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1 História, Princípios e Organizações Batistas Unidade 13

História, Princípios e Organizações Batistas Unidade 13


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Unidade 13
História, Princípios e Organizações Batistas
Direitos Autorais

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todos os direitos, embasada na LEI N° 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998.
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fica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento
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a ser desenvolvido.
Unidade 13

Breve Biografia do Autor

EDILSON SOARES DE SOUZA Doutor e Mestre em História pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Graduado em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), com formação em Teoria
Relacional Sistêmica. Psicólogo Clínico. Graduado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul
História, Princípios e Organizações Batistas

do Brasil (STBSB), curso convalidado pela Faculdade Teológica Batista do Paraná (FTBP). Professor na
graduação, pós-graduação e no mestrado da FTBP. Editor Responsável pela Revista Via Teológica, publi-
cada pela FTBP. Pesquisador vinculado ao Núcleo Paranaense de Pesquisa em Religião (NUPPER). Autor
do livro Cristãos em confronto: Brasil 1890-1960, publicado pela Editora CRV – Curitiba, PR (ISBN 978-85-
8042-866-7).

Avaliação, Instrumentos, Critérios


Avaliação única presencial: espera-se que o aluno leia o conteúdo de cada unidade, preparando-se para a
avaliação presencial que está marcada para o final do semestre.
Quando da avaliação, cada aluno receberá um texto (e o mesmo para todos). Após a leitura do mesmo,
será solicitado que o aluno discorra sobre o conteúdo, propondo uma relação entre o texto sugerido e o
conteúdo das unidades, que foi disponibilizado.
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Apoio e Suporte ao Aluno


Além do apoio do Tutor, do apoio do Coordenador-Tutor do Pólo, o aluno terá à sua disposição o
suporte 0800, o suporte on-line via Internet, bem como a biblioteca na Sede da FTBP, as bibliotecas de
apoio nos pólos e os links selecionadosemnossa biblioteca on-line.

Bibliografia Básica
AZEVEDO, Israel Belo de. A celebração do indivíduo: a formação do pensamento batista brasileiro. São
Paulo: Vida Nova, 2004.
OLIVEIRA, Betty Antunes de. Centelha em restolho seco: uma contribuição para a história dos primór-
dios do trabalho Batista no Brasil. São Paulo: Vida Nova, 2005.
SOUZA, Edilson Soares de. Cristãos em confronto: Brasil 1890-1960. Curitiba: Editora CRV, 2014.

Bibliografia Complementar
ADAMOVICZ, Anna Lúcia Collyer. Imprensa Protestante na Primeira República:
evangelismo, informação e produção cultural. O Jornal Batista (1901-1922). Tese de
Doutorado em História. 432 f. São Paulo: USP, 2008.

ASSUMPÇÃO, Xavier. Pequena história dos batistas no Paraná. Curitiba: Edição do


autor, 1976.

BARREIRA, Paulo Rivera. Tradição, transmissão e emoção religiosa: sociologia do pro-


testantismo contemporâneo na América Latina. São Paulo: Olho D’Água, 2001.

BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 1967.

CÂMARA, Uipirangi Franklin da Silva. Palco, música e ilusão: um recorte histórico-teo-


lógico da identidade dos batistas no Brasil no contexto contemporâneo de pluralidade
religiosa. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. 128 f. São Bernardo do Campo,
SP: Universidade Metodista de São Paulo, 2003.
Unidade 13
CAIRNS, Earle Edwin. O cristianismo através dos séculos: uma história da Igreja Cris-
tã. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2008.

CARROLL, J. M. O rasto de sangue: acompanhando os cristãos através dos séculos ou


a história das Igrejas Batistas desde o tempo de Cristo, seu fundador, até os nossos dias.

História, Princípios e Organizações Batistas


[S.l.:s.n.], [196?].

CAVALLARI, Nivaldo. Centenário de Fé: a história da Primeira Igreja Batista de Para-


naguá. Curitiba, PR: A. D. Santos Editora, 2003.

CERTEAU, Michel. A escrita da história. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

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LE GOFF, Jacques. História e Memória. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.

LÉONARD, Émile-Guillaume. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e de


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MEIN, David. O que Deus tem feito. (Org.) Rio de Janeiro: JUERP, 1982.

MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O Celeste porvir: a inserção do Protestantismo no Brasil.


3. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

MESQUITA, Antônio Neves de. História dos Batistas do Brasil: de 1907 até 1935. Rio de
Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1940.

MULLINS, E. Y. Os axiomas da religião: uma nova interpretação da fé batista. 3ª edição.


Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1956.

PEREIRA, José dos Reis. História dos batistas no Brasil (1882-1982). 3. ed. (edição
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REILY, Duncan Alexander. História documental do protestantismo no Brasil. 3. ed. (revi-


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Unidade 13

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ção Provisória da Convenção Batista Brasileira (1907). Revista Via Teológica, n. 18,
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Revista Via Teológica, edição nº 01 (2010), jun./2010, p. 33-50. Curitiba: Faculdade Teológica
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________________________. Diálogos (re) velados: a trajetória e os discursos político-


-doutrinários dos batistas brasileiros (1974-1985). Dissertação de Mestrado em História.
165 f. Curitiba, PR: Universidade Federal do Paraná, 2008.

________________________. Encontros e desencontros religiosos: o confronto entre


Batistas e Católicos Romanos no Brasil. Vox Scripturae – Revista Teológica Brasileira.
Faculdade Luterana de Teologia, vol. XVII, n. 2, dezembro de 2009. São Bento do Sul, SC:
Editora União Cristã, 2009, p. 81-92.

________________________. Os Anais da Convenção Batista Brasileira e a política no


Brasil. Revista Via Teológica, n. 14, v. II, dez./2006, p. 41-56. Curitiba: Faculdade Teológica
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Batista do Paraná, 2006.

________________________. Os Batistas no Brasil: as Confissões de Fé e a liberdade de


consciência. Via Teológica, n. 16, vol. I. Curitiba: Faculdade Teológica Batista do Paraná,
2008, p. 45-58.

________________________. Os Batistas no Brasil: reflexões sobre temas sociais (1974-


1985). Revista Teológica/Revista Brasileira de Teologia da Faculdade Batista do Rio de
Janeiro, ISSN 1807.7056, n. 04, ago/dez de 2012, Rio de Janeiro, p. 86-105.

TARSIER, Pedro. História das perseguições religiosas no Brasil. Tomo 1. São Paulo: Cul-
tura Moderna, [193-].

TARSIER, Pedro. História das perseguições religiosas no Brasil. Tomo 2. São Paulo: Cul-
tura Moderna, [193-].

VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil.


2.ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1980.
Unidade 13
Sumário
Plano de Ensino ...................................................................................................................................... 08
Apresentação geral ao tema .................................................................................................................. 09

História, Princípios e Organizações Batistas


Introdução ............................................................................................................................................... 10
Unidade 01
HISTÓRIA DOS BATISTAS: uma breve introdução ................................................................................ 11
Unidade 02
OS BATISTAS NO BRASIL: estratégias expansionistas ....................................................................... 15
Unidade 03
BATISTAS BRASILEIROS: (re) visitando a histórial .............................................................................. 20
Unidade 04
CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA: um documento fundador ........................................................ 28
Unidade 05

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CRISTÃOS EM CONFRONTO: os batistas e os católicos romanos .................................................... 34
Referências ............................................................................................................................................. 41
Unidade 13

Plano de Ensino
Ementa

A disciplina visa proporcionar aos alunos uma compreensão objetiva da origem dos batistas no
História, Princípios e Organizações Batistas

contexto de uma Europa em transformação, tanto pelo aspecto social quanto pelo aspecto político,
refletindo-se nos movimentos religiosos do século XVII. Da Europa, os batistas alcançaram signi-
ficativo desenvolvimento nos Estados Unidos, enviando missionários para além de suas fronteiras,
inclusive, para a implantação da denominação no Brasil, o que ocorreu a partir do século XIX.

Objetivo Geral

Objetiva-se apresentar parte da trajetória de inserção e expansão dos batistas no Brasil, destacando-se
as organizações que empreenderam considerável esforço missionário, sob a coordenação da Convenção
Batista Brasileira – CBB –, criada em Salvador no ano de 1907. Em sua expansão religiosa, os batistas
desenvolveram, ao lado de outros protestantes, firme defesa dos princípios cristãos, confrontando os
intelectuais católicos em suas posições e práticas religiosas.

Objetivo Geral
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• Considerar parte da trajetória histórica dos batistas, que teve início na Europa e chegou ao Brasil no
século XIX;

• Analisar alguns documentos ou textos que remetem aos aspectos históricos dos batistas no contexto
social brasileiro;

• Analisar a discussão em torno da criação da Convenção Batista Brasileira, o que ocorreu em 1907,
tornando-se a organização aglutinadora dos esforços das igrejas batistas locais em todo o Brasil;

• Reconhecer que a trajetória dos batistas no Brasil foi marcada por momentos de tensões, revelando
discussões internas e debates com interlocutores externos, no que podemos chamar de confrontos
religiosos

Conteúdo Programático

1. Capítulo 01
HISTÓRIA DOS BATISTAS: uma breve introdução
2. Capítulo 02
OS BATISTAS NO BRASIL: estratégias expansionistas
3. Capítulo 03
BATISTAS BRASILEIROS: (re) visitando a história
4. Capítulo 04
CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA: um documento fundador
5. Capítulo 05
CRISTÃOS EM CONFRONTO: os batistas e os católicos romanos
Unidade 13
Apresentação geral ao tema
Outra página da história do cristianismo começa a ser escrita com os profundos movimentos da Reforma
Religiosa iniciados na Alemanha, entre os séculos XVI e XVII, sobretudo, com as teses defendidas por

História, Princípios e Organizações Batistas


Marinho Lutero, questionando a Igreja Católica sobre algumas práticas religiosas e determinadas ênfase
doutrinárias ou eclesiásticas. Os movimentos iniciados na Alemanha espalharam-se por parte da Europa,
exercendo considerável influência em todo o mundo religioso daquela época, atravessando os séculos e
os continentes.
Com os desdobramentos da Reforma Religiosa na Europa, temos o chamado Protestantismo, que reuniu
em torno si diversos grupos e dissidentes que comungavam sobre alguns pontos em comum do cristia-
nismo, defendendo práticas ou princípios do cristianismo que não eram enfatizados ou priorizados pelo
catolicismo. Para os protestantes do século XVII, a Bíblia tornava-se o ponto fundamental de interpre-
tação e de prática religiosa no contexto cristão, transferindo para o indivíduo a liberdade de consciência
sobre suas escolhas espirituais.
É nesse contexto de transformações sociais e políticas na Europa que surgem os batistas, nomeados que
foram entre 1609-1612, dando destaque ao batismo de pessoas adultas e pela prática da imersão, algo raro
naqueles dias. Esse mesmo grupo volta para a Inglaterra e continua defendendo o batismo de adultos
por imersão. Posteriormente, os batistas vão influenciar na formação das colônias nos Estados Unidos da

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América, alcançando significativa expansão no norte do continente americano.
No Brasil, os batistas chegaram com os imigrantes americanos no século XIX, que se constituíram tam-
bém em colônias, conservando as suas práticas culturais e religiosas. Posteriormente, os batistas da Con-
venção Batista do Sul dos Estados Unidos enviaram missionários para empreenderam um projeto de
evangelização do povo brasileiro, fortemente influenciado pelo catolicismo português. Não tardou para
que os escritores da denominação batista confrontassem os escritores católicos, identificando no cato-
licismo o atraso no desenvolvimento da sociedade brasileira. É sobre parte da trajetória dos batistas, no
mundo e no Brasil, que discorreremos nas próximas páginas.
Unidade 13

Introdução
A história dos batistas é marcada por eventos singulares, como os primeiros registros da ênfase do ba-
tismo por imersão, ministrado aos indivíduos adultos, com condições de reconhecer os seus pecados e
História, Princípios e Organizações Batistas

aceitarem a graça salvadora e transformadora em Jesus Cristo. Para os batistas, desde a origem dos primei-
ros adeptos dessa confissão de fé, a experiência de conversão passa pelo livre arbítrio do indivíduo, que
também escolhe submeter-se ao batismo, que deve – necessariamente – ser por imersão. Para os batistas,
é assim que a Bíblia ensina, e é assim que os cristãos devem fazer. A Bíblia, então, constitui-se a principal
orientação de fé e prática das igrejas batistas locais, que, a partir de uma autonomia local, procuram em-
preender a evangelização das pessoas e o trabalho de missões, tanto no Brasil quanto em parte do mundo.
Para entender parte da trajetória dos batistas, estruturamos o nosso estudo em cinco capítulos.
No Capítulo 01, apresentamos uma breve introdução ao estudo da História dos Batistas, procurando
marcar os principais elementos constitutivos da origem e do desenvolvimento daqueles pioneiros. O local
de origem dos batistas é a Europa do século XVII, mas o avanço e o fortalecimento da denominação vão
ocorrer nos Estados Unidos.
No Capítulo 02, vamos considerar as estratégias expansionistas dos batistas no contexto social brasileiro,
tendo na organização da Primeira Igreja Batista de Salvador (1882) o centro de missões para a evangeli-
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zação do povo brasileiro. As organizações missionárias, então, ocuparão um lugar de destaque no desen-
volvimento das atividades da denominação no Brasil.
No Capítulo 03, empreendemos uma discussão sobre alguns marcos batistas em sua caminhada no con-
texto social brasileiro, o que chamamos de (re) visitando a história dos batistas no Brasil. A proposta é
identificar personagens e procurar entender a sua influência no processo de consolidação religiosa da
denominação entre os brasileiros.
No Capítulo 04, destacamos a Convenção Batista Brasileira, mas o fazemos a partir de um documento
fundador, conhecido como Constituição Provisória da Convenção Batista Brasileira. Trata-se de um do-
cumento que merece ser conhecido e analisado pelos que se interessam pela história dos batistas.
No Capítulo 05, destacamos uma página importante da história dos batistas no Brasil, quando se
colocaram em defesa dos princípios da fé cristã, questionando os ensinamentos e as práticas do cato-
licismo romano. Entre outros estudos, destacamos a análise contida no livro Cristãos em confronto: Brasil
1890-1960, que trata dos embates empreendidos por batistas e presbiterianos (protestantes) contra os
intelectuais do catolicismo.
Nossa proposta não é esgotar toda a discussão sobre a história dos batistas, seus princípios e organiza-
ções. O que pretendemos é despertar nos estudantes a motivação que os levem a outros olhares sobre os
eventos que caracterizam uma das denominações cristãs centenárias no Brasil.
Unidade 01
HiSTÓRia dOS BaTiSTaS: uma breve introdução

História, Princípios e Organizações Batistas


introdução

Propomos, neste primeiro capítulo, compreender, lançaram os alicerces de uma denominação


objetivamente, um dos aspectos mais relevantes na com mais de quatrocentos anos de existência
historiografia da denominação Batista: os traços no mundo e que ultrapassou o seu primeiro
históricos de sua origem na Europa, apontando centenário entre os brasileiros.
para os movimentos de transformação social
ocorridos naquela parte do mundo, sobretudo, É importante lembrar que, à medida que analisamos
no início do século XVII. Depois da Europa e os acontecimentos históricos, indicamos alguns
dos Estados Unidos, os batistas alcançaram êxito pontos fundamentais na compreensão doutrinária
em sua inserção no Brasil, revelando estratégias dos batistas, como a ênfase na experiência
de expansão missionária a partir da cidade de de conversão de pessoas que já alcançaram a
Salvador, como veremos no próximo capítulo. consciência de seus pecados e compreenderam
de forma racional a graça que se manifestou

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Para compreender os primeiros movimentos em Jesus Cristo. Tais posições defendidas pelos
dos chamados batistas na Europa e no Brasil, batistas, sobre a conversão pessoal e a prática
podemos nos apoiar nas análises de estudiosos do batismo de adultos, diferem de convicções
que procuraram compreender as intenções e assumidas por outras denominações também de
parte do pensamento daqueles pioneiros, que confissão protestante.

