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Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 13
JOSÉ NEIVALDO DE SOUZA. É mestre em Filosofia e doutor em Teologia pela Universidade Gregori-
ana de Roma – Itália. Mestre em Psicologia Clínica com concentração em Psicanálise. É professor na pós-
graduação e no mestrado em Teologia da FTBP (Faculdade Teológica Batista do Paraná). Como professor
na Faculdade Evangélica do Paraná, leciona disciplinas ligadas às áreas da teologia, filosofia e psicologia
Bibliografia Básica
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Bibliografia Complementar
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Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 13
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do-educando-e-do-educador acesso 12\06\2013
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 13
Sumário
Plano de Ensino ...................................................................................................................................... 07
Unidade 01
Teologia e problemas brasileiros ........................................................................................................... 08
Unidade 02
As drogas e a busca de sentido ............................................................................................................... 13
Unidade 03
A família como lugar de sentido ............................................................................................................ 19
Unidade 04
A saúde como problema ......................................................................................................................... 25
Unidade 05
A educação e religão: os desafios do ensino ......................................................................................... 29
6
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 13
Plano de Ensino
Ementa
Problemas brasileiros à luz da reflexão teológica: o sentido da vida entre as drogas e a família; saúde e
doença; religião, diálogo e ensino.
Objetivo Geral
Refletir, à luz da teologia, sobre alguns problemas comuns à humanidade, especificamente à sociedade
brasileira.
Objetivos Específicos
Levar o aluno a uma consciência crítica capaz de argumentar em busca de soluções de problemas;
Facilitar ao estudante uma reflexão mais sistemática acerca de questões urgentes na sociedade brasileira.
Conteúdo Programático
7
1. O Sentido da vida
2. As drogas e a busca de sentido
3. A família como lugar de sentido
4. A saúde como problema
5. Educação e religião: desafios do ensino
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 01
introdução
Não são poucos os problemas enfrentados Na esteira deste tema, à luz da teologia, seguem
no Brasil. Ultimamente, nos deparamos com outros que ajudam a pensar melhor questões
manifestações e essas se estendem aos confins pertinentes, não só à sociedade brasileira, mas a
do mundo. Mas o que especificamente querem todo mundo: família, saúde, educação religiosa
os manifestantes? Em geral, a manifestação e drogas.
já é um pedido socorro que se direcionam aos
abusos políticos e à corrupção generalizada. Em relação à família, enviesamo-nos pelas
Brasileiros e estrangeiros; jovens, adultos e palavras atribuídas a Leon Tolstoi: “A
velhos, todos clamam por mudança. verdadeira felicidade está na própria casa,
entre as alegrias da família”. A família é o
Entre as reivindicações, algumas apontam celeiro de bons cidadãos e, entre as alegrias que
para o sistema de saúde, educação, segurança, nela habitam, estão uma vida saudável, uma
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etc. Nesta direção, queremos ressaltar alguns boa educação e segurança. Sidarta Gautama
problemas a serem tratados em nosso estudo e orientava seus discípulos quanto ao segredo de
começamos com o mais importante entre eles, uma família saudável, observava que a saúde
pois busca atualizar um valor antigo e novo não é um problema a se lamentar, mas um
ao mesmo tempo: o sentido da vida. Tudo o olhar sábio e responsável pela vida presente. A
que buscamos, ainda que pensadores como família é também celeiro de uma boa educação.
Albert Camus e Jean-Paul Sartre pensem o Na Bíblia, encontramos em Provérbios 31.26:
contrário, é um sentido para a vida. Não somos “a boa educação consiste, principalmente, em
simplesmente seres “jogados” na existência falar com sabedoria e ensinar com amor”. Seu
ou um Dasein1, transcendemos o tempo e o princípio está no seio da família. Uma família
espaço em busca de sentido. Concordamos consistente, em todos os sentidos, é fortaleza
com Hans Jonas (2010, p. 26-27) ao dizer que contra problemas que hoje enfrentamos
na “explosão original”, juntamente com a em relação à falta de segurança, violência
matéria, surgiu a “possibilidade original” “da” e principalmente à toxicomania que vem
e “para” a transcendência. A existência, nesse assolando não só o Brasil, mas a humanidade.
sentido, é um caminho a um fim, predisposto
desde a origem.
1 Expressão cunhada por M. Heidegger e significa
“existência”.
1 - O sentido da vida
Qual é o sentido da vida? Eis a pergunta que ressuscitar uma filosofia que, há muito, parece
fundamenta nossa reflexão. O texto propõe estar dormindo: o sentido da vida.
algumas considerações acerca do assunto, num
momento em que os valores éticos e religiosos O que nos parece é que o sentido da vida, na
não passam de discursos bem elaborados em história do pensamento, não passa de uma
Congressos e altares religiosos. Num momento luta de ideias entre empiristas e racionalistas;
em que vemos eclodir a banalização da existência, existencialistas e idealistas. Propomos uma
calamos diante das ameaças, cedendo ao medo, reflexão que possa entender o sentido da vida
negando a coragem e a esperança. Cabe-nos numa dimensão mais holística, considerando que
pensar seriamente sobre o assunto a fim de o individuo, enquanto pessoa, não é só homo faber e
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 01
homo sapiens, mas espiritual, capaz de transcender a No mundo moderno e na Reforma, como trataram
própria existência em busca de algo que o realize. o tema? E atualmente como pensam o sentido?
São questões que se nos colocam como evento
Como trataram o tema na história do pensamento? antropológico.
Como o platonismo lidou com o tema? Como o
problema do sentido foi tomado pelo cristianismo?
Platão, no século IV a.e.c., havia pensado sobre se orienta pela máxima: “as ideias movem a vida”,
o sentido da vida, contrapondo o mundo “real” mas sim, por uma certeza onde “a vida é dom de
das ideias ao mundo “irreal” das aparências. Para Deus”, e isso se testifica pela fé em Cristo que,
ele, vivemos uma vida de ilusões e, como numa pela inteira liberdade, mostrou o que é dar sentido
caverna escura, nada mais enxergamos senão à vida e à morte: “ninguém tira a minha vida, mas
sombras e vultos. Transcorremos nossa existência eu a dou livremente”. Esse testemunho aparece
achando que este mundo é verdadeiro, mas ele não nos evangelhos, nas epístolas de Paulo e nas Cartas
passa de ilusão e engano. Universais.
Buscar o sentido da vida, na perspectiva platônica, Os teólogos da igreja primitiva consideraram
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seria transgredir esta existência e deixar que a o pensamento platônico como um suporte
verdade brilhe nas trevas do erro que, segundo para a doutrina de Cristo. Mais tarde, na Idade
ele, nada mais é senão “opiniões” oriundas das Média, alguns pensadores cristãos aderiram ao
sensações físicas. As opiniões levam à injustiça, mas pensamento de Aristóteles como suporte para sua
a verdade, à justiça. A verdade, na perspectiva do teologia.
pensador grego, leva a uma vida com sentido, isto
é: “uma cura moral que nos disciplina e nos torna Justino Mártir, os Pais apostólicos, Orígenes,
mais justos”. Ela nos ensina a ter responsabilidade Irineu de Lion e Agostinho de Hipona, Anselmo
acerca do bem e do mal, como escreve: de Aosta e Tomás de Aquino compreenderam, a
partir da fé na revelação, que o sentido da vida
E se estou correto, fazer o Mal é o pior que pode pode começar ainda nesta terra, não se esgotando
ocorrer para aquele que o pratica, e maior mal ainda, na materialidade das coisas, mas as transcendendo.
se possível, é não ser punido por isto, que tipo de A realidade do Reino de Deus se expressa, segundo
proteção seria ridículo um homem não poder a maioria dos teólogos cristãos, na moral e na
prover para si próprio? Deveria ser, com certeza, a liberdade humana. Agostinho pensou acerca desse
contra o que nos causa maior mal.2 tema observando que, pelo livre arbítrio (bem
que vem de Deus), a pessoa encontra o sentido
O pensamento platônico, ao se encontrar com o de sua existência ao discernir as atitudes corretas
cristianismo, serve de analogia. No encontro com das erradas. Quem pratica a justiça, presente na
a fé cristã, o sentido da vida passa a ser pensado punição ou recompensa, pode entender que nela
a partir da pregação e vida de uma pessoa: Jesus Deus cobre de sentido a vida humana.3
de Nazaré. Não basta uma filosofia cuja certeza
2 Cf. Trad. D. Marcondes, 2007, p. 23. 3 Cf. Ibidem, p. 53.
3. O paradigma da modernidade
Na Modernidade, nos deparamos com a, assim de mundo heliocêntrica que abre ao ser humano a
chamada, virada antropológica. Pensadores possibilidade de outras verdades sobre a natureza
como Copérnico e Galileu entenderam que e o universo. Nessa nova era, o homem é o único
o ser humano podia encontrar já, ainda nesta responsável por seu destino. O sentido da vida
terra, uma verdade que oferecesse sentido à encontra-se em sua capacidade de conhecer e
sua existência. A cosmovisão geocêntrica que dominar a natureza.
