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A ÉTICA DAS VIRTUDES DE ARISTÓTELES

Aristóteles inicia dizendo que toda arte e toda investigação, assim como toda
ação e escolha, tem em mira um bem, de maneira que o bem é aquilo a que todas as coisas
tendem. O bem da medicina, por exemplo, é a saúde. O bem é, pois, o fim para o qual se
dirige tudo o que fazemos, sendo o fim aquilo que buscamos por ele mesmo e não no
interesse de outra coisa.
No que diz respeito ao bem do homem, é a política que o deve estabelecer,
sendo o bem do Estado superior ao bem do indivíduo. É preciso, contudo, considerar que
nestes assuntos não é possível fixar a verdade com exatidão, mas devemos nos contentar
com uma verdade aproximada. Nestas matérias, enfim, não é possível um conhecimento
exato. E seria tão insensato aceitar um raciocínio provável de um matemático quanto
exigir provas científicas de um retórico (ou político).
De todo modo, o bem do homem, no que concordam sábios e o povo, é a
felicidade, pois todos aceitam que bem viver e bem agir é o que significa ser feliz. O que
se deve entender por felicidade, porém, é objeto de debate, visto que sábios e vulgo a
entendem de modos diferentes.
Para compreender tais assuntos, entretanto, é preciso que se esteja habituado
corretamente: para ouvir sobre o que é nobre e justo, em outras palavras, é preciso ter sido
educado nos bons hábitos. Isso não é comum, pois há três tipos principais de vida: a vida
em busca do prazer, a vida política e a vida contemplativa – e grande parte dos homens
entende por felicidade o prazer, ou a honra ou a riqueza, preferindo o primeiro tipo de
vida.
De todo modo, o que se visa nesta investigação é a espécie de bens que
chamaríamos de bens em si mesmos. Cumpre entender o que significa isso. Contudo,
desde já resta claro que os bens visados aqui são bens possíveis de realização, isto é, são
metas a que concretamente qualquer um pode atingir. Nisso a ética aristotélica se
distingue da ética platônica, cujo interesse era investigar a Ideia de Bem ou o “bem em
si”, o qual é de pouco proveito na vida prática. Com efeito, qual a vantagem que um
tecelão ou carpinteiro tiraria do conhecimento desse “bem em si”? Por outro lado,
considerar a Ideia de Bem não torna ninguém melhor médico ou general.
Busca-se, portanto, uma ideia de bem que seja realizável na prática. De outro
lado, busca-se aqui o bem que é procurado por si mesmo, pois o que é buscado em si e
não no interesse de outra coisa é considerado mais absoluto. Este bem absoluto e
incondicional é a felicidade, sobre a qual diz Aristóteles: “A felicidade é, portanto, algo
absoluto e auto-suficiente, sendo também a finalidade da ação”.
Determinado que a felicidade é o bem absoluto a que o homem deve entender,
o filósofo acrescenta que este bem deve ser, de acordo com a natureza própria do homem,
uma “atividade da alma em consonância com a virtude, e, se há mais de uma virtude, com
a melhor e mais completa”.
A ideia de felicidade, contudo, implica muitas dificuldades. Quando se pode
dizer que alguém é feliz? Parece que um dia, ou um curto espaço de tempo, não é
suficiente para fazer um homem feliz, pois uma andorinha só não faz verão. Todos,
enquanto ainda vivos, podem sofrer com uma má sorte que lhes retire a vida feliz em que
viviam, de modo que, ao que parece, só ao fim da vida que se pode afirmar que alguém
foi feliz. Fica o problema em aberto.
Por outro lado, não basta que o homem seja bom, é preciso que ele se alegre
com boas ações. As ações virtuosas devem ser, portanto, aprazíveis. Um homem justo
cuja ação justa lhe causa tristeza não seria um homem justo. Certamente, também não
basta que as ações sejam prazerosas, pois é preciso que sejam nobres e boas. Disso se
conclui que “a felicidade é, pois, a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do
mundo”.
Não se pode negar ao homem feliz, entretanto, bens exteriores. Com efeito, é
difícil realizar ações nobres sem os devidos meios. Além disso, a ausência de algumas
coisas empana a felicidade, como é o caso da nobreza de nascimento, uma boa
descendência ou a beleza física. Assim, um homem muito feio ou solitário não tem
probabilidade de ser feliz. Alguns bens, contudo, são condições necessárias para a
felicidade, e outros são apenas úteis como instrumentos.
Contudo, um homem feliz não praticará jamais atos odiosos ou vis. O sábio e
bom, por outro lado, não pode sofrer desgraças, pois é de se presumir que ele é capaz de
suportar com dignidade todas as contingências da vida, tirando sempre o melhor proveito
das circunstâncias. Assim, mesmo que conheça desgraças em sua vida, o homem feliz
nunca pode tornar-se um desgraçado.
De todo modo, a felicidade é uma atividade – não um estado – da alma
conforme à virtude perfeita. A noção de felicidade, portanto, está intimamente
relacionada com a noção de virtude e, nesse sentido, é preciso considerar qual é a natureza
da virtude. Cumpre fazer uma primeira observação: por virtude Aristóteles entende a
virtude não do corpo, mas da alma, pois a felicidade é uma atividade da alma.