Os traços históricos da origem dos batistas na europa

Para José dos Reis Pereira, “podem-se distinguir surgimento dos primeiros batistas na Europa
três teorias a respeito da origem dos Batistas. aos que experimentavam maiores dificuldades
A primeira é a teoria JJJ ou Jerusalém-Jordão- sociais no contexto Inglês, a gênese do grupo
João. A segunda é a do parentesco espiritual religioso e o seu avanço social “se deram numa
com os Anabatistas do século XVI. E a terceira Inglaterra pré-revolucionária e revolucionária
é a teoria da origem dos Separatistas ingleses em meio a uma feroz guerra civil, filha de
do século XVII”, (PEREIRA, p. 13). Após uma compreensão pré-moderna de liberdades
analisar as duas primeiras teorias, o autor tece públicas”, (AZEVEDO, p. 75).
breves considerações sobre a terceira, dizendo
que a terceira posição “afirma que os Batistas se Azevedo entende que a Inglaterra do século
originaram dos separatistas ingleses, especialmente XVII precisou conviver com transformações
aqueles que eram congregacionais na eclesiologia na sociedade e desdobramentos religiosos,
e insistiam na necessidade do batismo somente de “chocando os ingleses, especialmente em função de
regenerados”, (PEREIRA, p. 14). A terceira teoria algumas idéias políticas e religiosas, consideradas
é a mais adequada, podendo ser sustentada por avançadas”, (AZEVEDO, p. 75). Como resultado
documentos e estudos historiográficos, ajudando desse processo de transformações, as instituições
a compreender a origem e parte da trajetória dos religiosas da época experimentaram rupturas e
batistas, desde o século XVI até os dias atuais. outras adaptações, provocando o surgimento de
diversos grupos ou denominações religiosas de
Assim, buscando compreender esse processo confissão protestante, tornando a religião cristã
que caracteriza a origem dos batistas, deve-se na Europa ainda mais diversificada em suas
retroceder ao início do século XVII e observar práticas e rituais e menos homogênea em seu
os movimentos religiosos ocorridos na Europa, pensamento teológico.
ou mais especificamente na Inglaterra e Holanda.
Para Israel Belo de Azevedo, que associa o Partindo da análise do historiador Kenneth
Scott Latourette, os batistas são mencionados
Unidade 01

pela primeira vez na historiografia cristã quando livre-arbítrio, que colocava diante de cada pessoa a
da organização da primeira igreja batista responsabilidade da escolha pela vida eterna.
entre os ingleses que foram para Amsterdã,
Assim, após o surgimento dos primeiros cristãos
naquele período de profundas transformações
denominados batistas, de origem inglesa, no início
sociais, congregando religiosos que se diziam
História, Princípios e Organizações Batistas

do século XVII, originou-se outro grupo com


separatistas. Após um período na Holanda,
características religiosas semelhantes, que ficou
um grupo de fiéis que confessava os princípios
conhecido como Batistas Particulares. De acordo
cristãos reformados retornou para a Inglaterra,
com Reis Pereira, tal origem deu-se por volta
dando origem ao primeiro grupo que ficou
de 1633 e 1638. Tratava-se, no entanto, de uma
conhecido, historicamente, como Batistas, segundo
coletividade cristã com forte tendência calvinista.
historiadores do cristianismo.
Segundo estudiosos das instituições religiosas,
Escreveu Kenneth Latourette sobre a origem de essa divisão entre Batistas Gerais (arminianos) e
tal grupo ou igreja: “Thomas Helwys, um dos Batistas Particulares (calvinistas) durou até o século
amigos de Symth, que depois rompeu com ele, XIX, quando os dois grupos se uniram, formando
mas seguiu ‘armeniano’, fundou (1612) a que a União Batista da Grã-Bretanha e Irlanda.
parece ser a primeira igreja batista em solo inglês,
Ainda no século XVII, por motivos de
fora dos muros de Londres”, (LATOURETTE,
perseguição religiosa, alguns batistas deslocaram-
Tomo 2, p. 174-175).
se da Inglaterra para os Estados Unidos, num
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E aqui cabe uma explicação: para os batistas na período quando as colônias americanas estavam
atualidade, o conceito de igreja local significa um em formação. Os conflitos entre cristãos datam da
grupo formado por religiosos que congregam na Reforma religiosa ocorrida na Alemanha do século
mesma localidade, não existindo qualquer poder XVI, quando católicos romanos e reformadores
hierárquico de alguma organização externa sobre se enfrentaram, tanto discursiva quanto
tal igreja, tendo a mesma a liberdade para orientar fisicamente. Com o movimento de Reforma
os fiéis sobre temas doutrinários e tratar de Protestante naquele período, parte da Europa
questões políticas, como a separação entre Igreja cristã confrontou-se em defesa de suas convicções
e Estado. Por outro lado, a expressão separatista, de fé e doutrinas. Nesse sentido, os confrontos
segundo Latourette, aplica-se a um grupo de entre cristãos datam do século XVI, mas avançam
religiosos que se retirou da Igreja Anglicana (século pelos séculos seguintes, como analisados no livro
XVII) defendendo a independência e a autonomia Cristãos em Confronto: Brasil 1890-1960, que trata
da igreja, não havendo qualquer vínculo com os dos embates entre intelectuais do catolicismo e
anabatistas. Para o historiador do cristianismo, do protestantismo no contexto social brasileiro,
os separatistas inspiraram, posteriormente, os compreendendo o período que vai do final do
congregacionais, dos quais os batistas herdaram a século XIX até parte do século XX. Mas essa é
forma administrativo-doutrinária. outra parte da história do cristianismo, sobretudo,
no contexto de América Latina!
Aquela primeira igreja local nomeada batista,
datada de 1612, professava os ensinamentos Deixando a perseguição religiosa para trás, os
arminianos, sendo considerada ascendente protestantes dirigiram-se aos Estados Unidos em
espiritual dos Batistas Gerais de Bretanha. E formação, que já revelavam um contexto político-
aqui temos outra explicação: para Latourette, religioso mais tolerante ao pluralismo religioso.
a expressão arminianos está associada à figura Nas colônias americanas, os batistas cresceram e
de Jacob Armínio, um professor de teologia na se desenvolveram, identificando-se com as classes
Universidade de Leiden, que defendia a salvação menos favorecidas da sociedade, inclusive, com os
do indivíduo a partir da graça de Deus, sem que negros escravos do Sul dos Estados Unidos.
houvesse uma predeterminação divina (essa
José dos Reis Pereira escreve sobre a chegada
predeterminação podia assegurar a salvação de
dos primeiros protestantes ao novo continente,
alguns, em detrimento de outros que não foram
dizendo que,
eleitos divinamente). No contexto da Bretanha, os
Batistas Gerais defendiam uma posição teológica muitos foram para a Holanda porém
semelhante aos arminianos, isto é, a existência do o mais famoso desses grupos fugitivos
Unidade 01
preferiu ir para a América do Norte, daquela que provavelmente tornou-se a Primeira
cuja colonização estava nos seus Igreja Batista em solo estadunidense, datada de
começos. Esse grupo era o dos ‘Pilgrim 1639, conhecida como Primeira Igreja Batista de
Fathers’, os Pais Peregrinos, que fretou Providence. Embora exista uma igreja com esse
um pequeno navio, o ‘May-flower’ e nome na mesma localidade, é difícil estabelecer a

História, Princípios e Organizações Batistas


desembarcou nas costas do atual Estado continuidade histórica entre aquela organizada por
norte-americano de Massachussetts em Roger Williams (século XVII) e a atual Primeira
1620. Os pais peregrinos chamaram Igreja Batista de Providence (século XXI). Assim,
àquela região em que se estabeleceram deixando a perseguição religiosa para trás, os
de Nova Inglaterra, saudosos que protestantes dirigiram-se aos Estados Unidos da
estavam do torrão natal, apesar de toda América, que estavam em formação, encontrando
a perseguição. Ali se estabeleceram e ali um lugar mais tolerante aos pensamentos
prosperaram, (PEREIRA, p. 53). religiosos, diferentemente da intolerância que
assolava parte da Europa do século XVII. Foi
Pereira atribui a Roger Williams, um jovem idealista
naquele contexto americano que os batistas se
chegado da Inglaterra, a fundação de uma das
desenvolveram fortemente, enviando missionários
colônias americanas, mas também a organização
além das fronteiras dos Estados Unidos.

Considerações

13
Historicamente, os batistas ou parte da liderança denominações protestantes também conservam,
denominacional não reconhece o surgimento como a liberdade de leitura e a interpretação da
da coletividade religiosa a partir das Reformas Bíblia, não reconhecendo a voz autorizada do
Religiosas ocorridas na Europa do século XVII. papa, algo fundamental no catolicismo romano.
Defendem que a denominação nomeada de batista
É importante lembrar, portanto, que os batistas
não se alinhou com os grupos religiosos que
são identificados pela primeira vez no início do
protestaram contra a Igreja Católica, rompendo
século XVII, no contexto de uma Europa em
com o clero romanista naquele período. Outros,
franca transformação social, dando significativa
no entanto, entendem que os batistas são
ênfase ao batismo de pessoas adultas, conscientes
identificados e nomeados após os movimentos
de seus pecados e confiantes na graça redentora
reformistas do protestantismo europeu. Dessa
de Jesus Cristo.
forma, defendem alguns princípios que outras
Unidade 01

atividades

indicação cultural
História, Princípios e Organizações Batistas

Relembre de forma objetiva parte do conteúdo trabalhado no capítulo 01 de nossa apostila, assistindo ao
vídeo sobre a história dos batistas. Não se trata de um vídeo oficial da denominação, mas apresenta, de
forma agradável, um resumo muito próximo dos eventos históricos.
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=pEN5fGjv-Jc>
Acesso em: 05/12/2013.

Sei responder

Quando e em que lugar os batistas foram nomeados pela primeira vez?


( ) No século XVII, na Europa.
14

( ) No século XIX, nos Estados Unidos.


( ) No século XVII, na América Latina.
( ) No século XX, no Brasil.

Questão de Reflexão

Procure responder a esta questão: qual a importância do batismo por imersão na origem dos batistas, a
partir do século XVII?

atividade de aplicação

Escreva numa ficha os principais eventos que fazem parte da origem dos batistas, de sua organização na
Europa até a chegada da denominação ao Brasil, no século XIX.
Unidade 02
OS BaTiSTaS nO BRaSiL: estratégias expansionistas

História, Princípios e Organizações Batistas


introdução

Um dos princípios defendidos pelos batistas nos diversos projetos missionários desenvolvidos
e abraçado por suas organizações, sobretudo, pelas organizações missionárias da denominação
as missionárias, é o princípio do livre arbítrio. batista: a Junta de Missões Nacionais e a Junta de
Trata-se de uma posição ou uma convicção que Missões Mundiais.
transfere para o indivíduo a escolha sobre o seu
presente, mas também sobre o seu futuro, quando Neste capítulo, desejamos apontar para a relevância
pode optar pela eternidade ao lado do Senhor das organizações missionárias no contexto da
Jesus Cristo e do Pai Celeste. Mas para que o denominação batista, mas partindo de uma análise
indivíduo possa fazer tal escolha, a partir do seu das estratégias de expansão missionária, algo
livre arbítrio e consciência, ele precisa conhecer as que teve o seu início embrionário na cidade de
Boas Novas de salvação em Cristo Jesus. E aqui Salvador, no final do século XIX.
temos a base para a ênfase na evangelização e

