamente graduadas, da vida cósmica, eterna e infinita...

Na realidade, nem o ovinho é dormente nem a crisálida é inerte – há neles uma


intensa atividade latente, precursora do estágio subsequente.

É necessário, segundo a Constituição do Universo, que haja contração e


expansão, sístole e diástole, inalação e exalação, introversão e extroversão,
passividade dinâmica e atividade dinâmica.

Não há passividade estática no cosmos – há tão-somente passividade


dinâmica e atividade dinâmica.

A aparente passividade do ovinho e da crisálida é tão necessária e operante


como a atividade da lagarta e da borboleta.
É necessário que o ovinho durma e hiberne aos tépidos raios solares para que
a larva possa iniciar a sua primavera vígil nas verdes folhas da planta.

É necessário que a lagarta, depois de armazenar vasta cópia de matéria-prima,


extraída dos tecidos celulares das folhas trituradas, entre num período de
sossego introspectivo – a fim de submeter esse material a ulterior elaboração.

Para este fim é que ela fecha todas as portas e janelas que dão para o mundo
externo, abole os sentidos, se liberta das pernas, da boca, do estômago, de
todos os implementos da larva comilona – porque já não necessita desses
meios preliminares, que cumpriram a sua função.

E encerra-se na pequena oficina hermeticamente fechada, suspensa na


penumbra de algum galho ou enterrada nas trevas do solo – e nesse misterioso
laboratório, com paredes de delgada quitina, começa a alma do ovo, da lagarta,
da crisálida e da futura borboleta a esculpir a maravilha ímpar do corpo do
lepidóptero nascituro.

No seio da crisálida anda em gestação a borboleta, como no interior do ovinho


estava sendo incubada a lagarta – alma una veiculada por corpos vários.

Que é que está acontecendo nesse silencioso laboratório da crisálida?

Estão tomando forma e cores, através da massa informe e incolor, aquele


corpinho fusiforme de infinita graciosidade, aquele par de hemisférios de opala
com milhares de facetas visuais que serão os olhos, aquela delicadíssima
espiral que vai sugar o néctar das flores, aquelas seis pernas duplamente
articuladas, aquelas quatro asas velatíneas cobertas de um finíssimo pó
multicor – aquelas duas antenas de apuradíssima sensibilidade – tudo isto
deve ser elaborado, em poucas semanas, no profundo silêncio e na fecunda
escuridão do laboratório mágico da crisálida...

A concentração do ovinho produz a expansão da larva – e da meditativa


passividade da crisálida nasce a exultante atividade da borboleta...

Vida una em formas múltiplas, alma única em corpos vários – que estupendo
mistério!...

E como pretendes tu, amigo irrequieto, preparar a expansão da tua vida de


amanhã senão pela concentração da tua vida de hoje?...

Se não te recolheres, intensa e assiduamente, para o ignoto universo de dentro


– nunca terás consciência plena do ignoto universo de fora...

Só o conhecimento do Deus dentro do Eu te fará conhecer o Deus do mundo –


e o mundo de Deus...
Interessa-te –
Desinteressadamente!

Há um interesse interessado.

Há um desinteresse desinteressado.

E há também um interesse desinteressado.

O primeiro chama-se egoísmo.

O segundo é apatia ou indiferença.

O terceiro é altruísmo, amor, Cristianismo.

Os que estão interessadamente interessados em alguma coisa ou trabalho


desenvolvem, geralmente, intensa atividade; pensam dia e noite nos seus
afazeres; vivem completamente empolgados e absortos neles; exultam com as
suas vitórias e desesperam com as suas derrotas.

A sua felicidade radica nos resultados palpáveis, quantitativos, nas realidades


visíveis ou audíveis do plano objetivo, horizontal – se lhes faltarem esses
resultados, esses homens falam em fracasso, derrota, tempo perdido, falta de
sorte, etc.

Esses interessadamente interessados são escravos dos seus trabalhos, e


estes são inexoráveis ditadores deles; a sua chamada felicidade é precária,
incerta, intermitente, conforme os caprichos das circunstâncias externas.

Em face disto, resolveram muitos homens abrir mão de todo interesse e


entregar-se a uma espécie de inércia, apatia, indiferença ou desinteresse
absoluto em face de tudo e de todos; nada mais querem saber de comércio,
indústria, política, finanças, ciências, trabalhos externos em geral.

Embalam-se na letargia de um desinteresse universal – esses


desinteressadamente desinteressados.

Vivos – parecem mortos...

Acordados – parecem dormir...


Há, todavia, um terceiro grupo de homens – poucos em quantidade,
importantes em qualidade: são os que trabalham com vivo entusiasmo e
atividade dinâmica em todos os setores da existência terrestre.

Mas, o principal para esses desinteressadamente interessados não são os


resultados palpáveis dos seus trabalhos, senão esses mesmos trabalhos, a
perfeição com que os executam, a alegria com que os realizam, a exuberância
com que vivem em suas próprias obras.

Não conhecem derrotas nem fracassos – porque não fazem depender a sua
felicidade de algo que não dependa deles.

São sempre vitoriosos no essencial – embora lhes falte o secundário.

Essencial é para eles a pura intenção, a retidão, a consciência da sua missão


divina – e nisto não pode haver derrota de fora – só poderia haver derrota de
dentro, no caso que eles mesmos corrompessem a sua pureza interior.

Quem trabalha por egoísmo já está derrotado, mesmo antes de dar o primeiro
passo – porque o seu trabalho é roído pelo caruncho interno, que acabará por
arruinar a obra também externamente.

Enquanto o homem preservar os seus trabalhos de qualquer laivo de egoísmo


ou interesse interessado, ele é plenamente vitorioso, venham ou não venham
os resultados externos é secundários, aqueles que não dependem da sua
vontade.

Se esses resultados externos aparecerem – tanto melhor.

Se não aparecerem – nem por isto se julga esse homem derrotado, nem jamais
fala de “tempo perdido”.

Não existe “tempo perdido” para quem não perdeu o seu tempo em esperar
resultados que não dependem dele.

Só o homem desinteressadamente interessado é que pode trabalhar com


100% de dinamismo realizador, porque é senhor, e não escravo, do seu
trabalho.

Só ele, plenamente livre, pode trabalhar com eficiência integral – sem olhar
hesitantemente para a direita, para a esquerda, para trás – mas caminhando
para frente, porque dentro de si mesmo está a garantia da sua vitória.

Ele é um sábio, plenamente convencido de que o homem só pode realizar algo


de duradouro no mundo objetivo em derredor se se realizar a si mesmo, no seu
mundo interior...

Sabe que todas as coisas, mesmo as mais pequeninas, são grandes – quando
feitas com grandeza de alma...
Deixa o Egito,
Atravessa o Deserto
– e Entra em Canaan!

Vivias na terra da escravidão com fartura – ao pé das suculentas “panelas de


carne” e das “cebolas do Egito”.

Depois, em plena noite, por ordem de Deus, realizaste o grande êxodo, do país
do conforto, e entraste no vasto deserto da renúncia, peregrinando em pobreza
e tormentos, decênios a fio, por entre lutas e privações...

No fim de longa jornada recebeste as grandes revelações, ao sopé do Sinai – a


lei, imperativo categórico do dever.

Mas a tua peregrinação, embora disciplinada pela lei, continuava dura e


ingrata.

Faltava-lhe o impulso do amor a suavizar a compulsão do temor.

E tu, por vezes, alongavas olhos saudosos para terras e tempos remotos.

Ansiavas por trocar a austera liberdade do presente pela blandiciosa


escravidão do passado...

Finalmente, arribaste à fronteira de Canaan.

Diante de ti tombaram, como por encanto, as muralhas de Jericó, sem que tu


lhes tocasses sequer com a ponta do dedo.

Sem que nenhuma “bomba atômica” explodisse em seu interior.

Tombaram ao som das trombetas do teu entusiasmo, dos teus hinos, da tua
prece...

Desabou a rigidez da matéria sob a suavidade do espírito.

Cedeu o espírito da força à força do espírito.

E entraste na Terra da Promissão, depois de deixares a terra da escravidão e


peregrinares pela terra da renúncia diuturna.
Quando deixaste o Egito, perdeste tudo – e julgavas-te pobre e indigente.

Agora, despossuído de tudo, és possuidor de tudo – porque possuis sem ser


possuído.

À luz do Amor a própria Lei se te tornou um “jugo suave e um peso leve”.

Obedeces à lei, como dantes – mas obedeces de outro modo.

Obedeces como quem quer – e não como quem deve...

Compreendeste que a essência da lei é divina e pode ser amada.

Amada sincera, intensa, profundamente...

A solução do último problema da vida está em querer o dever – em amar a lei.

Quando não fazemos o que devemos, porque não amamos o que devemos –
somos pecadores, rebeldes e anarquistas.

Quando fazemos o que devemos, mas não amamos o que fazemos – somos
escravos da disciplina.

Quando fazemos o que devemos e amamos o que fazemos – somos livres,


homens livremente disciplinados e disciplinadamente livres.

Só quem ama o que deve e faz o que ama é que é ao mesmo tempo bom e
feliz.

Toda bondade consiste em cumprir os ditames da lei.

Toda bondade feliz consiste em amar os ditames da lei, cumprindo


jubilosamente por impulso interno o que outros cumprem repugnantemente por
compulsão externa.

Mas esse amor à lei é filho de uma grande compreensão.

Não se pode amar sinceramente se não se compreende a verdade daquilo que


se ama.

“Conhecereis a verdade – e a verdade vos libertará.”


Sempre Avante!

O descobrimento do reino de Deus dentro do homem não é um ato único,


transitório – é uma incessante realização, uma jubilosa jornada progressiva.

A vida eterna, aqui e agora, sempre e por toda a parte, é um interminável


progredir rumo a Deus. Nunca chegará o momento em que eu possa dizer:
“Atingi a Deus de um modo cabal e definitivo! Não o poderei possuir mais plena
e perfeitamente! Vou descansar para sempre sobre os meus louros!...”

Semelhante experiência da “vida eterna” seria antes “morte eterna”, ou


permanente agonia – porque vida é atividade, morte é passividade.

Não, não há vida estática, passiva, inerte, inoperante!

A vida eterna é um eterno conhecer, amar e gozar, de perfeição em perfeição.

Toda estagnação espiritual, aqui e alhures, é decadência, regresso, início de


morte.

O “descanso eterno” é um incessante conhecer, amar e gozar, sem cansaço


nem fastio; é uma impetuosa tempestade de luz em luz, de vida em vida, de
amor em amor, de beatitude em beatitude...

É uma exultante madrugada primaveril, uma indefectível juventude do “homem


novo”, sempre novo, que se despojou do “homem velho” – sempre velho...

“A vida eterna é esta: Que os homens te conheçam, ó Pai, como o único Deus
verdadeiro – e o Cristo, teu Enviado...”

“Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração
humano o que Deus preparou àqueles que o amam...”

Mas quando deixar de haver olhos, ouvidos e coração mortais – o homem


imortal entrará num mundo de surpresas sem fim...

Percorrerá as verdejantes avenidas do universo divino sempre abertas.

Nenhuma luz-vermelha lhe vedará o trânsito...

A luz-verde da “gloriosa liberdade dos filhos de Deus” o convidará para


ulteriores descobrimentos e aventuras sem fim...
Se Deus é infinito e o homem é finito – como poderia o finito alcançar, um dia,
o Infinito de tal modo que nada mais restasse para alcançar? Se o finito
coincidisse com o Infinito, ou este seria finitizado, ou aquele seria infinitizado –
dois absurdos intrinsecamente impossíveis.

Quanto mais intensamente o homem possui a Deus tanto mais dinamicamente


o procura; o possuir potencializa o procurar, e o procurar intensifica o possuir.

Esse procurar-e-possuir, esse possuir-e-procurar é o que é a suprema


felicidade dos bem-aventurados...

Essa jornada beatífica do homem em busca de Deus tem início aqui no


pequenino planeta Terra – e continuará através de todas as “moradas” que há
na “casa do Pai dos céus”, como disse aquele avançado cidadão cósmico, da
carpintaria de Nazaré.

De momento, por uns anos e decênios, estou cumprindo o meu estágio


terrestre; daqui a pouco estará terminada essa etapa primitiva e passarei para
outro nível, para outro plano de evolução, na imensidade da casa do Pai
celeste.

Criou a ignorância humana um inferno sem fim.

Como poderia ser feliz, eternamente feliz, uma parte da família humana se a
outra parte não tivesse a possibilidade de ser feliz também? Como poderia eu
gozar o meu céu, se milhares de irmãos meus sofressem para sempre o seu
inferno, sem um resquício de esperança de dias melhores?

Se tal fosse possível, seria o céu o Panteon dos egoístas no gozo e o inferno
seria a assembléia dos egoístas no sofrimento...

E não mereceriam os egoístas no sofrimento mais simpatia do que os egoístas


no gozo?

Se tão calejada fosse a consciência ética dos habitantes do céu, ao ponto de


poderem gozar despreocupadamente a sua felicidade ao lado da infelicidade
eterna dos seus irmãos, estaria radicalmente derrotada no céu a ética do
Evangelho de Cristo – um céu sem amor! – Que horripilante inferno!

Entretanto, todos os videntes da realidade sabem que semelhante ideologia


não passa de aborto da nossa ignorância e produto de sectarismo de mestres
humanos.

Avante, minha alma, sempre avante – rumo às alturas!