justificava a teologia antiga cede lugar a uma visão
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 01
A Razão humana determina, juntamente com que chega somente pela experimentação científica.
a experiência advinda pelos sentidos, quem dá a D. Hume, em seu Tratado sobre a Natureza Humana,
“medida de todas as coisas”.4 O método cartesiano contesta a metafísica tradicional observando que
induz a uma nova epistemologia cujo ponto de a mente capta somente as percepções: ver, ouvir,
partida está nas coisas finitas e particulares. David pensar, amar, odiar, etc.. Para ele, isso também
Hume e John Locke, na Inglaterra, defendem pode recair sobre as atitudes morais, pois “aprovar
a teoria não como uma ideia absoluta a ser um caráter e condenar outro não passam de duas
concretizada, mas como projeção e descrição percepções diferentes”.5
de experiências particulares. A vida, nessa visão,
busca o seu sentido na abordagem de uma verdade
4 O sofista Protágoras, na época de Platão, já observa que
“o homem é a medida de todas as coisas”. 5 Cf. trad. D. Marcondes, 2007, p. 79.
longe de ser uma filosofia, retoma o caminho feito presente através de outras traduções. A. Gesché
pelos primeiros cristãos inaugurando uma nova expressa bem essa nova postura ao observar que
Renascença: a do espírito. O sentido da vida seria no domínio da fé é vivido de forma incondicional,
encontrado somente em Deus. Pelas Sagradas pois tudo passa a ser graça. Para ele, sob a ótica
Escrituras, Ele revela sua Graça a todo aquele da graça: “Tudo é graça, mesmo que seja útil e
que crê. Como conhecer Deus num momento em necessário. Tudo deve ser recebido como louco e
que a ciência se alimenta de novos conhecimentos gratuito, mesmo que haja contrato e obrigação. A
e se impõe como o único caminho de verdade? vida é dom, somente isso” (2005, p. 7).
O monge agostiniano, Martinho Lutero, traduz
5. O advento pós-moderno
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Freud? Freud não quis trabalhar a vida como
um sentido, mas como uma realidade posta. Para a pensar uma nova cultura. Jean Yves Leloup
ele, a filosofia ou teologia buscam um sentido observa que, partindo da via espiritual, os que
de vida a partir da consciência, porém somos buscam sentido para vida se esforçam, em geral,
determinados por um poder do qual não sabemos para acabar com o orgulho, pois esse é o começo
nada: é “um estranho em nossa casa” cujas forças da ilusão e sua ausência, o começo da verdade: “da
se dividem e confluem, Eros e Tanatos. Pulsão de ilusão brotam as diversas espécies de males e da
vida e pulsão de morte. De um lado, segundo ele, verdade, a multidão dos bens humanos e divinos”
somos impulsionados para a preservação de nossa (2001, p. 48).
Resumo
O problema do sentido da vida está em dar sentido colocados em dúvida: Nietzsche anuncia a morte
ao “non sens”. O Idealismo platônico mostra, de Deus e da humanidade ao proclamar o super-
através de suas alegorias, principalmente o mito da homem; Marx mostra a triste realidade dividida
caverna, que a vida humana não tem sentido a não pelo capital, observando que tanto a economia
ser na verdade e justiça. O Cristianismo, de base quanto a religião gozam de uma estrutura que
filosófica platônica, entende que o Ideal platônico aliena: a vida nas mãos alheia; Freud, da mesma
nada mais é do que o Reino de Deus anunciado forma, entende que a personalidade é determinada
por Jesus Cristo em oposição ao mundo onde “jaz pelo inconsciente na medida em que o ser humano
o maligno”. A Idade Moderna com o advento da alimenta uma neurose em cuja base está a pulsão
ciência faz uma “revolução” abrindo as portas de vida e a pulsão de morte. É nesse dinamismo
para a autonomia e emancipação do ser humano que o ser humano, ao buscar o sentido para a vida,
em relação ao divino. A Pós-modernidade nada mais faz senão encontrar uma solução para
anuncia que tanto os valores universais e infinitos matar a morte.
quanto os valores da ciência e técnica podem ser
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 01
atividades
Sei responder
3. No encontro da filosofia idealista platônica com o Cristianismo, o foco do sentido da vida mudou.
Como podemos abordá-lo?
8. Por que podemos dizer que esse tema é um problema que interessa ao Brasil? Dê sua contribuição.
Referências
introdução
Na primeira unidade, fizemos uma reflexão sobre muitas vezes, de mãos atadas, frente a um grande
o sentido da vida. Vimos sua importância e seu arsenal, sem poder fazer muito.
alcance existencial, abordados por pensadores em
épocas diferentes da história. A Teologia não está Os capítulos que seguem é uma reflexão sobre
isenta dessa reflexão, pois, se pensarmos bem, o a toxicomania e o adolescente. Num primeiro
grande problema do ser humano está em saber se a momento, procuramos apresentar um panorama
vida tem sentido e se este se encontra na existência das drogas: o tráfico e o uso de drogas por crianças,
humana ou fora dela. Muita gente, ao buscar um adolescentes e jovens. Em outro momento, uma
sentido para a vida, vive uma vida sem sentido, revisão sobre o trabalho pastoral junto a essa
atribuindo poder a certas realidades, como se elas realidade ingênua e frágil, e a busca de propostas
fossem bússola de viagem e capaz de orientar em práticas, de investimento missionário nesta parcela
da sociedade que clama por sentido.
13
direção à salvação.
Uma das realidades que constitui não só um Adolescentes e jovens passam não só por
problema no Brasil, mas no mundo, é a “droga”. transformações físicas, mas psíquicas e sociais.
Podemos perguntar se o uso abusivo de drogas, Nessa passagem, há o risco de conhecerem as
lícitas ou ilícitas, traz sentido à existência humana. drogas; por isso, urge uma reflexão que venha
Não são poucos os danos físicos, morais e considerar esse problema e os cuidados que se
psicológicos causados ao indivíduo e à sociedade. deve ter diante dele, pois uma vez abandonados à
Os males da dependência química geram outros sua própria sorte, o caminho de retorno é longo,
males de dependência: o usuário depende do difícil e doloroso. O tema é atual, presente nos
tráfico e, para manter o seu vício, muitas vezes meios de comunicação social, em congressos e
assalta e mata; a família do usuário é atingida reuniões de cúpulas do governo e nas igrejas. É
também ao ver que a solução para a cura de seu importante a continuidade do debate para que a
ente querido é muita escassa; o governo se vê sociedade, em geral, seja envolvida.
diante de outra autoridade, a dos traficantes e,
Droga, o que é? Não são poucos os autores que, ao “tóxico”.7 É neste segundo sentido que tratamos
tratar do conceito sob o ponto de vista médico e o tema.
farmacológico, descreve que, quando consumida,
é uma substância capaz de modificar as funções do Entre os consumidores de droga, em geral,
corpo.6 Essa modificação traz, muitas vezes, uma estão não só os mais pobres, mas os mais
determinada satisfação ou uma alegria passageira vulneráveis. São muitas as consequências, porém
e leva à dependência face ao vazio existencial e ao é importante observar que à carona da droga está
sentimento de liberdade. Há drogas favoráveis à uma diversidade de delitos, destruição familiar
saúde, quando utilizadas com controle, para fins e prejuízo moral e social. Essa é uma realidade
terapêuticos, e drogas maléficas que, sem o devido a ser abordada principalmente entre crianças e
controle, são objetos do vício e da violência contra adolescentes que buscam lidar com sua crise de
o próprio corpo, a este abuso denominamos existência. O prejuízo é enorme, e ROTMAN,
de forma clara, o expõe: “o tráfico crescente de
6 MILBY, Jessé b. A dependência das Drogas e seu 7 MURAD, J.E. Drogas, o que é preciso saber. Belo
tratamento. São Paulo, Ed. USP/Pioneira: 1988, p.2. Horizonte-MG, Ed. Lê. 1998. P.35
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 02
drogas e o seu respectivo consumo entre crianças, idade entre 10 a 18 anos (52,2% de 10-14 e 47,5%
gestantes e adolescentes está se espalhando pelo de 15-18) e com situação escolar precária, sendo a
mundo de forma pandêmica, desestabilizando a maioria fora da escola (41,7% deixaram a escola e
estrutura das diversas nacionalidades, aniquilando 2,5% nunca conheceram escola).