15
Os batistas e as estratégias de expansão missionária no Brasil

Um dos primeiros documentos elaborados pelos tamos o seguinte pacto: O Senr. Bagby foi
batistas no Brasil, indicando o processo de inserção eleito por unanimidade de votos – Mode-
e desenvolvimento da denominação cristã, é a Ata rador; o Senr. Antonio Teixeira de Albu-
de organização da Igreja Batista em Salvador, na querque – Idem – Secretario; O nome da
Bahia, em outubro de 1882. Igreja foi intitulado 1ª Igreja Baptista na
Bahia. Por unanimidade de votos, foi de-
O documento, que registra as primeiras decisões signado o 2° domingo de cada mês para
daquele grupo ao iniciar as suas atividades Ceia do Senhor, depois da pregação as 11
religiosas, descreve: horas da manhã – Foi designado que ha-
Acta Primeira da secção de installação verá reunião da Igreja para oração e ne-
da Primeira Igreja Baptista na cidade da gócios da Igreja. Encerrada a secção, tem
Bahia. No dia 15 de outubro de 1882 da em seguida Culto, Pregação do Evange-
era christã estando presentes nesta cidade lho e celebração da Ceia do Senhor. Eu
da Bahia no logar denominado Canella, às secretario a escrevi e assigno-me Antonio
10 horas da manhã os abaixo assignados Teixeira de Albuquerque. Bahia, 10 de
membros da Igreja Baptista de Sta Bár- maio de 1883, (ATA DE ORGANIZA-
bara, na província de São Paulo, tendo- ÇÃO DA PRIMEIRA IGREJA BATIS-
-se retirado d’aquella província para esta, TA EM SALVADOR, 1882).
unir-se-ão a Igreja Baptista fazendo a sua O texto anterior, com redação original, é a
installação legalmente. São os seguintes: transcrição das primeiras decisões dos batistas no
Senr. Antonio Teixeira de Albuquerque, Brasil, sendo a primeira Ata a ser elaborada logo
Senr. Z. C. Taylor, Dª Catharina Taylor, após a organização da igreja local naquela cidade.
Senr. W. B. Bagby, Dª Anna L. Bagby. Durante algumas décadas, a igreja organizada
Depois de installada a Igreja com os cin- em Salvador (1882) foi considerada a Primeira
co membros supra menciondados, adop- Igreja Batista no Brasil, de acordo com decisão da
tamos unanimemente a Confissão de Fé, Convenção Batista Brasileira, na década de 1960.
chama-se The New Hampshire Confis- O documento informa que aquela igreja local na
são de Fé, como praticada geralmente pe- Bahia foi constituída com pessoas que já estavam
las Igrejas Baptistas Missionárias. Adop- filiadas a outra igreja batista local, instalada em
Unidade 02
Santa Bárbara d’Oeste, no interior de São Paulo. 48). Assim, os batistas são aqueles que batizam,
mergulhando ou imergindo o corpo do fiel.
Cabe, portanto, uma explicação sobre a prática
de ingresso em determinada igreja batista, Voltando ao documento que conta da organização
objetivando entender a narrativa do documento: da igreja em Salvador, percebemos que aquele
História, Princípios e Organizações Batistas

naquele período, quando um indivíduo desejava primeiro grupo citou e reafirmou os seus
unir-se a uma igreja batista local, egresso de outro princípios, contidos numa Confissão de Fé,
grupo religioso ou não, deveria submeter-se ao reconhecida pelos batistas dos Estados Unidos.
ato do batismo, isto é, ter o seu corpo imerso Tratava-se da Confissão de Fé de New Hampshire, que
em água, caracterizando o batismo por imersão. foi adotada pelos batistas brasileiros. Tal Confissão
O batismo por imersão, oficializado pelas igrejas de Fé pode ser datada de 1833, sob a coordenação
locais, acontecia em rios, lagos e nas praias do do Rev. John Newton Brown (1803-1868).
litoral brasileiro. Posteriormente, as igrejas batistas
passaram a construir os seus próprios templos e Outro aspecto importante na trajetória dos batistas
neles os chamados batistérios, que são tanques onde no Brasil é entender a escolha da Bahia como
os novos conversos são submetidos ao ato de local estratégico para a expansão da coletividade
batismo. Com este ato, que não tem semelhança religiosa no contexto social brasileiro. Podemos,
com o sacramento do catolicismo romano, os fiéis então, questionar: por que a Bahia?
tornam-se membros de uma igreja batista local. A resposta a essa questão – a escolha da cidade
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Quando o indivíduo já batizado por imersão conhecida hoje como Salvador como um centro
desejava sair de uma igreja batista local para outra, de expansão da coletividade batista – pode ser
o processo era mais administrativo, oficializando- encontrada em dois textos, que traduzem um
se a troca de um documento chamado Carta de documento de 1881. A tradução do documento
Transferência. Nesse caso, a igreja local que recebia o foi realizada por dois missionários da Junta
novo membro solicitava uma Carta de Transferência de Richmond (Virgínia, Estados Unidos), que
à igreja local a qual o indivíduo estava vinculado. desenvolveram atividades no Brasil, mas em
Após receber o pedido de transferência, esta igreja períodos distintos.
elaborava a carta e enviava à igreja solicitante. Foi O primeiro missionário foi Asa Routh Crabtree,
assim com os membros da igreja batista na Bahia, que inseriu o texto em sua obra datada de 1937.
que estavam vinculados às igrejas em Santa Bárbara Sobre A. R. Crabtree, podemos dizer que pode ser
d’Oeste, se transferiram para a novel igreja batista considerado um dos formadores do pensamento
em Salvador. batista brasileiro, sendo autor de 16 (dezesseis) obras
Ao considerar o nome que identifica a publicadas somente no Brasil. O outro missionário
coletividade religiosa, um dos pioneiros batistas que nos ajuda a compreender o processo de
faz a seguinte afirmação: inserção e desenvolvimento dos batistas no Brasil
é David Mein, que colocou o mesmo documento
como os seguidores de Christo foram traduzido em sua obra de 1982.
designados christãos por zombadores,
assim tambem o povo da nossa fé foi Ao escrever a Historia dos Baptistas do Brasil: até o
chamado Baptista pelos seus opponentes, anno de 1906, Crabtree procurou esclarecer os
porque rejeitou o baptismo infantil. motivos da opção pela Bahia, no que ele mesmo
Como o nome christão, embora denominou de base de operações missionárias:
inadequado, assim tambem o nome as considerações que determinaram
Baptista, igualmente inadequado, pegou a escolha da antiga capital do país,
e tornou-se titulo de honra. O povo foram apresentadas pelo sr. Bagby e
desta fé é mais antigo do que o seu nome incorporadas no relatório da Junta
histórico, (CRABTREE, p. 06). de Richmond: ‘Cremos que o melhor
O pensamento exposto na citação é ratificado lugar para principiar é a Bahia. Com
pelas palavras de E. C. Routh, ao afirmar que “na excepção do Rio de Janeiro, é a maior
língua grega, a palavra baptizo, traduzida ‘batizar’, cidade do Império. Escolhemos a Bahia
significa ‘mergulhar’ ou ‘imergir’”, (ROUTH, p. por diversas razões: Primeiro, pela sua
Unidade 02
grande população, sendo o numero fundamental e médio, constituindo seminários para
de habitantes mais ou menos 200.000. preparar os líderes batistas brasileiros, edificando
Encontramos ali as massas do povo ao asilos e hospitais num trabalho que permanece até
alcance immediato. Segundo, a região o momento presente. Um desejo que os batistas
que cerca a cidade é muito povoada. É demonstraram desde o século XIX, seja a partir

História, Princípios e Organizações Batistas


campo de lavoura e mui productivo. de Santa Bárbara d’Oeste ou de Salvador, foi o
A população é mais sedentária que a da expansão evangelizadora por todo o território
de vida pastoril. Terceiro, é ligada pelo brasileiro. Para os batistas, o processo de expansão
mar com outros pontos importantes; passaria, necessariamente, pelo estabelecimento
por bahias e rios com grandes cidades de igrejas locais, começando em Salvador.
e villas e por duas linhas de estrada de
ferro com muitos lugares no interior. Diante dos acontecimentos, as igrejas locais
Quarto, teremos tambem na Bahia um deveriam conservar os ideais apontados por Asa
campo quase desoccupado, enquanto no Routh Crabtree, quando disse que “a igreja é
Rio se acham seis ou oito missionarios composta de pessoas regeneradas, com direitos e
de outras denominações evangelicas. privilegios iguaes, que reconheçam a autoridade
Na Bahia ha dois apenas e estes dos absoluta de Jesus Cristo na administração de
Presbyterianos do Norte dos Estados todos os seus negócios”, (CRABTREE, p. 05).
Unidos. Não ha qualquer obreiro Mais do que um ideal, tal afirmação reflete um dos

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nacional na provincia da Bahia, se não princípios batistas: a composição das igrejas locais,
nos enganamos, enquanto nas provincias a partir de pessoas convertidas a Jesus Cristo, e a
do Rio de Janeiro e São Paulo, ha um autonomia destas mesmas igrejas.
bom numero de missionarios e obreiros A estratégia de inserção social dos batistas ficou
nacionaes... Assim, a Bahia com a região clara: a evangelização do povo brasileiro teve na
em redor, está mais necessitada do que as igreja local o seu apoio, onde os membros seriam
provincias do sul’, (CRABTREE, p. 53). preparados para compartilhar com os outros as
Algumas considerações podem ser feitas: a) os suas experiências religiosas. A igreja local, para
batistas, com as suas igrejas locais vinculadas os batistas, significava como ainda representa a
à Convenção Batista Brasileira, se constituem possibilidade de debater assuntos de interesse
como denominação cristã, embora exista uma da comunidade, tendo a liberdade para tomar as
controvérsia se tal denominação pertence decisões de acordo com a maioria dos presentes
ao chamado protestantismo no Brasil, que nos momentos de deliberação.
é constituído por outras instituições ou Para Israel Belo de Azevedo, a forma que tomou a
denominações cristãs; b) antes de se lançar igreja em cada localidade seguiu o modelo norte-
os fundamentos para o desenvolvimento da americano, como se pode ler da admiração dos
missão entre os brasileiros, uma estratégia muito batistas pelos americanos:
objetiva foi traçada, sob a coordenação da Junta
de Richmond, patrocinadora do projeto de por sua dedicação ao trabalho, seu in-
evangelização do povo brasileiro; lembrando que teresse pela saúde pública, seu apoio
uma primeira tentativa foi realizada em 1859; e c) à educação, sua prosperidade coletiva,
os batistas do Sul dos Estados Unidos estavam, seu desenvolvimento tecnológico, sua
primeiramente, interessados nas massas formadas demonstração de civismo e, principal-
pelos brasileiros e, por isso, optaram por um mente, a eficácia de seu sistema político
centro populoso e, estrategicamente, de fácil que faz dos votos ‘a verdadeira repre-
intercâmbio e mobilidade com os outros centros sentação’ do povo, ‘o colosso do norte’
econômicos, facilitando o deslocamento e a é o ‘nosso grande modelo’ de ‘nação
inserção sócio-religiosa. Um projeto missionário democrática’, (AZEVEDO, p. 111).
para evangelização do Brasil!
Segundo Israel Belo de Azevedo, os batistas daqui
Dessa forma, da Bahia, a partir de 1882, os batistas olhavam para os Estados Unidos vendo-os como
se espalharam por todo o território nacional, um modelo na implantação de uma doutrina de fé,
organizando igrejas, criando escolas de ensino mas também como referência de uma sociedade
Unidade 02
que se podia admirar. De acordo com os dados de atuação entre os brasileiros, mas segundo
colhidos por Azevedo, retirados de O Jornal Batista, um modelo estadunidense. Assim, os Estados
os batistas no Sul da América percebiam os Estados Unidos foram vistos por alguns religiosos daqui,
Unidos como representantes de um estilo de vida com algumas exceções, como uma nação modelo,
marcado pela ordem, pelo direito adquirido, pela que foi concebida segundo os princípios e valores
História, Princípios e Organizações Batistas

oportunidade de crescimento econômico e pela do protestantismo.


democracia, exercitada pelo voto de cidadãos
livres, como na citação anterior. Quando houve a passagem do sistema imperial
para o sistema republicano, os brasileiros se viram
Pode-se dizer que o modelo internalizado pelos diante da necessidade de compreender essa nova
batistas brasileiros sobre o estilo de vida dos ordem e ajudar a construir uma sociedade mais
norte-americanos exerceu influência no sentido igualitária e justa para todos. Essa sociedade era
da coletividade religiosa seguir os passos das formada por instituições civis, militares e religiosas
igrejas dos Estados Unidos. A expansão das e, entre eles, os batistas, que reconheceram as
atividades dos batistas buscou ampliar o campo vantagens da Proclamação da República.

Considerações

Os princípios e as organizações batistas que Paulatinamente, os batistas no Brasil foram


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experimentaram significativo desenvolvimento assumindo a responsabilidade que lhes cabia


entre os brasileiros não tiveram origem aqui. na expansão do reino de Deus, tanto entre os
Parte da forma de ser batista foi transplantada brasileiros quanto além de nossas fronteiras
da Europa para os Estados Unidos, ainda nos territoriais. A relação amistosa, de reconhecimento
séculos XVII e XVIII, quando as colônias da e de cooperação, ainda permanece entre os
chamada Nova Inglaterra estavam em processo batistas brasileiros e os batistas estadunidenses,
de organização. Os batistas no Brasil estão sendo reafirmada com outros projetos e parcerias
intimamente ligados aos batistas dos Estados na atualidade, indicando um desejo comum: a
Unidos, que enviaram missionários e os mais evangelização dos povos ainda não alcançados
variados recursos para que os batistas do Brasil com a Graça de Jesus Cristo.
alcançassem o seu desenvolvimento.
Unidade 02
atividades

indicação cultural

História, Princípios e Organizações Batistas


Em 2011, os batistas celebraram os 140 anos de organização da Primeira Igreja Batista em solo brasileiro,
instituída no contexto da colônia de Santa Bárbara do Oeste, no Estado de São Paulo. O vídeo lembra o
marco inicial das atividades batistas no Brasil, ampliadas com a organização da Primeira Igreja Batista em
Salvador, em 1882.
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=J0hA9cooNy8>.
Acesso em: 05/12/2013

Sei responder

Por que a Bahia foi escolhida para tornar-se um centro de expansão missionária?

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( ) Por falta de uma opção melhor para o avanço missionário.
( ) Por ser uma região com estrutura adequada e mobilidade para alcançar todo o Brasil.
( ) Por falta de recursos financeiros para organizar uma base missionária no Sul do Brasil.
( ) Em função dos católicos terem chegado a Bahia, em 1500.