Sabe
Porque Vives!

O homem não necessita senão de um mínimo de conforto na vida quando a


sua vida tem uma finalidade nitidamente consciente, quando ele sabe por que
vive, trabalha, sofre.

Uma causa grande e digna, claramente apreendida e entusiasticamente


abraçada, torna grandiosamente fascinante e bela a mais humilde das
existências.

O homem sem ideal rasteja penosamente pelas tediosas baixadas da vida – o


homem empolgado por uma grande causa cria asas e voa jubilosamente por
cima de todos os obstáculos.

É necessário saber sonhar!

Sonhar, não esses sonhos quiméricos, ocos, mas os grandes sonhos do


mundo das excelsas realidades ainda não realizadas, porém realizáveis pelos
audaciosos aventureiros do Infinito.

A mais dura das vidas torna-se suave quando o homem tem plena certeza por
que vive e conhece o caminho que trilha.

Vida enfadonha e intolerável é somente uma vida sem ideal nem finalidade.

O seguro morre de velho – mas o aventureiro vive perpétua juventude.

Se eu tivesse 100% de segurança, segurança nacional e segurança individual,


mas não tivesse a liberdade de sonhar sonhos pelas infindas regiões do Além,
de que me serviria toda essa tediosa segurança?

Basta-me um mínimo de segurança – mas tenho necessidade de muita


liberdade de sonhar...

A excessiva segurança me faz envelhecer em plena juventude – a vasta


liberdade me garante a mocidade em plena velhice...

Prefiro ser um velho jovem a ser um jovem velho...

Sabe, pois, meu amigo, por que vives – e viverás intensamente...


Jubilosamente...

Exultantemente...
Torna-te
Achável – e
Deus te Achará!

Perguntaste-me, amigo, o que devias fazer para achar a Deus.

Respondi-te que não podes achar a Deus, mas que Deus te pode achar – se
fores achável.

Tornares-te achável, é tarefa tua – seres achado, é obra de Deus.

Quanto mais achável te fizeres, mais probabilidade tens de seres achado.

Ai daquele que não se tornar achável! – Nem Deus o pode achar, com toda a
sua onipotência...

Não podes redimir-te – mas podes tornar-te redimível de modo que Deus te
venha redimir.

Tu, o pequeno, não podes possuir a Deus, o Grande – mas o pequeno pode
assumir uma atitude tal que o Grande o possa possuir.

E, depois de seres possuído por Deus, poderás também possuir a Deus – mas,
antes que Deus te possua, não podes possuir a Deus.

É necessário que Deus desça a ti – para que tu possas subir a Deus – é este o
alfa e o ômega da encarnação do eterno Logos que se fez carne e habitou
entre nós.

Deus se fez homem para que o homem pudesse ser como Deus.

– A ego-deificação é de Satan – mas a teo-divinização é do Cristo.

“Sereis iguais a Deus” – pelo ego? – não, por Deus!

Deus redime todo homem que se torna redimível.

A redenção é da graça – mas a redimibilidade vem da fé.


Redimível é só aquele que se esvaziou do pequeno Eu – para que possa ser
repleto do grande Tu.

Não pode ser enchido de Deus o que está cheio do Eu.

“Deus” e “Eu” são dois monossílabos assaz parecidos: se da palavra “Deus”


cortarmos o “D” do princípio e o “s” do fim, sobra “Eu”; mas, se expandirmos o
“Eu” para todos os lados, acrescentando um “D” e um “s”, resulta “Deus”.

Deus é a plenitude do Eu – o Eu é a mutilação de Deus.

Quem adora um Deus mutilado, um pseudo-deus, é idólatra, como idólatra é


todo ególatra, porque adora um falso deus, o Eu.

A pior das idolatrias é a egolatria.

É relativamente fácil convencer do seu erro um fetichista, ou adorador de um


deus de madeira, de barro, de pedra, de metal – mas é imensamente difícil
converter de sua idolatria o adorador do Eu, porque esse Eu é o mais querido
que ele conhece – e ninguém renuncia a um bem inferior enquanto não
descobrir um bem superior.

Para o ególatra, o ego é o mais alto dos bens que ele conhece – e como o
poderia sacrificar enquanto não vir um bem superior a esse ego?

No momento, porém, em que o ególatra descobre a Deus, abre mão do culto


do Eu, porque achou um super-Eu...

Tornar-se achável resume-se, pois, na desegoficação, na espontânea


evacuação do falso Eu, do pseudo-Eu físico-mental...

Só um homem assim desegoficado é que pode ser cristificado...

Depois de expulso o Satan do Eu, tomará posse da casa o Cristo de Deus.


Guarda
o que Tens –
e Passa Além!

Tem-se dito que o mais profundo instinto de todo ser é “existir”, ou seja, a lei
biológica da auto-conservação, o struggle for life, como dizia Darwin.

Não é exato. Nenhum ser está contente com o simples “ser” – todo ser sente a
imperiosa necessidade de “ser mais”.

A lei básica dos seres não é estática, mas sim dinâmica.

É que nas recônditas profundezas de todo ser dormitam potências latentes que
tendem à atualização.

Todo ser quer ser explicitamente o que é implicitamente: quer desenvolver as


suas faculdades latentes; quer despertar do sono penumbral da potência para
a radiosa vigília do ato.

Esse anseio de atualização é particularmente intenso nos seres que atingiram


as alturas da auto-consciência, como o homem.

A auto-consciência rasga ao homem horizontes de possibilidades jamais


sonhadas pelos seres infra-conscientes ou simplesmente conscientes.

Quanto mais consciente é um ser, tanto mais vasto é o mundo das


possibilidades que enxerga diante de si.

E com cada nova atualização de potências, aumentam as suas potencialidades


– numa indefinida progressão geométrica.

Para um viajor nas planícies é pouco extenso o horizonte visual – mas para
quem contempla os arredores do cimo de elevada montanha, ou das alturas de
um avião estratosférico, é incomparavelmente mais vasto e grandioso o
panorama que se lhe descortina.

Quanto mais um ser é explicitamente, tanto mais percebe o que é


implicitamente e pode vir a ser um dia.
Na razão direta das potencialidades realizadas cresce a visão das potências
realizáveis.

É esta a vida eterna: uma posse intensa da Realidade e um crescente anseio


de possuir mais intensamente o possuído.

E, sendo que todo possuidor em evolução é finito, e o possuído, ou possuível,


é Infinito, segue-se que nunca o possuidor chegará a um ponto em que a sua
dinâmica de bandeirante se converta na estática do estagnante.

Por mais intensamente que o homem possua a Deus, nunca o possui com
tamanha intensidade que a sua posse não seja ulteriormente intensificável.

Com a intensificação da posse intensifica-se também o anseio de possuir.

Nunca a luz-verde será substituída pela luz-vermelha.

Jamais acabará a dinâmica em estática, mas vai em linha ascendente de


dinamização indefinida...

“A vida eterna é esta: Que os homens te conheçam, ó Pai, como o único Deus
verdadeiro, e o Cristo, teu Enviado”...

Isto é “evolução dinâmica”!

Mas, nenhuma “evolução” é possível sem que a preceda uma “revolução” –


revolução construtora, é claro, e não apenas destruidora.

É fácil ser um “revolucionário destruidor” – basta derrubar o que está em pé,


ato de simples violência física.

É difícil ser “revolucionário construtor” – porque requer o levantamento de algo


que ainda não foi levantado, e isto supõe vasto cabedal de inteligência
espiritual.

Não há evolução eficiente sem revolução precedente – falta-lhe o “r” inicial, que
é o “r” da redenção.

O tradicionalista afirma o passado e nega o futuro.

O revolucionista destruidor nega o passado para afirmar o futuro.

O revolucionista construtor, que é o evolucionista, afirma do passado o que é


afirmável e afirma o futuro sobre o alicerce do presente e do passado.

O evolucionista é o afirmador integral – o homem completo.


Descobre a
Deus Dentro de Ti!

Será esta a mais gloriosa aventura da tua vida: descobrir a Deus dentro de ti.

Vives na ilusão tradicional de que Deus habita no céu, palavra com que
entendes infantilmente alguma região longínqua do universo, e que esse Deus
deva ser procurado em longas e incertas odisséias centrífugas.

Disseram-te que em alguns lugares da nossa terra está Deus mais presente do
que em outras – e por isto empreendeste árduas peregrinações e romarias a
zonas distantes do globo terráqueo, a fim de te aproximares um pouco mais do
Deus ausente.

Tão grande é a distância entre ti e Deus, disseram-te, que ninguém sabe se


tem forças suficientes para chegar ao termo da jornada.

Mais ainda, essa jornada nem parece ser tarefa da vida presente, mas algum
acontecimento post-mortem; Deus parece estar oculto por detrás do espesso
véu de carne corpórea, como a efígie de Ísis por detrás do pesado véu do
templo de Saís – uma vez destruído esse véu de carne e osso, Deus aparecerá
visível, pensas tu...

Grande será a tua ilusão, meu pobre viaja! Maior que a do jovem do santuário
de Saís, que levantou o misterioso véu para ver a divindade – e contemplou o
vácuo...

Deus, é verdade, está em toda parte, mas tu só podes ter com ele um ponto de
contato consciente no ponto de confluência entre a tua consciência individual e
a Consciência Universal, lá onde o pequeno arroio da tua personalidade
deságua no oceano imenso da Divindade, donde surgiu, fechando o vaso ciclo.

Pois, do Oceano divino vieste, qual tênue vapor, condensado, depois, em


branca nuvem, que os ventos levaram por todas as latitudes e longitudes do
mundo – até descer em forma de chuva benéfica – eu talvez de granizo
destruidor? – sobre a vida terrestre, demandando o leito de um regato, de um
rio, de uma torrente – e acabaste novamente no seio profundo do Pélago
donde surgiras...
Depois de descobrires a Deus dentro de ti, é fácil descobri-lo por toda a parte –
não projetando-o ficticiamente para dentro das coisas, mas descobrindo-o
verazmente em todos os seres, onde ele está de fato; pois, do contrário, esses
seres não teriam o ser, não seriam algos, mas nadas, uma vez que fora de
Deus não há realidade autônoma, original, senão apenas pseudo-realidade
heterônoma, derivada...

Descobre a Deus em ti – e te verás em Deus...

E em Deus verás teus semelhantes e o mundo inteiro...


Integra-te no Todo!

Há em toda pessoa o irresistível desejo ou instinto de ser “importante” – e isto


não é sintoma mórbido, porquanto cada pessoa é imensamente importante,
segundo os planos do Creador.

Cada personalidade é única, original, inédita – nunca existiu ser igual nem
jamais virá a existir um ser igual a este ego, que sou eu, que és tu, que é ele,
ela...

O erro não está no desejo de ser “importante” – o erro está no modo como
muitas pessoas procuram ser importantes.

Há três possibilidades de ser importante:

– pelo isolamento;

– pela oposição;

– pela integração.

O Eu sem o Nós é apatia.

O Eu contra o Nós é antipatia.

O Eu com o Nós é simpatia.

Só no terceiro caso é que surge verdadeira grandeza, importância e felicidade


– mas é tão difícil compreender tamanha verdade.

Há em toda pessoa um anseio latente, potencial, de se integrar num Todo


maior do que o indivíduo, um Todo que dê ao indivíduo a sua última razão-de-
ser, o sentido real da sua existência e atividade.

Sexo e amor, a necessidade de estima e reconhecimento, a ânsia de glória e


poder, o impulso de adquirir valores materiais, intelectuais, espirituais – tudo
isto são outras tantas expressões parciais, mais ou menos inconscientes,
desse profundo e vasto substrato do nosso Eu, que sente obscuramente a sua
parcialidade a bradar pela totalidade.

É também esta a razão por que “o amor é o vínculo da perfeição”, porque amor
diz integração, universalidade, totalidade – ao passo que desamor ou egoísmo
é visceralmente contrário a tudo isto.
Sendo que Deus é a Totalidade Absoluta, tanto mais divino é um homem
quanto mais alto o seu grau de totalidade e universalidade, isto é, de amor.

Não incluir, ou até excluir do seu amor um único ser, é falta de totalidade e
universalidade, falta de “divindade”.

Felicidade, beatitude profunda e sólida só é encontrada nesse caminho de


integração da parte no Todo, do indivíduo no Universal, do relativo no Absoluto,
da creatura no Creador. É esta a voz do Cosmos, e felicidade não é senão
sintonização do pequeno indivíduo com o grande Todo.

“Ser igual a Deus” é a linguagem bíblica para exprimir esse anseio de todos os
seres. “Como o veado anseia pelas torrentes de água, assim anseia minha
alma por ti, Senhor”...

Sendo que em Deus tudo está, dele tudo vem, é lógico que a ele tudo volte.

É o eterno e universal teo-tropismo dos efeitos pela Causa.

A princípio, parece ao inexperiente, ao semi-experiente, que essa integração


seja uma renúncia à liberdade – e, de fato, o principiante anseia por essa
integração no Todo a fim de se sentir seguro: sacrifica a liberdade pela
segurança, como ele diz; prefere sentir-se seguro sem liberdade a ser livre sem
segurança.

Mais tarde, porém, o iniciando ou iniciado descobre que liberdade não é


contrária à segurança, mas que a única segurança real e indestrutível está na
liberdade – naturalmente, numa liberdade incomparavelmente mais elevada do
que aquela que ele conhecia a princípio.