Sendo a felicidade uma virtude da alma, é preciso, porém, considerar que a
alma tem uma parte racional e outra parte irracional. O elemento irracional subdivide-se
em dois elementos: o primeiro deles é o elemento vegetativo, relativo à nutrição e ao
crescimento. A excelência dessa faculdade da alma, contudo, não é específica da espécie
humana, mas de todas as espécies. Além disso, ela funciona mesmo durante o sono, ao
passo que no sono a bondade e a maldade pouco se manifestam. Não é nessa parte,
portanto, que se deve buscar a virtude. O outro elemento irracional tem alguma
participação na racionalidade: é o elemento apetitivo. Neste elemento, a deliberação tem
alguma participação, embora ele também se oponha à razão. É assim um elemento duplo.
Isso é importante por que a virtude moral se localiza nesta parte da alma.
A virtude também se diferencia em virtudes intelectuais, adquiridas pelo
estudo, e virtudes morais, advindas do hábito. O Livro II da ética inicia justamente
debatendo essa diferença. Observe: a ideia de hábito introduz a defesa de que nenhuma
das virtudes morais é natural, pois nada que é natural pode ser alterado pelo hábito.
Ninguém é naturalmente virtuoso, embora todos nós tenhamos a capacidade de sermos
virtuosos, para o que precisamos de bons hábitos.
Assim, ninguém é naturalmente justo, mas se torna tal praticando atos justos, e
assim também com as demais virtudes morais. Assim, uma imensa importância é
atribuída aos hábitos que formamos desde a juventude – a educação, em outras palavras.
De todo modo, as virtudes morais estão igualmente relacionadas à deficiência
e ao excesso. Assim, nós nos tornamos temperantes abstendo-nos de prazeres, e depois
de nos tornarmos temperantes, somos mais capazes dessa abstenção. Assim, os hábitos
criam as disposições de caráter que, uma vez formadas, determinam o que consideramos
prazeroso ou desejável.
A presença do prazer ou da dor é fundamental para determinar o caráter. As
virtudes estão relacionadas, com efeito, com o prazer e a dor. Assim, um homem que se
abstém dos prazeres corporais e se deleita com isso, é temperante, mas o que se aborrece,
é intemperante. Assim, não basta praticar determinadas ações para ser bom ou mau; é
decisivo também o prazer ou a dor que acompanham tais atos. A virtude, portanto, tem
que ver com prazeres e dores.
Além disso, atos que estão de acordo com as virtudes não são, só por isso,
praticados de maneira justa ou temperante. Algumas condições se fazem necessárias no
agente do ato: deve ter conhecimento do que faz; deve escolher os atos por eles mesmos;
sua ação deve ser consequência de um caráter firme e imutável. Em tudo isso, observe-
se: o conhecimento tem pouco ou nenhum peso para a posse das virtudes, no que
Aristóteles se diferencia de Platão.
As condições citadas acima mostram que ações justas e temperantes são tais
como as praticaria um homem temperante. Isso significa que não basta praticá-las, é
preciso praticá-las tal como o temperante o faria.
Dito isso, a questão retorna: o que é a virtude? Aprofundando sempre mais essa
questão, Aristóteles considera que há na alma três elementos: as paixões, as faculdades e
as disposições de caráter. Sustenta então que a virtude deve pertencer a uma destas.
Mas o que são as paixões? Por tal Aristóteles entende os apetites, a cólera, o
medo, a inveja, enfim, seriam os sentimentos em geral. As faculdades, por sua vez, são
as coisas em virtude das quais se diz que somos capazes de sentir tudo isso – faculdade
seria a potência ou habilidade humana para sentir cólera, inveja, etc. Por fim, as
disposições de caráter são aquilo em razão de que nossa posição com referência às paixões
é boa ou má. As disposições de caráter seriam algo como a “personalidade” ou
simplesmente o caráter de alguém. A depender do caráter de uma pessoa, ela vai sentir
raiva, por exemplo, de maneira moderada ou excessiva. As virtudes estão relacionadas
com as disposições de caráter.
Com efeito, nem as virtudes nem os vícios são paixões, pois sentimos raiva,
por exemplo, sem que tivéssemos escolhido isso, ao passo que as virtudes envolvem
escolha. Também não são faculdades, pois ninguém é bom ou mau simplesmente por ter
a capacidade de experimentar sentimentos. Por outro lado, as faculdades são naturais em
nós, enquanto ninguém é mau ou bom por natureza. As virtudes são disposições de caráter
e isso dá conta de seu gênero.
Mas se a virtude é uma disposição de caráter, resta ainda dizer que espécie de
disposição ela é. Ora, diz Aristóteles, trata-se de uma disposição de caráter que torna o
homem bom e que o faz desempenhar bem a sua função.
No que diz respeito à virtude moral, ela é um meio-termo entre dois extremos.
Aristóteles assim a define: “Por meio-termo no objeto entendo aquilo que é eqüidistante
de ambos os extremos, e que é um só e o mesmo para todos os homens; e por meio-termo
relativamente a nós, o que não é nem demasiado nem demasiadamente pouco — e este
não é um só e o mesmo para todos”.