a unidade da família e inclusive deformando, no
curso da gravidez, até quem ainda não nasceu para Os números aumentam ao mostrar o tempo que
a vida”.8 esses jovens viviam na rua. A maioria, 69,5%, vivia
na rua há mais de um ano e, entre os que tinham
Hoje, de cada 100 dependentes químicos, somente vínculo familiar, pelo menos 31,2% não tinham
cinco está em casa de recuperação e somente uma vivência em família. Não são poucos os
uma minoria consegue concluir o tratamento. motivos que levam crianças, adolescentes e jovens
Dados informados pela Pastoral da Sobriedade para as ruas. Entre estes, pelo menos 37,7% estão
do Regional Nordeste (CNBB) juntamente em busca de sustento.
com a Associação Brasileira Sobriedade e Paz
(ABRASP). Consciente desses dados e retomando Há mudanças de 2003 até hoje, e isso deve ser
as estatísticas passadas, vemos que o trabalho junto observado em relação aos tipos de drogas. O uso de
aos dependentes químicos é um desafio colocado crack e cola, por exemplo, aumentou e isso mostra
não só ao Estado, mas à igreja cristã. que a política de controle e repressão não foi
eficaz. Entre os usuários de drogas em 2003, quase
No Brasil, essa realidade vem sendo observada a metade expressou o desejo de parar ou diminuir
14
As drogas são uma realidade, principalmente entre sentirem meros provedores.”9 E quando os pais
crianças, adolescentes e jovens. Essa situação nem provedores são? Como fica o problema?
tende a aumentar cada vez mais, pois como bem Eis uma questão a ser pensada em favor de uma
observa TIBA: “hoje os adolescentes são muito política que cultive e invista na família como o
apegados ao seu mundo social, seus amigos, seus primeiro órgão de apoio contra a falta de sentido.
programas, suas viagens, a ponto de seus pais se
A ética, enquanto reflexão sobre a moral e as leis,
9 Ibidem, p.33
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 02
surgiu na antiga Grécia e tinha o propósito de ao sentido espiritual, eles careciam de uma boa
humanizar a sociedade e beneficiá-la em favor da orientação religiosa que os conduzisse à verdade e
saúde física, psíquica e espiritual. No encontro com ao cumprimento dela. O templo, ligado ao poder,
o Cristianismo, alguns valores foram agregados apesar de deter as Escrituras, as usava em favor
ao objeto da ética e outros fortalecidos. Entre os de interesses próprios, dificultando a inclusão de
fortalecidos está o amor. todos no plano divino. Jesus retoma o projeto
do Deuteronômio: resgate de uma sociedade
Como tratar o problema das drogas considerando construída sobre os mandamentos de Deus.
valores como responsabilidade e cuidado? Do Nessa sociedade, a exclusão não agrada a Deus e
ponto de vista de uma teologia cristã, entendemos todos são chamados a participar, como eleitos, da
que a droga, assim como tudo o que leva ao nova sociedade. No projeto de Deus, segundo a
pecado, traz malefícios ao indivíduo e à sociedade. novidade de Cristo, os pobres são incluídos.
Não ligamos a droga ao pecado, mas é importante
uma reflexão acerca de tudo aquilo que causa Libertar os cativos. Ao perguntarmos sobre o
dependência e oprime. que é cativeiro, deparamo-nos com o significado
atual do termo. Quando alguém mantém no
Em algumas passagens do Novo Testamento, cativeiro uma pessoa, um grupo ou uma classe
encontramos pistas para uma reflexão sobre o está impossibilitando a liberdade, o direito de
problema. No evangelho de Lucas (4.16-22), sob todos de ir e vir, de existir. O cativo vive a mercê
o qual buscamos algumas luzes, encontramos
15
do torturador, sob o medo e o desespero. Jesus
uma passagem interessante. O contexto literário atualiza o texto de Isaías. Se o profeta falava do
é o seguinte: Jesus, como de costume, entrou cativeiro físico, provavelmente o da Babilônia,
num dia de sábado na sinagoga de Nazaré. Ali lhe Jesus fala do cativeiro do coração. Ser cativo,
entregaram o livro do profeta Isaías, e ele o abriu em sua própria terra, é o pior dos cativeiros.
na passagem que diz: “O Espirito do Senhor está Jesus, no evangelho de João (8.31-32), diz:
sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar “Se permanecerdes em minha palavra, sereis
os pobres; enviou-me para proclamar libertação verdadeiramente meus discípulos, e conhecereis a
aos cativos e restauração da vista aos cegos, para verdade e a verdade vos tornará livres”.
pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano
aceitável do Senhor”. Depois de fechar o livro, Restaurar a vista aos cegos. Os olhos são a janela
diante das pessoas que tinham os olhares fitos da alma? Todos nós, com exceções, nascemos
nele, interpretou que naquele momento acabara com a capacidade de enxergar, porém, sob o
de se cumprir as Escrituras. ponto de vista cristão, remetemo-nos não ao dado
puramente físico da visão, mas em sua condição
É o inicio do ministério de Jesus. Ele acabara de contemplativa, um olhar cuidadoso capaz de
ser batizado por João Batista e de ser tentado transcender aos fenômenos.10 Jesus resgata aos
no deserto. Na sinagoga, ele anuncia que a “cegos” de sua escuridão, a graça de enxergar a vida
missão pela qual dará a própria vida é a mesma sob outro prisma: o do encontro. É sob o olhar
do profeta Isaias: 1) Evangelizar os pobres; de Jesus que o ser humano aprende a enxergar
2) Libertar os cativos; 3) Restaurar a vista aos uma vida nova. Jean-Yves Leloup (1998, 130), em
cegos; 4) pôr em liberdade os oprimidos, e 5) sua meditação sobre o olhar, expressa, de forma
apregoar o amor de Deus. simples, esta nova realidade: “olhos abertos, olhos
Evangelizar os pobres. A palavra Evangelho vem claros e luminosos. Entretanto, há olhos opacos,
do grego e significa “boa notícia”. Jesus atualiza a olhos sem visão. É muito duro ser olhado por
boa notícia de Isaías observando que os pobres, olhos sem olhar. Porque, então, ficamos reduzidos
na economia da salvação, têm o seu lugar. Numa a uma coisa, a um objeto. Não há o encontro de
terminologia bioética, os mais “vulneráveis” deste pessoa a pessoa, de coração a coração”.
mundo é um endereço a partir do qual o Reino Pôr em liberdade os oprimidos. O que é opressão?
de Deus se revela. Amar a Deus, sobre todas as Podemos falar de três tipos de opressão: física,
coisas, se concretiza no amor ao “próximo”. psíquica e espiritual. No que diz respeito ao
Os mais vulneráveis não têm acesso à qualidade
de vida, em todos os sentidos: na saúde física e, 10 Cf. SOUZA, J. Neivaldo. Imagem humana à semelhança
particularmente, espiritual. No que diz respeito divina. São Paulo: Paulinas, 2010, pp. 35-36.
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 02
primeiro, entendemos que tal situação leva ao ano de graça do Senhor. No Primeiro Testamento,
abandono do próprio corpo. O corpo físico já não as passagens relacionadas ao ano de graça dizem
é mais o lugar da realização. Reduzido à dimensão respeito ao plantio e à colheita. No Segundo
carnal, o físico se agarra em pequenos prazeres Testamento, refere-se ao amor de Deus que, através
como sentido. A satisfação de tais prazeres ora de Jesus, é plantado e colhido, independente do
vem como ópio, uma droga passageira que, tipo de terra (Mc 4.1-9). Todos são chamados à
por alguns momentos, traz um sentimento de vida, inclusive os mais necessitados.
felicidade eterna. A degradação física aponta
para outra: psíquica. O sentimento de vazio ou Não faltam passagens ilustrativas para uma
de constante angústia diante da realidade leva reflexão ética. Os valores morais são importantes
ao estresse e à depressão. Também em relação na sociedade: eliminar os hábitos que levam aos
à opressão espiritual, entendemos que a causa vícios e à dependência faz parte do plano de
está no favorecimento a outros deuses menores. humanização, e o Estado, visando aos benefícios
Tais pessoas precisam se libertar. Jesus resgata os sociais, se preocupa com isso. Sob a ótica cristã, tais
oprimidos do lamaçal da opressão devolvendo a valores transcendem a justiça social, econômica ou
eles o amor, a fé e a esperança. política, eles têm uma teleologia do alto, por isso
seu olhar é contemplativo e esperançoso.