O verdadeiro místico é um homem seguramente livre e livremente seguro,


porque totalmente integrado no Todo.

E, como liberdade e segurança é felicidade, esse homem nunca mais poderá


apostatar dessa vasta integração, que é a Vida Eterna e a Eterna Felicidade...
Naufraga – e Vive!
(Retrospecto das alturas da consciência cósmica)

Lembro-me ainda do horror que eu tinha do naufrágio do Eu...

Desse pequeno pseudo-Eu periférico, físico-mental, que eu considerava como


meu verdadeiro Eu, porque ignorava ainda o outro Eu, central, divino, eterno, o
reino de Deus dentro de mim...

Que seria de mim se esse pequeno Eu naufragasse?

Que valor teria ainda a minha vida?

Uma vida sem vida, sem encantos – vida descolorida, vida murcha, vida
morta...

Por isto, cerquei de uma vasta floresta de “meus” o meu querido “Eu”, para que
o protegessem e defendessem eficazmente de qualquer perigo de ataque e
destruição.

Fortifiquei o baluarte central do Eu com mil fortins e trincheiras de “meus”, de


diversos tamanhos e feitios, bens e propriedades materiais de toda a espécie...

E, para maior segurança, mandei registrar no cartório os documentos que me


declaravam dono e possuidor único desses bens periféricos que cercavam o
bem central; e sobre estampilhas esguias e veriscolores tracei a data e o meu
nome por extenso, com firma reconhecida pela autoridade pública...

Depois disto, voltei para casa, perfeitamente tranquilo, ciente de que já não
havia poder algum sobre a terra que me pudesse espoliar desses preciosos
“meus”, defensores do meu queridíssimo Eu...

Senti-me seguro e tranquilo como os rochedos do Himalaia...

Coloquei a mão pesadamente sobre esse símbolo dos bens materiais em


derredor e proclamei ao mundo, com voz grave e retumbante: Saibam todos
que isto aqui é meu, só meu, e de mais ninguém!...

E fui repousar, tranquilo e sereno, no interior do baluarte do Eu rijamente


fortificado com esses numerosos fortins de “meus” de diversos tamanhos e
feitios...
Isto foi ontem, anteontem, anos atrás...

E eu não tinha a menor idéia da comédia ridícula que desempenhava com


essas “previdências” humanas, porque os meus companheiros de comédia
faziam o mesmo, e a insensatez de muitos ou de todos sempre parece
transformar em “sensatez” as nossas maiores “insensatezas”...

Um dia, porém, acordei do longo letargo – e me surpreendi prisioneiro...

Prisioneiro dentro de minha própria fortaleza...

Verifiquei que não era nenhum possuidor, mas sim um possuído...

Possuído e possesso de muitos bens...

E esses bens eram meu grande mal...

Vi que esses “meus” em derredor escravizavam o Eu, que os carcereiros de


fora davam ordens ao encarcerado de dentro...

A chave da prisão estava do lado de fora, nas mãos deles...

Horrorizado, bradei por socorro...

Mas não havia redentor que me redimisse da irredenção do Eu...

Também, como poderia o Eu redimir-me, redimir-se, se ele mesmo era


escravo?...

Escravo não redime escravo – não há ego-redenção...

Não pode o preso descerrar de dentro a prisão em que vive e agoniza – só


poderia abrir a porta do cárcere alguém que viesse de fora, alguém ,que fosse
livre...

Só Deus sabe quanto sofri nessa longa noite de agonias anônimas, de torturas
íntimas, que nem sequer atingiram os ouvidos dos meus melhores amigos e
confidentes...

Há coisas que não podemos dizer a ninguém, porque ninguém as


compreenderia, muitos as incompreenderiam – e muitíssimos até
descompreenderiam essas coisas íntimas...

Assim, tive de carregar a minha cruz sem nenhum Cirineu, rumo ao topo do
Gólgota...

Quem me libertaria desses “meus”, tiranos, a escravizar o Eu?...

Depois de muito sofrer e muito lutar e muito clamar e muito chorar e muito orar
– entreouvi uma voz longínqua, como que vinda dos últimos confins do Além...
E essa voz longínqua segredava-me, com silenciosos trovões e trovejante
silêncio: Naufraga – e vive!

Estupefato, escutei essa voz do longínquo Além, e percebi que vinha do


propínquo Aquém – do Além de dentro de mim mesmo, das ignotas
profundezas de minha alma divina, da luz invisível do meu Cristo interno...

Fitei os olhos nessa luminosa escuridão do Além de dentro...

E as trevas foram-se adelgaçando aos poucos, enquanto eu orava: Deus do


universo de dentro e de fora! Faze-me conhecer-te, faze-me conhecer-me!

Foi amanhecendo promissora alvorada...

Extasiado, vi-me face a face com o Cristo eterno...

O Cristo do universo do Aquém – o Cristo do universo do Além...

O eterno Logos que, no princípio estava com Deus, que era Deus, que é a
Vida, que é a Luz que ilumina a todo homem que vem a este mundo...

Vi – não como se vê com os olhos...

Compreendi – não como se compreende com o intelecto...

Vi, compreendi, como se vê e compreende com a alma, com o Emanuel, com o


Cristo interno, que é o Cristo eterno que sempre de novo se faz carne e habita
em nós...

E, nesse momento eterno, cheguei a saber mais da realidade do que havia


procurado saber em meio século de esforços individuais...

Tateando, como um cego, fui voltando aos poucos às baixadas terrestres,


sujeitas a tempo e espaço...

Sabia que, embora cidadão do Infinito, tinha de viver ainda, como imigrante
temporário, neste plano finito – porque tinha uma grande missão a cumprir...

Era embaixador do Cristo, arauto do reino de Deus entre meus semelhantes...

Olhei em derredor – e vi que todos os fortins dos “meus” de antanho haviam


desabado em ruínas – não ficara pedra sobre pedra...

A derrocada do baluarte do pseudo-Eu acarretara a rendição incondicional de


todas as fortificações circunvizinhas, daquilo que eu chamava o “meu”.

Compreendi a lógica do fato – também, por que ainda manter trincheiras


externas se a fortaleza interna já não existia?

Naufragara o falso Eu – e lá se foram os falsos “meus”...


O estreito arroio do “Eu” desaguara no vasto oceano do “Nós” – e todas as
barulhentas ondas dos efêmeros “meus” afogaram-se no seio silencioso do
eterno “Nosso”...

A expansão daquilo que eu sou produz necessariamente a universalização


daquilo que eu tenho...

Nada mais tenho como meu desde que deixei de ser este pequeno Eu...

A diluição do pequeno Eu humano no grande Tu divino gera a espontânea


distribuição do meu individual ao nosso universal...

Depois desse naufrágio mortífero, que me fez entrar na plenitude da vida, sinto-
me tão indizivelmente livre e feliz que tenho irresistível vontade de abraçar o
mundo inteiro, e dar a cada ser um pouco da minha felicidade – pouco ou
muito, quanto ele puder abranger, porque sei que esse tesouro divino é
inexaurível...

Olhei em derredor, na exultante consciência da gloriosa liberdade dos filhos de


Deus – e verifiquei com surpresa que todos os “meus”, esses “ex-meus”, que
eu abandonara com o naufrágio do pseudo-Eu, esse “ex-Eu”, corriam atrás de
mim e queriam ser meus...

Não! – bradei – não vos quero mais, tiranos e carcereiros de outrora! Retirai-
vos de mim!

Eles, porém, esses “meus” de ontem, não se retiraram, mas replicaram


calmamente: Já não somos tiranos e carcereiros teus! Somos teus amigos e
aliados! Quem se libertou do falso Eu pode sem perigo possuir o que cerca
esse Eu! Já não queremos possuir-te, glorioso filho de Deus, queremos ser
possuídos por ti! Leva-nos contigo a Deus, teu Deus e nosso Deus, tu, que és
nosso irmão mais velho e vais em linha reta a Deus, leva pela mão a nós, teus
irmãos menores!...

Assim diziam e suplicavam os grandes e pequenos “meus” de ontem, toda


essa numerosa família de bens terrenos que eu abandonara...

E eu os acolhi como servos e amigos, e eles me serviram e servem, dócil e


jubilosamente, como bons aliados na jornada comum rumo a Deus...

E, certo dia, defrontamos com um homem estranho, que disse: “Procurai


primeiro o reino de Deus e sua justiça – e todas as outras coisas vos serão
dadas de acréscimo”...

E segui avante, após o grande naufrágio voluntário – na plenitude da vida...


Não te
Preocupes com
Tua Salvação!

Palavras como estas são terrivelmente absurdas, e até blasfemas, para o


homem semi-espiritual – mas para o pleni-espiritual são espontaneamente
evidentes.

O semi-espiritual – o que crê no mundo espiritual, mas dele não tem


experiência pessoal – sente-se como que um náufrago em pleno mar, agarrado
a uma prancha do navio avariado, lutando desesperadamente por escapar à
morte, em qualquer hipótese, custe o que custar, mesmo que seja ele só, sem
nenhum dos seus companheiros de naufrágio. É nisto que o semi-espiritual vê
a espiritualidade e o próprio Cristianismo.

O homem pleni-espiritual, porém, sabe que a salvação do homem individual


não é o escopo primário do Cristianismo, mas é apenas algo que nos será
“dado de acréscimo”, se procurarmos “em primeiro lugar o reino de Deus e sua
justiça”; aquilo é uma espécie de presente adicional, digamos um “abono de
Natal”, do dia natalício ou do renascimento espiritual do homem – ou então, um
presente de Páscoa pela ressurreição por que passamos.

Para o homem plenamente espiritual, o reino de Deus consiste essencialmente


no “cumprimento da vontade do Pai dos céus”; em saborear esse cumprimento
como um “manjar”, uma deliciosa iguaria, um lauto banquete. – “O meu manjar
é cumprir a vontade daquele que me enviou.” (Jesus.)

Esse cumprimento jubiloso e beatífico da vontade de Deus, essa perfeita


sintonização da vida do homem com o espírito do Cristo interno, essa inefável
consciência de unidade e identidade com o Infinito, o Absoluto, o Todo, com
Deus – isto é que é, para o homem realmente espiritual, o alfa e o ômega, a
plenitude da vida espiritual, a quintessência do Cristianismo.

Claro que ele não pode ignorar que a salvação do homem (e não apenas da
alma!) está inseparavelmente unida com essa permanente atitude de harmonia
com Deus; pois, se assim não fosse, o mundo de Deus não seria um cosmos
de ordem e harmonia, mas sim um caos de desordem e desarmonia. O homem
pleni-espiritual experimenta o universo como um sopro cósmico do Deus do
cosmos, como uma exuberante “presença viva”, e não como uma triste
“matéria morta”; como uma grandiosa sinfonia de ordem e beleza – e por isto
não pode, por um instante sequer, ter dúvida da sua própria salvação.

Mas, repetimos, essa idéia da sua salvação individual não forma o alvo das
suas preocupações e dos seus esforços; não é o centro e pivô da sua vida
espiritual.

Esse desprendimento, essa relativa indiferença em face do seu próprio ser-


salvo ou não-ser-salvo, confere ao homem plenamente espiritual e cristificado o
último toque de serenidade e leveza, de fascínio e beleza; é o que faz dele um
irresistível foco de luz e centro de força para seus semelhantes dotados de
alguma receptividade espiritual.

Não te preocupes, pois, meu amigo, com o problema da tua salvação


individual; nem te percas em discussões sobre a imortalidade – nada disto é da
tua conta!

Cumpre, calma e entusiasticamente, a vontade de Deus em tudo – e deixa o


resto a Deus!

Ama – et face quod vis! Ama – e faze o que quiseres!

É com estas palavras que um grande iniciado exprime essa atitude de absoluta
liberdade e serenidade em face da salvação.

Ama – e vive em perfeita harmonia com esse amor de Deus!

E faze o que quiseres – não na interpretação dos analfabetos do espírito, que


vêem no amor carta branca para todos os pecados e todas as indisciplinas,
como se amor e pecado fossem compatíveis um com o outro! Como se a pleni-
luz sofresse a presença da semi-luz, ou até da treva completa!

Os que amam nada temem e nada esperam – não temem o inferno nem
esperam o céu – amam simplesmente.

Sabem, naturalmente, lá nas íntimas profundezas da sua sapiência espiritual,


que o inferno é incompatível com o amor, e que o céu é inseparável do amor –
mas não amam para evitar o inferno, nem amam para ganhar o céu – amam
porque Deus é amor, e eles são um reflexo desse amor de Deus...

Para eles, o inferno está fechado e o céu está aberto, aqui e agora, por toda a
parte e para todo o sempre...
Acorda
do Sonho –
Para a Realidade!

Amigo e companheiro de jornada rumo a Deus!

Acorda, finalmente, do longo sono terrestre – para a grande alvorada cósmica...

Vai adiantada a noite e aproxima-se o dia...

Anoiteceu o sábado de soledade e desponta o domingo da Páscoa...

Ressuscita!

Sai do túmulo – e começa a viver!...

Não amanhã – hoje mesmo, neste instante...

Despe-te das obras das trevas – e reveste-te das armas da luz!

Acorda, tu que dormes – e o Cristo te iluminará – ele, o eterno Logos, que


ilumina a todo homem que vem a este mundo...

Anda na presença de Deus – do Deus da Luz, do Deus da Vida, do Deus do


Amor...