Sendo um meio-termo, a virtude é uma só, mas os vícios são muitos – tanto
para mais quanto para menos. Isso porque os homens são bons de um modo só, mas são
maus de muitos modos. A virtude, de todo modo, é uma disposição de caráter relacionada
com a escolha e consiste numa mediania. A mediania é um princípio racional próprio do
homem dotado de sabedoria prática. Se é uma mediania em reação aos vícios, “com
referência ao sumo bem e ao mais justo, é, porém, um extremo”.
Não é fácil, porém, determinar o que é a mediania em cada caso. Por outro lado,
alguns extremos têm mais semelhança com o meio termo do que o outro extremo oposto,
como é o caso da temeridade em relação à coragem ou a prodigalidade com relação à
liberalidade. O próprio meio-termo às vezes é mais contrário da deficiência e outras vezes,
do excesso. Assim, a covardia, que é uma deficiência, se opõe mais à coragem do que a
temeridade, que é um excesso.
Em relação a nós, aquilo que mais tendemos por natureza parece mais contrário
ao meio-termo. Tendemos, por exemplo, naturalmente para o prazer, e por isso somos
mais facilmente levados à intemperança do que à contenção. Pois é raro encontrar alguém
que seja pouco tentado aos prazeres.
Enfim, o meio-termo é o melhor, mas às vezes devemos nos inclinar para o
excesso ou a deficiência, a depender das circunstâncias. Assim conclui Aristóteles o Livro
II.
O Livro III se inicia discutindo as ações e paixões voluntárias, considerando
que é a elas que se dispensa louvor ou censura, visto que as ações involuntárias merecem,
ao contrário, perdão ou piedade. O livro inicia distinguindo, pois, o voluntário do
involuntário.
Involuntárias são as ações que ocorrem sob compulsão ou ignorância. Forçado
é aquilo cujo princípio motor se encontra fora do agente, que em nada contribui para a
ação. Surge, porém, uma questão. Quando se pratica coisas para evitar maiores males ou
com um propósito nobre – como praticar ato vil por ter seus pais ou filhos em poder de
um tirano – é discutível se tais atos são voluntários ou involuntários. Esses atos parecem
atos mistos, embora se assemelhem a atos voluntários porque são escolhidos no momento
em que se fazem. O momento da ação, portanto, é o decisivo para determinar o que é
voluntário ou não. Um homem age voluntariamente quando o princípio motor que move
as partes do corpo se encontra nele mesmo. Ao agir tendo seus filhos ou pais sob ameaça,
o indivíduo agiu voluntariamente, pois o princípio motor de sua ação estava nele mesmo,
embora talvez se possa dizer também, em outro sentido, que agiu involuntariamente, já
que ninguém escolheria esses atos por si mesmo.
De todo modo, ações forçadas são aquelas em que a causa se encontra nas
circunstâncias exteriores e o agente não contribui em nada para elas. Mas as ações que,
no momento atual, são involuntárias, mas, devido às vantagens que trazem consigo,
merecem preferência, essas ações são em si mesmas involuntárias, mas, no momento
atual, voluntárias.
O que se faz por ignorância é não-voluntário, e só o que produz dor e
arrependimento é involuntário. O homem que fez algo por ignorância e não se aflige com
o que fez, não agiu voluntariamente, mas também não agiu involuntariamente, já que a
ação não lhe causa dor. As pessoas que agem por ignorância e se arrependem, são agentes
involuntários, e as que não se arrependem são agentes não-voluntários.
Agir por ignorância é também diferente de agir na ignorância. Um homem
embriagado não age em resultado da ignorância, mas não tem conhecimento do que faz,
agindo, portanto, na ignorância.
Voluntário é aquilo cujo princípio motor se encontra no agente, que tem
conhecimento das circunstâncias do ato. Atos praticados sob influência da cólera ou do
apetite não são involuntários. Se fossem, nenhum animal agiria voluntariamente. Seria
estranho afirmar que nenhum ato devido ao apetite e à cólera é voluntário, pois então só
seriam voluntários os atos nobres, e tudo que for vil seria involuntário. Contudo, ações
procedentes da cólera ou do apetite são ações humanas e, portanto, voluntárias.
Além do voluntário e do involuntário, cumpre examinar o que se deve entender
por escolha, a qual está estreitamente ligada à virtude. A escolha parece ser voluntária,
mas não se identifica com o voluntário. O voluntário tem extensão maior. Observe: tanto
as crianças quanto os animais inferiores participam da ação voluntária, mas não da
escolha. E mesmo que se chame de voluntários atos praticados sob impulso do momento,
nem por isso é certo dizer que eles foram escolhidos.
A escolha não é comum, portanto, às criaturas irracionais, mas a cólera e o
apetite, sim. Além disso, o incontinente age com apetite, mas não com escolha, ao passo
que o continente, age com escolha e não com apetite.
Observe ainda o problema do desejo: o desejo se relaciona com o fim, e a
escolha com os meios. Desejamos saúde, e então escolhemos os atos que nos tornarão
sadios. Podemos dizer que “desejamos” ser felizes, mas não que “escolhemos” ser felizes,
pois a escolha diz respeito àquilo que está em nosso poder.