Questão de Reflexão

Procure responder a esta questão: como você percebe os projetos de evangelização e missões desenvolvidos
pelos batistas na atualidade?

atividade de aplicação

Anote em uma ficha algumas atividades desenvolvidas pelos batistas em sua região ou cidade, procurando
analisar o impacto de tais atividades no contexto social.
Unidade 03

BaTiSTaS BRaSiLeiROS: (re) visitando a história


História, Princípios e Organizações Batistas

introdução

A inserção dos batistas no Brasil está relacionada expansão religiosa e institucional, marcando a
à chegada dos pioneiros que vieram dos Estados presença da denominação em diversas áreas de
Unidos para residirem e realizaram um trabalho atuação na sociedade durante todo o século XX.
de evangelização entre os brasileiros, além dos
imigrantes que chegaram e formaram colônias Podemos dividir o presente capítulo em duas
no Estado de São Paulo. Tal inserção pode partes: a) escrevendo a história dos batistas no
ser datada do século XIX, simultaneamente à Brasil e sua expansão entre os brasileiros; e b)
chegada de outros grupos religiosos de confissão a organização da Convenção Batista Brasileira,
protestante, como os luteranos, os metodistas e em 1907, procurando coordenar e articular as
os presbiterianos. Após um começo tímido, mas atividades evangelísticas, missionárias, eclesiásticas
consistente, os batistas revelaram uma expressiva e educacionais, das igrejas locais em todo o Brasil.
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Reescrevendo a história dos batistas brasileiros

Quando se considera o processo de inserção de 15 de outubro de 1882 como o marco inicial


e desenvolvimento dos batistas no Brasil, uma das atividades batistas no Brasil. O debate sobre
pergunta pode ser formulada: como foi pensado o início das atividades batistas na sociedade
o projeto para que os batistas do Sul dos Estados brasileira revelou-se mais intenso quando alguns
Unidos estabelecessem igrejas no Brasil e quando textos foram introduzidos nas discussões do
esse projeto foi iniciado? plenário da assembleia convencional, no final da
década de 1960, permitindo aos batistas analisar as
Para responder a essa pergunta, devemos buscar
propostas contidas nos textos encaminhados.
uma resposta não no final do século XIX, mas
no final da década de 1960, quando os batistas Assim, é relevante conhecer alguns dos argumentos
brasileiros debateram sobre o marco fundador que foram apresentados aos participantes da
de suas atividades no Brasil. Esse debate revelou- assembleia anual da CBB (1968) e que foram
se mais intenso em 1968, quando os batistas se ratificados na assembleia seguinte (1969).
reuniram em assembleia anual da Convenção Batista
Brasileira – CBB. Na ocasião, foi apresentado um De acordo com Pereira, o texto apreciado pelo
texto aos participantes do evento que, após ser plenário da CBB apontou alguns argumentos,
discutido pelo plenário, oficializou a data de inicio como podemos ler:
das atividades batistas entre os brasileiros em 1882. como nos aproximamos de nosso
Foi decidido em assembleia convencional que os primeiro Centenário e para evitar
batistas brasileiros reconheciam e oficializavam estudos e decisões de última hora,
o dia 15 de outubro de 1882 como marco inicial conforme aconteceu, recentemente,
de suas atividades entre os brasileiros, tomando- aos irmãos metodistas brasileiros, nas
se como referência as ações que os missionários vésperas das comemorações de seu
estadunidenses realizaram a partir da cidade de Centenário, fazemos uma proposta
Salvador, como se destacou no capítulo anterior. sobre a matéria, atendendo às seguintes
Foi José dos Reis Pereira, em seu livro História razões: 1. O primeiro missionário batista
dos Batistas no Brasil (1882-2001), que escreveu que trabalhou no Brasil foi T. J. Bowen,
sobre o tema Olhando para o centenário. O autor, (nomeado), em 1859, mas ninguém
então, considerou como a assembleia da CBB, sugeriu qualquer comemoração
entre os anos de 1968 e 1969, reconheceu a data centenária relacionada com essa data,
Unidade 03
que, aliás, passou despercebida aos ioruba, para a qual escreveu uma
batistas brasileiros. É que o trabalho gramática. Retirou-se, entretanto, em
de Bowen durou pouco e não produziu 1856, por razões de saúde, e anos depois
frutos, que se saiba. 2. A igreja fundada solicitou à Junta que o transferisse para
em Santa Bárbara, pelos colonos o Brasil. Não tomando em consideração

História, Princípios e Organizações Batistas


norte-americanos ali estabelecidos, a saúde precária do missionário, a Junta
após a Guerra de Secessão, era uma o nomeou em 1859, e ele desembarcou
igreja de língua inglesa, destinada a no Rio de Janeiro em princípios de 1860,
servir exclusivamente aos colonos. 3. (PEREIRA, p. 68).
Essa igreja, bem como outra, por ela
organizada, com os mesmos fins, em E acrescenta o autor, revelando a sua compreensão
1879, no local denominado Estação, dos acontecimentos daquele século XIX,
desapareceu, sem deixar traço, de tal envolvendo Thomas Jefferson Bowen, quando
modo que não se pode determinar houve a primeira tentativa de se inserir entre os
hoje o lugar em que se reunia. 4. Essa brasileiros as atividades e os princípios defendidos
igreja não visava a evangelização pelos batistas: “não foi bem-sucedido em sua
dos brasileiros, embora tivesse visão missão, em grande parte por causa de sua saúde
missionária, visto que escreveu à Junta debilitada e também porque parece que não tinha
de Richmond, solicitando-lhe o envio idéia muito nítida de qual deveria ser seu trabalho.
Conhecedor de uma língua africana, começou

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de missionários, para iniciarem trabalho
batista entre os brasileiros. Detidos pela a falar com os escravos que encontrava e com
barreira da língua e entregues aos seus isso despertou suspeitas. Uma tradição guardada
trabalhos agrícolas, esses irmãos não pela família Bowen diz que ele chegou a ser
encontraram recursos para evangelizar a preso em virtude dessas atividades”, (PEREIRA,
circunvizinhança. 5. O fato de Antônio p. 68). Pouco se sabe, a partir da historiografia
Teixeira de Albuquerque ter sido dos batistas, sobre o trabalho de Bowen entre
batizado em Santa Bárbara não infirma os brasileiros. Outros estudos podem ajudar a
a declaração anterior, porque foi um compreender parte da trajetória dos batistas,
acontecimento isolado, de iniciativa do inclusive, analisando a relação dos missionários
batizando e sobre o qual não temos estadunidenses com os escravos, ainda no período
informações exatas. Propomos, portanto: anterior à Proclamação da República (1889).
a) que a data de 15 de outubro de 1882, Betty Oliveira, que dedica parte de seu trabalho
quando foi fundada pelos Missionários às biografias de alguns pioneiros batistas que
William e Ana Bagby, Zacarias e Kate atuaram no Brasil, destacou também a figura
Taylor e pelo ex-Padre Antônio Teixeira de Thomas Bowen, que se casou com Lurenna
de Albuquerque, a Primeira Igreja Batista Henrietta (Davis) Browen, em 31 de maio de 1853,
da Bahia, seja considerada, oficialmente, em Greensboro, Geórgia, gerando três filhas,
a data do início da obra batista brasileira sendo que a primeira “nasceu em 1854, na terra da
(PEREIRA, p. 366). tribo Ioruba, África, e morreu três meses depois”,
De acordo com o texto apresentado à assembleia, o (OLIVEIRA, p. 107).
primeiro missionário enviado aos brasileiros, pelos Thomas, Lurenna e a pequena Mary Yoruba vi-
batistas estadunidenses, foi Thomas Jefferson veram e trabalharam no continente africano du-
Bowen (1814-1875), que foi nomeado em meados rante um breve período. No entanto, Thomas,
do século XIX, mais exatamente em 1859. que ficou sabendo da presença de negros pro-
Para Reis Pereira, Thomas Bowen cedentes da África Central, sobretudo da tribo
tinha sido enviado antes à Nigéria, Ioruba, “sentiu que, se aqui estivesse, contri-
abrindo assim o primeiro campo buiria, de algum modo, para que daqui fossem
missionário dos batistas do Sul dos negros com preparo para a África, destinados
Estados Unidos no continente africano. ao trabalho missionário”, (OLIVEIRA, p. 111-
Entregou-se a fundo ao trabalho, 112). Com tal visão e apoiados pelos batistas
chegando a aprender bem a língua dos Estados Unidos, os Bowen foram nomeados
Unidade 03
missionários da Foreign Mission Board em 09 dos Estados Confederados, Sul dos
de novembro de 1859, para trabalhar entre os EUA, mas, havia, também, em pequena
brasileiros, preparando, inclusive, liderança para minoria, os do Norte. No grupo
realizar missões na África Central. Tratava-se de havia médicos, dentistas, militares,
uma iniciativa voltada para um projeto religioso fazendeiros, simples agricultores,
História, Princípios e Organizações Batistas

pluricultural, já que os missionários americanos operários, trabalhadores, professores,


estariam preparando religiosos de confissão ba- ministros do evangelho, um jardineiro
tista no Brasil que, por sua vez, seriam enviados surdo-mudo, e aventureiros. Nem todos
para a África com a intenção de evangelizar par- eram norte-americanos, ainda que tidos
te daquele continente. Esse fato histórico refor- como tais (OLIVEIRA, p. 31).
ça a imagem sobre os batistas, sobretudo, com
relação ao trabalho de evangelização, sendo essa É importante destacar que, ao mencionar o
uma das principais marcas da denominação – o contingente que deixou os Estados Unidos
trabalho missionário. em direção ao Brasil, Betty de Oliveira não
entra em maiores detalhes sobre tal processo
Segundo Oliveira, o casal Bowen com “a filhinha migratório, limitando-se a citar a presença de
saíram de Hempton Roads, perto de Norfolk, determinados profissionais que formavam aquele
na Virgínia, na barca ‘Abigail’, para a viagem de grupo pioneiro. Na percepção da autora, mesmo
sete semanas até o porto do Rio de Janeiro”, que todo o contingente não tivesse a intenção
precípua de evangelizar os brasileiros, “alguns
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dando início às atividades em terras brasileiras,


(OLIVEIRA, p. 112-113). Atividades que foram tinham um ideal a cumprir, numa tarefa especial
de curta duração, pois para a autora, “é incorreta a a realizar, como salvos em Cristo Jesus, como
informação de que Bowen ficou 2 (dois) anos no testemunhas da verdade” (OLIVEIRA, p. 31).
Brasil” (OLIVEIRA, p. 108), já que chegou em 21 Com tal afirmação, Oliveira nos remete a um
de maio de 1860 e retornou aos Estados Unidos ponto importante na história dos protestantes
em 09 de fevereiro do ano seguinte, permanecendo que chegaram ao Brasil, inclusive, antes das
no campo missionário brasileiro pouco mais de missões estadunidenses. Embora os imigrantes
oito meses. protestantes permanecessem em colônias, em
determinadas localidades do Brasil, conservando as
Embora o trabalho dos Bowen seja considerado suas práticas culturais e religiosas, isso não dá base
de curta duração, e isso em meados do século para se afirmar que eles não tivessem interesse na
XIX, são poucos elementos ou documentos para evangelização do povo brasileiro, como defendem
se afirmar que a atuação do casal de missionários alguns escritores. Percebe-se, a partir da análise de
não produziu os resultados esperados pelos alguns documentos que, mesmo inseridos em suas
batistas dos Estados Unidos, e que a atuação colônias, tais religiosos de confissão protestante,
daqueles batistas pioneiros foi de importância entre eles os batistas, consideravam a necessidade
reduzida para a coletividade religiosa que se fixou da evangelização dos brasileiros.
na sociedade brasileira. Após a primeira tentativa
dos batistas estadunidenses estabelecerem uma Outro tema pertinente que Betty Antunes
base missionária entre os brasileiros, a trajetória de Oliveira retoma é a questão polêmica da
da denominação vincula-se às atividades dos organização das atividades batistas no Brasil,
imigrantes que chegaram ao Brasil e se instalaram datada (por muito tempo) em 15 de outubro
no interior de São Paulo. de 1882. Cabe lembrar que a datação do início
das atividades dos batistas entre os brasileiros,
Ao estudar a chegada dos colonos ao Estado indicando o ano de 1882 como marco fundador, é
de São Paulo, inclusive de alguns batistas, Betty da década de 1960, como destacado anteriormente.
Antunes de Oliveira faz uma análise do processo Em sua obra Centelha em restolho seco, a autora
de ocupação de terras pelos americanos do norte, aponta para uma estrutura religiosa de confissão
afirmando que: batista, embora embrionária, já existente antes
entre esses emigrados, eram encontrados da chegada ao Brasil dos primeiros missionários
batistas, metodistas, presbiterianos, estadunidenses (1881), objetivando organizar uma
episcopais, católicos e pessoas de outros Primeira Igreja Batista de origem missionária entre
credos. Entre eles havia os procedentes os brasileiros, visando à evangelização de um povo
Unidade 03
marcadamente católico romano. Americana do Brasil, que a esta altura
possui vinte e três (23) membros, com
Ao descrever a localização e as condições das um pastor e os oficiais adicionais que
terras que acolheram os colonos que chegaram as igrejas batistas geralmente possuem.
dos Estados Unidos, Oliveira disse: Que no dia 12 de outubro de 1872, a

História, Princípios e Organizações Batistas


Santa Bárbara dos Toledos, ou igreja, em assembléia, adotou a seguinte
simplesmente Santa Bárbara, é a que resolução: Resolve-se que os irmãos
hoje conhecemos por Santa Bárbara R[obert] Meriwether, R[obert] Brodnax,
d’Oeste, no Estado de S. Paulo. O seu e D[avid] Davis, sejam nomeados para
território, denominado Região dos se comunicarem com a Junta de Missões
Toledos, toda sertão e pertencendo à Estrangeiras, da Igreja Batista, em
Quarta Comarca de Porto Feliz, era Richmond, Virgínia, no tocante ao envio
coberto de matas onde abundavam as de missionários para este país. Dado em
melhores madeiras de lei. Uma estrada de assembléia da igreja, 12 de outubro de
tropas atravessava-o ligando Piracicaba 1872 (REILY, p. 128-129).
a Campinas. Limitava-se, ao sul, com a Percebe-se, tomando-se como referência a carta
Vila de Capivari; ao norte, com a Vila de dos colonos enviada aos batistas estadunidenses,
Limeira; e a oeste, com a Vila Nova da que não houve uma intenção clara de constituírem-
Constituição (OLIVEIRA, p. 37). se em igreja batista para realizar atividades de