Sabe que aqui és estranho e peregrino, imigrante com visto temporário e que
tua verdadeira pátria são os céus, o Infinito, o Eterno...

Imigrante temporário da terra que és – daqui a pouco terás de emigrar para


imigrar em outra terra, porque há muitas moradas na casa do Pai celeste...

Para que, pois, erguer casa maciça à beira da estrada transitória? – Por que
não levantas ligeira tenda de nômade, uma vez que amanhã tens de prosseguir
viagem?...

Não sabes, então, que aqui não tens estadia permanente – que estás em
demanda da pátria futura?...
Mas não te desconsoles com o caráter transitório da tua etapa terrestre; essa
passagem pela terra é uma etapa gloriosa, porque tu és um emissário da
eterna Divindade, um arauto do Infinito neste mundo finito, um embaixador de
Deus a teus semelhantes, que de ti esperam grandes mensagens do Além...

Firma, pois, os pés solidamente nesta terra – e mantém a cabeça nas alturas
do Deus do Universo.

Interessa-te vivamente por todas as coisas terrestres, como se fosses o mais


mundano dos mundanos – mas conserva a agulha magnética da tua
consciência acima de todos os interesses terrestres...

Não seja o teu reino deste mundo – mas esteja neste mundo...

Trabalhando na terra – vive na gloriosa liberdade dos filhos de Deus.

Sabe e saboreia intensamente a honra e alegria que te coube, de seres


embaixador e arauto de Deus infinito através de todos os mundos finitos...

Como poderias ainda ter um momento de tristeza, uma hora de desânimo, um


dia de pessimismo – quando sabes que estás cumprindo missão grandiosa,
que és inderrotável, sempre vitorioso, embora os homens te considerem
derrotado?...

Nada nem ninguém te pode derrotar enquanto mantiveres a linha reta dessa
gloriosa tarefa de arauto de Deus...

Se enfermidades e velhice e cabelos brancos te disserem que estás no declínio


da vida – não o creias! Estás, sim, no declínio da primeira etapa da tua carreira
cósmica, mas não da tua vida, que esta é uma só e não conhece declínios, só
conhece contínuas ascensões, ampliações e intensificações – se tu o
quiseres...

O poente da presente etapa é a alvorada do estágio seguinte da tua grande


missão rumo ao Deus dos mundos através dos mundos de Deus...

Morre o sol sobre o esquife da tua pequena vida de hoje – nasce o sol sobre o
berço da tua grande vida de amanhã...

Quem o disse, quem o experimentou, quem o viveu foi aquele que disse: “Eu
sou o caminho, a verdade e a vida – quem me segue não anda em trevas, mas
tem a luz da vida”...

E ele mesmo vive para sempre essa grande vida que para além do túmulo
amanhece...

Não lamentes, meu amigo, a decadência e perda deste teu corpo material –
sabe que o teu corpo espiritual é instrumento muito mais perfeito para abrires
caminho rumo a Deus...
Vai, pois, esculpindo esse corpo espiritual dentro da oficina do teu corpo
material...

Trabalha com alegria, dedicação e entusiasmo por todas as coisas terrestres –


mas não te identifiques com nenhuma delas...

Tu és infinitamente maior que todas as obras que executas – não te escravizes,


pois, sob os pés dos teus servos...

As tuas obras são tuas – mas tu não és das tuas obras...

Tu és o senhor e soberano dos teus trabalhos e seus produtos – mantém, pois,


plena liberdade sobre eles...

Os teus trabalhos e produtos ficarão em cada etapa da tua evolução – tu,


porém, passarás além, para uma nova série de realizações nessa grande
epopéia cósmica rumo ao Infinito, rumo a Deus...

Ama as coisas do mundo, com plena liberdade de espírito e de coração, assim


como Deus as ama, porque todas elas são meios para o grande fim que
demandas, para o teu destino eterno...

Não te escravizes por coisa alguma – porque ninguém pode amar aquilo de
que é escravo...

Ó Deus! Todos nós te agradecemos esse inefável privilégio de sermos arautos


e embaixadores teus em teus mundos! Em ti, por ti e para ti queremos servir
jubilosamente as tuas creaturas...

Estamos aqui para servir, servir com radiante entusiasmo, porque este é o
nosso céu nesta terra e através de todas as moradas por onde tivermos de
passar ainda...

Aleluia!...
Entra na
Comunhão
dos Santos!

Muitos homens resolvem abandonar o país da escravidão e ir em demanda da


Terra Prometida.

Não poucos vão até às margens do Mar Vermelho.

Outros enfrentam o grande deserto e, horrorizados das privações e lutas que


os aguardam, voltam olhares saudosos para o Egito donde vieram, suspirando
pelas panelas de carne com cebola, preferindo à austera liberdade a
escravidão com fartura.

Poucos se animam a atravessar a vasta solitude que a seus olhos se desdobra,


terrífica, taciturna, prenhe de mistérios...

Sim, nós o sabemos: entre a vida material do profano gozador e a vida


espiritual do iniciado, jaz o deserto imenso do iniciando, vida de estreita
disciplina, de intensa concentração, de dolorosas renúncias, e, sobretudo, de
inexorável purificação.

Purificação! – Ninguém, a não ser o iniciado, sabe o que de amargo e


sangrento se oculta por detrás dessa palavra, tão bela e poética: purificação.

Para que o evasor do Egito e peregrino do deserto possa invadir a terra santa
da Promissão – ai! Quantos ídolos têm de ser derribados dos seus altos
pedestais! Quantos fetiches “sagrados” têm de ser pisados aos pés! Que
torrentes de lágrimas têm de brotar dos olhos do arrojado viajor! Por que
longas noites de agonia tem de passar o seu coração aberto em chaga viva!...

Tão profunda é, não raro, a solidão do recém-liberto escravo do mundo, do


novel neófito do reino de Deus, que ele parece ser o único habitante da terra.
Silêncio acabrunhante pesa sobre a vasta monotonia em derredor...

Será o jovem peregrino do Além assaz corajoso? Será ele capaz de suportar
por longo tempo essa tormentosa solidão?...
Não sucumbirá, esmagado, sob o peso imane do seu sublime heroísmo, antes
de cruzar as fronteiras de Canaan?

Será ele eficazmente alimentado por uma fé que ainda não desabrochou em
visão intuitiva?

Mas eis que, um dia, por entre o silêncio do seu solitário jornadear, ele percebe
vozes ao longe... vozes de perto... vozes de toda a parte...

Vislumbra faces radiantes, semblantes queridos, por entre as brumas que se


vão atenuando...

Divisa vestes alvas a flutuarem, levíssimas, ao sopro das brisas primaveris...

Vê mãos delicadas e puras a erguer-se aos ares, acenando-lhe entusiásticas


boas-vindas...

E diante do solitário viajor dos desertos de Deus surgem milhares de olhos


cheios de luz e transbordantes de felicidade...

Quem sois vós, seres ignotos?

Nós somos teus irmãos, tuas irmãs, a comunhão dos santos...

E o recém-chegado viajor sente-se envolto numa tépida aura de amizade e


simpatia...

E, de mãos dadas, por entre hinos e cânticos nunca dantes ouvidos, vai
seguindo com eles, rumo às montanhas sagradas que brilham ao longe...

E o fugitivo do Egito e peregrino do deserto diz a si mesmo:

Em verdade, não é solitário e triste o mundo da vida espiritual; estreita, porém,


é a porta e apertado é o caminho que conduz ao reino de Deus!

Entrei na comunhão dos santos...

Aleluia!...
Descobre
o teu Além
de Dentro!

Amigo, não vás empreendendo viagens centrífugas pelo mundo em derredor!

Não vás à lua, aos planetas, às estrelas fixas, às vias-lácteas do nosso e de


outros sistemas solares!

Não, meu amigo, que tudo isto é fácil demais para ti – tu, que és fadado para
grandes aventuras cósmicas de dentro; tu, que és um bandeirante por
natureza, herói autêntico, pioneiro do Infinito – deves cravar mais longe a meta
das tuas aspirações...

– Até onde deverei ir, então?

– Muito além de tudo que acabo de mencionar...

– Muito além?... Mas, até onde?...

– Até ao grande Além dentro de ti mesmo...

– O Além dentro de mim mesmo?

– Sim, esse vasto e profundo Além de dentro, que fica tão distante do teu ego
físico-mental que parece estar para além das mais longínquas fronteiras do
Universo, para além de todas as nebulosas, galáxias e imensidades do cosmos
sideral. Fáceis são as evasões centrífugas – difícil a invasão centrípeta! Todos
os profanos e analfabetos da Verdade procuram evadir-se do centro,
demandando as periferias – só uns poucos, iniciados e sapientes do Infinito e
do Eterno, é que lutam por invadir o baluarte da Verdade, da Verdade de
dentro. Amigo, deixa de ser um mesquinho evasor e torna-te um arrojado
invasor, descobrindo a luminosa escuridão do teu verdadeiro Eu!

Liberta-te dessa moléstia crônica do periferismo escapista – e ressuscita para a


vigorosa saúde da centralidade redentora!

Sabe o que és – a fim de viveres conforme ao que és!


Se és espírito – vive espiritualmente!

Não mintas à tua natureza – não adulteres o teu Eu!

Não divorcies a tua vida moral da tua natureza real!

Ah! meu amigo, se soubesses por experiência pessoal o que é ser remido da
escravidão do pseudo-Eu! Ser libertado desse simulacro do Eu e respirar a
atmosfera primaveril do universo espiritual, da gloriosa liberdade dos filhos de
Deus!

Sentir-te-ias como um espírito angélico, leve como um sopro de Deus, puro


como um raio solar, exultante como um serafim, trajando as vestes alvas da
graça, do amor, da felicidade...

Se o soubesses!...

Que já te importaria o resto? As deslumbrantes vacuidades pelas quais os


profanos vivem e morrem – esses cegos e tresloucados?...

Se o soubesses!...

Se descobrisses o divino Além dentro de ti mesmo!...

O mundo inteiro te pareceria mudado, se tu te mudasses...

Se descobrisses a essência divina em ti, encontrarias a Deus em teus


semelhantes – encontrarias o Deus do mundo também no mundo de Deus...

E esse mundo tão imundo te seria puro – porque todas essas coisas opacas,
quando contempladas sem Deus, se tornariam transparentes quando vistas em
Deus...

Como puríssimos cristais permeados de luz...

Como corpos vivificados pela alma...

Como matéria dinamizada pela força do alto...

Toda essa transformação do mundo em derredor depende unicamente da


renovação do teu mundo interior...

Amigo, descobre o teu Além de dentro!

E vive à luz da tua grande descoberta!...


Desilude-te
Duma
Querida Ilusão!

Não penses, ignoto amigo, que alguém te possa redimir sem ti – ou até contra
ti!

O redentor só te pode redimir contigo – e por ti!

Depois que Jesus te mostrou o caminho pela vida que viveu, também tu podes
viver essa vida e redimir-te por ele, teu Redentor – tu, o irredento, se fores
redimível...

Liberta-te de vez da querida e funesta ilusão de que alguém, seja ele quem for,
possa purificar-te automaticamente das tuas impurezas.

A nossa inveterada inércia moral – o nosso egoísmo sagaz – gosta de afagar a


idéia comodista de uma redenção automática – mas dessas idéias está calçado
o caminho da perdição.

Quando o Redentor tomou sobre si os nossos pecados, ele não se tornou


pecador real, internamente, processo de todo impossível – e por isto não pode
ele pagar por nós o que devemos à justiça divina.

Não há favoritismo, protecionismo, contrabando, no reino de Deus.

Se alguém pudesse, em teu nome, pagar a dívida que tu contraíste, e Deus


aceitasse essa substituição – estaria revogada a própria Constituição do
Universo, a Lei imutável de Deus – e o Cosmos teria acabado em Caos.

“O que cada um semear isto mesmo colherá” – se semeaste o pecado, do


pecado colherá sofrimento, se o não revogares pelo contrário.

Não digas “creio em Jesus, e essa fé me salvará”.

Que é que tu chamas “fé”? Que é que entendes por “crer”?


Se isto é apenas uma bela palavra, um sentimento emocional ou um
assentimento intelectual, essa fé te deixará tão impuro como és, esse crer não
atinge o âmago do teu ser, lá onde reside o teu pecado.

Se essa fé é uma completa transmutação da tua vida, uma genuína


“transmentalização”1, uma conversão do egoísmo em amor – então, sim, estás
salvo!

1. A palavra grega para “conversão”, usada nos Evangelhos, é metánoia, que quer dizer
literalmente “trans-mente” ou “transmentalização”, designando o profundo processo interno
pelo qual o homem se despoja da mentalidade do “homem velho” e se reveste do espírito do
“homem novo”, tornando-se uma “nova creatura em Cristo”, passando por um “renascimento
pelo espírito”.

Mas, não te iludas! Ninguém pode renunciar ao teu egoísmo em teu lugar;
ninguém pode amar por ti; ninguém pode operar a tua purificação interna,
purificando-se e imputando-te a pureza dele.

Assim como é intransferível a impureza moral, assim também não pode outra
pessoa revestir-te ou penetrar-te da sua própria pureza.

Tu mesmo, meu amigo, tu, personalissimamente, tens de desfazer o que


fizeste e fazer o que não fizeste.

Para efeitos espirituais, não podes passar “procuração bastante” a alguém para
que ele aja em teu nome, nem que essa procuração venha com “firma
reconhecida” de todos os cartórios teológicos e eclesiásticos do mundo.

