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O LIVRE ARBÍTRIO – SANTO AGOSTINHO - LIVRO I

Por: Rafael Junio Mendes Moreira

INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A OBRA


• Agostinho escreve O Livre Arbítrio, assim como outras obras, com o intuito de
defender-se do maniqueísmo e alertar seus amigos.
• O Livre Arbítrio começou a ser escrito em 388 e só terminou entre 394 e 395.
Prova desta data são exemplares dos três livros da obra enviados a um amigo
chamado Paulino em 396.
• A obra é construída em forma de Diálogo trazendo os relatos das conversas de
Agostinho e Evódio.
• Evódio foi amigo de Agostinho, permaneceu com ele em Roma após a morte de
sua mãe Mônica, sendo ordenado bispo de Upsala em 396.
• Ter em vista sempre que Agostinho tem como pressuposto a fé como elemento
por onde deve ser ordenada a razão, isso significa que Agostinho parte do
princípio que a fé deve iluminar e ordenar a razão humana.
• A obra trata do problema da liberdade humana e a origem do mal moral.
• Em sua busca Agostinho vai concluir que o mal não podia ter lugar entre os seres,
nem prejudicar a excelência da obra divina e nem impedir o homem que o quisesse
de encontrar em Deus a paz e a felicidade.
• Ele busca explicar pela razão a origem do pecado e seu papel na obra de Deus.
• A Conclusão que ele chega é que a origem do mal moral, o pecado, reside no
abuso da liberdade, que em sua essência é um bem.

O LIVRO I – O PECADO PROVÉM DO LIVRE ARBÍTRIO


O livro I vai delinear o caminho para mostrar que o pecado, ou seja, o mal moral, tem
origem no livre arbítrio. Agostinho vai analisar qual é a essência do pecado e propõe a
definição de que cometer o mal nada mais é do que submeter sua vontade às paixões, isso
significa fazer uma livre escolha de satisfazer as paixões em detrimento dos bens
propostos pela fé.

INTRODUÇÃO
Capítulo 1 – É Deus o autor do mal?
Agostinho explica que o termo mal é tomado em dois sentidos: de quem pratica e de quem
sofre o mau. Deus não é autor do mal porque ele é bom. E se é bom não pode praticar o
mal. Só poderia ser autor do mal no sentido para quem sofre, no entanto não se trata de
mal essencialmente porque Deus é justo e sua justiça implica dar recompensas aos bons
e castigos aos maus e para quem sofre o castigo parece sofrer um mal, mas na verdade é
fruto da justiça, pois ninguém é punido injustamente. Sobre o primeiro gênero de mal, o
do lado de quem comete Agostinho explica que cada pessoa é autora ao cometer uma má
ação.
Agostinho explica também que o mau não é aprendido porque a instrução é um bem.
Desta forma, na medida em que uma pessoa se afasta da verdadeira instrução, que é
voltada para um bem, ela tende a praticar más ações. O mal não é objeto de instrução.
A resposta de Agostinho será clara: “Deus não é o autor do mal, porque é o autor de todo
o bem. Sendo Deus bom, é evidente que não pode fazer mal algum.” A segunda pergunta
sobre a origem do mal, a conclusão será igualmente firme: a concupiscência, levando ao
abuso do livre arbítrio, é que dá origem ao mal.
Capítulo 2 – Por qual motivo agimos mal?
Neste capítulo Agostinho oferece importantes definições para o prosseguimento do livro
em seu raciocínio. Tratam-se de características relacionadas a Deus. São elas:
• Deus não é o autor do pecado, então o pecado provém dos seres criados por Deus.
• Deus é todo poderoso e não existe parte alguma de sua natureza submissa a
qualquer mudança.
• Ele é o criador de todos os bens, e é infinitamente superior a eles.
• Ele governa com perfeita justiça tudo o que criou.

PRIMEIRA PARTE
ESSÊNCIA DO PECADO – SUBMISSÃO DA RAZÂO ÀS PAIXÕES
Capítulo 3 – Busca da Origem do pecado
Agostinho questiona qual a causa de procedermos mal, mas afirma que é preciso primeiro
entender o que é proceder mal. Ele questiona, tomando como exemplo o adultério, se o
mal está no adultério em si ou se o consideramos mal porque a lei nos proíbe de ser
cometido. Ele prossegue ressaltando que à luz da fé sabemos que ele é um mal em si, mas
deveremos saber o porquê também por um conhecimento por meio da razão. Agostinho
mostra que talvez esteja na paixão a malícia de um ato mal. Ele exemplifica considerando
que se um homem está impossibilitado de abusar de uma mulher, mas se fosse possível
revelar o seu intento ele seria tão culpado quanto se houvesse cometido o ato. Mostrando
que o mal pode estar na paixão, no desejo, ou seja, na concupcência.