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Corrobora para a compreensão dessa estrutura evangelização entre brasileiros. No entanto, o
religiosa no interior de São Paulo a carta enviada texto revela o claro interesse na evangelização do
pelos colonos batistas aos líderes da junta de povo que os recebeu que, na visão dos colonos
Missões Estrangeiras da Convenção Batista do batistas, poderia ser efetivada pelo envio de
Sul dos Estados Unidos, informando sobre a missionários para trabalhar no Brasil. Se, por um
existência de uma igreja pioneira, de confissão lado, os pioneiros organizaram igrejas no contexto
batista, entre os colonos estadunidenses. Nesse de suas colônias, por outro, eles manifestaram e
sentido, a pesquisa empreendida por Duncan escreveram sobre o interesse pela evangelização
Alexander Reily sobre o protestantismo brasileiro do povo brasileiro, lançando os primeiros
constitui-se em outra contribuição, que ajuda a fundamentos de um trabalho de evangelização
compreender os debates que envolveram a datação que atravessaria parte do século XIX e todo o XX,
das atividades dos batistas no Brasil, citando uma avançando até os dias atuais.
carta de 11 de janeiro de 1873. Na carta referenciada anteriormente, não consta
Podemos ler nas considerações desenvolvidas apenas a informação sobre a organização da
por Reily: Primeira Igreja Batista Norte-Americana no Brasil,
pois, além desse registro, houve uma disposição
Província de São Paulo, Sta. Bárbara, em solicitar o envio de missionários para atuar
Brasil, 11 de janeiro de 1873. Ao aqui, indicando, dessa forma, o comprometimento
secretário-correspondente da junta daqueles primeiros batistas no processo de
de Missões Estrangeiras. Permita-nos evangelização no Brasil. O destinatário da
declarar-lhes que, desde 1865, diversos correspondência (Junta de Missões Estrangeiras,
cidadãos do Sul dos Estados Unidos em Richmond, na Virgínia) era o responsável pelo
mudaram-se para o Império do Brasil e envio dos missionários para além das fronteiras
estão localizados nesta província – em dos Estados Unidos. Foi após o envio dessa carta
São Paulo e no distrito de Santa Bárbara que a Junta de Missões Estrangeiras da Convenção
– a maioria dos quais se dedica à lavoura Batista do Sul dos Estados Unidos fez uma nova
(donos de terras etc.) e está radicada aqui. tentativa de estabelecer um trabalho de confissão
Que, no dia 10 de setembro de 1871, batista, a partir da Bahia. Tratava-se de um trabalho
alguns deles, com cartas de várias igrejas religioso, confessional e institucionalizado, voltado
batistas dos estados acima mencionados, para as Américas do Sul e Latina. Criava corpo a
uniram-se e organizaram uma igreja sob estratégia missionária dos batistas dos Estados
o nome de Primeira Igreja Batista Norte- Unidos entre o povo brasileiro.
Unidade 03
Quando os primeiros missionários batistas evangelize o outro e ele mudará, e isso do seu
chegaram ao Brasil em 1881, após a tentativa interior para o exterior, podendo influenciar e
com Thomas Jefferson Bowen e sua esposa transformar a sociedade.
(1859-1860), contaram com o apoio e a estrutura
existentes em Santa Bárbara d’Oeste, onde foram Tal princípio doutrinário – a salvação do
História, Princípios e Organizações Batistas

recebidos pelos pioneiros instalados na região. indivíduo – tornou-se um dos maiores ideais dos
Para os colonos no interior de São Paulo, a primeiros missionários estadunidenses em suas
chegada do primeiro casal de missionários pode missões nos países da América do Sul e do Brasil.
ter significado o início da consolidação de uma Esse mesmo princípio doutrinário constitui-se
doutrina religiosa já praticada no Brasil, inclusive, uma das principais marcas dos batistas no Brasil,
favorecendo a expansão da coletividade religiosa. desde o século XIX até os dias de hoje, já que as
Para os casais de missionários, a existência das igrejas locais empreendem significativos esforços
duas igrejas no interior de São Paulo pode ter na evangelização dos brasileiros.
significado o apoio que precisavam para as Após aquela primeira tentativa de inserção
primeiras incursões entre os brasileiros, pois o e permanência de missões batistas entre os
idioma tornou-se a primeira barreira no diálogo brasileiros (com Bowen), a Convenção Batista
entre estadunidenses e brasileiros. do Sul dos Estados Unidos enviou outro casal
Até mesmo a saída de Antônio Teixeira de de missionários em 1881. Tratava-se de Anne
Ellen Luther e William Buck Bagby, que podem
24

Albuquerque de São Paulo, acompanhando os


missionários até a Bahia, revelava um contingente ser considerados os fundadores das atividades
de batistas já inseridos na sociedade e isso a partir permanentes de missões e ações religiosas entre
da fundação das duas igrejas na colônia de Santa os brasileiros.
Bárbara. É importante lembrar que Antônio Em seu estudo, Oliveira afirmou que William B.
Teixeira de Albuquerque foi o primeiro batista Bagby nasceu em 05 de novembro de 1855, no
brasileiro a se tornar membro da igreja batista Estado do Texas, Estados Unidos da América,
em Salvador (1882), filiando-se inicialmente vindo a falecer em solo brasileiro em 05 de
a uma das igrejas batistas na colônia de Santa agosto de 1939, sepultado que foi na cidade de
Bárbara d’Oeste. Porto Alegre. O veterano missionário norte-
A vinda dos missionários dos Estados americano faleceu “aos 83 anos de idade e foi
Unidos introduziu ou mesmo reforçou um sepultado no Cemitério Protestante”, onde
dos princípios doutrinários defendido pelos se encontra uma placa com os dizeres: “Ao
batistas, que encontram na conversão do Missionário W. B. Bagby, fundador da obra batista
indivíduo a sua transformação pessoal. Para os no Brasil. Homenagem dos batistas brasileiros”,
batistas, a conversão passa pela evangelização, que (OLIVEIRA, p. 306-307).
significa contar sobre as experiências espirituais Antes de viajar com destino à América do Sul, W.
ou religiosas para outra pessoa, mostrando- B. Bagby foi consagrado ao ministério pastoral,
lhe a importância de Jesus Cristo em sua vida. na cidade de Plantersville, no Texas, em março de
Como resultado da evangelização, caso a pessoa 1879, assumindo o pastorado da Igreja Batista em
concorde com os argumentos daqueles que dão Corcicana, no mesmo Estado. No ano seguinte
testemunho, e sob a atuação do Espírito Santo (1880), casou-se com Anne E. Luther e, em
de Deus, dá-se a experiência religiosa e espiritual 1881, o casal desembarcou no porto do Rio de
chamada conversão. Janeiro. Eles “chegaram ao Rio de Janeiro em 2
A experiência de conversão está relacionada ao de março de 1881, após uma viagem de 48 dias”,
novo nascimento, sendo uma das ênfases ou das (OLIVEIRA, p. 129). No Brasil, o casal Bagby
bases no protestantismo, indicando o caminho teve a alegria de gerar nove filhos. Dos filhos,
para uma mudança pessoal, o que não significa, cinco seguiram o exemplo de dedicação religiosa
como consequência, uma transformação da dos pais e se tornaram missionários, atuando no
sociedade onde tal pessoa está inserida. Assim, Brasil (quatro deles) e também na Argentina.
a proposta de testemunho que leve à conversão O projeto de estabelecer igrejas batistas na
pode ser compreendida da seguinte forma: América do Sul, sob a coordenação dos batistas
Unidade 03
do Sul dos Estados Unidos, começava a ganhar fé. Depois de estar com os metodistas, escolheu
forma. Assim, no ano seguinte, em 23 de ficar com os batistas”, (OLIVEIRA, p. 182). Foi
fevereiro de 1882, chegou o segundo casal de junto aos batistas da colônia de Santa Bárbara
missionários americanos – Kate Grawford e que Albuquerque tornou-se o primeiro pastor
Zachary Clay Taylor –, que deu impulso, não batista brasileiro, como se pode ler: “assim foi

História, Princípios e Organizações Batistas


somente à organização da igreja local na Bahia, que, a 20.06.1880, ele fez a sua profissão de fé,
mas à obra missionária entre os brasileiros. foi batizado e no mesmo dia consagrado ao
Ministério da Palavra”, (OLIVEIRA, p. 182).
Segundo Oliveira, Kate Stevens Crawford
e Zachary Clay Taylor casaram-se em 22 de Para Betty Antunes de Oliveira, existem indícios
dezembro de 1881. Ele, nascido em 1851, tinha de um conflito relacional entre o pastor Antônio
pais e avós batistas, e ela, nascida em 1862, Teixeira de Albuquerque e o seu colega de
acompanhou o seu esposo em missões no Brasil, ministério, pastor Elias Hoton Quillin, pastor
embora houvesse o sonho ou desejo de realizar das duas igrejas batistas em Santa Bárbara, pois
missões na China. O casal foi nomeado em 03 de ambos desejavam iniciar uma nova igreja em
janeiro de 1882. Após deixar os Estados Unidos, Piracicaba, o que gerou desentendimentos entre
o casal Taylor desembarcou no porto do Rio de eles.
Janeiro em 22 de fevereiro de 1882.
Sobre o desdobramento do incidente que envolveu
Outro personagem importante na trajetória dos Albuquerque, podemos ler:

25
batistas foi Antônio Teixeira de Albuquerque.
Ele era um ex-padre católico romano, que é fato inconteste que houve
ficou conhecido no meio batista do final do estremecimento no trabalho e as
século XIX como Reverendo Teixeira. Antônio experiências foram duras e fortes para
T. Albuquerque nasceu em abril de 1840, em todos. O pastor Quillin exonerou-se
Maceió, no Estado de Alagoas. Para Oliveira, do pastorado da Igreja da Estação. O
após passar parte de sua adolescência formando- pastor P. R. Thomas foi convocado
se em instituição educacional de confissão para assumi-lo. Teixeira retirou-se para
católica romana, casou-se em setembro de 1878 Capivari, a fim de esmaecer a sua posição
com uma jovem chamada Francisca de Jesus, de realce na comunidade. Uma comissão
que posteriormente ficou conhecida como de membros da igreja foi nomeada para
senhorinha Teixeira. encontrar o caminho que desse paradeiro
ao mal-entendido, (OLIVEIRA, p. 183).
Depois que deixou o sacerdócio católico, e tendo
constituído família, Albuquerque transferiu-se Posteriormente, Antônio Teixeira de Albuquerque
para o Rio de Janeiro em março de 1879, quando se constituiria em instrumento importante para
passou a congregar com os metodistas, em razão a expansão missionária dos batistas no Brasil,
do apoio recebido do missionário J. J. Ransom. A somando-se aos dois casais de missionários
aproximação do casal Albuquerque com a Igreja estadunidenses, que organizaram a Primeira Igreja
Metodista os levou a uma integração maior com Batista com visão missionária na cidade de Salvador.
aquela denominação de confissão protestante. Com o apoio das duas igrejas batistas na colônia de
Santa Bárbara, o trabalho missionário organizado
Após os metodistas terem iniciado a Escola na Bahia alcançaria todo o território nacional,
Newman em Piracicaba, em São Paulo, Antônio avançando para além das fronteiras do Brasil.
Albuquerque transferiu-se para lá, visando ajudar
no desenvolvimento da entidade educacional. Ali
teve início o envolvimento de Albuquerque com
os batistas da colônia de Santa Bárbara d’Oeste,
próxima a Piracicaba. Betty Oliveira resume
em poucas palavras um processo que pode ter
demorado algum tempo, quando mencionou o
relacionamento de Antônio Albuquerque com
os batistas: “convertido, desejou unir-se a um
grupo com o qual pudesse testemunhar de sua
Unidade 03

Considerações

O texto referenciado anteriormente, que traz as tratam de sua organização, que pode ser datada de
reflexões de Betty Antunes de Oliveira, indica 1907. A análise foi realizada no desenvolvimento
História, Princípios e Organizações Batistas

outro elemento constituinte da organização da disciplina Semiótica, Análise do Discurso e


eclesiástica dos batistas, desde os primórdios Teologia (EAD), quando tratamos das “Imagens e
de sua inserção e expansão entre os brasileiros: discursos religiosos: uma produção dos batistas”.
a instituição das comissões formadas pelos Naquela ocasião discutimos a ideia da constituição
membros das igrejas locais, com o intuito de de uma Convenção Batista nacional, que
discutir e apresentar soluções para determinados coordenaria as atividades das igrejas locais em todo
problemas locais. Como destacou o texto de o Brasil. Tratamos, também, das resistências que
Oliveira, no caso do atrito relacional entre dois surgiram por parte de alguns líderes, tanto daqueles
líderes batistas no século XIX, “uma comissão de que chegaram como missionários quanto de líderes
membros da igreja foi nomeada para encontrar o nacionais. Vimos ainda que a CBB, desde 1907,
caminho que desse paradeiro ao mal-entendido”, vem se constituindo em instrumento de unidade
(OLIVEIRA, p. 183). nacional e de esforço para o desenvolvimento das
igrejas locais e da denominação, e isso por mais de
Sobre a criação da Convenção Batista Brasileira cem anos de atividades.
26

– CBB – já apresentamos alguns elementos que


Unidade 03
atividades

indicação cultural

História, Princípios e Organizações Batistas


Leia a Declaração Doutrinária da CBB e conheça um pouco mais do pensamento dos batistas no Brasil.
Disponível em:
<http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=15&Itemid=15>.
Acesso em: 05/12/2013

Sei responder

Qual a importância histórica da organização da Primeira Igreja Batista em Salvador, em 1882?


( ) reuniu os pioneiros que formaram as colônias no interior do Brasil.

27
( ) foi a base para a organização da Convenção Batista Brasileira.
( ) a partir das missões estadunidenses, tornou-se a base missionária para a evangelização do povo
brasileiro.
( ) tornou-se a primeira igreja formada apenas por americanos em solo brasileiro.

Questão de Reflexão

Qual a relação entre as práticas batistas no Brasil, na atualidade, e a influência dos missionários americanos
que chegaram no século XIX?

atividade de aplicação

Procure perceber alguns elementos nas práticas batistas contemporâneas que remetem à origem da
denominação no Brasil do século XIX, sobretudo, com relação às suas organizações.
Unidade 04

COnVenÇÃO BaTiSTa BRaSiLeiRa: um documento


fundador
História, Princípios e Organizações Batistas

introdução

Um dos marcos na trajetória dos batistas no Brasil milhão de integrantes no início do século XXI?
foi a organização da Convenção Batista Brasileira,
em 1907, buscando congregar e aproximar as Bem, para respondermos a essa questão, propomos
igrejas locais e as organizações já constituídas a análise de um dos documentos mais antigos dos
naquele início do século XX. Novamente, os batistas no Brasil, pensado, discutido e elaborado
batistas se reuniram em Salvador, vinte e cinco em 1907, que integra o primeiro volume dos Anais
anos após organizarem a Primeira Igreja Batista da Convenção, sendo conhecido como Constituição
em Salvador, com forte convicção evangelística Provisoria da Convenção das Egrejas Baptistas do Brazil,
e missionária. Desde 1907, os batistas se reúnem (CONSTITUIÇÃO, ACTAS E PARECERES,
regularmente para analisarem os planos de 1907, p. 05-07).
desenvolvimento da denominação, apresentando A presente análise empreendida neste capítulo tem
projetos de expansão e influência em diversas dois objetivos distintos: a) compreender como os
28

áreas de atuação social e religiosa. batistas consideraram a existência de uma Conven-


Assim, uma pergunta pode ser feita ao iniciarmos ção Brasileira, que congregou as várias igrejas lo-
o estudo do presente capítulo: qual a importância cais espalhadas no Brasil; e b) analisar e entender a
da Convenção Batista Brasileira (CBB) para uma estratégia de inserção social do grupo, a partir das
coletividade religiosa que ultrapassa a soma de um entidades ligadas à Convenção Batista Brasileira.