Semelhante substituição é diametralmente oposta a estatuto básico da


Constituição do Universo, que é a ordem do próprio Deus.

Deus não reconhece esse automatismo redentor!

Deus não sanciona a tua inércia moral!

Pagarás o que deves à Justiça Divina, até ao “derradeiro ceitil”, para saíres do
cárcere.

Não há “perdão” no sentido humano; não há “indulto” nem “indulgência” – esse


Deus fraco e sentimental é uma pobre ficção da tua mente eivada de
preconceitos.

Em Deus, o infinito Amor é a infinita Justiça – e nunca poderá aquele


prevalecer contra esta, porque são uma e a mesma coisa vista de dois lados,
cá de baixo.

A tua única esperança de redenção está numa vida vivida segundo o exemplo
de Jesus, encarnação do eterno Cristo – vida de Verdade e de Amor universal.

Ele, que nos deu exemplo para que façamos assim como ele fez.
Não te pode o Cristo redimir se tu não te redimires da irredenção do teu
egoísmo, incompatível com o espírito do Redentor, que é amor universal e
incondicional.

Redime-te, ó homem, pelo Cristo que em ti está – e serás remido pelo Cristo, o
eterno Logos, que no princípio estava com Deus e que ilumina a todo homem
que vem a este mundo!

E a tua vida; como a dele, será “cheia de graça e de verdade”...


Sê o que És!

O mais profundo anelo, consciente ou inconsciente, do homem é o de ser o


que é; de se tornar explicitamente o que é implicitamente.

O anseio, veemente e intenso, de atualizar as suas potencialidades latentes – e


são imensas essas potencialidades.

O homem de hoje atualizou apenas diminuta parcela das suas possibilidades;


talvez não haja dois seres humanos que se achem no mesmo plano de
atualização: uns vivem no nível 10, outros no nível 20, 30,40 ou 50 – e assim
por diante.

Daí a dificuldade de dizer a um grupo de homens algo que seja por eles
entendido no mesmo sentido em que foi dito.

Suponhamos que alguém que se ache no nível evolutivo 50 fale a um auditório,


ou escreva para um público que se ache em diversos estágios na jornada de
evolução entre 10 e 40: é inevitável que os 50 do orador ou escritor sejam
entendidos e interpretados de acordo com o grau evolutivo de cada um dos
ouvintes ou leitores, porquanto: quidquid recipitur, per modum recipientis
recipitur (o que alguém recebe é recebido segundo a capacidade do
recipiente).

“Compreender” quer dizer “prender” ou abranger cabalmente, abraçar em sua


totalidade e plenitude – mas é matematicamente impossível que o 10, 20, 30
ou 40 “compreenda” um conteúdo igual a 50.

O menor compreende o maior segundo a pequenez do sujeito – e não segundo


a grandeza do objeto.

O contido ou conteúdo é, necessariamente, menor que o contenedor.

Um objeto realmente compreendido seria menor que o sujeito compreendedor.

O homem finito que compreendesse o Deus infinito seria maior que o infinito –
a não ser que a sua compreensão finita finitizasse o infinito.

Mas um Deus finitizado seria um pseudo-deus, e o seu cultor seria um idólatra


ou um ateu.

De maneira que todo homem que pretenda compreender a Deus é ateu.


Entretanto, assim como o homem de ontem se tornou o homem de hoje, assim
pode o homem de hoje tornar-se o homem de amanhã.

Os grandes gênios da humanidade são homens de evolução avançada,


antecipando o resto da humanidade por centenas e milhares, quiçá milhões de
anos.

Os Himalaias e os Itatiaias recebem a luz solar muito mais cedo que as


profundas baixadas em derredor.

Jesus, o Cristo, foi o homem de mais completa evolução que já apareceu sobre
a face da terra, o “filho do homem”, como ele mesmo se chama de preferência,
isto é, o homem por excelência, a flor da humanidade.

Não há super-homens, só há semi-homens e pleni-homens – há homens cujas


potencialidades se acham em grau inferior de atualização, e há homens com as
suas potencialidades vastamente atualizadas.

Esses últimos são considerados pelos primeiros como “homens sobrenaturais”,


“homens divinos”, “deuses” – e eles o são de fato, em certo sentido.

“Natural” é, para mim, o que eu posso compreender, do ponto de vista da


minha evolução pessoal – o que fica para além desse limite é, para mim,
“sobrenatural”.

“Sobrenatural” da minha perspectiva, mas não sobrenatural em si mesmo,


objetivamente considerado, porque esse sobrenatural não existe nem pode
existir.

À luz crepuscular da minha sapiência limitada, muitas coisas são


“sobrenaturais” – à luz meridiana da sapiência ilimitada tudo é natural, nada é
sobrenatural.

Deus é infinitamente natural – e é por isto mesmo que nós, seres apenas
finitamente naturais, não o podemos compreender.

Quanto mais o homem progride na jornada ascensional da sua evolução rumo


a Deus, menor se torna, para ele, a zona do sobrenatural, e mais cresce a zona
do natural.

Para o homem plenamente espiritual, tudo é natural, nada é sobrenatural –


embora o homem inexperiente pense exatamente o contrário.

No cume da montanha tocam-se, confundem-se, identificam-se o natural e o


espiritual – o homem 100% espiritual é 100% natural.

O homem ainda não plenamente espiritual ainda não é perfeitamente natural –


na razão direta que se espiritualiza, também se naturaliza.
Ó Deus! Faze com que eu seja inteiramente natural – porque isto é ser
semelhante a ti!

Faze que eu seja o que sou!

Tu, Senhor, és plenamente o que és, porque em ti não há sucessão de estados


nem transformação de potencialidade em atualidade!

Tu és a atualidade eterna, infinita, absoluta!

Atualiza-me cada vez mais, Senhor – rumo à tua imensa atualidade!

Faze-me perfeito assim como tu és perfeito!


Estende
as tuas Antenas!

Dormitam, nas profundezas da natureza humana, germes de estupenda


vitalidade e poder.

É que a íntima essência do homem, a sua “alma naturalmente cristã”, é o Cristo


interno, o próprio Deus, o “Emanuel”, a essência divina na existência humana.

Mas, como podem esses germes latentes despertar para a grande vigília?

Como pode da semente da potencialidade humana brotar a viridente planta da


atualização?

Contempla, meu amigo, o que todos os dias acontece no vasto cosmorama da


natureza em derredor – observa o palpitante drama vital da Flora: qualquer
grãozinho minúsculo no seio da terra é um mestre e mentor de estupenda
sapiência.

Há em cada semente viva o mistério “Vida”, isto é, o contato íntimo com o


oceano imenso da Vida Cósmica, eterno, universal.

A essência do cosmos é Vida.

Não existe “morte” no universo.

O mundo é vida universal, vida imortal.

Essa Vida Universal individualiza-se, constantemente, em milhões e bilhões de


seres concretos, atingindo variados graus de perfeição – vida mineral, vida
vegetal, vida sensitiva, vida intelectual, vida racional ou espiritual.

Entretanto, para que algum ser atinja determinado grau de vida individual
requer-se a presença e atuação de um certo ambiente, requer-se certa
atmosfera, certo clima propício.

A mais vigorosa das sementes não brotaria se a colocássemos sobre a mesa –


mas, se lhe dermos determinado grau de umidade e calor, a vida dormente
despertará para gloriosa alvorada.
Nem a umidade do solo nem o calor do sol dão vida à semente – mas são
condições necessárias para que a vida, já presente no germe, possa
desentranhar-se em planta.

O germe torna-se explicitamente o que já é implicitamente, suposto que


estejam presentes certas circunstâncias externas.

Eis o que acontece também nas regiões do mundo espiritual!

As potências dormentes no ser humano só se manifestarão quando cercadas


de ambiente propício à sua evolução.

No mundo infra-humano não pode a semente crear esse ambiente propício, por
não ser suficientemente consciente e livre.

No mundo humano, porém, existe essa possibilidade: pode o homem crear


esse ambiente – como também pode deixar de o fazer.

O homem que crea ambiente favorável à sua evolução espiritual chama-se


“crente”, “homem de fé” – o homem que não o cria é um “descrente”, um
“homem sem fé”.

Crença ou descrença – é esta a atitude favorável ou desfavorável creada pelo


homem para a sua ascensão a Deus.

O crente é, por assim dizer, um homem de olhos abertos, fitos no horizonte


longínquo, um homem de ouvido atento, de respiração suspensa, de mente
alerta, à espera de uma luz distante, de um som perdido, de uma vibração sutil
que, por ventura, lhe venham de ignotas alturas...

O crente está com todas as antenas da alma no ar, antenas de grande


sensibilidade, sempre pronto a receber e veicular a mais ligeira onda divina que
percorra o espaço...

E quanto mais sensível for essa antena, mais probabilidade haverá para captar
alguma revelação do Além, o Além de dentro e de fora, porque o Deus
transcendente é também o Deus imanente, o Deus do macrocosmo lá fora
habita no microcosmo dentro da alma...

Quando a antena não é bastante sensível, Deus parece estar “ausente” – e


ausente está ele, não objetivamente, mas subjetivamente.

Deus está sempre presente ao homem – também, como podia o Deus


onipresente estar ausente de alguém? – Mas nem sempre o homem está
presente a Deus.

Essa “ausência subjetiva” de Deus não é senão a insensibilidade da antena


humana.
Ó homem! Apura a sensibilidade de tua antena, e verás que o “Deus ausente”
se transformará num “Deus presente”!

Está presente a Deus! – E Deus estará presente a ti!

Em última análise, todo o segredo da vida espiritual está nessa apuração ou


purificação, nesse progressivo refinamento da sensibilidade e receptividade da
alma humana.

O mesmo Deus presente a Jesus e a Judas, no Getsêmane, parecia ausente


deste e presente àquele, porque Judas quebrara a sua antena, e Jesus elevara
a sua antena à mais alta receptividade espiritual...
Ama –
e Tudo Está Certo!

Se eu falasse a língua dos homens e dos anjos, mas não tivesse amor – não
passaria dum metal sonoro e duma campainha a tinir.

Se eu tivesse o dom da profecia, se penetrasse todos os mistérios, se


possuísse todos os conhecimentos, se tivesse toda a fé ao ponto de transportar
montanhas, mas não tivesse amor – nada seria.

Se eu distribuísse aos pobres todos os meus haveres, se entregasse o meu


corpo à fogueira, se praticasse todos os heroísmos e todas as caridades, mas
não tivesse amor – de nada me serviria.

O amor é paciente.

O amor é benigno.

O amor não é ciumento.

O amor não é ambicioso.

Não é enfatuado.

Não é interesseiro.

O amor não se irrita.

Não guarda rancor.

Não folga com a injustiça.

Mas alegra-se com a verdade.

O amor tudo suporta.

Tudo crê.

Tudo espera.

Tudo sofre.

O amor não acaba jamais.


Terão fim as profecias.

Expirará o dom das línguas.

Perecerá a ciência.

Porque imperfeito é o nosso conhecer.

Imperfeito o nosso profetizar.

Mas, quando vier o que é perfeito, acabará o que é imperfeito.

Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, ajuizava
como criança.

Mas, quando me tornei homem, despojei-me daquilo que era da criança.

Agora vemos como que em espelho e enigma – então, porém, conheceremos


face a face.

Agora conheço apenas em parte – então, porém, conhecerei totalmente, assim


como eu mesmo sou conhecido por Deus.

O conhecimento perfeito vem do amor – porque o amor e a mais alta razão.

Por ora, existem a fé, a esperança, o amor.

Mas nem a fé nem a esperança nos dão conhecimento perfeito.

A fé nos oferece uma imagem indireta da realidade, como o reflexo de um


objeto num espelho; conhecimento obscuro, como a solução incerta de um
enigma.

A esperança fala-nos em distância, porque é o desejo de algo longínquo, que


ainda não se possui.

Quando, porém, a semi-luz matutina da fé culminar na pleni-luz meridiana da


visão direta e imediata, no conhecimento intuitivo de Deus; e quando o desejo
longínquo de possuir se transformar na realidade propínqua da posse de Deus
– então deixará de existir a fé, porque amanheceu a visão beatífica – então
culminará a esperança na posse inefável do Eterno.

E então atingirá o amor o mais alto zênite da sua glória, luz e felicidade.

Porque, pela transformação da fé em visão, e da esperança em pose, o amor


se expandirá a horizontes infinitos, descerá a profundidades sem fundo, subirá
a altitudes sem limite, adquirirá uma intensidade que ultrapassa toda a
compreensão.
Porquanto, nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em
coração humano o que Deus preparou àqueles que o amam...

Ama – e tudo está certo!...


Sê o Cristo Eterno –
O teu Cristo Interno!

No princípio era o Logos – o Cristo eterno.

E o Logos estava com Deus – e o Logos era Deus.

Tudo foi feito pelo Logos – e sem ele nada foi feito de quanto se fez.

Nele estava a Vida – e a Vida era a Luz dos homens.

E a Luz ilumina a todo homem que vem a este mundo.

A Luz do Cristo eterno do cosmos – do Cristo interno do homem.

E todo aquele que recebe essa Luz e essa Vida tem o poder de se tornar filho
de Deus.

Nascendo, não só da carne e do sangue – mas renascendo pelo espírito, pelo


Cristo dentro dele.

E o eterno Logos se fez carne em tempo – e habitou entre nós.