Apregoar o amor de Deus. Isaías anunciava um
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Vimos, através de dados, ainda que antigos, que realidade e julgá-la à luz da Palavra Deus, eis
as drogas são uma realidade. Talvez, no primeiro o segundo passo nesse processo. Tudo o que
momento, a tendência humana seja cegueira ou colabora para o pecado e a degradação humana
indiferença diante do problema, porém, ao lermos devem ser combatidos. Essa situação não agrada
o Evangelho de Lucas, percebemos que não somos a Deus. A igreja, sinal do Reino na terra, tem
chamados para sermos trevas, mas luzes. A partir uma missão também nesse campo: ensinar, curar
dessa nova consciência e dos valores que realmente e libertar a todos os que necessitam. O campo
importam, nossas ações missionárias devem dos necessitados é vasto, o de usuários de drogas,
ser transformadas. Em outras palavras, somos vem crescendo cada vez mais. São pessoas que, ao
semeadores do Reino de Deus e devemos fazê-lo buscarem um sentido de vida, não o encontram a
frutificar no coração das pessoas, principalmente não ser na ilusão que a droga produz. Há inúmeros
daquelas que mais clamam por Ele. textos bíblicos que ajudam a pensar e trazem luzes
para iluminar a situação de trevas.
Buscamos luzes para uma pastoral junto aos
usuários de drogas, principalmente àqueles mais No Primeiro Testamento, os Salmos podem
necessitados: os que vivem na rua e os que estão ajudar, pois há, para situações específicas,
na rua. É importante formar um grupo que se mensagens e reflexões específicas. Por exemplo:
interesse pelo problema e, à luz da Palavra de há salmos de súplica, motivados pela aflição
Deus, refletir sobre a melhor maneira de acolher individual diante dos perigos de doença e morte.
essas pessoas e inseri-las no plano da salvação. Há também outras classificações: penitência, ação
de graças e louvor que podem ajudar segundo a
Não basta saber da existência de drogados nas realidade apresentada.
ruas, isso todo mundo sabe, é preciso visitar os
locais, ouvir essas pessoas, ter conhecimento de Fora os salmos, a literatura profética também é
suas aflições, de sua fé e esperança. Ver é também interessante, pois exalta o chamado de Deus e a
se inteirar estatisticamente do número de pessoas missão neste mundo: “anunciar” o Reino de Deus;
que estão nessa condição e o lugar onde elas se “renunciar” a situações que aparentemente dão
encontram. Inteirar-se dessa realidade é o primeiro prazer e oferecem um sentido enganoso de vida;
passo para uma ação pastoral junto aos jovens “denunciar” tudo aquilo que destrói a vida e seus
drogados “de” e “na” rua. valores fundamentais.
Os desafios são muitos. Tomar consciência da No Segundo Testamento, os evangelhos sinóticos
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 02
e João são interessantes. O discipulador pode A partir de uma reflexão bíblica o grupo pode se
se colocar no lugar dos discípulos e sentir, aventurar e agir. O caminho se faz caminhando,
com eles, que sua realidade deve ser superada porém é necessário que nessa estrada, as pessoas
na companhia de Jesus de Nazaré. Enfrentar que ali estão tenham em comum um objetivo:
as provações, no caminho de Cristo e de sua acolher os novos irmãos e fazê-los se sentir em
comunidade, é algo inovador. O jugo se torna casa; alimentá-los com outro alimento: o pão da
mais leve e fácil de ser carregado. Palavra que de fato mata a fome e preenche de
sentido o vazio; libertá-las do jugo das drogas
No evangelho de Mateus, principalmente o trazendo novas possibilidades e visões. O trabalho
“sermão da montanha”, Jesus traz uma proposta pode ser estendido à família dos usuários de
ética, isto é, de solidariedade e esperança. Também drogas. Ali também há alguém que sofre e precisa
os evangelhos de Marcos e Lucas, através das de apoio e orientação.
parábolas e milagres de Jesus, podem levar a uma
reflexão sobre a presença real de Cristo em meio É fundamental um planejamento. Entre as drogas,
ao sofrimento e luzes para transformação pessoal. o crack, além de ser a droga mais nociva, é também
A literatura joanina apresenta o caminho através a mais comum, pois já chegou a quase todos os
do qual o acesso à felicidade se torna possível. municípios brasileiros, no interior, no campo,
Deus, em Jesus de Nazaré, se mostra claramente até entre os índios. O trabalho de prevenção
e, através dos sinais, aponta para um reino de é importante, mas é preciso olhar para os
17
amor e de verdadeira alegria. Fora os evangelhos, dependentes para que eles recuperem o verdadeiro
as cartas, principalmente de Paulo, Tiago e Pedro, sentido da vida. Podíamos alargar nossa reflexão
ajudam a trazer luzes para uma prática junto aos aos alcoólatras, mas preferimos delimitar o tema
mais necessitados. a fim de pensar melhor e de forma mais objetiva
o problema.
Vimos o quanto é importante julgar a realidade
a partir das Escrituras Sagradas. Só a partir dessa A motivação do grupo é a “novidade” que o Reino
situação se pode eliminar o preconceito e buscar de Deus traz na pessoa de Jesus de Nazaré. As
novas formas de acolhida e trabalho junto a essas reuniões devem ser alegres e otimistas, mas o
pessoas. A Bíblia nos ajuda a julgar, principalmente trabalho também. Os agentes de pastoral devem
quando, na presença de Jesus, percebemos que não ser revolucionários nessa nova proposta. O único
é o pecador o mal a ser extirpado da sociedade, mas lugar diferente do mercado de capital, onde o
o pecado ou tudo aquilo que desgraça e obstrui o campo é grande e os trabalhadores são poucos, é
acesso à felicidade, a Deus. o campo da espiritualidade e do plantio do Reino
de Deus.
Resumo
As drogas não são um problema somente para o e sociais trazidos pelo uso das drogas são muitos.
Brasil, mas mundial. As motivações, que levam A dependência química gera outras dependências.
crianças, adolescentes e jovens a buscarem nas O texto procura abordar o tema partindo de uma
drogas um momento de felicidade podem estar metodologia simples: ver a realidade das drogas,
ligadas à falta de segurança familiar, à falta de uma em números estatísticos; julgar esse mal a partir da
boa educação e, principalmente, à falta de sentido. bíblia e pensar pistas práticas de trabalho a fim de
O abuso de drogas, lícitas ou ilícitas, traz sentido à ajudar aos interessados por esse campo de missão
existência humana ou é um falso sentido? Eis o que vasto e complexo.
o tema procura trabalhar. Os prejuízos familiares
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 02
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Referências
MILBY, Jessé b. A dependência das Drogas e seu tratamento. São Paulo, Ed. USP/Pioneira: 1988.
MURAD, J.E. Drogas, o que é preciso saber. Belo Horizonte MG, Ed. Lê. 1998.
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 03
a família como lugar de sentido
introdução11
século XIX, que antes da família monogâmica,
Tendo em vista as grandes mudanças culturais e existiram outros modelos de família com base em
o emergir de um novo paradigma voltado para casamentos diferentes: a consanguínea (união entre
uma visão mais pluralista e menos exclusivista, irmãos e irmãs carnais e colaterais); punaluana
perguntamos: “e a família, como vai?” Essa (união de várias irmãs, carnais e colaterais, com o
pergunta nos leva a pensar sobre o que de fato marido de cada uma das outras: grupo de homens
é família, como ela foi concebida na história do casado com grupo de mulheres); sindiásmica (sem
Ocidente e quais são os novos modelos emergentes. obrigação de morar junto: somente pelo desejo);
Eis algumas questões que se nos colocam neste patriarcal (casamento de um homem com muitas
início do século XXI: podemos ainda falar de mulheres) e monogâmica (casamento de duas
família, no sentido tradicional do termo, ou pessoas que se unem, não só pelo desejo, mas pelo
devemos pensar sobre os novos modelos que, em compromisso de coabitação e exclusividade).