Os anais da CBB: uma das falas coletivas dos batistas no Brasil

De 1907 a 2007, a Convenção Batista Brasileira podemos notar, a capa traz a data da publicação
promoveu 87 assembleias convencionais. Os do volume (1907), o nome da editora – Casa
registros dessas assembleias estão reunidos nos Publicadora Batista –, como também a sua sede
chamados Anais da CBB, que trazem os textos e (cidade do Rio de Janeiro). Isso significa dizer
os documentos sobre as decisões tomadas pelo que os batistas, zelosos pela publicação de boa
plenário da Convenção. Mais do que (re) produzir literatura, já possuíam uma tipografia no início do
textos, os anais registram as intenções e as escolhas século XX, quando da organização da CBB.
da coletividade batista, revelando os resultados dos
debates e das discussões plenárias, contribuindo Ao abrir o primeiro volume dos anais, deparamo-
para se conservar a memória da denominação nos com a primeira Constituição Provisória da
religiosa, desde o século XIX até os dias atuais. Convenção das Egrejas Baptistas do Brazil, cuja duração
iria “até a segunda reunião da Convenção”,
O primeiro volume dos anais traz na sua capa o (CONSTITUIÇÃO, ACTAS E PARECERES,
título: “Constituição, Actas e Pareceres da Primeira 1907, p. 05), que deveria ocorrer no ano seguinte
Convenção das Egrejas Baptistas do Brazil, reunida (1908), quando o texto da Constituição seria
na Primeira Egreja Baptista da Bahia – nos dias revisto pelo plenário da Convenção. Naquela
22 a 27 de junho de 1907”, (CONSTITUIÇÃO, assembleia convencional, a 1ª sessão foi instalada
ACTAS E PARECERES, 1907, Capa do primeiro com o objetivo de reconhecer os delegados e
volume dos anais). eleger a diretoria que conduziria as demais sessões
plenárias da histórica Primeira Assembleia da
Podemos observar que a capa desse primeiro
conhecida Convenção Batista Brasileira.
volume fornece algumas informações básicas
sobre o conteúdo daquele volume histórico, Da primeira ata, podemos ler o seguinte registro:
como também outras informações pertinentes
para a historiografia religiosa. Além disso, como Acta n. 1 (...) As 3 horas da tarde do
Unidade 04
dia 22 de Junho de 1907, presentes Neste primeiro volume dos anais, constam os
grande número de delegados de egrejas nomes daqueles que foram eleitos para ocupar a
e corporações baptistas do Brazil, o primeira diretoria da Convenção, num esforço de
irmão Dr. W. B. Bagby, servindo como conservação da memória coletiva dos batistas no
Presidente da commissão installadora Brasil, como lemos:

História, Princípios e Organizações Batistas


e de verificação de poderes, chamou
para Secretario o irmão pastor Salomão Directoria da Primeira Convenção
L. Ginsburg e auxiliar o irmão pastor (1907-1908): Presidente: F. F. Soren,
A. B. Deter (...) Ao todo 43 delegados caixa n. 352, Rio de Janeiro; Vice-
representando 39 egrejas e corporações. Presidente: Joaquim Lessa, rua
Após a chamada e reconhecimento dos Saturnino Braga, n. 11, Campos,
delegados, o irmão Dr. Bagby disse que E. do Rio; 1° Secretario: Theodoro
na sessão da noite, devido à extensão do R. Teixeira, caixa 352, Rio de
programma haveria grande difficuldade Janeiro; 2° Secretario: Manoel
em se fazer a eleição, por escrutínio Ignácio Sampaio, S. Antonio de
secreto, da Directoria da Convenção, Jesus, Bahia; Thesoureiro: Z. C.
e que por isso suggeria que se elegesse Taylor, rua do Collegio n. 32, Bahia,
verbalmente uma Directoria provisoria (CONSTITUIÇÃO, ACTAS E
até a approvação da Constituição da PARECERES, 1907, p. 03).

29
Convenção depois do que se elegeria a Após apresentar a primeira diretoria da nova
Directoria effectiva, (CONSTITUIÇÃO, organização para o exercício 1907-1908, os anais
ACTAS E PARECERES, 1907, p. 08-09). registram as entidades e juntas que constituíram a
De acordo com o fragmento do documento Convenção e que se fizeram representar no evento:
anteriormente citado, dois mensageiros presentes a) Junta de Evangelização Nacional, com sede na
ao evento histórico – Salomão L. Ginsburg e Arthur cidade de Campos, no Estado do Rio de Janeiro;
B. Deter – merecem destaque, pois revelaram uma b) Junta de Missões Estrangeiras, com sede na
motivação significativa para a criação de uma cidade de Recife, no Estado de Pernambuco; c)
organização que reunisse as igrejas batistas e as Junta da União Masculina Brasileira (UMB), com
suas entidades. No transcorrer daquela primeira sede na Bahia; d) Junta de Educação e Seminário,
convenção batista, voltada para os brasileiros, com sede no Rio de Janeiro; e) Junta de Escolas
foi eleita a sua primeira diretoria, que teve como Dominicais, com sede no Rio de Janeiro; f) Junta
presidente o pastor Francisco Fulgêncio Soren. da Casa Publicadora, com sede na cidade do Rio
Ainda na tarde do dia 22 de junho de 1907, após de Janeiro; g) Administração de Seminário, e h)
a eleição da diretoria da Convenção Batista, Comissão de Revisão da Constituição.
declarou-se aberta a segunda sessão da assembleia, No momento de sua instituição, a Convenção
constando da ata o seguinte texto: “presentes apresentou a seguinte estrutura básica: seis
grande numero de delegados, irmãos, visitas organizações, com suas sedes e respectivos
officiaes, representando corporações armadas, integrantes, e duas comissões de acompanhamento
altas auctoridades, sociedades civis, institutos das atividades da Convenção. A primeira comissão
de ensino, etc”, (CONSTITUIÇÃO, ACTAS E dedicou-se à administração de seminários,
PARECERES, 1907, p. 10). enquanto a segunda, à revisão da constituição, ou o
Notamos que desde o primeiro encontro primeiro estatuto da instituição. Outra informação
convencional, os batistas demonstraram contida no primeiro volume dos anais é o registro
habilidade para buscar o diálogo com instâncias das 13 (treze) teses que foram defendidas diante
não religiosas, representadas por autoridades civis do plenário da assembleia, versando sobre os
e militares, algo que podemos observar ao longo mais variados temas. Podemos considerar que
da trajetória da denominação. Após o momento aquelas primeiras teses representaram para os
de abertura da primeira assembleia, seguiram-se participantes do evento o que os Discursos oficiais
as formulações de propostas e discussões sobre o – ou Mensagens oficiais – representam hoje para
rumo da coletividade batista no Brasil. os mensageiros que participam das assembleias da
CBB. Notamos que as teses indicadas abordavam
Unidade 04
temas pertinentes para o início do século XX convencional, que são os seguintes: a) parecer da
no contexto social brasileiro, promovendo a Comissão de Missões Nacionais e Evangelização;
formação da mentalidade batista, como também b) parecer sobre estatística (conclui-se que esse é o
o despertamento da coletividade para a realização primeiro documento oficial quantitativo sobre as
de uma ação social relevante, além do sistemático atividades dos batistas, inserido no primeiro volume
História, Princípios e Organizações Batistas

esforço na evangelização do povo brasileiro. dos anais, revelando o crescimento numérico da


coletividade religiosa após 25 anos de organização
Os títulos das teses foram apresentados nos anais, da Primeira Igreja em Salvador); c) parecer sobre
mas o conteúdo de cada um não ficou registrado, tempo, lugar e orador oficial e substituto para a
indicando que se tratou apenas de informar so- segunda convenção, marcada para 1908; d) parecer
bre as comunicações por parte dos oradores e os do relatório das Escolas Dominicais; e) parecer da
assuntos abordados. Os títulos dos discursos e a comissão das sociedades de senhoras; f) parecer
indicação de seus autores ajudam a compreender do relatório da comissão de publicações, com suas
as preocupações dos batistas no início do século recomendações; g) parecer sobre as atividades da
passado, como podemos ler: a) Alfredo Freire, que junta de missões no estrangeiro, e h) parecer da
tratou da Influencia político-social dos Baptistas no Bra- comissão de assuntos extraordinários.
zil; b) Salomão Luiz Ginsburg, que considerou O
Brazil como campo missionário: clima, povo, recursos, ne- No final do volume podemos encontrar a sinopse
cessidades, etc.; c) Ernest A. Jackson tratou do tema das resoluções, sendo um resumo das atas que
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Evangelisação interior; d) O. P. Maddox refletiu sobre foram elaboradas naquele ano. Aparece ainda no
os Pontos estratégicos de evangelisação; e) Joaquim Lessa final do volume a fotografia do Pastor Francisco
escreveu sobre o Dever e privilegio de contribuir; f) A. Fulgêncio Soren.
L. Dunstan focou o assunto Cortezia interdenomi-
nacional (tese não escrita segundo informação dos O motivo de transcrevermos parte do conteúdo
anais); g) Francisco Fulgêncio Soren apresentou do primeiro volume dos Anais da CBB é
sua tese, mas o tema não foi informado); h) The- demonstrar a relevância da historiografia religiosa
odoro R. Teixeira escreveu sobre Litteratura evan- que envolve a denominação batista no Brasil,
gelica; i) W. H. Cannada discorreu sobre o Systema passando por um momento singular, que foi a
educacional; j) Archiminia Barreto tratou do tema realização da primeira assembleia convencional
Educação da mulher (como aquela foi a primeira reu- dos batistas em solo brasileiro. Outro motivo para
nião da CBB, podemos aceitar que aquela tese foi reproduzirmos parte do conteúdo é permitir a
a primeira a tratar do universo feminino no con- compreensão daquela que foi a primeira estrutura
texto da Convenção Batista); l) John W. Shepard organizacional que propôs congregar os batistas
abordou o assunto Serviço theologico e seminario; m) no Brasil. Assim, percebemos que a Convenção
Zachary Clay Taylor tratou do Sustento proprio (tese Batista Brasileira não foi fundada como mais uma
apresentada apenas oralmente); e n) Salomão Luiz entidade religiosa, mas buscou unir os esforços
Ginsburg, numa segunda tese, considerou a Pers- da coletividade religiosa, visando ampliar a sua
pectiva do futuro no Brazil. Optamos, no registro so- influência junto à sociedade brasileira. Notamos
bre as teses apresentadas, reproduzir a grafia exa- também que a Convenção passou a ser uma
tamente como consta no documento fundador de organização que acompanhou os movimentos
organização da CBB. das organizações e juntas da denominação batista
que existiam antes de 1907, mas que não estavam
Desse primeiro volume dos anais constam, ainda, sob uma mesma coordenação. Um exemplo
seis atas que registram as decisões das sessões de organização constituída antes da CBB, e que
realizadas entre a tarde do dia 22 de junho até passou a ser acompanhada pela Convenção, é o
a noite do dia 27 de junho de 1907, quando foi Órgão Oficial de comunicação dos religiosos
proposto o encerramento da Primeira Assembleia no Brasil, chamado O Jornal Batista, que circula
da Convenção Batista Brasileira, ficando marcada semanalmente desde 1901. Com a instalação da
a segunda reunião para o ano seguinte (1908), a ser CBB, os batistas ganharam uma organização que
realizada na cidade do Rio de Janeiro. podia acompanhar os vários movimentos de uma
coletividade em expansão no início do século XX,
Além das atas, também foram inseridos os pareceres frisando que um dos princípios dos batistas é a
das organizações participantes da assembleia autonomia das igrejas locais.
Unidade 04
a Constituição Provisória: um documento fundador

Outro documento valioso na história dos batistas Como exemplo dessa literatura que os batistas
no Brasil é a Constituição Provisória da Convenção produziram antes de 1907, podemos identificar

História, Princípios e Organizações Batistas


Batista Brasileira, que traduz o pensamento da a obra Três razões porque deixei a Igreja de Roma
coletividade sobre administração e funcionamento (possivelmente publicada em 1883), quando o
da Convenção, podendo ser aceito como o autor, Antônio Teixeira de Albuquerque, comentou
primeiro estatuto da organização. Ao estudarmos os motivos que o levaram a deixar o catolicismo e
os princípios e as organizações batistas, convém integrar-se ao protestantismo. Todavia, como não
conhecermos de forma mais acadêmica a existia até o início do século XX uma organização
primeira Constituição da CBB. Décadas antes que coordenasse as atividades das igrejas locais,
da instalação da Convenção Batista (1907), os parte desse material impresso se perdeu pela falta
batistas produziram, a partir de esforços pessoais, de oportunidade e de condições humanas ou
locais e pontuais, várias obras literárias, que foram materiais para ser conservar a memória coletiva da
impressas pela Casa Publicadora Batista, criada para denominação batista.
difundir o pensamento do grupo, como também
para divulgar as suas convicções doutrinárias e Embora uma parte desse material tenha se perdido,
teológicas. outra ficou conservada, mas permanece de posse

31
de algumas igrejas locais, que preservaram os
Segundo Crabtree, primeiros registros da trajetória dos batistas entre
os brasileiros. Nesse sentido, a organização da
em 1893, com o augmento das CBB criou condições para que a memória dos
contribuições para as missões batistas fosse conservada ao longo de mais de um
brasileiras, a Junta de Richmond século de atividades, especialmente pelos registros
destinou mil dollares para a compra inseridos nos volumes dos anais da Convenção.
de uma boa typographia para a Missão Em função dessa preservação documental, temos
Bahiana. Esta primeira imprensa acesso à primeira constituição elaborada pelos
Baptista, deu um novo impulso às batistas brasileiros.
actividades missionarias, e contribuiu
para semear milhões de folhetos em No preâmbulo do documento fundador da
todo o territorio então occupado Convenção, podemos ler:
pelos baptistas. Cresceu de anno em
anno, como resultado deste derrame Nós, mensageiros das egrejas,
de literatura, a influencia e o prestigio sociedades e outras organizações da
Baptista, (CRABTREE, p. 188). denominação Baptista de varias partes
do Brazil, reunidos na cidade da Bahia,
O texto de Crabtree foi publicado em 1937, capital do Estado do mesmo nome,
revelando como os batistas concebiam o nos dias 22 a 27 de Junho de 1907, para
início de seu trabalho no final do século XIX executar a vontade das corporações que
(1893). Para os integrantes da denominação, as representamos – unir todas as forças
atividades desenvolvidas eram vistas como parte baptistas do Brazil, em uma organização
de uma missão entre os brasileiros, conduzida nacional maior, para o desenvolvimento
pelos missionários dos Estados Unidos que e efficacia da pregação do Evangelho de
atuavam entre os brasileiros. Dessa forma, os Jesus Christo segundo a nossa crença –
empreendimentos financeiros aplicados na Bahia, concordamos em obedecer as seguintes
visavam consolidar o que se chamou de Missão regras ou artigos, (CONSTITUIÇÃO,
Bahiana, resultado da organização da igreja batista ACTAS E PARECERES, 1907, p. 05).
em Salvador. Desde 1882, a Igreja Batista em
Salvador, também chamada de Missão Bahiana, Percebemos três ênfases no preâmbulo da
produziu literatura para difundir a doutrina batista, Constituição Provisória da Convenção: a) a
a partir daquela região. fundação da Convenção Batista teve como base as
igrejas locais e seus delegados (ou mensageiros),
Unidade 04
além de algumas sociedades, como também as teria uma função precípua, que seria traduzir os
entidades já constituídas e atuantes até 1907; b) anseios da coletividade batista e operacionalizar
a fundação da Convenção teve como proposta as propostas do plenário convencional. A CBB,
executar as orientações das corporações vinculadas como organização que coordenava as atividades
aos batistas no Brasil, e c) a fundação da CBB realizadas pelos batistas, foi criada para reunir os
História, Princípios e Organizações Batistas