Veja, portanto: não deliberamos acerca dos fins, mas somente dos meios. Um
médico, por exemplo, não delibera se há de curar ou não, mas dos meios que irá utilizar
para atingir sua finalidade. A finalidade se dá por estabelecida, e se delibera sobre os
meios de alcançá-la. Assim, o homem é um princípio motor de ações; a deliberação gira
em torno de coisas a serem feitas, mas o fim não é objeto da deliberação, mas apenas o
meio.
O objeto de escolha é uma coisa que está em nosso alcance e que é desejada
após deliberação. A escolha, portanto, é um desejo deliberado de coisas que estão ao
nosso alcance. Após decidir em resultado de uma deliberação, desejamos de acordo com
o que deliberamos.
O fim é, pois, aquilo que desejamos, e o meio, aquilo acerca do qual
deliberamos e escolhemos. As ações relativas ao meio devem concordar com a escolha e
ser voluntárias. Isso significa, em outras palavras, que o exercício da virtude diz respeito
aos meios. Sendo assim, a virtude está em nosso poder, assim como o vício, pois depende
de nós praticar atos nobres ou vis ou, dito de outro modo, depende de nós sermos virtuosos
ou viciosos.
Assim como os vícios da alma são voluntários, assim também o são para alguns
homens os vícios do corpo. Assim, se ninguém censura quem é feio por natureza, é
censurável aqueles que o são por falta de exercício ou de cuidado.
Portanto, se as virtudes são voluntárias – nós somos responsáveis por nossa
disposição de caráter e é por termos determinado caráter que concebemos o fim de um
modo ou de outro – os vícios também o são, pois o mesmo se aplica a eles.
Referindo-se no fim do livro III à temperança, Aristóteles afirma que ela se
relaciona com os prazeres corporais. Trata-se de uma espécie de prazer que é
compartilhada com os animais, e está ligada aos prazeres do tato, do paladar e da união
dos sexos.
Dito isso, Aristóteles encerra o livro III e inicia o livro IV. Neste livro, discute
uma série de virtudes e seus vícios respectivos, iniciando com a liberalidade. Referindo-
se à liberalidade, diz que é mais característico da virtude fazer o bem do que recebê-lo de
outrem, e praticar ações nobres do que abster-se de ações vis. Ações virtuosas são
praticados em vista do que é nobre. O homem liberal, de acordo com isso, dá tendo em
vista o que é nobre e como deve. Dá às pessoas que convém, as quantias que convém e
na ocasião que convém. E o faz com prazer e sem dor, pois o ato virtuoso é agradável.
Liberalidade é um termo que se usa para se referir às posses de um homem.
Trata-se de uma disposição de caráter e não na quantidade de dádivas. Assim, um homem
que dá menos pode ser mais liberal que outro que dá mais, se tem menos para dar.
Ainda em relação às posses, Aristóteles condena o modo de enriquecer baseado
no empréstimo a juros.
Tendo dito isso, ele passa a discutir a magnificência, que também é uma virtude
relacionada com a riqueza. Refere-se às ações que envolvem gastos, e ultrapassa nesse
requisito à liberalidade. Trata-se de um gasto que envolve grandes quantias.
Quanto à pessoa magnânima, ela é boa no mais alto grau e merece mais que os
outros. O magnânimo é grande em todas as virtudes. Ele se interessa por honras e
desonras, e recebe as honras grandes e conferidas por homens bons com moderado prazer,
visto saber que merece isso e até mais do que isso. Mas desprezará as honras vindas de
pessoas quaisquer e por motivos insignificantes, pois é menos do que merece. Além disso,
é muito capaz de conferir benefícios, mas se envergonha de recebê-los. E quando é
beneficiado, retribui com grandes benefícios, pois assim o primeiro benfeitor fica pago e
ainda em dívida para com ele. O magnânimo ainda lembra de todos os serviços que
prestou, mas não os que recebeu, pois quem recebe um serviço é inferior a quem o presta.
Aristóteles continua descrevendo o magnânimo, afirmando que ele não pede
nada ou quase nada, mas gosta de ajudar as pessoas de alta posição e favorecidas pela
fortuna, mostrando-se digno face a elas. Perto de pessoas de classe mediana, é menos
pretensioso, pois é difícil ser altivo perto dos grandes, mas é fácil ante os pequenos e uma
conduta altiva no primeiro caso não é má educação, mas entre as pessoas humildes é
vulgar.
O magnânimo ainda não guarda rancor por ofensas recebidas, pois não tem
memória longa em face das ofensas. Por fim, é de um andar lento, voz profunda e com
entonação uniforme. Como não leva muita coisa a sério, não costuma apressar-se; e como
para ele nada é grande, ele não se excita facilmente.
Feita a descrição do magnânimo, Aristóteles encerra o livro IV e inicia o livro
V, devotado à mais excelente das virtudes, a saber, a justiça. Coloca-se diante da questão
de saber que espécie de ações se relacionam com a justiça, qual é o seu meio-termo e
quais são seus extremos.
Justiça e injustiça são termos ambíguos. Veja-se o caso dos vários significados
de “um homem injusto”. Diz-se do homem sem lei, ganancioso e ímprobo, de maneira
que o respeitador da lei é honesto e justo. Justiça então seria respeitar a lei e ser honesto.