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nossa sociedade, clamam por compreensão? Eis o Tendo em vista estes pressupostos, propomos,
que pretendemos discutir. além disso, uma reflexão que venha tratar do
Para entendermos os desafios da família, é problema a partir de duas realidades: divina e
importante recorrermos à história, principalmente humana. Tais considerações apresentam os “novos
aos modelos que tradicionalmente vêm se desafios”, principalmente à família monogâmica e
impondo. Lewis Hanry Morgan observou, no ao entendimento sobre a diferença entre família
como instituição “revelada” por Deus e família
11 Este capítulo é resultado de um estudo apresentado no como projeto humanitário? Quais são os principais
X Congresso de Teologia da PUCPR (3-5 outubro de 2011) desafios colocados ao esse pequeno núcleo social?
cujo tema foi: “Teologia, Gênero e expressões: Para onde
caminhamos?”.
Eis o que vamos tratar nos tópicos posteriores.
Há dicionários que trazem o conceito de família de No sentido religioso, incluindo as três grandes
forma bem limitada: “pessoas do mesmo sangue religiões monoteístas: Judaísmo, Cristianismo e
que vivem ou não em comum”. Essa definição Islamismo, o modelo de família de origem divina é
não expressa, de fato, o seu verdadeiro sentido. O patriarcal: o modelo de família revelado por Deus
termo Família vem do latim e indica, em oposição tem valor absoluto e infinito, o que garante sua
à concepção anterior: “conjunto de pessoas que verdade. Assim, a família terrena deve ser à imagem
vivem sob o mesmo teto” compreendendo o pai, e semelhança da família sagrada, isto é, como dizia
no regime patriarcal, como chefe da casa e a seguir H. Bergson: deve gozar da “existência real do ser
os agregados: mulher ou mulheres, os filhos, servos com o qual acredita estar em comunhão”.
e escravos. Em grego, a palavra oikoz (oikos) é a
mais apropriada e indica: “tenda” ou “morada”. No Primeiro Testamento, a família de Abraão é,
Assim, em sua origem, “família” tem um sentido ao mesmo tempo, uma família modelo, por conta
mais amplo e quer dizer: “casa”, entendida como da obediência a Deus, mas, péssimo exemplo para
“intimidade”, incluindo todos, de “vínculo” não quem, a todo custo, procura resolver suas próprias
só biológico, mas social, afetivo e educacional. dificuldades e limitações: lembramos aqui que Sara,
Família, nesse sentido, diz respeito às pessoas com o consentimento de Abraão, tentou resolver
intimas: filhos adotivos e biológicos, criados, sua angústia propondo que Abraão fecundasse
escravos e inclusive os animais que convivem sob Agar, sua escrava, e resolvesse, ao mesmo tempo,
uma lei paterna ou materna. dois problemas: o da sua infertilidade e o da falta
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 03
de herdeiro para Abraão: “Vê, eu te peço: Iahweh o aborto, o infanticídio e o abandono de crianças.
não permitiu que eu desse à luz. Toma, pois a Isso não ficava só na teoria, era responsabilidade
minha serva. Talvez por ela eu venha a ter filhos”. do bispo dar uma família aos abandonados, isto
Abraão, não só obediente à sua mulher, mas à é, deviam acolher os órfãos da comunidade,
voz da sua própria consciência e, sem saber que a aceitá-los por filhos, educá-los no bem e ajudá-
boa intenção também corrompe, fez o que devia los a arrumar um bom trabalho. Também com
fazer. Agar teve um filho de Abraão ao qual deu o relação às viúvas e aos escravos da comunidade,
nome de Ismael. Não demorou muito, Sara, depois os bispos deviam ter alguma responsabilidade.
de adotar Ismael, concebeu Isaac; também não Entre os Pais apostólicos, Inácio, o terceiro bispo
demorou muito para que ela, possuída de ciúmes na sucessão de Pedro, exortava a Policarpo: “Não
em relação ao filho, excluísse da família, juntamente deixeis de atender as viúvas; depois do Senhor,
com Abraão, Agar e Ismael. Conta a Bíblia que és tu que deves cuidar delas. Nada seja feito sem
Deus resgatou a serva e seu filho formando outra teu parecer e não faças nada sem Deus, como de
família. Esta, logicamente, sem pai. fato não o fazes. Sê firme. Que as reuniões sejam
mais frequentes; convida a todos nominalmente.”
No Segundo Testamento, o apóstolo Paulo, O cuidado com as viúvas não se limitava aos
provavelmente olhando para o mau exemplo deveres da igreja, através do bispo, mas se estendia
da família de Abraão, propõe que a esposa seja às próprias viúvas. Policarpo de Esmirna pedia
submissa a seu marido, porque assim quer o às viúvas para serem sábias e intercessoras junto
Senhor; que o marido ame sua esposa e não a
20
21
ser exercida pelo pai, compete a ele o “poder”, os
trabalhos e a economia da casa. A família encontra II, especificamente no documento Lumem Gentium
sua razão de ser em Deus. 43, ao observar que a família foi querida por
Deus a fim de se desenvolver para o bem de seus
Essa ideia aparece no grande reformador cristão, membros e o bem do corpo de Cristo.
Na Modernidade, o modelo de família revelado natureza: “o deus do homem não é nada mais do
por Deus é questionado por grandes pensadores que a essência divinizada do homem, portanto
humanistas, e isso retrata o contexto sócio- a história da religião ou, o que dá na mesma, de
cultural do século XVIII – XX. Neste parágrafo, Deus..., nada mais é do que a história do homem.”
gostaríamos de ressaltar a crítica moderna sobre o Nesse caso, quando pensamos a família à luz do
modelo divino de família e a consequência de tal pensamento de Feuerbach, trazemos uma reflexão
pensamento hoje. limitada e transformamos o modelo de família,
Em sua crítica, Feuerbach, Freud e Nietzsche encontrada na Bíblia e na tradição, em família
entenderam que toda visão de mundo, cuja base puramente humana cujos membros divinizam suas
religiosa é o sentimento religioso, nada mais é próprias expectativas futuras. Segundo esse autor
senão uma construção da insegurança e do medo “não existe nenhum Deus, ou seja, nenhum ente,
diante do futuro. Essa ideia seria bem elaborada abstrato, supra-sensível, diverso da natureza e do
pelo filósofo L. Feuerbach ao observar que o poder homem que decide sobre o destino do universo e
divino nada mais é senão a personificação dos da humanidade a seu bel-prazer” (p. 29).
fenômenos naturais que produzem nos homens o K. Marx, companheiro e ao mesmo tempo rival de
mais alto grau de medo. Tudo que vem a reboque Feuerbach, envereda sua crítica, não em direção
da religião é, para ele, temor que o homem sente ao homem singular, mas ao homem social. A
não de Deus, mas dos seus próprios limites, isto família pensada, segundo a vontade de Deus, é
é, de si mesmo. Podemos ler isso em sua obra para ele objeto de crítica, pois para ele, a essência
Essência da Religião (1989, p. 23) onde dá a entender da religião “revelada” nada mais é senão a essência
que nenhuma revelação traria do infinito a verdade das relações sociais e econômicas. Assim, Deus,
sobre o ser humano. Para ele, a consciência religião e tudo o que gira ao redor da divinização
humana iludida se acha capaz de pensar além de si são produtos das relações humanas. Nessa direção,
mesma, mas nada mais pensa, senão a sua própria por mais que se procure provar que Deus tem um
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 03
projeto para a família, tal prova vai se limitar a sob o plano divino, também tende a morrer.
uma projeção ou fruto da alienação pessoal e suas
relações. Nesse caso, uma família que busque em A crítica que se faz a esses grandes pensadores é
Deus e na doutrina religiosa orientação para a sua que a religião não morreu, parece que se fortaleceu
vida, nada mais busca senão abastecer suas próprias ainda mais na pós-modernidade. Mas e a família,
necessidades, porém sem ter consciência disso. enquanto vontade revelada de Deus ao homem,
Uma família assim não seria para Marx causa do ainda continua, mesmo tendo que enfrentar os
mal social, mas, por se pautar em uma idealização, desafios colocados pela técnica e a ciência?
passa a ser uma ideologia que, sem os pés no chão, Como pensar a família sob o ponto de vista divino,
justifica a exploração no trabalho, a dominação considerando a emancipação feminina e o papel
de uma classe sobre a outra, a propriedade da mulher, situações diferentes da época de Paulo
privada e a alienação dos trabalhadores diante da ou do Primeiro Testamento? Não há mais uma
possibilidade de se unirem. Assim, à luz de Marx, forma absoluta para se estruturar uma família.
entendemos que uma família, sob a orientação Hoje nos confrontamos com inúmeros modelos:
religiosa, pode ser iludida neste vale de lágrimas pais separados, filhos de casamentos anteriores,
social. Criticar o modelo tradicional de família, a morando na mesma casa; a mulher que, às vezes,
partir do pensamento de Marx, seria criticar o céu é mãe e pai ao mesmo tempo tendo que assumir a
a partir da terra; criticar as ideologias a partir da provisão da casa, e o inverso também acontece: o
política. Para ele, o que importa é a vida prática, pai assume o papel da mãe.