buscou promover a unidade entre os vários representantes das igrejas locais, que inicialmente
segmentos já constituídos pelos batistas, mas que foram chamados de delegados, mas posteriormente
não atuavam dentro de uma dinâmica relacional de mensageiros às assembleias convencionais.
e cooperativa, visando à eficácia da pregação das
Boas Novas em Cristo Jesus. E a terceira ênfase trata da unidade da
coletividade religiosa com relação aos vários
Sobre a primeira ênfase, que trata da base de apoio segmentos batistas. Podemos dizer, pela análise
oferecida por igrejas locais e organizações que empreendida do documento produzido pela
ajudaram a promover a fundação da Convenção organização, que essa meta foi perseguida
Batista, o texto não esclarece a origem de cada durante todo o processo de consolidação da
uma delas, limitando-se a fazer apenas o registro mesma, entre os batistas brasileiros.
em ata. Em contrapartida, quanto à participação
das igrejas locais que apoiaram a fundação da A aprovação pelo plenário de seu primeiro
Convenção, o próprio texto dos anais apresenta estatuto ficou assim: “Constituição Provisória
da Convenção das Egrejas Baptistas do Brazil.
32

a primeira estatística da evolução quantitativa da


coletividade no Brasil, embora o texto indique A vigorar até a segunda reunião da Convenção.
as dificuldades para se chegar a tal registro, Approvada na 3ª sessão da Primeira Convenção
inconcluso para a época. Embora os números não (24 de junho de 1907) reunida na Primeira
sejam muito exatos, entre 1882-1907 os batistas Egreja Baptista da Bahia, nos dias 22 a 27 de
organizaram 83 igrejas locais, somaram 4.201 junho de 1907”, (CONSTITUIÇÃO, ACTAS E
membros arrolados nessas igrejas e contavam com PARECERES, 1907, p. 05).
29 templos e 135 lugares para a pregação bíblica. Atualmente, a Convenção, além possuir o seu
Outra ênfase diz respeito à função da Estatuto, tem o seu Regimento Interno e informa
Convenção, já estabelecida nas primeiras linhas permanentemente as Regras Parlamentares que são
de sua Constituição Provisória, que afirmava utilizadas em suas assembleias convencionais. Os
a necessidade de executar as orientações das volumes dos anais da CBB mais recentes trazem
corporações vinculadas a ela. Assim, ela – a o Estatuto atual e as propostas de modificações
CBB – foi concebida como uma organização feitas nos encontros convencionais, sempre
que não teria vontade própria. Ao contrário, aprovadas pelo plenário.

Considerações

Existem muitos outros documentos que os conhecemos e datas que nada significam para a
batistas desconhecem ou que são pouco analisados geração atual. Os batistas no Brasil conservam
pelos pastores ou líderes nas igrejas locais. À uma trajetória significativa de perseverança diante
semelhança da Constituição Provisória da Convenção dos desafios, de convicção em suas crenças e de
Batista Brasileira, que pode ser considerado um dependência com relação ao Senhor da Igreja –
documento fundador da Convenção Batista (1907), Jesus Cristo. Eles já foram estudados por alguns
outros textos e documentos foram produzidos e pesquisadores, mas ainda existem perguntas que
estão preservados, aguardando o olhar atendo de não foram respondidas. As respostas devem
estudiosos da história dos batistas no Brasil. ser dadas pela atual geração de estudiosos da
teologia e dos fenômenos religiosos, a partir de
Lamentavelmente, criou-se uma ideia – por parte outros olhares, procurando nos documentos a
de alguns poucos – de que documentos antigos compreensão dos eventos do passado.
são textos “velhos”, que narram apenas eventos
com pouco significado, trazendo nomes que não
Unidade 04
atividades

indicação cultural

História, Princípios e Organizações Batistas


Visite o site da Convenção Batista Brasileira e conheça um pouco mais da história dos batistas no Brasil.
Disponível em: <http://www.batistas.com/>.
Acesso em: 05/12/2013.

Sei responder

Um dos primeiros documentos elaborados pela denominação batista foi:


( ) Anais da CBB

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( ) O Jornal Batista
( ) Declaração Doutrinária dos batistas no Brasil
( ) Constituição Provisória da Convenção Batista Brasileira

Questão de Reflexão

Qual a importância da CBB para as igrejas batistas na atualidade?

atividade de aplicação

Procure entender como a CBB se posiciona diante dos desafios sociais na atualidade, escrevendo sobre
tais posicionamentos.
Unidade 05

CRiSTÃOS eM COnFROnTO: os batistas e os


católicos romanos
História, Princípios e Organizações Batistas

introdução

O presente capítulo propõe identificar e analisar podem favorecer à construção de uma identidade
alguns confrontos discursivos entre batistas e coletiva, partindo da compreensão da existência
católicos romanos no contexto social brasileiro, de um inimigo a ser combatido?
do final do século XIX e nas primeiras décadas do
século XX. É importante lembrar que, além dos Os batistas iniciaram a sua trajetória no
aspectos tratados no desenvolvimento do texto, Brasil num período de transformações
outros aspectos sobre os atritos entre batistas sociopolíticas, considerando que no século XIX
e católicos podem ser analisados, partindo de o país experimentou a passagem para o regime
outras propostas. republicano, deixando para trás as relações políticas
e religiosas do regime monárquico. Dessa forma,
Este capítulo discute a relação de embate discursivo a trajetória dos batistas e da República do Brasil se
entre as duas denominações cristãs – representadas perpassa no final do século XIX, buscando uma
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pelos batistas e católicos –, partindo de algumas afirmação nas primeiras décadas do século XX.
reflexões que podem ser encontradas no livro Cabe dizer que o apoio dos protestantes – entre
Cristãos em confronto: Brasil 1890-1906, quando se eles os batistas da CBB – às leis republicanas,
analisa a relação polêmica entre os intelectuais da principalmente as que legitimavam a separação
cristandade brasileira, destacando-se os batistas, entre Estado e Igreja, contrastava com os
os presbiterianos e católicos romanos. Aqui interesses da Igreja Católica Apostólica Romana,
focaremos apenas alguns aspectos pertinentes que percebia a sua influência reduzir-se com os
dessa parte da história dos batistas no Brasil, já avanços do novo sistema político.
que uma análise mais profunda é apresentada no
livro anteriormente citado. Nesse período de transformações sociais e
políticas, alguns líderes do catolicismo romano
Os cristãos no Brasil: aproximações e conflitos foram identificados como uma ameaça ao
avanço do evangelho em toda a América Latina,
Evidentemente, a relação entre as diversas confirmando assim a intenção de alguns grupos
denominações cristãs no Brasil não foi marcada protestantes, no sentido de se eleger um inimigo
apenas pelos confrontos. No entanto, não que seria combatido. Esta ausência de tolerância
podemos fechar os olhos aos acontecimentos que religiosa no final do século XIX e começo do
marcam a trajetória de batistas e outros segmentos século XX, revelando uma relação de atritos entre
do cristianismo na América Latina e também no batistas e católicos romanos, foi um elemento
Brasil. Outros trabalhos analisam a relação de que contribuiu para o fomento e a permanência
ecumenismo entre os cristãos; aqui, analisaremos dos embates entre os dois grupos da cristandade,
alguns aspectos de uma relação marcada pela avançando até meados do século XX (1960),
disputa religiosa entre batistas e católicos. quando se deu um processo de aproximação entre
Podemos pensar que a ideia de confronto entre alguns segmentos do protestantismo brasileiro e
grupos religiosos está associada à figura de um do catolicismo romano.
inimigo, real ou imaginário.
A posição separatista dos batistas, não apenas
Para Rubem Alves, “o inimigo é aquele que no Brasil, mas também nos Estados Unidos,
deseja a minha perdição. Inimigo é aquele com inspirou a produção de uma obra em inglês, que
quem não se pode nem dialogar nem cooperar. foi publicada aqui com o título O rasto de sangue:
No diálogo, os participantes se definem como acompanhando os cristãos através dos séculos, ou a história
companheiros numa busca comum”, (ALVES, das Igrejas Batistas desde o tempo de Cristo, seu fundador,
p. 286). A análise que desejamos empreender, a até os nossos dias, cujo autor foi J. M. Carroll.
partir dessa afirmação de Rubem Alves, procura Segundo a tese de Carroll, cristãos com princípios
responder a uma questão: os confrontos religiosos
Unidade 05
e valores religiosos semelhantes aos defendidos intelectual, presentes no Brasil desde 1500. Pensar
pelos batistas contemporâneos sempre existiram, em missões protestantes na América Latina e no
e isso simultaneamente ao desenvolvimento do Brasil é considerar a existência de confrontos entre
catolicismo romano na Idade Média. católicos e protestantes, entre eles, os batistas.

História, Princípios e Organizações Batistas


Buscando sustentar a sua tese, Carroll entendia Quando analisamos o posicionamento dos batistas
que, embora esses grupos fossem conhecidos por com relação aos católicos romanos, ou com relação
outros nomes, eles representavam o pensamento aos vários estilos de governos durante a República,
dos discípulos de Jesus Cristo desde a organização notamos uma maior tolerância daqueles religiosos
das primeiras igrejas cristãs na antiguidade, com os manejos da política – mesmo nos regimes
sendo identificados e nomeados de batistas militares –, em comparação com o posicionamento
desde o século XVII, a partir da Holanda. Com dos católicos romanos.
essa hipótese, que revela algumas dificuldades
historiográficas para se sustentar, principalmente Criava-se, assim, a necessidade de os batistas se
pela falta de fontes históricas confiáveis, Carroll diferenciarem de forma significativa dos católicos.
desejou afirmar que a identidade batista começou Tal diferenciação tomou, em alguns momentos, a
a ser construída nos primeiros momentos do forma de confronto com o adversário. Esta atitude
cristianismo e permaneceu até meados do de confronto ganhou forma e tornou-se recorrente
século XX. Embora fosse uma tese muito do final do século XIX até meados do século XX.
Cabe dizer que as divergências entre católicos e

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aceita no meio da denominação batista, sendo
vista com simpatia por parte dos membros das protestantes remontam a um período anterior ao
igrejas locais, se desconhece, até o momento, ano de 1890, quando houve a promulgação do
um conjunto de documentos que possa indicar Decreto 119-A, instituindo a separação legal entre
com segurança essa continuidade e permanência Igreja e Estado. Esses encontros e desencontros
entre os seguidores do cristianismo, pelo viés da religiosos evoluíram até as décadas de 1950 e 1960,
historiografia, desde a época do Império Romano quando um movimento ecumênico aproximou os
até os batistas da atualidade. dois segmentos cristãos, ou aproximou parte dos
presbiterianos dos católicos romanos. Diante desse
Cabe lembrar que, com o advento da Reforma, quadro, a relação entre católicos e protestantes
a partir do século XVI, as igrejas protestantes se no final do século XIX e início do século XX foi
multiplicaram na Europa, avançando em direção de permanente tensão, gerando os mais variados
às colônias da América do Norte e chegando, pos- confrontos no contexto social brasileiro, que
teriormente, ao Sul da América. Seguindo os mo- algumas vezes se tornaram intensos e ríspidos, e
vimentos sociais que se deslocavam em direção às isso de ambas as partes.
novas oportunidades além da Europa, os adeptos
do protestantismo defendiam a livre interpretação Mas quando pensamos em identidade religiosa,
das Sagradas Escrituras, algo fundamental para a podemos levantar uma questão: qual a
sustentação do movimento que eclodiu na Alema- importância do confronto religioso na construção
nha e que se espalhou pelo Ocidente. da identidade religiosa, considerando o contexto
social brasileiro?
Passando pelo século XVII, que acompanhou a
consolidação do processo reformista na Europa Cabe recordar que cada igreja batista local tem
(em que pese às divergências entre alguns plena autonomia, sendo formada por uma
pensadores vinculados ao protestantismo) e diretoria estatutária, cujo presidente é eleito pela
avançando pelos séculos XVIII e XIX, observamos maioria dos membros da coletividade local. O
a chegada de missionários protestantes aos países presidente e a diretoria da igreja respondem pelos
da América Latina, vindos da Europa e Estados atos decisórios da congregação, seja judicial ou
Unidos. Assim, a América Latina se constituiu um extra-judicialmente; e embora o presidente de uma
espaço de expansão missionária, mas também um determinada igreja batista local responda pelos
campo de reprodução de costumes e hábitos – atos daquela única instituição, ele não responde
morais e religiosos –, trazidos pelos missionários pelos atos dos membros a ela vinculados.
estadunidenses. O que originou também a Dessa forma, observa-se que as igrejas batistas
resistência da Igreja Católica e de sua liderança são organizações com dinâmica própria, não
respondendo pelos atos de outras igrejas batistas.
Unidade 05
Essas igrejas podem estar vinculadas umas às período a ser basicamente de rivalidade
outras para fins de cooperação – como analisado e conflito. Os protestantes prosseguiram
na organização da CBB –, não existindo qualquer o combate aos ‘erros do romanismo’:
ingerência de uma igreja local sobre outra igreja. idolatria (uso de imagens, mariolatria),
Assim, a constituição da identidade batista passa, negligência na difusão e leitura da Bíblia,
História, Princípios e Organizações Batistas

também, pelo princípio da autonomia da igreja ignorância e superstição do povo católico


local, que é defendido pela coletividade religiosa e imoralidade do clero, (REILY, p. 224).
em todo o Brasil.
Para Duncan Reily, “uma boa parte da
Percebemos que houve a intenção no início motivação do trabalho protestante continuava
da trajetória dos batistas de se estabelecer uma a ser o anticatolicismo”, (REILY, p. 225). Em
diferença com relação aos grupos religiosos já contrapartida, os católicos no Brasil combateram
instituídos, sobretudo, com relação aos católicos os vários grupos de confissão protestante,
romanos. Embora a relação entre batistas e os inclusive os batistas, pois acreditavam não apenas
adeptos dos outros credos de confissão evangélica na salvação através da Igreja, mas em sua influência
fosse amistosa, não existindo uma rivalidade sobre a sociedade brasileira, a partir do conjunto
explícita, houve questões polêmicas. Para os batistas de tradições religiosas:
brasileiros do início do século XX, defensores
crendo que extra ecclesiam, nulla salus, e
dos princípios cristãos baseados nas Sagradas
classificando os protestantes de hereges,
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Escrituras, as práticas e os ensinamentos católicos


o catolicismo não podia deixar de se
não se alinhavam com os ensinamentos cristãos,
opor ao protestantismo. Geralmente,
pois viviam práticas contrárias às convicções
a oposição não tomou a forma de
ensinadas pelas igrejas cristãs da antiguidade.
perseguição aberta (embora tenham
Um autor batista traduziu parte do pensamento da ocorrido casos de perseguição, em
coletividade religiosa, remetendo a uma rivalidade geral em virtude de provocação pelos
– embora implícita – entre grupos religiosos de protestantes), mas assumiu formas mais
formação cristã, ao dizer: sutis, (REILY, p. 225).