Mas o homem injusto é também ganancioso, e então a injustiça parece ter a ver
com os bens que dizem respeito à prosperidade e à adversidade.
Chamamos também de justos os atos que tendem a produzir e a preservar, para
a sociedade política, a felicidade e os elementos que a compõem. A justiça, portanto, é
uma virtude completa, na medida em que não se exerce apenas sobre si mesmo, mas
também sobre o próximo. Muitos homens, na verdade, são capazes de exercer a virtude
em assuntos privados, mas não em suas relações com os outros.
A justiça seria assim não apenas uma parte da virtude, mas a virtude inteira, e
o seu contrário não é uma parte, mas o vício inteiro. Virtude e justiça são assim a mesma
coisa, mas não a sua essência. A justiça tem uma extensão maior, voltando-se para o
outro.
Veja a seguinte situação: um adúltero comete adultério visando o lucro e
ganhando dinheiro com isso, enquanto um outro o faz levado pelo apetite, perdendo
dinheiro ou sofrendo com o seu ato. Este segundo é intemperante e não ganancioso, mas
o primeiro é injusto e não intemperante. É injusto porque lucra com o seu ato. Assim,
muitos atos injustos são atribuídos a alguma espécie particular de maldade. Por exemplo,
o adultério é atribuído à intemperança; o abandono do companheiro na luta, à covardia; a
violência física, à cólera. Mas se, em todas essas situações, o homem tira proveito de sua
ação, esta não é atribuída à maldade, mas à injustiça.
Contudo, há mais de uma espécie de justiça ou injustiça. Já se dividiu o injusto
em ilegítimo e ímprobo, e o justo em legítimo e probo. Diz-se de justiça e injustiça em
diversos sentidos, portanto. Aristóteles inicia tratando da justiça em sentido particular e
não da justiça que contém a virtude em sua inteireza.
Ora, da justiça particular há duas espécies: a) aquela que se manifesta na
distribuição de honras, de dinheiro ou das outras coisas que são divididas entre os
membros da polis; b) aquela que desempenha um papel corretivo nas transações entre
indivíduos. Esta última se subdivide em: a) transações voluntárias e b) transações
involuntárias. Voluntárias são as compras e vendas, os empréstimos e locações, etc.; e
involuntárias são as i) clandestinas, como o furto, o adultério, o envenenamento, o falso
testemunho e ii) violentas, como a agressão, o sequestro, o homicídio, o roubo a mão
armada, a mutilação e insultos.
Em relação à justiça distributiva: o homem e o ato são injustos se são ímprobos
ou iníquos. Mas existe também um ponto intermediário entre duas iniquidades. Este ponto
é a equidade. Injusto é o iniquo e justo, o equitativo.
Observe: se duas pessoas não são iguais, não devem receber partes iguais. E se
são iguais, não devem receber partes desiguais. Justo neste caso é, portanto, uma espécie
de termo proporcional. Diz Aristóteles: “Eis aí, pois, o que é o justo: o proporcional; e o
injusto é o que viola a proporção”.
Em relação à justiça corretiva, que surge das transações voluntárias e
involuntárias, Aristóteles diz o que se segue. A justiça nas transações de um homem com
outro é uma espécie de igualdade, a injustiça, uma desigualdade. Aqui tem-se em mente
uma proporção aritmética – e não geométrica, como no caso anterior. Isso porque não faz
diferença se um homem bom fraudou um homem mau ou vice-versa, pois a lei considera
apenas o caráter do delito e trata as partes como iguais. A justiça corretiva é uma espécie
de intermediário entre a perda e o ganho. Aqui se trata de ter uma quantidade igual antes
e depois da transação.
Tendo definido as justiças distributiva e corretiva, Aristóteles passa a discutir
a justiça política, sustentando que uma parte dela é natural e outra parte, legal. É natural
aquela parte que tem a mesma força onde quer que seja e não depende de os homens
pensarem deste ou daquele modo. Legal é aquela que inicialmente é indiferente, mas
deixa de o ser depois de estabelecida.
Tendo apresentado este problema, afirma em seguida que atos são justos ou
injustos quando um homem os pratica voluntariamente. Do contrário, seus atos não são
justos nem injustos. Daí que é o caráter voluntário ou involuntário do ato que determina
se ele é justo ou injusto, pois, quando é voluntário, é censurado, e pela mesma razão se
torna um ato de injustiça. Isso significa que há coisas injustas sem que sejam atos de
injustiça, no caso em que não se faz presente a voluntariedade.
Os atos voluntários são praticados por escolha ou não. Por escolha são os atos
praticados após deliberação. Agir com conhecimento do que faz, mas sem deliberação,
pode resultar em um ato de injustiça, sem que os agentes sejam injustos, pois o dano não
se deve ao vício. Mas se um homem age por escolhe, aí sim é injusto e vicioso. Se um
homem prejudica a outro por escolha, portanto, age injustamente. Do mesmo modo, um
homem é justo quando age justamente por escolha, mas age justamente se sua ação é
apenas voluntária. Eu posso agir justa ou injustamente sem ser uma pessoa justa ou
injusta.