22
Resumo
Como tratar a família como um problema? A modelos de família, pensamos em uma infinidade,
família se torna um problema, colocado à reflexão, porém esses são colocados debaixo de dois grandes
na medida em que, em seu interior, há questões modelos: o divino e o humano. O primeiro trata da
como: o que é família? Quais são os modelos família à luz da teologia e da bíblia, e o segundo, a
de família? Há família perfeita? Qual é o papel partir do pensamento filosófico ocidental. O tema
da família na humanidade? Este trabalho tem o é provocativo e merece estar entre os problemas
objetivo de pensar sobre o tema e colocá-lo entre mais sérios, não só em nosso país, mas no mundo.
os principais problemas. Quando falamos de
23
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 03
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Referências
introdução
O substantivo grego utilizado para saúde é homens perdem a saúde para juntar dinheiro
oloklhria (holokleria): "perfeito”, “inteiro”. Uma e depois perdem o dinheiro para recuperar a
pessoa saudável é inteira, perfeita. O verbo mais saúde”. Concordamos com ele. O dia a dia de
comum utilizado para essa palavra é sozw (sõzõ) um sistema social, baseado no capital como
e quer dizer “salvar”, por isso, aos seus sinônimos valor maior, envolve-nos num pragmatismo sem
acrescenta-se também salvação. Completude, tamanho de tal forma que deixamos de lado os
inteireza e salvação, eis o que significa saúde. valores que de fato importam. Nessa “roda-viva”,
chegamos a confundir os conceitos: saúde passa
Saúde é um termo, muitas vezes, banalizado devido ser interpretada como patologia, e patologia como
ao interesse do ser humano em relação ao ter, mais saúde.
do que ao ser. É comum ouvirmos “tenho saúde”
referindo-se a um objeto de compra e venda e aí Propomos refletir sobre esse tema. Aliás, ao
25
quem tem poder aquisitivo possui mais saúde, pois falarmos de problemas brasileiros, podemos dizer
tem acesso a uma melhor qualidade de vida, aos que ela está entre os problemas mais urgentes a
remédios, etc. serem resolvidos. Não nos limitamos ao dado
meramente físico da saúde, mas sim a abordá-la
Certa vez, perguntaram a Confúcio o que mais o em seu sentido holístico, assim como os gregos
surpreendia na humanidade, ele respondeu: “Os antigos o fizeram.
1. Corpo saudável
Pensar a saúde é pensar o corpo, cadeia de relações, vida” é só um nome que se dá para uma vida sem
autônomo e dependente, ativo e passivo, sujeito qualidade, e tal conceito goza de extraordinária
e objeto. Como observa P. Berger, diferente de popularidade, ignorando o fato que, muitas vezes,
outros mamíferos, o ser humano se vê num a população de um determinado país, cheio de
mundo por fazer e “a atividade que o homem recursos, pode não ter uma distribuição adequada
desenvolve em construir um mundo não é, dos bens necessários à vida: “que uma pessoa
portanto, um fenômeno biológico estranho, e sim socialmente excluída ou marginal esteja mais
a consequência direta da constituição biológica exposta a ter um estado de saúde mais sofrível e,
do homem”.12 Entendemos, com isso, que o fazer portanto, a ter qualidade de vida pior do que a de
implica, no organismo humano, o espírito ou a outra com grande prestígio social. Essa evidência
capacidade de transcendência do ser humano, pois também se aplica a sociedades animais, em que
como dizia H. Jonas: “mesmo em suas estruturas a perda de status leva até mesmo ao declínio e à
mais primitivas, o orgânico já prefigura o espiritual, morte”.14 Isso repercute em todas as áreas de
e que mesmo em suas dimensões mais elevadas o atuação do ser humano: física e metafísica15. Mas
espírito permanece parte do orgânico”.13 o que é um corpo saudável?
Há uma ideologia enraizada e, não é de hoje, O Teólogo e terapeuta francês Jean-Yves-Leloup16,
que confunde os conceitos, de tal forma a não ao fazer uma reflexão sobre o que é um corpo
sabermos qual é a fronteira estabelecida entre
14 LOLAS, Fernando. Bioética. São Paulo: Loyola, 2001,
saúde e doença. Muitas vezes, “qualidade de p. 86.
12 BERGER, Peter. O Dossel Sagrado. São Paulo: 15 Chamo metafísica tudo o que diz respeito à
Paulinas, 1985, p.18. produção do homem sócio-psíquico-espiritual.
13 JONAS, Hans. O Princípio Vida. Petrópolis: Vozes, 16 LELOUP, Jean-yves. O corpo e seus símbolos.
2004, p. 11. Petrópolis: Vozes, 1998.
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 04
saudável, observa que, infelizmente, o conceito Essa linguagem aponta também para a “escuta”
“saúde” é considerado, na maioria das vezes, no do corpo, principalmente no que diz respeito à sua
sentido físico. Segundo ele, devemos ampliar nossa enfermidade. Devemos escutar o corpo em todas
reflexão a fim de escutar a linguagem do corpo. as suas dimensões: física, psicológica e espiritual.
2. dimensão física
É o corpo em sua condição biológica. A pessoa Nosso corpo se compõe de membros e esses
chega ao mundo com qualidades inatas a serem funcionam em harmonia. Ter uma escuta
desenvolvidas, sujeita ao crescimento e, por médica sobre ele é importante, pois retomamos
isso, precisa se alimentar e buscar suprir suas a sua história, os acontecimentos passados e
necessidades básicas: alimentação, moradia, etc. identificamos o “vivido” a fim de aceitá-lo em
Nos tempos antigos, a medicina já avaliava a situações de sofrimento e dor, pois como escreveu
personalidade do indivíduo a partir de qualidades Santo Agostinho: “amamos o que conhecemos”.
somáticas como o humor, por exemplo. Os termos: Conhecer o corpo físico, não tudo, pois não se
colérico, sanguíneo, fleumático e melancólico limita à dimensão puramente biológica, é um
eram usados para caracterizar o comportamento passo importante para mergulharmos a fundo em
do indivíduo, mas esse tipo de análise torna-se seus mistérios e amá-lo mais ainda.
26
3. dimensão psicológica
É qualidade constitutiva da alma humana. Como delas padecem, de suas metas e propósitos vitais, e
ser racional, o ser humano é capaz de pensar sua os transformam em escravos de uma constelação
existência no mundo, planejar suas relações e, alterada de ciclos sociais e vitais”.18
pela vontade, transformar e dar sentido à vida.
Aristóteles, em Política, observa que a alma se É importante observar a linguagem do corpo
compõe de duas partes, uma racional e outra não enquanto ser psíquico e, para isso, temos que
racional, porém submissa à razão. Para o pensador retomar as experiências vividas, escutar os traumas
de Estagira, a pessoa de bem se caracteriza pelas e os medos a fim de ouvi-los e lidar com eles. Quem
virtudes, submetendo-se ao que é melhor, isto é, é o ser humano? Quais são seus medos? Diante
ao racional.17 da sociedade, por que não assume os papéis que
lhe agradam e assume papéis que não lhe fazem
Pelo aspecto racional da alma, distinguimos os bem? Para Leloup, é importante lembrarmo-nos
comportamentos. Mas como distinguir uma das memórias de luz, antes de memorizarmos os
personalidade normal de uma anormal? O critério traumas e os medos. A nossa natureza verdadeira
social privilegia sempre o critério do “encaixe” testemunha a unidade, a liberdade do coração e
aos valores sociais fundamentais a uma vida do sopro; testemunha o nosso bem-estar e de
feliz. Quem não se ajusta a essa realidade, muitas todo o universo do qual somos parte; a nossa paz
vezes, é “rotulado” como “anormal”. Também testemunha um local no universo que está em paz.
aqui, a razão questiona os valores e busca meios Assim cuidar do corpo é cuidar da integridade
para esclarecer os critérios de normalidade em psicológica, inclusive.