O invisível espírito de Deus apareceu visível em Jesus, filho da virgem Maria.

E nós vimos a glória do eterno Cristo, transparecendo através de Jesus – cheio


de graça e de verdade.

E ele está conosco todos os dias, até à consumação dos séculos – conosco e
em cada um de nós.

O reino de Deus está dentro de nós.

Já não sou eu que vivo – o Cristo é que vive em mim.

Sou vivido pelo eterno Cristo – que é o meu Cristo interno.

Como poderia eu ser vivido por alguém que não estivesse dentro de mim?

Sou um templo da Divindade – e o espírito de Deus habita em mim.

Penetra-me, envolve-me todo, ó luz branca do Cristo! – E nenhum mal me


pode tocar, todo bem me deve caber!
Tu és o meu pastor – nada me faltará...

Guia-me a ricas pastagens de infinita abundância – conduze-me à beira de


águas tranquilas e profundas.

Oh! Quão delicioso é o meu cálice – transbordante do vinho rubro da alegria e


felicidade!

Ainda que eu ande por vales sombrios e pelas trevas da morte – nada temerei,
porque tu, eterno Cristo, estás comigo, estás dentro de mim!...

Já não sou eu que vivo – tu, ó Cristo, vives em mim...

A minha vida és tu – e morrer em ti me é lucro...

Deveras! Abundância e prosperidade acompanham todos os dias da minha


vida...

Habitarei para sempre no templo de Deus – porque Deus habita em mim...


Purifica-te!

Nada é impuro por si mesmo, porque tudo vem da infinita pureza.

Mas o ser consciente e livre pode perder a sua natural pureza e tornar-se
impuro – pelo abuso da sua liberdade.

A impureza moral chama-se egoísmo.

Todo pecado é, em última análise, egoísmo – como toda santidade é amor.

E egoísmo é ignorância, erro, confusão.

O egoísta toma o seu pseudo-Eu por seu verdadeiro Eu.

Sofre duma espécie de miopia ou daltonismo.

O primeiro Eu que o homem descobre em si, no ínfimo estágio da sua


evolução, é o Eu físico, ou seja, o seu corpo grosseiramente material. “Eu
estou doente”, diz ele, identificando falsamente o seu ego como o seu invólucro
físico.

Enquanto o homem não ultrapassar esse estágio de evolução meramente


sensitivo, colocará o seu Eu físico, o seu corpo e seus apetites – fome, sede,
sexo, prazeres sensuais – como centro e sol da sua vida, em torno do qual
girarão todos os planetas dos seus pensamentos e da sua vida cotidiana.

Outros homens ultrapassam essa fronteira ínfima e descobrem o seu Eu


mental, ou seja, o mundo da inteligência, que se revela em ciência. E então
todas as suas atividades giram em torno desse novo sol, às vezes mesmo com
o sacrifício do seu Eu físico. Descobrir os segredos da natureza é, para esses
cultores do Intelecto, o culto máximo que conhecem, como é, para os idólatras
do corpo, a satisfação dos sentidos.

Mas, nem estes nem aqueles atingiram o verdadeiro Eu, conhecendo apenas
as camadas periféricas da sua natureza humana.

Ora, tanto o Eu físico como o Eu mental são essencialmente egocêntricos,


porque nada percebem do mundo universal, que gera altruísmo e amor.

Também o animal é egoísta, mas, graças a seu baixo grau de consciência, o


egoísmo do irracional, é inofensivo porque se acha circunscrito por um círculo
férreo, o instinto, do qual não pode exorbitar.
O egoísmo intelectualizado, porém, é praticamente ilimitado.

O intelecto é assaz poderoso para alargar espantosamente o âmbito da


egolatria, mas não é bastante vasto para controlar esse egoísmo mental pelo
altruísmo espiritual.

Por isto, nenhum homem que conhece apenas o seu ego físico-mental pode
deixar de ser egoísta.

O egoísmo, porém, sendo o avesso do amor, torna a convivência social


impossível ou a transforma numa constante guerra de todos contra todos.

A fim de manter esse inevitável conflito social dentro de certos limites toleráveis
é que foram criados os “governos” de diversos tipos.

Mas a lei imposta de fora, compulsoriamente, além de ser um expediente


incerto e precário, escraviza o homem, obrigando-o a fazer a força o que
espontaneamente não faria.

O resultado final de toda lei observada apenas por motivo de medo e coação é
a criação de uma raça de escravos e hipócritas; pois, se, com medo das
dolorosas sanções da lei, observo externamente a lei, que internamente
detesto, reduzo-me a um escravo sob o azorrague de um ditador, que eu bem
quisera matar, se o pudesse.

Não obedecer à lei, é certo, seria pior que obedecer-lhe, mesmo a contragosto.

Mas nem a desobediência nem a obediência compulsória me purificam –


ambas me deixam moralmente impuro, embora a segunda me faça legalmente
puro.

O único modo de obedecer à lei sem me escravizar e tornar impuro é aceitar


livre e espontaneamente aquilo que a lei me impõe compulsoriamente.

Mas, como posso aceitar espontaneamente o conteúdo da lei?

Compreendendo e amando a lei como boa e salutar.

O verdadeiro fim da lei não é a escravidão, mas sim a liberdade.

Prende-se a videira à latada, não para a escravizar, mas para a libertar das
escravizantes baixadas e ajudá-la a ganhar as luminosas alturas da liberdade,
onde possa produzir em cheio.

Entretanto, ninguém pode compreender e amar a lei como boa e salutar sem
que primeiro descubra o seu verdadeiro Eu, a sua alma espiritual.

Ninguém pode, de fato, querer o seu dever, sem que primeiro se conheça a si.
mesmo.
A lei moral nunca escraviza a alma, embora seja por vezes dolorosa ao corpo e
à mente.

“Conhecereis a verdade – e a verdade vos libertará”... dizia aquele que


compreendia e amava a lei como um guia às alturas.

Pode Virgílio guiar-nos através do inferno e do purgatório – mas para a entrada


do paraíso necessitamos da mão de Beatriz...

Descobrir a alma é a mais difícil de todas as descobertas – é mais fácil


empreender viagens à lua, aos planetas, às estrelas e vias-lácteas do universo
de fora do que penetrar no misterioso átomo do próprio Eu...

Não há cíclotron assaz potente para romper as órbitas periféricas e atingir o


íntimo núcleo do homem, a fim de libertar as misteriosas energias nela
recatadas.

As viagens centrífugas dependem de recursos físico-mentais – mas a viagem


centrípeta supõe forças espirituais, que o grosso da humanidade ainda não
descobriu ou não sabe utilizar devidamente.

O descobrimento e a captação dessas energias latentes do Eu central é o


resultado de longos anos, decênios, quiçá séculos e milênios, de intensa e
persistente disciplina, porque “estreito é o caminho e apertada é a porta que
conduzem à vida eterna”...

“Se o grão de trigo não morrer ficará estéril – mas, se morrer, produzirá muito
fruto”...

“Magni passus extra viam”, é a expressão com que Santo Agostinho designa
essas jornadas centrífugas sem a competente entrada para o centro do próprio
Eu.

Não seria melhor dar pequenos passos no caminho certo do que grandes
passos fora do caminho?

Purifica-te, ó homem! Liberta-te da ilusão tradicional sobre o teu verdadeiro Eu!

O teu Eu físico-mental é advogado do egoísmo, que é impureza...

O teu Eu espiritual é arauto do altruísmo, do amor, que é pureza e santidade...


Não Chores
a Noite – que se Foi!

Arrepende-te do mal que fizeste, converte-te para o bem que vais fazer – e
segue avante, rumo ao futuro, sem olhar para trás!

Evita o erro funesto de sempre chorar de novo o que uma vez foi destruído pelo
fogo do arrependimento e da conversão.

Não chores a noite que se foi – saúda, jubiloso, o dia que desponta!

Conta uma velha tradição, que Madalena, a ex-possessa de sete demônios, se


retirou para uma gruta solitária e lá passou o resto da sua vida, amortalhada de
luto, entre terríveis penitências, chorando sem cessar a vida profana que levara
antes de se encontrar com o divino Mestre e bom Pastor.

Conta-se também que as faces de Pedro se marcaram de profundos sulcos de


tantas lágrimas que, durante a vida inteira, chorava, cada noite a hora em que,
um dia, negara seu Senhor e Mestre.

Este, porém, não é o Pedro do Evangelho, nem aquela é a Madalena dos livros
sacros – são, horripilantes caricaturas desses grandes discípulos do Nazareno.

Devem essas lendas caricatas terem nascido num período de profunda


decadência do Cristianismo e duma lamentável descompressão do Cristo.

A Madalena autêntica da história, uma vez que renunciara à sua vida pecadora
e nascera para a luz divina, nada mais sabe das trevas noturnas, que se foram
para sempre, sem deixar o menor vestígio de si.

Não se cobre das vestes sombrias do luto – mas sim da luminosa túnica duma
indescritível alegria em Cristo Jesus.

Não volta os olhos para a noite que morrera para sempre – mas sim para as
glórias da alvorada que não conhece ocaso.

Ela sabe que morreu para a morte – e nasceu para a vida.

Sabe que acordou do sono – e vive para a grande vigília.

Nada mais sabe daquilo que ela foi – só sabe o que ela é.
Uma vez que o fogo do amor reduziu a cinzas os seus pecados antigos,
Madalena não banha com lágrimas de tristeza as cinzas estéreis do mal – mas
rega com lágrimas de júbilo e gratidão as viridentes plantas que, doravante,
cobrem os campos da sua vida.

Não se julga indigna de banhar os pés do Mestre com silencioso pranto de


amor, cobri-los com ardentes ósculos e enxugá-los com a exuberante maciez
da sua linda cabeleira.

E Jesus aprova plenamente a amorosa confiança de sua discípula; defende-a


contra seus críticos sem alma, aparece-lhe em primeiro lugar na madrugada da
ressurreição e envia-a como primeira mensageira da Páscoa a seus discípulos
e ao mundo inteiro.

Não a manda chorar os seus pecados na solidão duma caverna – envia-a


como jubilosa arauta do reino de Deus a todas as creaturas.

Não se debelam as trevas fitando-as tristemente – mas sim acendendo uma


grande luz no meio delas.

Simão Pedro, uma vez convertido, conforta seus irmãos, apascenta o rebanho
de Cristo, percorre o mundo, não sulcando as faces de lágrimas inúteis, mas
proclamando a todos os povos do império romano as glórias imortais de seu
divino Senhor e Mestre.

O Cristo verdadeiro não é o “Senhor Morto” que os pessimistas negativos


carregam lutuosamente pelas ruas das nossas cidades – mas sim o “Rei
Imortal dos séculos”, a quem “foi dado todo o poder no céu e na terra”, que
está conosco “todos os dias até à consumação dos tempos” e sob cuja
bandeira as maiores “derrotas” são gloriosas vitórias...

Não chores, pois, amigo, a noite que se foi – saúda jubiloso o dia que
despontou!

Não te sentes à beira do túmulo em plena Páscoa, chorando o vivo com os


mortos – plenamente vivo, vai ao encontro do Cristo redivivo, sempre-vivo!

Realiza por ele e para ele grandes feitos entre os homens – para que teus
semelhantes vejam em ti um vivo reflexo das grandezas do Cristo.

Vive vida exuberante à luz daquele que “veio para que os homens tenham a
vida, e a tenham em maior abundância”...
Ultrapassa
o teu Noivado!

Ah! Que delícias gozei no momento em que despontou em minha alma o sol da
verdade!

A luz matutina do teu mundo, meu Deus...

A hora primaveril do meu primeiro e santo amor...

O meu inefável noivado com o universo do espírito, da luz, da beatitude...

Insípidas me pareciam, desde então, as mais doces iguarias que os profanos


saboreavam com delícia...

Amargas as mais intensas doçuras dos inexperientes...

Fastidiosas as festas que a outros inundavam de vertigens de prazer...

Assim foi no princípio, na alvorada virgem do meu silencioso noivado com o


mundo de Deus...

Esse silêncio matinal repleto de música...

* *

Depois, porém, mais tarde...

À medida que eu avançava nesse caminho, silenciaram as músicas festivas...

Murcharam as flores de laranjeira...

E ante meus olhos bocejava a taciturna monotonia do deserto...

Internei-me, hesitante, nesse cinzento saara da vida de cada dia, da rotina dos
deveres comuns, da tediosa planície duma vida sem aventuras nem heroísmos
inebriantes...

Por que não morri no auge da glória, em vez de viver essa vida inglória?...
Por que não expirei, feliz, ao exultante amplexo da alvorada do amor, em vez
de agonizar, infeliz, nessa poeirenta estrada da vida banal que me cerca?...

Saudades tenho, saudades, da jubilosa embriaguez do meu noivado, da minha


lua-de-mel com o mundo do espírito...

Por que não continuou a vibrar em mim essa espumante alegria inicial?

Por que o dinâmico querer de ontem se fossilizou nesse estático dever de


hoje?...

Por que tenho de impelir, penosamente, a remo, a barquinha da minha vida


espiritual, em vez de me deixar levar graciosamente ao sopro das auras de
Deus?...

Só Deus sabe o que sofri na monotonia desse deserto anônimo, no fastidioso


areal de uma vida religiosa sem o vinho capitoso de suavidades sensíveis...