Resta claro, portanto: praticar um ato injusto não é o mesmo que agir
injustamente, assim como sofrer injustiça não é o mesmo que ser injustamente tratado.
Não é possível ser injustamente tratado se o outro não age injustamente, ou ser justamente
tratado sem que o outro aja com justiça.
Diz ainda Aristóteles que a natureza do equitativo é corrigir a lei quando ela é
deficiente em razão de sua universalidade. Sobre algumas coisas, com efeito, é impossível
legislar, fazendo-se necessário um decreto. Referindo-se a esse problema o filósofo fala
na régua de chumbo usada para ajustar as molduras lésbicas. Trata-se de uma régua que
se adapta à forma da pedra e que não é, portanto, rígida. A lei, tal como essa régua, deve
se adapta a cada fato em particular, visto que sua universalidade não prevê a totalidade
dos casos possíveis.
Termina o livro V com o caso do suicida. Quem pratica violências contra si
mesmo age injustamente. Para com quem, porém? Para com o Estado, e não para consigo
mesmo. Pois ele sofre voluntariamente e ninguém é voluntariamente tratado com
injustiça. O suicida tratou injustamente o Estado, que tem o dever de puni-lo.
Com a exposição da justiça Aristóteles conclui a exposição das virtudes morais.
O livro VI inicia lembrando as disposições de caráter já mencionadas ao longo
do tratado, enfatizando que em todas elas há uma meta a que visa o homem orientado pela
razão. Há também um padrão que determina os estados medianos que são os meios-
termos. É preciso, de acordo com isso, definir o que seja a justa regra e o padrão que a
determina.
Já tinha sido dito que a alma tem duas partes – racional e irracional. Mas a parte
racional também se subdivide. Uma parte é voltada para a contemplação das coisas cujas
causas determinantes são invariáveis e outra pela qual contemplamos as coisas variáveis.
Quando, com efeito, dois objetos se diferem em espécie, também se diferem as partes da
alma que correspondem a cada um deles. Essas duas partes podem ser chamadas de
científica e calculativa, respectivamente. Deliberar e calcular é a mesma coisa, mas veja
que ninguém delibera sobre o invariável. Dito isso, Aristóteles passa a buscar qual a
virtude de cada uma destas partes.
Ora, a virtude de cada um é relativa a seu funcionamento apropriado.
Consideremos que há na alma três coisas que controlam a ação e a verdade: a sensação,
a razão e o desejo. Destas, a sensação não é princípio de ação nenhuma. Os animais
possuem sensação, mas não participam da ação.
A afirmação e a negação no raciocínio correspondem, no desejo, ao buscar e
ao fugir. Veja que, sendo a virtude moral uma disposição de caráter relacionada com a
escolha, e sendo a escolha um desejo deliberado, tanto deve ser verdadeiro o raciocínio
como reto o desejo para que a escolha seja acertada, e o segundo deve buscar exatamente
o que afirma o primeiro. Ora, esta espécie de intelecto e de verdade é prática. Quanto ao
intelecto contemplativo, e não prático nem produtivo, o bom e o mau estado são,
respectivamente, a verdade e a falsidade. Mas da parte prática e intelectual o bom estado
é a concordância da verdade com o reto desejo.
A origem da ação é a escolha, e a origem da escolha é o desejo e o raciocínio
com um fim em vista. A escolha não pode existir sem razão, mas também não sem uma
disposição moral. A boa ação e seu contrário não podem existir sem uma combinação de
caráter e intelecto. O intelecto, porém, não move, por si mesmo, coisa alguma, mas só o
pode fazer o intelecto prático que visa a um fim qualquer. Assim, a escolha é raciocínio
desiderativo ou desejo raciocinativo.
As disposições em razão das quais a alma possui a verdade são cinco: a arte, a
ciência, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica e a razão intuitiva.
O objeto do conhecimento científico existe necessariamente, pois é eterno,
ingênito e imperecível. O que varia, por sua vez, inclui o que é produzido e o que é
praticado: produzir e agir.
A arte é uma capacidade de produzir que envolve o reto raciocínio.
A sabedoria prática é o poder de deliberar sobre o que é bom e conveniente
para cada homem sob um aspecto particular. Ninguém delibera sobre coisas que não
podem ser de outro modo. Deliberar é sobre a ação, a qual tem em si mesma o seu fim,
ao contrário do produzir, cujo fim é algo diferente de si mesmo. Sabedoria prática, enfim,
é a capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito aos bens humanos. Ela é,
pois, uma virtude e não uma arte e a virtude correspondente à parte calculativa da alma.
A razão intuitiva é aquela que apreende os primeiros princípios.
A sabedoria filosófica é de todas as formas de conhecimento a mais perfeita. A
sabedoria filosófica é a união de razão intuitiva, que apreende os primeiros princípios, e
conhecimento científico, que versa sobre o invariável. Muitos filósofos tem sabedoria
filosófica, mas não sabedoria prática, pois às vezes ignoram o que lhes é vantajoso.
Conhecem eles coisas notáveis, mas improfícuas.
Tendo classificado as formas de conhecimento, Aristóteles contrapõe-se a
Sócrates, pois Sócrates considerava as virtudes como formas de conhecimento científico,
mas para Aristóteles as virtudes não são princípios racionais, apenas envolvem um
princípio racional.