Capítulo 4 – Objeção: e os homicídios cometidos sem paixão?


Agostinho define a paixão como concupiscência, diferenciando-a do medo. Explica que
todas as ações más são más por causa da paixão pela qual são praticadas e chama essa
paixão de desejo culpável. A paixão ou desejo culpável refere-se à intenção mais profunda
por trás do desejo e consequentemente da ação.

Capítulo 5 – Outra Objeção: e os homicídios cometidos em autodefesa, admitidos


pela lei civil?
Agostinho aponta ser necessário examinar se pode-se matar, sem nenhuma espécie de
paixão, por legítima defesa e ressalta que são justas as leis que permitem matar em
legítima defesa. Evódio ressalta ainda que a lei, sendo promulgada para defender o povo,
não é portadora de nenhuma paixão. Ressalta também que quem decreta a lei
normalmente não decreta movido por uma paixão, e mesmo que fosse isso não significa
que quem irá cumprir a lei deva observar isto e ser movido também por esta paixão.
Evódio aponta que a lei humana está encarregada de reprimir crimes, em vista de manter
a paz entre homens carentes de experiência, e o quanto estiver no alcance do governo,
constituído de homens mortais.

Capítulo 6 – Solução: saber distinguir entre a lei eterna das leis temporais
Agostinho ressalta o caráter mutável da lei humana e que ela, como igualmente aos
homens que a cria, estão sujeitos as vicissitudes do tempo. Ele também mostra que a lei
eterna, que é chamada razão suprema de tudo é o fundamento da retidão e das
modificações da lei temporal (modificações conforme o exemplo de um povo ter o direito
de eleger seus governantes sendo todos justos e depois não ter mais este direito visto que
todos se corromperam). Ele também revela de forma clara: “A lei eterna é aquela lei em
virtude da qual é justo que todas as coisas estejam perfeitamente ordenadas” e que ela é
invariável e não muda por forma de nada.

SEGUNDA PARTE – A CAUSA DO PECADO – O ABUSO DA VONTADE LIVRE


Capítulo 7 – O homem – superior aos animais pela razão
Agostinho aponta que o homem está perfeitamente ordenado em si mesmo. Ele indaga a
distinção entre viver e saber que se vive (consciência de viver). Ele indaga qual seria o
princípio que constitui a excelência do homem, de modo que nenhum animal consiga
exercer sobre ele sua força, sendo muitos dos animais capazes disso por serem muito mais
fortes e maiores que o homem. Ele explica que se trata da Razão ou Inteligência. Evódio
denota que é no espírito que reside a faculdade pela qual somos superiores aos animais,
sendo a razão que existe na nossa alma e não existe na deles, nos torna superiores aos
animais. Agostinho define que o que denominamos saber significa perceber pela razão e
que o conhecimento (perceber pela razão) é uma vida mais alta e mais pura, a qual
ninguém pode alcançar a não ser que seja dotado de inteligência e que ter inteligência
significa viver com mais perfeição e esplendor, graças a luz mesma da mente.
Capítulo 8 – O lugar do homem na escala da perfeição dos seres
Agostinho ensina que é quando o elemento superior (a razão) domina no homem e
comanda todos os outros elementos que o constituem que ele se encontra perfeitamente
ordenado. Ele mostra que: “Só quando a razão domina a todos os movimentos da alma, o
homem deve se dizer perfeitamente ordenado. E que quando a razão, a mente ou espírito
governa os movimentos irracionais da alma, é que está a dominar na verdade o homem
naquilo que precisamente deve dominar, em virtude da lei eterna”. (Agostinho, 1995, pág.
47)
Capítulo 9 – O Homem sábio – aquele que vive submisso à razão
Agostinho ressalta que o homem sábio é propriamente aquele ordenado (segundo o
domínio da razão). Ele mostra que o insensato é o oposto do homem sábio. Evódio diz
tratar-se do homem em quem a mente não reina com autoridade suprema. Agostinho
corrige que trata-se do homem em quem a mente está presente mas lhe falta o domínio
dela. Agostinho ainda mostra que existe no homem uma mente, mesmo que ela não
exerça o seu domínio. São estes os insensatos. Porque o reino da mente pertence aos
sábios.