* *

Só mais tarde, muito mais tarde, descobri que a vida com Deus não é um
eterno noivado nem uma perpétua lua-de-mel!...

Descobri que é uma vida de fidelidade constante nas coisas pequenas – se é


que coisas pequenas existem à luz das grandezas divinas...

Descobri que o reino de Deus não consiste em fazer grandes coisas – mas em
fazer grandemente as coisas pequenas e pequeníssimas...

Descobri que não há coisa pequena para quem faz tudo com grandeza de
alma...

Porquanto, as coisas são assim como eu sou: se sou grande em mim mesmo,
elas são grandes – se sou mesquinho, elas são mesquinhas...

Eu é que sou o criador da grandeza e da mesquinhez...

À luz dessa clarividência, tudo mudou dentro e ao redor de mim.

Outrora, queria eu mudar os objetos em derredor de mim, para ser feliz – hoje,
que mudei o sujeito dentro de mim, não vejo razão para mudar as coisas de
fora, uma vez que elas já assumiram as formas e cores vindas cá de dentro...

Vivo num mundo feito à imagem e semelhança de minha alma...

Outrora, quando eu não havia descoberto em mim o Deus do mundo, parecia-


me triste esse mundo de Deus, porque o via como um mundo sem Deus...
E tentava pintar esse mundo incolor com as cores fictícias de prazeres
efêmeros...

Mas as tempestades da vida desbotavam e lavavam essas cores incertas – e


eu repintava sem cessar as coisas queridas e despintadas do meu mundo sem
Deus...

Agora já não necessito dessas tinturas artificiais, porque o mundo de Deus


vitalizado pelo Deus do mundo me aparece exuberante de cores e de vida sem
limites...

Quero fazer com grandeza de alma todas as coisas – e todas elas serão
grandes e grandiosas...
Deixa de ser
Boneco de Engonços!

O mundo em derredor é um mundo de efeitos visíveis – cuja causa é invisível.

Por detrás dessa vasta tela multicor de fenômenos transitórios atua a


misteriosa causa incolor, o eterno e imutável Númeno – Deus.

O homem profano é constantemente impelido pelo mundo externo; não é ele


que decide – é o mundo fenomenal que determina o que esse homem deve
fazer ou deixar de fazer.

O homem profano é antes um objeto atuado do que um sujeito atuante.

É escravo dos seus sentimentos e pensamentos, que lhe tolhem a liberdade de


ser ele mesmo, seu verdadeiro Eu divino.

Está à mercê das paixões do egoísmo, da cobiça, da sensualidade, do medo,


do ódio, da aversão – vítima passiva de todos os impactos vindos da periferia
da sua personalidade.

É um “caniço agitado pelo vento” – e não um baluarte firmado em rochedos


eternos.

Qual boneco de engonços manobrado por cordéis invisíveis, assim move o


profano mãos e pés, mente e coração, ao sabor de agentes alheios.

O profano não se guia – é guiado.

Mas, quando o homem ultrapassa a fronteira do mundo fenomenal das


aparências e entra na zona da grande realidade; quando, de vítima dos efeitos
heterônomos, passa a ser senhor da causa autônoma, das creaturas ao
Creador, das aparências à essência, do temporal ao eterno – então deixa de
ser escravo das ilusões e se torna senhor da verdade.

“Conhecereis a verdade – e a verdade vos libertará”...

Abandona o movediço areal do mundo periférico e alicerça sua casa sobre o


rochedo central da realidade divina.
Proclama a sua verdadeira liberdade – “a gloriosa liberdade dos filhos de
Deus”.

E das excelsas e sólidas alturas do seu Himalaia espiritual contempla esse


homem, com jubilosa serenidade, todas as rampas e baixadas da vida humana
e do mundo em derredor.

Não com o sobranceiro desdém do orgulhoso – mas com a humilde


benevolência do sábio.

Quem tudo compreende desconhece desprezo, orgulho e ódio – abrange todas


as coisas com a potente suavidade e a suave potência de um amor universal.

No coração desse homem têm lar e querência segura todos os seres do


universo de Deus.

Porque o iniciado sabe por experiência íntima que todos os filhos de Deus são
seus irmãos e suas irmãs, membros da grande família do Pai celeste.

Verdade é liberdade.

Liberdade é compreensão.

Compreensão é amor.

Deixa, pois, meu amigo, de ser fantoche de compulsão externa – e torna-te


senhor do impulso interno.

Senhor da tua vida.

Senhor do teu destino...


Não Queiras
ser Recompensado,
Compensado, Pensado!

O homem imperfeito pratica o mal.

O homem semi-perfeito pratica o bem para receber recompensa.

O homem pleni-perfeito pratica o bem pelo bem, sem nenhuma segunda


intenção.

Quem necessita de ser pensado admite que está doente ou ferido.

Quem espera ser compensado reconhece que sofreu algum dano ou prejuízo –
pelo fato de ter praticado o bem.

Quem espera ser recompensado pelo bem que faz confessa que não é bom,
que é um secreto egoísta que depositou um capital num banco para dele
auferir juros com usura.

Só quem pratica o bem pelo bem é que é realmente bom – não é egoísta, não
se julga prejudicado, nem se sente doente ou ferido pelo fato de fazer o bem e
ser bom.

Mas, como posso praticar o bem sem esperar recompensa?

Não podes, meu amigo, assumir essa atitude de desinteresse e verdade


absoluta, enquanto vives na ilusão sobre ti mesmo, enquanto identificas a tua
personalidade periférica, físico-mental, com o teu Eu central, com tua alma
espiritual, divina.

A personalidade físico-mental, essencialmente egoísta, necessita de ser


indenizada pelos benefícios que presta à humanidade – porque lhe parece um
dano para o benfeitor – que procura sair indene.

A alma espiritual, porém, sabe que fazer o bem pelo bem é ser intimamente
bom – e quem é bom não necessita de indenização, porque é dono de infinita
riqueza.
Teu verdadeiro Eu é divino, que não precisa de ser recompensado,
compensado, pensado – é amor, riqueza, saúde.

Deus não espera recompensa de ninguém – porque é eterno Amor.

Deus não deseja compensação de ninguém – porque é infinita Plenitude.

Deus não pode ser pensado por ninguém – porque é perfeitíssima Sanidade.

E tua alma, sendo Deus em ti, é Amor, Plenitude, Sanidade – não a degrades,
pois, a um nível inferior a ela mesma!

Descobre o teu verdadeiro Eu divino, descobre tua alma em ti, descobre-te


como sendo tua alma – e serás rico, feliz e sadio por seres bom.

Adquire a firme consciência divina da tua cidadania cósmica – e não te iludas


considerando-te como cidadão terrestre.

Aqui és apenas imigrante temporário, estranho, peregrino – a tua verdadeira


pátria são os céus, o infinito, o universo de Deus.

Cumpre aqui, do melhor modo possível, o teu estágio terrestre – mas não te
reduzas a escravo dos teus escravos!

A suprema alegria e felicidade está em seres aquilo que, no plano eterno de


Deus, deves ser, agora, aqui, e por toda a parte.

Os resultados palpáveis do que és e fazes não correm por tua conta – por isto
não te importes com o que fica para além do teu alcance.

Não faças depender a tua felicidade de algo que não dependa de ti.

De ti depende seres bom e praticares o bem – de ti não depende o que outros


façam com os teus benefícios.

Não fales, pois, em “ingratidão” – quem assim fala revela a impureza das suas
intenções.

O beneficiado, é certo, tem a obrigação moral de ser grato – mas o benfeitor


não tem o direito de esperar gratidão.

A gratidão ou ingratidão dos outros não faz parte do teu ser-bom.

Sê bom, invariavelmente bom, jubilosamente bom – e fecha os olhos para tudo


que possa acontecer depois, para além das fronteiras da tua vontade.

Se assim fizeres, se assim fores, terás o teu céu aqui na terra – e não
necessitas de preocupar-te com o que acontecer depois.

Deus, que é o Sumo Bem, saberá o que fazer contigo – se fores bom.
Como poderia um homem, intimamente bom, sofrer algum mal da parte de
Deus, que é infinitamente bom?

Sê bom – e deixa a Deus o resto!


Conhece o teu Valor!

Segundo as estatísticas, vivem atualmente sobre a face da terra cerca de


2.500.000.000* de seres humanos.

* Estas informações estatísticas se referem à época da primeira edição deste livro. Nota do
Editor.

Mais de 200.000.000.000 (duzentos bilhões) de homens já passaram por este


planeta, desde que a humanidade existe.

Nós, a humanidade de hoje, não somos 1% do gênero humano total.

Não falemos, pois, em nome da humanidade universal – mas apenas em nome


deste pequenino e primitivo jardim de infância que vive em nossa terra.

Morrem cada ano mais de 50.000.000 de homens – o que perfaz uns 140.000
por dia, uns 6.000 por hora, cerca de 100 pessoas por minuto.

Desde que o leitor começou a ler esta página até agora já deixaram o seu
corpo cerca de 1.000 pessoas.

Se pudéssemos abranger, numa visão panorâmica, esse processo, veríamos


uma imensa e ininterrupta torrente de almas a deixar o nosso planeta e perder-
se não se sabe em que abismos do universo de Deus.

Que pensarão da nossa filosofia e política terrestre essas centenas de bilhões


de almas humanas? – Qual o seu interesse central?

Se oferecêssemos a uma dessas almas desencarnadas, de presente, um


desses soberbos arranha-céus das nossas grandes metrópoles, ou a maior
fábrica da nossa poderosa indústria, ou a mais rica mina de ouro do nosso
interior – que faria essa alma humana?

Nem sequer se dignaria olhar para tamanha riqueza – porque esses valores
quantitativos deixaram de interessá-la, desde que deixou o corpo material.

Mas se pudéssemos aumentar por um único grau o valor qualitativo dessa


alma, a sua bondade, o seu amor, o seu tesouro espiritual – com que ânsia se
apoderaria ela desse tesouro real!

Quem abriu os olhos para a realidade do Eu central já não se interessa pelas


pseudo-realidades da personalidade periférica.
Tempo virá – quiçá ainda este ano, este mês, esta semana – para cada um de
nós em que o menor valor do sujeito será preferido ao maior valor dos objetos.

Tempo virá em que será tão intensa a nossa clarividência espiritual que as
coisas ao redor do Eu serão consideradas tão sem valor que o valor do Eu
atrairá o nosso único interesse.

Nesse estado de clarividência espiritual, cometer a mais ligeira mentira ou


descaridade para ganhar milhões e bilhões de cruzeiros, ou para salvar a
própria vida será considerado péssimo negócio, verdadeira falência da vida
humana.

Certo dia, foram oferecidos ao melhor conhecedor do valor do homem “todos


os reinos do mundo e sua glória” em troca de um momentâneo ato de idolatria
– e esse clarividente recusou, indignado, semelhante transação.

Pois, “que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se chegar a sofrer


prejuízo em sua própria alma”, no seu verdadeiro Eu?

Péssimo negócio seria trocar um grama de ouro de lei por muitos punhados de
ouro falso.

No mundo das ilusões, muito vale o que o homem tem – pouco vale o que ele
é.

Mas, no mundo da verdade, nada vale o que o homem tem – tudo vale o que o
homem é.

O profano, o analfabeto da realidade, considera ótima política acumular a maior


quantidade possível de objetos impessoais – que, daqui a pouco, serão todos
apreendidos como contrabando...

O iniciado, porém, possui a suprema sabedoria de aumentar cada vez mais o


valor qualitativo do seu próprio Eu, porque sabe que esses valores são eternos;
acumula “tesouros que a ferrugem não consome nem os ladrões desenterram e
roubam”...

Amigo, conhece o valor de tua alma!

Convence-te que tens, aqui na terra, a missão única de aumentares e


acrisolares cada vez mais a qualidade moral e espiritual do teu próprio Eu...
Salva-te –
Pelo Deus em Ti!

Pode o homem salvar-se a si mesmo? – Ou não pode ele fazer nada por si e
para si?

Há quem repila, horrorizado, a idéia da ego-salvação, como maldita heresia,


como abominável pelagianismo, como diabólica presunção.

Só Deus, só o Cristo, só a graça, ou então só a igreja, é que me podem salvar


– nunca eu mesmo!

Quem tem razão? Os defensores da auto-redenção – ou os advogados da


Cristo-redenção?

Ambos têm razão – e nenhum deles tem razão...

Mais que em outro ponto qualquer se revela aqui o erro funesto de uma
confusão secular.

Que se entende pelo ego? – que é esse Eu?

É o meu corpo? – não!

É minha mente? – não!

É minha alma? – sim!

Mas, que é isto, minha alma? – minha alma é a essência divina do meu ser, é o
eterno Cristo em mim, é o Logos, a Vida, a Luz, que ilumina a todo homem que
vem a este mundo – é o próprio Deus universal individualizado em mim.

Esse Emanuel, esse Deus em mim, esse Cristo de minha alma é que me salva
– porque é o mesmo Cristo que salvou Jesus e salvou a todos os que foram
salvos através dos milênios.

É o mesmo Cristo, o eterno Logos que no princípio estava com Deus e que é
Deus, que encarnou em Jesus, filho da Virgem Maria, que nasceu em Belém,
que viveu em Nazaré, que andou evangelizando a Palestina, que foi
crucificado, morto e sepultado, que ressuscitou no terceiro dia, que ascendeu
aos céus e que está com os homens, todos os dias, até à consumação dos
séculos – esse mesmo Cristo é que está em mim, embora oculto, ignoto,
velado, como que dormente – mas não é outro Cristo...