Conclui-se daí que não é possível ser bom na acepção estrita do termo sem
sabedoria prática, nem possuir tal sabedoria sem virtude moral. Aristóteles contrapõe-se
também àqueles para quem as virtudes existem separadas umas das outras, de modo que
um pode adquirir alguns e não outras. Aristóteles, ao contrário, sustentava que a sabedoria
prática é suficiente para garantir todas as virtudes. Não há escolha sem sabedoria prática,
bem como sem virtude.
Com este debate é encerrado o livro VI e inicia-se o livro VII. Aqui, Aristóteles
discorre sobre as disposições morais a ser evitadas, destacando três: o vício, a
incontinência e a bruteza. O livro, contudo, é dedicado ao estudo da incontinência e da
moleza (ou efeminação) e seus contrários, a continência e a fortaleza.
A continência implica ter fortes e maus apetites. Disso se segue que o homem
temperante não será continente, nem o continente será temperante. Pois o temperante não
tem apetites excessivos nem maus. O intemperante é aquele que, sem apetite ou com
escasso apetite, busca os excessos de prazer e evita dores imoderadas. O mesmo que faz
o mesmo movido por apetites poderosos é, por sua vez, o incontinente.
Aquele que busca o excesso de coisas agradáveis ou busca em demasia coisas
necessárias, fazendo-o deliberadamente, é intemperante. Este homem será inacessível ao
arrependimento e, por isso, incurável – quem não pode arrepender-se não é curável.
Todos fariam pior opinião de um homem que, sem apetite ou com apetite fraco,
cometesse ato vergonhoso. Agir sob influência de um forte apetite torna a ação menos
ruim. Por isso, o intemperante é pior que o incontinente. O intemperante, além disso, não
costuma arrepender-se, ao passo que o incontinente pode arrepender-se. Assim, o
intemperante é incurável e o incontinente, curável.
Depois de outras considerações como essas a respeito do assunto, Aristóteles
termina o livro levantando alguns problemas sobre o prazer: alguns acham que nenhum
prazer é um bem; para outros, alguns prazeres são bons, mas a maioria é mau; outros,
enfim, entendem que mesmo se todos os prazeres fossem bons, o prazer não pode ser a
melhor coisa do mundo.
Aristóteles é da opinião de que o prazer não é, em si mesmo, algo ruim. De
fato, afirma que o homem feliz necessita dos bens corporais e exteriores, sem os quais
não poderia ser feliz.
Entretanto, o debate sobre os prazeres não se estende tanto no livro VII e será
retomado no livro X. No livro VIII o filósofo passa a se dedicar a uma discussão sobre a
amizade. Sustenta que sem amigos ninguém escolheria viver, mesmo se possuísse todos
os outros bens.
Em seguida, descreve algumas espécies de amizade. Considerando que as
coisas que são amadas o são ou porque são boas, agradáveis ou uteis, três serão também
os tipos de amizade. Os que se amam pensando na utilidade ou no prazer não se amam
por si mesmas, mas em função do que obtém uma da outra. Quem ama o outro porque ele
lhe é útil ou agradável, ama-o pelo que é bom ou agradável não para o outro, mas para
eles mesmos.
A amizade perfeita, contudo, é a dos homens que são bons e afins na virtude.
Eles desejam o bem de seus amigos por eles mesmos e não por algo que obtém deles.
Em seguida, Aristóteles faz uma série de considerações sobre a amizade.
Afirma que não é possível ser amigo de muitas pessoas, ao menos não no sentido da
amizade perfeita.
Amizades que envolvem diferenças, como a de homem e mulher ou pais e
filhos também diferem na direção e na intensidade do amor. Assim, a mulher deve amar
mais o homem do que este a ela, devido a disparidade de condições dos dois. Nestas
amizades que envolvem desigualdade, o amor deve ser proporcional, e assim o melhor
deve receber mais amor do que dá, assim como deve ser mais útil. Quando o amor é
proporcional ao mérito das partes, estabelece-se a igualdade.
Aristóteles em seguida fala em espécies de constituições e seus desvios. As
constituições são a monarquia, a aristocracia, e em terceiro lugar a que se baseia na posse
de bens e que seria talvez apropriado chamar timocracia, embora a maioria lhe chame
governo do povo. A melhor delas é a monarquia, e a pior é a timocracia. O desvio da
monarquia é a tirania, pois que ambas são formadas de governo de um só homem, mas há
entre elas a maior diferença possível. A aristocracia, por seu lado, degenera em oligarquia
pela ruindade dos governantes, que distribuem sem eqüidade o que pertence ao Estado.
A timocracia, por seu lado, degenera em democracia.
Cada uma dessas formas de governo se assemelha a relações familiares. As
relações entre pais e filhos se assemelham à monarquia; entre marido e mulher,
aristocracia; e entre irmãos, a timocracia.
Por fim, Aristóteles ainda afirma que a amizade é favorecida pela educação em
comum e pela semelhança de idade.
Dito isso, o filósofo parte para o livro IX. Aqui, continua o debate anterior,
sustentando que se um homem bom se revela mau, não se deve continuar a amá-lo. Pois
só se pode amar o que é bom.