Capítulo 10 – Nada força a razão a submeter-se às paixões


Evódio recorda que no homem o senhorio da mente constitui a sabedoria, mas afirma que
a mente pode (por algum motivo) não exercer este senhorio. Agostinho o interpõe
mostrando que é necessário que a mente seja mais poderosa que a paixão e por isso mesmo
a domine. E que nenhuma alma viciada pode dominar outra munida de virtudes.
Agostinho também mostra que o espírito justo, e a mente firme em seu direito e
conservando seu domínio, Nunca poderá afastar-se de sua força e submeter à paixão
outra mente que reina com igual equidade e virtude. Neste sentido Evódio
complementa que a primeira mente não poderia obrigar a outra a se tornar viciada sem
que ela mesma estivesse caída de sua justiça e tornar-se viciada, ficando por este motivo
fraca.

Capítulo 11 a – O Ser Supremo não constrange a mente humana a ser escrava das
paixões
Agostinho explica que um ser supremo, seja ele qual for, capaz de ultrapassar em
excelência a mente dotada de virtude, não poderia de modo algum ser um Ser injusto.
Tampouco, ainda que tivesse esse poder, ele não forçaria a mente a submeter-se às
paixões. Ele conclui que se tudo o que é igual ou superior à mente que exerce seu natural
senhorio não pode fazer dela escrava da paixão, por causa da justiça, e se da mesma
forma tudo o que é inferior a ela também não pode, por causa dessa mesma inferioridade,
a ÚNICA realidade que pode tornar a mente cúmplice da paixão é a PRÓPRIA
VONTADE E O LIVRE ARBÍTRIO.
Neste capítulo Agostinho também mostra as consequências de permitir que a mente seja
dominada. Ele explica que para a mente é um castigo ser dominada pela paixão e
despojada da riqueza das virtudes, tornar-se pobre e desgraçada, ser puxada por ela em
todos os sentidos. Assim o império das paixões (permitir que as paixões dominem)
perturba todo o espírito e a vida do homem pela variedade de oposição de muitas
tempestades e inumeráveis perturbações quando as paixões exercem o seu reinado.
TERCEIRA PARTE – A ATUAÇÃO DA BOA VONTADE PROVA QUE O
PECADO VEM DO LIVRE-ARBÍTRIO
Capítulo 11 b - Dúvidas de Evódio
Evódio questiona se o homem tenha querido rebaixar a mente a esta maneira como
descrito no capítulo anterior, mas percebe que o homem foi por si mesmo e pela sua
própria vontade se precipitar nas misérias da vida mortal.

Capítulo 12 – Uma hipótese do platonismo – Tratar apenas os tópicos de número 25


e 26 – a boa vontade
Evódio deseja saber o porquê padecemos penas cruéis assim, sendo nós insensatos e
nunca tendo sido sábios. Agostinho o interpela dizendo que ele só está considerando só o
tempo a partir do qual nascemos para esta vida e o questiona como ele tem certeza de que
nunca fomos sábios e diz que residindo a sabedoria na alma ele indaga se ela poderia ter
vivido outra vida antes de se unir ao corpo. Permanece uma grande questão, segundo ele,
que será preciso considerar a seu tempo.
Agostinho explica o que é a boa vontade. Trata-se da vontade pela qual desejamos viver
com retidão e honestidade, para atingirmos a sabedoria. Ele aponta que em comparação
a ela, seria preciso julgar dignos de desprezo todas as riquezas, honras, prazeres do corpo
e que para ter a sua posse multidão de homens não recuam a grande cansaço nem perigo
algum. Depende de nossa vontade gozarmos ou sermos privados da boa vontade. Ele
aponta que estando privado dela, para reaver a única exigência é que o queira. – É pela
boa vontade que a razão domina porque a razão é capaz de ultrapassar a si mesma e
alcançar a sabedoria que provém de Deus. (Nota 27)

Capítulo 13 – Nossa boa vontade implica o exercício das quatro virtudes cardeais –
Tratar apenas o número 28 e 29.
Agostinho explica a Evódio que a pessoa que possui a boa vontade a abraça somente, não
crendo possuir nada de melhor, põe o seu prazer e sua alegria em meditar sobre ela e toma
conta do quanto é impossível ela lhe ser arrebatada ou subtraída sem o seu consentimento.
Ele mostra ainda que a pessoa que possui a boa vontade é dotada também das quatro
virtudes (prudência, força, temperança e justiça).
Agostinho define como feliz o homem que realmente ama a sua boa vontade e conclui
que é pela vontade que merecemos e levamos uma vida louvável e feliz e pela mesma
vontade, que levamos uma vida vergonhosa e infeliz.
Agostinho explica que sendo a boa vontade a vontade pela qual desejamos viver justa e
honestamente, e que por nossa boa vontade amamos e abraçamos essa boa vontade, todo
aquele que quer viver conforme a retidão e honestidade, se quiser pôr esse bem
acima de todos os bens passageiros da vida, realiza conquista tão grande, com tanta
facilidade que, para ele, o querer e o possuir são um mesmo ato. Assim ele também
define que essa mesma alegria gerada pela aquisição de tão grande bem, ao elevar a alma
na tranquilidade, na calma e na constância, constitui a vida que é dita feliz. (A vida feliz
significa ter a alegria, a tranquilidade, a calma e a constância na alma, proporcionadas
pela aquisição da boa vontade que é a vontade de viver justa e honestamente).