Eu sou um cristóforo, um porta-cristo, um templo de Deus, uma arca da


Divindade, um sacrário do Altíssimo – eu, minha alma, “imagem de Deus”, eu,
“participante da natureza divina” – e não há redenção em outro Cristo senão no
Cristo único, eterno, onipresente – e presente, aqui e agora, em mim...

A falência moral do Cristianismo do Ocidente é devida, em grande parte, à


funesta confusão que a teologia dualista introduziu no seio da igreja e no
coração do homem.

Parte alguma da humanidade tem cometido tantos e tão horripilantes crimes


como o Ocidente cristão, desde os tempos de Constantino, quando a teologia
começou a suplantar o Evangelho.

Ninguém ateou na face do planeta tão vastos incêndios de ódio como as


nações cristãs, que, há séculos, se guerreiam umas às outras e encontrariam o
seu maior prazer em se exterminarem mutuamente.

A história do cristianismo ocidental é essencialmente uma história de guerras –


guerras civis e guerras religiosas – e os raros períodos de paz aparente são
apenas tréguas em que os cristãos excogitam e fabricam novas armas de
agressão, cada vez mais eficientes.

Nenhuma nação ou igreja cristã compreendeu até hoje o que o gentio Mahatma
Gandhi compreendeu e praticou a vida inteira: que o Cristianismo é a força do
espírito – e o anti-cristianismo é o espírito da força, que há mais Cristianismo
numa gota de amor do que em oceanos de ódio...

Só na última guerra mundial, os cristãos assassinaram mais de 30.000.000 de


homens nos campos de batalha, cerca de 6.000.000 nas câmaras de gás
venenoso, mais de 70.000.000 por detrás das trincheiras, em cidades abertas,
devastadas por bombardeios aéreos, e por epidemias que a guerra provocou.

Além disto, existe um exército de uns 50.000.000 de homens estropiados, física


ou mentalmente inutilizados, pela carnificina que os “discípulos de Cristo”.
organizaram ultimamente.

E que fazem os cristãos de relativa paz, mesmo os que não se ocupam em


fabricar novas armas mortíferas? Vivem, de preferência, para a matéria, para
os prazeres, as ambições, prestando culto ao bezerro de ouro, servindo ao
egoísmo, sob disfarces vários...

Seria abominável mentira afirmar que o espírito do Cristo impere no mundo


cristão do Ocidente – pelo menos 90% da chamada vida cristã está a serviço
do anti-cristo.
Daqui a menos de um quarto de século, vamos celebrar o ano 2.000 da era
cristã – há 2.000 anos que estamos remidos – remidos de quê? Ora, do
pecado!...

É esta, provavelmente, a maior mentira que se possa imaginar...

Nós, os cristãos, bebemos os pecados maiores da humanidade com a


indiferença de quem bebe um copo d’água – e continuamos a falar em
cristianismo redentor!

* *

O grande mal está em que o homem ocidental, há quase 20 séculos, foi


embalado no sono mortífero de ter sido remido automaticamente, por Jesus de
Nazaré, no ano 33 da nossa era, no topo duma colina perto de Jerusalém...

O cristão do Ocidente não compreendeu ainda – porque a teologia não o


permite – que o mesmo Cristo que redimira Jesus, está também nele, e o pode
e quer redimir – se o cristão o permitir.

Mas o homem não é redimível enquanto viver no erro, fácil e cômodo, de que já
foi definitivamente remido – essa funesta lei de inércia moral fecha as portas a
qualquer redenção.

De tão cristão que o homem é, não é cristificável; não permite que o Cristo
interno do presente propínquo o redima, porque procura redenção com um
Cristo externo, de um passado longínquo...

De tanto procurar o Cristo de fora, não descobre o Cristo de dentro.

De tanto errar pelo labirinto da teologia centrífuga, não chega a concentrar-se


no santuário da mística centrípeta.

A nossa teologia cristã vacinou o homem com um soro que o imunizou contra o
espírito do Cristo!...

Bem-aventurado o homem que descobrir o reino de Deus dentro de si e o


irradiar ao redor de si – porque ele será chamado filho de Deus!

Bem-aventurado o homem que acordar do sono e abrir os olhos para o Cristo


de sua alma – porque ele verá a Deus!

Bem-aventurado o homem que se libertar da longa ilusão negativa do seu


pseudo-eu e abraçar a exultante verdade positiva do seu verdadeiro Eu –
porque ele passou das trevas para a luz, da morte para a vida, da escravidão
para a liberdade, dos tormentos para a paz, do inferno para o céu!
Bem-aventurado és tu, meu irmão, que encontraste a Deus em ti, porque te
encontrarás em Deus! – Alegra-te e rejubila, porque sobremaneira grande será
o teu galardão nos céus!...

Aleluia!... Hosana!...
Deus

(Prece cotidiana da minha vida terrestre)

Deus, Luz infinita, Vida eterna, Amor universal.

Deus, invisível essência e íntima realidade de todas as coisas, visíveis e


invisíveis.

Deus, Consciência Cósmica, que tudo permeia e na qual todos os seres se


movem, vivem e têm o seu ser.

Deus, no qual tudo existe, do qual tudo vem, para o qual tudo volta.

Deus, eu te agradeço com transportes de júbilo, porque me fizeste conhecer


esta grande verdade.

Deus, eu te rogo que me dês a força para que eu viva à luz deste
conhecimento e faça da minha vida terrestre um luminoso reflexo da tua Luz,
vida da tua Vida, amor do teu Amor.

Deus, uma vez que sou imagem e semelhança tua, participante da tua
natureza divina, faze com que eu seja também assim como tu és: intensamente
verdadeiro, bom e feliz.

Deus, faze de mim um arauto perfeito do teu espírito, aqui na terra e por toda a
parte, para que outros homens conheçam por meu intermédio quem tu és,
como tu és, e tenham o vivo desejo de serem também luz da tua luz, vida da
tua vida, amor do teu amor.

Deus, sei que há muitas moradas em tua casa, como disse o teu grande Cristo
que visitou a nossa morada terrestre para nos falar do teu reino universal.

Deus, sei que estou aqui nesta morada terrestre para conhecer-te, para amar-
te, para servir-te com radiante entusiasmo, e fazer com que outros também te
conheçam, te amem, te sirvam do mesmo modo.

Deus, enche-me de tamanha abundância de tua luz, vida e amor que nenhuma
ingratidão me faça ingrato, que nenhuma injustiça me faça injusto, que
nenhuma amargura me faça amargo, que nenhuma maldade me faça mau, que
eu queira antes sofrer mil injúrias do que cometer uma só.
Deus, faze-me tão forte com a tua força que eu suporte serenamente todas as
fraquezas humanas sem fraquejar, sem me queixar, nem me revoltar; que eu
seja humilde sem servilismo, forte sem aspereza, sábio sem presunção,
delicado sem sentimentalismo, que encontre o meu céu na terra em servir aos
outros sem nenhum desejo de ser servido.

Deus, eu te agradeço porque me deste a luz de compreender esta verdade


redentora – e peço-te que me dês a força de viver, à luz desta verdade, uma
vida de amor universal e radiante felicidade.
DADOS BIOGRÁFICOS

Huberto Rohden

Nasceu na antiga região de Tubarão, hoje São Ludgero, Santa Catarina, Brasil
em 1893. Fez estudos no Rio Grande do Sul. Formou-se em Ciências, Filosofia
e Teologia em universidades da Europa – Innsbruck (Áustria), Valkenburg
(Holanda) e Nápoles (Itália).

De regresso ao Brasil, trabalhou como professor, conferencista e escritor.


Publicou mais de 65 obras sobre ciência, filosofia e religião, entre as quais
várias foram traduzidas para outras línguas, inclusive para o esperanto;
algumas existem em braile, para institutos de cegos.

Rohden não está filiado a nenhuma igreja, seita ou partido político. Fundou e
dirigiu o movimento filosófico e espiritual Alvorada.

De 1945 a 1946 teve uma bolsa de estudos para pesquisas científicas, na


Universidade de Princeton, New Jersey (Estados Unidos), onde conviveu com
Albert Einstein e lançou os alicerces para o movimento de âmbito mundial da
Filosofia Univérsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a
constituição do próprio Universo, evidenciando a afinidade entre Matemática,
Metafísica e Mística.

Em 1946, Huberto Rohden foi convidado pela American University, de


Washington, D.C., para reger as cátedras de Filosofia Universal e de Religiões
Comparadas, cargo este que exerceu durante cinco anos.

Durante a última Guerra Mundial foi convidado pelo Bureau of lnter-American


Affairs, de Washington, para fazer parte do corpo de tradutores das notícias de
guerra, do inglês para o português. Ainda na American University, de
Washington, fundou o Brazilian Center, centro cultural brasileiro, com o fim de
manter intercâmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos.

Na capital dos Estados Unidos, Rohden frequentou, durante três anos, o


Golden Lotus Temple, onde foi iniciado em Kriya-yoga por Swami Premananda,
diretor hindu desse ashram.

Ao fim de sua permanência nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado
para fazer parte do corpo docente da nova International Christian University
(ICU), de Metaka, Japão, a fim de reger as cátedras de Filosofia Universal e
Religiões Comparadas; mas, por causa da guerra na Coréia, a universidade
japonesa não foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em São Paulo foi
nomeado professor de Filosofia na Universidade Mackenzie, cargo do qual não
tomou posse.

Em 1952, fundou em São Paulo a Instituição Cultural e Beneficente Alvorada,


onde mantinha cursos permanentes em São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia,
sobre Filosofia Univérsica e Filosofia do Evangelho, e dirigia Casas de Retiro
Espiritual (ashrams) em diversos estados do Brasil.

Em 1969, Huberto Rohden empreendeu viagens de estudo e experiência


espiritual pela Palestina, Egito, Índia e Nepal, realizando diversas conferências
com grupos de iogues na Índia.

Em 1976, Rohden foi chamado a Portugal para fazer conferências sobre


autoconhecimento e autorrealização. Em Lisboa fundou um setor do Centro de
Autorrealização Alvorada.

Nos últimos anos, Rohden residia na capital de São Paulo, onde permanecia
alguns dias da semana escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos
definitivos. Costumava passar três dias da semana no ashram, em contato com
a natureza, plantando árvores, flores ou trabalhando no seu apiário-modelo.

Quando estava na capital, Rohden frequentava periodicamente a editora


responsável pela publicação de seus livros, dando-lhe orientação cultural e
inspiração.
À zero hora do dia 8 de outubro de 1981, após longa internação em uma clínica
naturista de São Paulo, aos 87 anos, o professor Huberto Rohden partiu deste
mundo e do convívio de seus amigos e discípulos. Suas últimas palavras em
estado consciente foram: “Eu vim para servir à Humanidade”.

Rohden deixa, para as gerações futuras, um legado cultural e um exemplo de


fé e trabalho, somente comparados aos dos grandes homens do século XX.

Huberto Rohden é o principal editando da Editora Martin Claret.


Relação de obras do
Prof. Huberto Rohden

Coleção Filosofia Universal

O pensamento filosófico da Antiguidade


A filosofia contemporânea
O espírito da filosofia oriental

Coleção Filosofia do Evangelho

Filosofia cósmica do Evangelho


O Sermão da Montanha
Assim dizia o Mestre
O triunfo da vida sobre a morte
O nosso Mestre

Coleção Filosofia da Vida

De alma para alma


Ídolos ou ideal?
Escalando o Himalaia
O caminho da felicidade
Deus
Em espírito e verdade
Em comunhão com deus
Cosmorama
Por que sofremos
Lúcifer e Lógos
A grande libertação
Bhagavad Gita (tradução)
Setas para o infinito
Entre dois mundos
Minhas vivências na Palestina, Egito e Índia
Filosofia da arte
A arte de curar pelo espírito. Autor: Joel Goldsmith (tradução)
Orientando
“Que vos parece do Cristo?”
Educação do homem integral
Dias de grande paz (tradução)
O drama milenar do Cristo e do Anticristo
Luzes e sombras da alvorada
Roteiro cósmico
A metafísica do cristianismo
A voz do silêncio
Tao Te Ching de Lao-tse (tradução)
Sabedoria das parábolas
O Quinto Evangelho segundo Tomé (tradução)
A nova humanidade
A mensagem viva do Cristo (Os quatro Evangelhos – tradução)
Rumo à consciência cósmica
O homem
Estratégias de Lúcifer
O homem e o Universo
Imperativos da vida
Profanos e iniciados
Novo Testamento
Lampejos evangélicos
O Cristo cósmico e os essênios
A experiência cósmica
Panorama do cristianismo
Problemas do espírito
Novos rumos para a educação
Cosmoterapia

Coleção Mistérios da Natureza

Maravilhas do Universo
Alegorias
Ísis
Por mundos ignotos

Coleção Biografias

Paulo de Tarso
Agostinho
Por um ideal – 2 vols. autobiografia
Mahatma Gandhi
Jesus Nazareno
Einstein – o enigma do Universo
Pascal
Myriam
Coleção Opúsculos

Catecismo da filosofia
Saúde e felicidade pela cosmo-meditação
Assim dizia Mahatma Gandhi (100 pensamentos)
Aconteceu entre 2000 e 3000
Ciência, milagre e oração são compatíveis?
Autoiniciação e cosmo-meditação
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