Por outro lado, se dois amigos começam a se diferenciar em demasia um do
outro, não é mais possível a amizade, visto que o intervalo entre eles aumentou muito.
Pense no caso de um homem que, mesmo adulto ainda tem atitudes infantis e outro, seu
amigo, que é adulto na inteira acepção da palavra.
O homem bom deve também ser amigo de si mesmo, o que não é possível ao
homem mau, cujos atos fazem mal aos outros e a si mesmo.
Um homem feliz deve ter amigos, pois é mais nobre fazer bem a amigos do que
a estranhos, e o homem bom necessitará de pessoas a quem possa fazer o bem. Mas não
é possível ter muitos amigos, pois não se pode dividir a vida com muita gente. Se alguém
tem muitos amigos, é difícil compartilhar os pesares e alegrias de todo mundo, pois
deveria sentir-se feliz com um amigo e triste com outro. Só se pode ter muitos amigos no
caso de amizades sustentadas no útil ou agradável, pois amizades baseadas na virtude e
no caráter só são possíveis entre poucas pessoas.
Finaliza Aristóteles dizendo que não se deve fazer sofrer aos amigos. Um
homem deve abster de lamentar-se com os amigos e não é suportável companheiros de
aflição – assim como ele não gosta de afligir seus amigos, não tolera que o façam a ele.
Apenas as mulheres gostam de ter pessoas condoídas ao seu redor.
Enfim, Aristóteles, após todo o debate sobre a amizade travado nos livros VIII
e IX, passa ao livro X. Retoma logo de início à discussão sobre o prazer. Lembra que
alguns o consideram um bem, enquanto para outros ele é mau. Eudoxo, por exemplo,
porque via todos os seres tendendo para ele, sustentava que o prazer é um bem. Quando
se acrescenta ao prazer um bem qualquer, como a ação justa, isso torna a ação mais digna
de escolha.
Platão dizia que a via aprazível é mais desejável se acompanhada de sabedoria.
Mas, para ele, se a mistura é melhor, é porque o prazer não é o bem, visto que o bem não
pode tornar-se mais desejável pela adição do que quer que seja.
Assim, parece que nem o prazer é o bem, nem todo prazer é desejável, embora
alguns sejam desejáveis por si mesmos. De todo modo, a vida é uma atividade e cada um
é ativo em relação ao que mais ama: o músico, com as melodias; o estudioso, com o
intelecto. O prazer completa as atividades, e, assim, a vida que cada um deseja. É justo,
portanto, que aspirem ao prazer, pois ele completa a vida que para cada um é desejável.
Continua Aristóteles dizendo que assim como as atividades diferem com
respeito à bondade ou à maldade, e umas são dignas de escolha, enquanto outras devem
ser evitadas e outras ainda são neutras, o mesmo sucede com os prazeres, pois cada
atividade tem o seu prazer próprio. O prazer próprio a uma atividade digna é bom, e o
próprio a uma atividade indigna é mau.
Dito isso, Aristóteles passa a discutir a natureza da felicidade, que já foi dito
ser o fim da natureza humana. Ora, o que é valioso e aprazível são as coisas que são tais
para o homem bom. Para cada homem, a atividade que concorda com a sua disposição de
caráter é a mais desejável. Para o homem bom, essa atividade é a virtude.
Pensa-se que a vida feliz é a vida virtuosa. A vida virtuosa exige esforço e não
consiste em divertimento. Mas se a felicidade é a atividade conforme à virtude, razoável
é que ela esteja em concordância com a mais alta virtude – esta será o que de melhor há
em nós. Ora, a atividade da razão, que é contemplativa, parece superior não só pela sua
seriedade, mas também por não visar a nenhum fim além de si mesma e possuir o seu
prazer próprio – o qual intensifica a atividade –, de maneira que será a felicidade completa
do homem.
Assim, diz Aristóteles: “Se, portanto, a razão é divina em comparação com o
homem, a vida conforme à razão é divina em comparação com a vida humana. Mas não
devemos seguir os que nos aconselham a ocupar-nos com coisas humanas, visto que
somos homens, e com coisas mortais, visto que somos mortais; mas, na medida em que
isso for possível, procuremos tornar-nos imortais e envidar todos os esforços para viver
de acordo com o que há de melhor em nós; porque, ainda que seja pequeno quanto ao
lugar que ocupa, supera a tudo o mais pelo poder e pelo valor”.
A atividade de deus ultrapassa todas as outras bem-aventuranças e é a atividade
contemplativa. Das atividades humanas, a que mais tem afinidade com esta deve ser a
que mais participa da felicidade. Assim, o filósofo será de todos os homens o mais caro
aos deuses e o mais feliz.
Por fim, o filósofo anda observa que é difícil, senão impossível, erradicar pelo
raciocínio os traços de caráter que se inveteraram na natureza de alguém. Isso abre uma
discussão sobre a imutabilidade do caráter, e a capacidade da razão de alterá-lo. De todo
modo, o filósofo entende que a argumentação e o ensino têm pouca influência na maioria
dos homens, sendo necessário primeiro cultivar a alma por meio de hábitos, tornando-a
capaz de nobres alegrias e aversões.

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