uma determinada cultura. Durante muito tempo,
como bem escreve Lolas, procurou-se esclarecer 18 LOLAS, Fernando. Bioética. São Paulo: Loyola, 2001,
o campo da psicologia como lugar do sentido. Os pp. 83-84.
transtornos psicológicos privam as pessoas de seu
sentimento, vontade e razão, destruindo o que há
de mais nobre no ser humano: o raciocínio. “As
alterações de comportamento alienam, aos que
17 Política, XIII, 5.
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 04
4. dimensão espiritual
O corpo é um ente espiritual e necessita ser não, então há uma desarmonia na criação e, como
escutado no que existe de mistério. A saúde observa Leloup, é preciso interpretar as provações
espiritual é um bem, pois indica que o corpo está na sua totalidade sem opor o trabalho do médico,
em harmonia com o sobrenatural. Leloup observa, do psicólogo ao trabalho espiritual. A pessoa
com autoridade, que certas doenças são atribuídas tem “necessidade de todos estes esclarecimentos,
à quebra na relação do corpo com o espírito. Para devemos adotar uma linguagem discreta, mas que
ele, existem depressões ligadas a essa quebra que a deixe aberta. Que abra uma possibilidade de cura
podem nos dar uma boa lição de vida. Aprendemos e de alívio em sua doença”.
com a vida; através das quedas e das provações
aprendemos a transformar o nosso modo de ser e Saúde integral. Só o amor pelo corpo em todas
a buscar o verdadeiro eixo de nossa vida. “Porque, as suas dimensões é capaz de manter a ideia da
se podemos correr dançando para um abismo, “não separação”; o amor não é questão de “saúde
mais valeria coxearmos em uma direção que tenha pública”, mas de ética, a exemplo de Jesus de
um sentido”. Há um mistério “lá fora” que invade Nazaré, uma escolha e compromisso conscientes
o indivíduo contra sua vontade; mas o mesmo pela unidade, o bem. A opção pela saúde integral
mistério está “dentro” e provoca o indivíduo a é questão fundamental. E. Fromm, ao tratar do
27
exteriorizá-lo, isto é, a comunicá-lo através de uma amor como arte, dá a entender que a matéria
linguagem socializada. A graça de Deus é natural e prima é boa, é dada pelo meio ambiente no qual
sobrenatural. A história das conversões apresenta vivemos, a atitude do artista é trabalhá-la a fim de
experiências de atuação da graça de tal forma que preservar ou recuperar sua beleza. Nessa linha,
as ciências não podem contestar. Desconsiderar o corpo é uma matéria prima a ser cuidada; sem
esse pressuposto é perder a possibilidade de ver o esse trabalho, a doença aparece como prostração
ser humano em sua totalidade. de um membro qualquer e não como um corpo
a ser percebido. Por fim, uma frase de E. Fromm
A graça de Deus e a fé humana. Exteriorização expressa bem o quanto é importante vermos a
e interiorização, eis a dialética necessária à saúde como um todo:
espiritualidade humana. Para P. BERGER19,
a pessoa se exterioriza, efundindo-se, seja A experiência da separação desperta a
fisicamente ou mentalmente, sobre o mundo; ansiedade; é de fato, a fonte de toda a
objetiva-se, os produtos realizados são resultados ansiedade. Ser separado significa ser cortado,
de sua ação no mundo; interioriza-se, isto é, torna sem qualquer capacidade de usar os poderes
consciente essa realidade objetiva como se fosse humanos. Eis porque ser separado é o mesmo
toda sua. Podemos entender que a pessoa também que ser desamparado, incapaz de apreender o
se torna um ser sagrado na medida em que ela mundo, as coisas e as pessoas, de modo ativo;
transcende e encarna a grandeza do mundo. significa que o mundo nos pode invadir sem
que tenhamos condições para reagir. Assim,
Para concluir, vimos que o corpo é um ser a separação é a fonte de intensa ansiedade.
integral e, portanto, sua saúde ou doença deve Além disso, ela dá origem à vergonha e ao
ser considerada numa totalidade, pois quando o sentimento de culpa.20
físico goza de bem-estar, mas as outras dimensões
19, ibidem, p. 38 20 FROMM, E. A arte de amar, pp. 28-29.
Resumo
Ao refletir sobre o que é saúde, nosso pensamento, gregos antigos, ao tratar do tema, o tomaram em
não raras vezes, se direciona ao corpo, e este é sua totalidade; por isso, a etimologia primeira do
tomado de forma redutível. A saúde se torna termo está no substantivo holokleria. A saúde foi
um problema a ser pensado na medida em que entendida em seu sentido integral, isto é, perfeito.
tomamos em sua forma mais complexa. Os
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 04
Nossa reflexão segue neste sentido. Ainda que o as limitações do ser humano. A dimensão psíquica
termo seja separado para fins de análise, buscando e espiritual é tomada em conjunto principalmente
compreender sua totalidade. O físico é o lugar no que diz respeito à relação que a pessoa tem
onde se manifestam os mistérios da mente e do consigo mesma e o desejo de transcendência.
espírito. Nele podemos perceber as dificuldades e
atividades
Sei responder
Execute os exercícios:
1. O que você entende por saúde?
2. Como os antigos abordaram esse tema?
3. Escreva sobre a saúde em sua dimensão física.
28
Referências
introdução
Sob o termo educação há uma realidade mais conhecimentos através de disciplinas teóricas e
ampla do que podemos pensar. Falamos de práticas. Nesse tipo de educação, apropriamos
educação formal e informal e, se quisermos, de nossa herança cultural de forma autônoma e
podemos debater até mesmo sobre uma educação criativa (Saviani, 1997).
não formal, mas este não é o caso. Eis aqui um
problema universal e, em se tratando de Brasil, Ao tratarmos da educação religiosa percebemos
exige grande debate. que os termos “formal” e “informal” se integram:
família, igreja e escola são parceiras na orientação
O que entendemos por educação informal e religiosa. O nosso interesse é ressaltar e debater
formal? No que concerne ao primeiro termo, é este tipo de educação transmitida pela escola
um tipo de educação espontânea cujo objetivo é ou, se quisermos, um ensino religioso que venha
transmitir os valores de uma determinada cultura. favorecer ao aluno uma aprendizagem mais ampla
29
Este processo se dá na família, na igreja e em outras sobre sua relação com o sagrado. Ainda que os
instituições cujos responsáveis são os pais ou termos se integrem, nosso debate privilegiará mais
tutores instituídos. Quanto à educação formal, ela o ensino religioso na escola, por isso vamos nos
está ligada à escola e tem como objetivo transmitir ater ao seu aspecto mais formal.
A educação religiosa, através do ensino formal, como um fenômeno e, como todo fenômeno,
é reconhecida pela Capes como uma orientação pode sim ser tomado como objeto de estudo. É a
importante face ao pluralismo cultural e, por partir desta segunda possibilidade que colocamos
isso, propõe que o ensino seja adequado em seus a religião como um problema a ser estudado e
métodos a fim de favorecer ao conhecimento um debatido nas escolas.
bom entendimento sobre o fenômeno religioso
que se expresse na pluralidade de tradições sócio- Saímos do dado puramente espiritualizado da
histórico-culturais e uma ética universal que cultive religião a fim de colocar o fenômeno religioso no
a tolerância e o diálogo com a diversidade. debatido transdisciplinar, isto é, não a discussão
sobre a religião, mais do que um debate sobre
Uma educação integral não exclui a relação com o ideias, é debate de sentido de vida, por isso
transcendente, mas entende que é uma realidade transcende o seu caráter puramente disciplinar.
importante para a formação cidadã. O Ensino Concordamos com o professor Silas Guerriero
Religioso, no currículo escolar, cumpre essa (2013, 8-13), em seu artigo, na revista Diálogo, que
função, pois leva ao aluno a consciência de que o termo religião não pode ser definido segundo os
ele é protagonista dessa história ao pensar valores limites do monoteísmo em detrimento de outras
que, ao serem colocados em prática, dão sentido crenças, pois se assim o for, a palavra se limitará
à sua vida. Eis o que pretende refletir este tópico. a poucas igrejas ou templos. Certo ele. Pensar
a religião, não só a partir de uma teologia da
Colocamos o problema: pode a religião ser objeto revelação, mas de forma ampla e interdisciplinar,
de estudo científico? A questão torna-se difícil para favorece o conhecimento e alarga a compreensão
o nosso debate se entendermos que a essência da do papel da fé na construção de uma sociedade
religião é o mistério e que somente os sacerdotes mais humanitária. Enquanto objeto de
e teólogos têm acesso às verdades insondáveis de estudo da Antropologia, a religião é tomada como
Deus os dos deuses. Por outro lado, começamos um objeto mais amplo, pois essa disciplina se
a discutir o problema se entendemos a religião
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 05
interessa por outras tradições e culturas religiosas, lideranças, mas se coloca de forma humilde
fora do âmbito puramente cristão. Assim, pensar à razão humana a fim de ser compreendida a
a religião, não só teologicamente, mas numa relação com o sagrado. Acerca dessa visão,
perspectiva antropológica, favorece a reflexão, Frank Usarski (2013, pp. 14-19) observa que,
pois enquanto objeto interdisciplinar não se limita assim como todo fenômeno, a religião deve
à discussão, muitas vezes preconceituosa, sobre a ser confrontada com a exigência metodológica,
“verdadeira” e “falsa” religião. pois também ela tem o direito de se explicar e
se colocar ao cientista como algo estranho a ser
Nessa perspectiva, a religião deve ser pensada em conhecido e controlado, principalmente no que
seu contexto social e cultural; o que mais importa diz respeito aos seus pré-conceitos.21
é a coerência manifesta em sua Gestalt simbólica.