nem sempre o nosso povo tem sido Embora as duas denominações cristãs – os batistas
chamado de ‘batistas’, mas na sua crença e os católicos romanos – se aproximassem com
e na sua praxe são substancialmente relação a determinados elementos do cristianismo
idênticos com as igrejas do Novo (o conceito de pecado, a exigência de perdão dos
Testamento. Diferentes de muitas outras pecados e a graça salvadora de Deus Pai, entre
denominações, os batistas não tiveram outros), os confrontos entre eles podem ter
a sua origem dentro destes últimos cumprido a função de estabelecer uma diferença
três ou quatro séculos, ligada a uma entre um e outro, apontando para uma possível
personalidade humana, (ROUTH, p. 46). constituição de identidade religiosa. Para que esse
objetivo fosse alcançado, identificar o inimigo e
Ao fazer essa afirmação apologética sobre os lutar contra ele foram estratégias praticadas pelos
batistas, publicada pela Junta de Educação Religiosa batistas no Brasil, que buscavam se diferenciar do
e Publicações (JUERP) em 1980, o autor ajudou a catolicismo romano.
conservar no imaginário da coletividade a posição
de distanciamento com relação aos católicos. No Percebemos, então, que o catolicismo ocupou
entanto, não foram somente os batistas da CBB o lugar de um inimigo a ser combatido no
que alimentaram esse tipo de pensamento com imaginário e nas práticas discursivas dos
relação aos católicos. intelectuais batistas, que se confrontaram com
os intelectuais do catolicismo. Dessa forma, o
Para Duncan Alexander Reily, que analisa o espaço de influência ocupado pelas igrejas cristãs
período compreendido entre 1889-1964, pode-se não foi utilizado, prioritariamente, como um
notar que: campo de aproximação entre os fiéis das várias
a tônica do relacionamento protestante- denominações da religião cristã. Ao contrário, esse
católico romano continuou no presente mesmo espaço de influência, em determinados
momentos, constituiu-se um campo para disputas
Unidade 05
e confrontos. todas as organizações sociais e práticas
pessoais de um espírito católico,
Os embates entre batistas e católicos se mostraram (MAINWARING, p. 45).
mais intensos, pelo menos em três vertentes:
a) na ocupação do espaço de influência sócio- Em contrapartida, ao empreender algumas

História, Princípios e Organizações Batistas


religioso-político, quando da constituição do considerações sobre os confrontos entre batistas
regime republicano, que gerou certa expectativa de e católicos romanos, as reflexões de Israel Belo
mudanças na sociedade brasileira; b) na utilização de Azevedo ajudam a entender esse quadro de
dos meios de comunicação, dando destaque rivalidade entre as duas denominações religiosas.
para a imprensa, tanto confessional quanto Azevedo analisa as recorrentes disputas no Brasil,
não confessional, e c) no empenho de realizar entre protestantismo e catolicismo, afirmando que
campanhas, visando desacreditar e impedir o “os batistas, a exemplo dos outros protestantes,
avanço da denominação religiosa rival. se compreenderam a si mesmos como uma ‘seita
sitiada’ pelo catolicismo, tido como pagão e
Na percepção de Scott Mainwaring, que se ocupou principal estorvo à expansão do seu cristianismo”,
da análise da instituição católica romana no Brasil, (AZEVEDO, p. 202). Para o autor, na percepção
é possível afirmar que: da coletividade batista, o grupo estava em
de um modo geral, entre 1890 e 1916 permanente perigo, representado pelos católicos
a Igreja se preocupou sobretudo com brasileiros.

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a consolidação de reformas internas, Ao propor uma análise do conteúdo jornalístico
mas alguns líderes começaram a do Órgão Oficial da Convenção Batista Brasileira,
promover uma presença mais marcante nomeado de O Jornal Batista (OJB), Azevedo
na sociedade, antecipando o modelo afirmou que:
da neocristandade. O surgimento do
modelo da neocristandade pode ser toda a articulação doutrinária do OJB é
datado de 1916, mas os vinte e cinco anticatólica, informa-se nisto, baseia-se
anos precedentes se caracterizaram por nisto. À hipótese de ser a controvérsia
adaptações institucionais aos desafios um mal que se deva aniquilar, o periódico
de existir numa república secular, reage negativamente: ‘combatemos
(MAINWARING, p. 42-43). sempre claramente, e sem eufemismo, o
erro qualquer que seja, quem quer que
De acordo com Mainwaring, que apontou para um seja, respeitando todavia as pessoas que
catolicismo brasileiro dividido entre a sua vocação considerarmos em erro, (AZEVEDO, p.
missionária, com ênfase político-doutrinária, e a 205).
sua intenção de apoiar os direitos do povo, com
uma missão de influência social, O texto publicado em O Jornal Batista e citado por
Azevedo é datado de 17 de setembro de 1931. Isso
o esforço de desenvolver um catolicismo significa dizer que os batistas, após o transcorrer
mais vigoroso e de penetrar nas de quatro décadas de República, compreendiam os
principais instituições sociais também confrontos religiosos com os católicos como um
era relativamente novo. A nova missão exercício positivo de afirmação de sua presença
da Igreja era cristianizar a sociedade no contexto social e, talvez, de sua constituição de
conquistando maiores espaços dentro identidade religiosa.
das principais instituições e imbuindo

Os batistas e os confrontos discursivos com os católicos romanos

Um das obras que indicam a disposição dos pesquisadores na atualidade. O título do livro é
batistas para o confronto discursivo com os sugestivo para aquele período, quando intelectuais
católicos romanos foi publicada pelo pastor Pedro católicos e protestantes procuravam defender
Tarsier. Trata-se de um livro pouco conhecido e, as suas convicções doutrinárias e eclesiásticas,
consequentemente, estudado ou analisado pelos revelando à sociedade a forma como entendiam
Unidade 05
o desenvolvimento e o progresso do Brasil. O religiosas no Brasil, ou ainda,
livro ficou conhecido como História das perseguições perseguições du­rante o regime do
religiosas no Brasil. Desejamos, somente, apontar Império e durante a República. Na
alguns aspectos que podem ser encontrados no perspectiva protestante, além das
pensamento do pastor batista Pedro Tarsier, perseguições religiosas, a sociedade
História, Princípios e Organizações Batistas

partindo da análise de sua produção literária. da década de 1930 revelava as suas


pecu­ liaridades, sobretudo, com
No livro Cristãos em confronto: Brasil 1890-1960, relação às desigualdades sociais
que analisa de forma mais profunda tais embates e religiosas, embora a liberdade
discursivos, podemos encontrar algumas de culto fosse assegurada pela
considerações que nos remetem ao pastor Tarsier. Constituição do Brasil e por leis
Assim, sobre a compreensão dos embates entre comple­ mentares. Não bastava a
batistas e católicos romanos podemos ler: existência de uma legislação, que
recebeu a influência do pensamento
Diante do clima ameaçador reinante positivista do final do século XIX,
naquelas décadas (1910–1930), um já que a antiga religião oficial (ou
dos escritores da denominação Igreja Católica) continuava presente
narrou uma história de perseguições e atuante na sociedade brasileira,
religiosas no Bra­sil, de acordo com a buscando a sua (re) organização.
38

sua versão dos fatos. Foi publicado Foi naquele contexto de pluralidade
o livro de Pedro Tarsier, intitulado denominacional e mudan­ças sociais
História das perseguições religiosas no que o livro de Pedro Tarsier foi
Brasil, que circulou em dois vo­lumes. publicado, (SOUZA, p. 113).
Assim, os volumes que formam o
livro são fontes para se compreender É importante que se destaque que Pedro Tarsier,
as discórdias entre os intelectuais como outros intelectuais religiosos de sua época,
das denominações cristãos no Brasil, estava escrevendo e defendendo o posicionamento,
(SOUZA, p. 113). os princípios e as crenças de sua denominação,
como a liberdade de expressão e de culto, a leitura
Como foi dito anteriormente, a produção literária e a interpretação da Bíblia a partir da consciência
sobre os confrontos religiosos é um tema relevante, do indivíduo, e a salvação pela graça exclusiva de
inclusive, no trabalho de Pedro Tarsier. No entanto, Jesus Cristo, sem as tradições religiosas. Por esses
a sua contribuição aos estudos sobre as polêmicas e outros motivos, Pedro Tarsier é mencionado
religiosas ainda é pouco conhecida e analisada pela no livro Cristãos em confronto: Brasil 1890-1960,
historiografia da religião no Brasil. Outros estudos pois se colocou como um dos defensores das
podem ser realizados no sentido de compreender denominações protestantes, identificando no
a participação das denominações cristãs e a forma catolicismo o oponente a ser confrontado.
como se relacionaram no século XX.
Dessa forma:
Sobre a publicação de Tarsier, podemos perceber
a ênfase que se deu nas narrativas de perseguições além de identificar os católicos
religiosas no Brasil, partindo da percepção do como agressores da liberdade de
autor batista e sua compreensão da liberdade de expressão religiosa, percebe-se uma
expressão religiosa no contexto republicano: crítica ao comportamento passivo
de algumas autoridades constituídas
o estilo literário que se encontra nas pelo Estado, pois, segundo o autor,
221 páginas do primeiro volume, tais autoridades se posicionaram com
e nas 193 páginas do segundo indiferença perante a Constituição do
volume, foi dado no prefácio. Entre país, permitindo excessos por parte
o prefácio e os vários textos sobre dos padres. Pedro Tarsier chegou
queimas de Bíblias, que estão no a prognosticar que, ‘uma nação em
final do livro, são abordados temas que grassa a praga das perseguições
como as bases para as perseguições clandestinas e ilegais, como no Brasil,
Unidade 05
até a presente data, jamais poderá ser isto no início do século XX. Ao fazer
um grande atractivo para gente de isto, o escritor relembrou as intenções
credos diversos, de cujo sangue pode- da denominação católica, e a força de
roso carecem os exhaustos habitantes suas crenças no contexto da sociedade,
de zonas tropicais’, (SOUZA, p. 116). buscando impedir o avanço das demais

História, Princípios e Organizações Batistas


denominações protestantes. Cabe
Como se pode observar na citação anterior, a lembrar que Pedro Tarsier escreveu a
análise da obra e da vida de Pedro Tarsier revelou partir de uma visão do protestantismo
um escritor que também apontou para o problema no Brasil, narrando o que ele entendeu
do desenvolvimento social brasileiro, pois esperava sobre a relação entre católicos e
que os credos – sem qualquer privilégio de um protestantes, numa época onde muitos
sobre o outro – experimentassem a segurança de escreviam sobre conflitos de interesses
um Estado que zelava pela liberdade de expressão religiosos. De acordo com o autor, tais
religiosa. denominações eram numericamente
Neste sentido, o livro Cristãos em confronto: Brasil minoritárias em comparação com a
1890-1960, deixa transparecer que: denominação católica, mas buscavam
se afirmar no contexto social, visando
Pedro Tarsier ajudou a construir a figura a sua permanência, como também o
de resistência ao catolicismo quando seu crescimento numérico, utilizando-

39
narrou parte da trajetória de vida e das se de estratégias conversionistas e
atividades de uma das personalidades expansionistas, (SOUZA, p. 119).
de destaque na denominação batista, e

Considerações

Outros aspectos da vida e da obra do pastor O importante é frisar que os confrontos discursivos
batista e autor de uma obra de polêmica religiosa entre os intelectuais religiosos no Brasil (escritores
poderiam ser mencionados neste capítulo final, católicos e protestantes), a partir de 1890, não
que trata da História dos batistas no Brasil – ou revelam apenas a insatisfação e os queixumes entre
parte de uma história. Pedro Tarsier, ao lado de os cristãos no Brasil. Para além dos confrontos
outros intelectuais do protestantismo, nos ajuda entre intelectuais cristãos estava a defesa de
a compreender os princípios do cristianismo que projetos distintos para o desenvolvimento social
foram defendidos pelos batistas e por escritores brasileiro. Nomes como o de Pedro Tarsier
de outras denominações, presentes no Brasil do (batista), Eduardo Carlos Pereira (presbiteriano) e
século XIX. São os textos de polêmica religiosa Leonel Franca (católico) podem ser citados como
que nos remetem a uma análise do momento representantes – ao lado de outros importantes
histórico pelo qual passava a sociedade brasileira, intelectuais – do cristianismo brasileiro, que
entre o final do século XIX e a primeira metade discursaram sobre os distintos projetos para o
do século XX. crescimento da sociedade brasileira.
Unidade 05

atividades

indicação cultural
História, Princípios e Organizações Batistas

Indicamos o livro A Carta de Pero Vaz de Caminha: o descobrimento do Brasil, de Silvio Castro, que conta a
chegada da armada de Cabral e os primeiros registros de práticas cristãs em solo brasileiro. Para entender
os confrontos entre os cristãos, é importante entender o início da história de colonização do Brasil.

Sei responder

Cristãos em confronto, como analisado neste capítulo, é uma expressão que remete a:
( ) conflitos físicos entre adeptos do cristianismo e de outras religiões.
( ) a defesa dos templos cristãos nos Estados Unidos.
( ) crises relacionais no contexto da denominação batista.
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( ) polêmicas entre intelectuais do catolicismo e do protestantismo, inclusive, batistas.

Questão de Reflexão

Procure responder a esta questão: existem confrontos entre intelectuais cristãos, representantes do
catolicismo e do protestantismo nos dias de hoje?

atividade de aplicação

Procure observar como alguns confrontos religiosos ainda ocorrem em determinadas partes do mundo,
analisando os motivos para tais embates.
Unidade 13
Referências Bibliográficas
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ATA DE ORGANIZAÇÃO DA PRIMEIRA IGREJA BATISTA EM SALVADOR, Bahia. Data,

História, Princípios e Organizações Batistas


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CARROLL. J. M. O rasto de sangue. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, [195?].
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