Capítulo 14 – Motivo de nem todos conseguirem a desejada felicidade


Agostinho define que o essencial, o que acompanha a felicidade e sem o qual ninguém é
digno de obtê-la é o fato de viver retamente, e isso nem todos os homens querem. Todos
querem ser felizes, mas nem todos o são porque nem todos querem viver com retidão, e
é só com essa boa vontade que se têm o direito à vida feliz.

Capítulo 15 – Relação da boa vontade com a lei eterna e a temporal


Agostinho expõe que há duas espécies de homens: Os amigos das coisas eternas, que
são os homens que amam viver retamente amam também de maneira especial a lei eterna,
que é a lei em virtude da qual a vida feliz é atribuída a boa vontade, a lei eterna e
imutável. São aqueles a quem o amor dos bens eternos os torna felizes. E existem também
Os amigos das coisas temporais. Ele define também duas espécies de leis: A lei eterna
e a lei temporal, sendo que os homens amigos das coisas eternas vivem sob os ditames
da lei eterna e os amigos da lei temporal, os insensatos estão sob a imposição da lei
temporal.
Ele ressalta, porém que : Os que se submetem à lei temporal não podem se isentar da
lei eterna, da qual deriva tudo o que é justo. E os cuja boa vontade se submete à lei
eterna não tem necessidade da lei temporal.
Agostinho mostra que a lei temporal ordena os bens temporais a fim de que a paz e a
ordem na sociedade sejam salvaguardadas. Ele define uma ordem de classe dos bens:
Primeiro o corpo e os bens corporais (saúde, integridade SOS sentidos, força, beleza),
depois o bem da liberdade (não ter ninguém como senhor), depois os bens: família, pátria,
honras e glória popular, e em último lugar o dinheiro (bens dos quais somos donos
legítimos ou que podemos vender ou doar).
Agostinho constata também que o poder dessa lei temporal em aplicar castigos se limita
a interditar e privar desses bens ou parte deles a quem pune. Ele explica que é pelo temor
que ela reprime e assim dobra e faz inclinar o ânimo dos desafortunados. Ele retrata que
é para o governo dessas pessoas que essa lei foi feita.
Ele explica ainda que essa lei não pune o pecado por ter amado com apego os bens mas
somente a falta de subtraí-los injustamente de outros.
Agostinho explica que não haveria penalidade se os homens não amassem os bens
(temporais) e explica que as mesmas coisas podem ser usadas de modo bom ou mal, e
que quem se serve mal é aquele que se apega a esses bens de modo que os amam de
maneira tão desmedida que submete-se a eles, sendo que estes bens deveriam estar
submissos. Ele mostra que o homem que se serve dessas coisas de modo ordenado, se
mantendo acima delas, pronto a governá-las ou a perdê-las, se passar delas mostra que
elas são boas, mas principalmente porque ANTES é ele mesmo que as torna melhores.
NÃO se pode considerar as coisas por elas mesmas, mas sim os homens que podem
fazer mau uso delas.

Capítulo 16 – Conclusão: a definição da essência do pecado mostra que ele procede


do livre-arbítrio
Agostinho conclui que a definição do que seja cometer o mal consiste em menosprezar
os bens eternos – bens dos quais a alma goza e atinge por si mesma. Ele mostra que estes
são os bens que a alma não pode perder e ir em busca dos bens temporais – bens que
são experimentados com o corpo, a parte menos nobre do homem e que nada tem de
seguro. Ele aponta que todas as más ações, isto é, todos os nossos pecados podem estar
incluídos nessa única categoria.
Evódio então complementa: Cada um, ao pecar, afasta-se das coisas divinas e
realmente duráveis para se apegar às coisas mutáveis e incertas, sendo próprio da
alma pervertida e desordenada escravizar-se a elas.
Evódio ainda completa que: Por ordem e direito divinos, foi a alma posta à frente das
coisas inferiores, para as conduzir conforme o seu beneplácito.
Assim Evódio conclui que O mal moral tem sua origem no livre-arbítrio de nossa
vontade.

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