A religião torna-se um problema a ser debatido, Enquanto objeto de estudo científico, a religião
pois ainda há preconceitos quanto àquelas que não se limita à pura crença ou confissão de fé,
escapam ao rótulo de religiões “reveladas” e são apesar de orientar a vida e oferecer um sentido de
tratadas como primitivas ou não evoluídas. vida, mas se submete às pesquisas com intuito de
ajudar a ciência a sair da simples opinião.
Entendida como um fenômeno social e cultural a
religião pode ser tomada como objeto de estudo
científico, pois não parte de uma espiritualização 21 “Ensino religioso: o que ensinar? Como ensinar” in
cujo mistério inefável só se manifesta às Diálogo: revista do ensino religioso. São Paulo: Paulinas,
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Enquanto realidade empírica, a religião se uma ética capaz de humanizar uma cultura.
coloca à investigação da razão instrumental. O
conhecimento deve ser atualizado, o religioso A educação religiosa é um direito. A família e a
inclusive. É a partir dessa realidade que igreja têm a função de doutrinar os seus filhos nas
interpretamos os textos antigos e podemos aplicá- verdades garantidas por uma tradição específica,
los em situações e problemas hodiernos. O desafio porém na escola, por seu caráter estatal, esses
colocado ao estudo da religião é substituir os filhos tornam-se estudantes e pesquisadores, isto
dogmatismos e fundamentalismos pela humildade é, vão além do caráter puramente doutrinal da
da pesquisa cujo fim é uma ética que considere o fé a fim de expandir os conhecimentos sobre a
diálogo e o cuidado. cultura religiosa.
É preciso uma postura que vá além das relações A pesar de seu caráter leigo, o Estado sofre
disciplinares, uma atitude transdisciplinar que influências religiosas e muitas vezes, por conta
comporte, no encontro com o outro, imanente ou disso, acaba cedendo à pressão quanto ao que
transcendente, uma consciência de pertencimento ensinar aos alunos sobre religião nas escolas
a um sentido. Nessa direção, colocamos o públicas. São muitos os desafios colocados
problema da religião não só como objeto científico, ao Ensino Religioso, mas vale a pena ressaltar
mas como objeto de compreensão a ser ensinado, dois: o fundamentalismo religioso e o diálogo
entendendo que ela produz um sentido de vida, inter-religioso.
31
ao Brasil e, atualmente, faz parte de alguns
um abismo entre as duas realidades: religiosa e projetos pedagógicos em muitas escolas.
secular. Muitos cientistas da religião e teólogos
veem isso como um obstáculo, pois não vivemos
Há algumas dificuldades a serem relevadas. Se a seja facultativa ao aluno, nas escolas públicas,
educação religiosa deve ser garantida em escolas esse direito foi garantido também na LDBEN
públicas, isso não é fácil, pois há que preservar 9.475/97:
a posição do Estado em relação a muitas
denominações religiosas que exigem prioridade Art. 33. O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é
no ensino. Superar essa dificuldade é um grande parte integrante da formação básica do cidadão, cons-
passo, pois evita a doutrinação da escola, favorece titui disciplina dos horários normais das escolas públi-
o acesso do educando ao conhecimento religioso cas de ensino fundamental, assegurado o respeito à di-
e valoriza um novo ethos, isto é, uma maneira nova versidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer
de estar no mundo enquanto produtor de sentido. formas de proselitismo.
A partir dessa nova postura, o Ensino Religioso Tomado, muitas vezes, de forma radical,
não se limita a ler os textos sagrados, mas amplia principalmente por religiosos adeptos do
seus objetivos contemplando também reflexões fundamentalismo bíblico, tal direito limita o Ensino
relacionadas à cultura e tradição religiosa, às Religioso à exposição de temas bíblicos, isso talvez
teologias e seu diverso entendimento acerca do aconteça devido à abertura do parágrafo 2º às
transcende, aos ritos e ética religiosa. posições das diversas denominações cristãs que
visam mais à doutrinação dos alunos: “Os sistemas
Em um contexto de diversidade religiosa, de ensino ouvirão entidade civil, constituída
esses temas são pertinentes, pois nos ajudam a pelas diferentes denominações religiosas, para a
perceber que nenhuma tradição religiosa mantem definição dos conteúdos do ensino”.
o monopólio sobre o tempo e o espaço. Em seu
contexto, os diversos atores religiosos lançam mão O objetivo geral das religiões deveria ser o diálogo,
de valores e conteúdos disponíveis de suas tradições buscando a melhor forma de habitar este mundo.
para intervirem na sociedade e, através de uma A unilateralidade parte de facções religiosas que
educação para a cidadania, humanizar este mundo. não expressam o verdadeiro objetivo religioso e,
Nessa direção, podemos dizer, com a teóloga infelizmente, aparece na educação e, de maneira
espanhola Maria Pilar Aquino (2011, p. 28), “O mais específica, no ensino formal da religião.
atual pluralismo religioso apresenta possibilidades Eis um desafio colocado ao Ensino Religioso.
e oportunidades criativas para entender os estudos O Estado é laico, porém, como uma instituição
teológicos e religiosos em termos de interação e
25 Cf. OLIVEIRA, Pedro A.R.\MORI, Geraldo (org.).
interdependência, que superam as antigas relações
Religião e educação para a cidadania. São Paulo: Paulinas;
Belo Horizonte: Soter, 2011, pp. 21-37
24 Cf. Diálogo: revista do ensino religioso. 2013. 26 Ibdem,147-151
Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 05
a-religiosa tem por dever assegurar os bens contribuindo assim para que o cidadão amplie o
culturais de um povo e, entre eles, a liberdade seu horizonte de sentido e cultive uma fé mais
religiosa. Nessa direção, o Estado deve possibilitar dialogal e menos exclusivista.
uma aprendizagem mais ampla da cultura religiosa,
Resumo
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Teologia e Problemas Brasileiros Unidade 05
atividades
Sei responder
5. Quais são os principais objetivos, segundo o texto, do ensino religioso na escola hoje?
Referências
CAMURÇA, Marcelo. Ciências Sociais e Ciências da Religião. São Paulo: Paulinas, 2008.
PANASIEWICZ, R. Pluralismo religioso contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 2007.
OLIVEIRA, Pedro A.R.\MORI, Geraldo (org.). Religião e educação para a cidadania. São Paulo: Paulinas;
Belo Horizonte: Soter, 2011, pp. 21-37.
SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-crítica. Primeiras aproximações. Campinas, s\d.
SOUZA, J. Neivaldo. “Diálogo e Ensino religioso” in Ciberteologia. Nº 33 – Ano VII – Janeiro/Fevereiro/
Março 2011, pp. 20-48.
USARSKI, Frank (org.) O Espectro disciplinar da Ciência da Religião. São Paulo: Paulinas, 2007.
Revista: Diálogo: revista de ensino religioso. São Paulo: Paulinas.
OLIVEIRA, Pedro A.R.\MORI, Geraldo (org.). Religião e educação para a cidadania. São Paulo: Paulinas;
Belo Horizonte: Soter, 2011, pp. 21-37.
Site: http://www.direcionaleducador.com.br/edicao-72-jan/11/capa-educacao-e-religiao-na-escola-publica-
direito-do-educando-e-do-educador acesso 12\09\2013.