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No livro I da Ética a Nicômaco, Aristóteles tece variadas considerações e teoriza

aquilo que chama de felicidade (eudaimonia), entendida como o sumo bem do homem.
Anteriormente a essa conclusão, o filósofo elucida como toda ação humana é motivada com
vistas a alcançar um bem qualquer, e todos esses bens são buscados tendo em vista outro
maior, portanto, servindo de meio para outra coisa. Porém, a consideração não pode ser
infinitamente levada a termo, visto que, agiríamos tendo em vista sempre outro meio para
alcançar um fim, que redunda em outro fim, e assim consecutivamente. Desse modo, é
necessário chegarmos a um ponto onde o fim de nossa ação não se limite a ser um meio para
outra coisa, e portanto, alcançar o sumo bem que é o fim da ação e não pode ser buscado ou
alcançado com vistas a outro elemento posterior.

Portanto, para Aristóteles o fim da qual toda ação humana visa é o sumo bem, ou seja,
a felicidade. Mas recai a pergunta, no que consiste a felicidade? Como pode ser alcançada? O
filósofo a define como uma certa atividade da alma conforme a virtude, em sua argumentação
recusa formas de vida que não podem identificar-se com a felicidade, sendo elas, o sumo bem
entendido como honra, ou riqueza, ou prazeres. A honra não pode ser um bem completo e
depende de terceiros para ser dada; a riqueza sempre será buscada como um meio para outra
coisa, e não um fim em si; por último, a vida dos prazeres também não pode ser completo e
assemelha o homem à vida dos animais. Seguindo a linha argumentativa, Aristóteles irá
dividir a alma em três aspectos de acordo com sua função e ação própria, a saber: a alma
vegetativa, responsável pela nutrição, pelo crescimento; a alma sensitiva, própria dos animais
como ser dotado de sensação e movimento, e a alma intelectiva, situada no âmbito da razão e
concernente somente aos homens. Desse modo, a função do homem excelente é completar
bem aquilo que é próprio de sua natureza, sendo esta, a atividade da alma e das ações segundo
sua razão.

Inserido no capítulo 7 da Ética a Nicômaco, estão as mais importantes definições do


que é a felicidade e suas características como sendo o supremo bem a qual toda ação visa. Em
um primeiro momento, é exposto que se existe uma finalidade para qual toda ação é visada,
este deve ser alcançado mediante a ação, portanto, é certo que se existe uma coisa a qual não
serve de meio para outra coisa, mas é buscado por si mesmo, esta coisa deverá ser absoluta e
incondicional. Esta há de ser a felicidade, visto que a mesma, é alcançada somente por si
mesma e nunca em vista de outros objetivos. Importante aqui é destacar as três classes de bens
adquiridos pela consequência da argumentação do filósofo: os bens buscados como meio para
outra coisa; os bens buscados em si mesmo, que são as virtudes como a honra, a razão, o
prazer, mas que também são tidas no interesse da felicidade; e por último o sumo bem
buscado apenas por si mesmo, que consiste na felicidade, esta identificada com a atividade da
alma segundo a virtude melhor e mais completa, por esta ser um bem desejável por si mesmo
e perfeito. Em resumo, o sumo bem pode ser considerado um fim inclusivo, que abarca,
integra e compõe em si também os bens em si mesmos, ou seja, sendo estes também partes
constitutivas da felicidade.

Desse modo, podemos confrontar a concepção tipicamente schopenhaueriana de que a


felicidade seria uma ilusão, e que mesmo se possível um momento de felicidade em nossa
vida, este há de durar minimamente, abrindo sempre espaço para outro desejo que torna nossa
ínfima existência sempre uma privação de algo que queremos, e quando estes últimos são
satisfeitos, caímos num tédio, num langor, no vazio. A primeira diferença entre as duas
concepções de felicidade mostradas é que, uma por um lado é entendida como um estado,
uma determinada sensação boa que está presente naquele momento, por outro, a concepção
aristotélica compreende a felicidade como uma atividade da alma, um modo de agir próprio
que eleva a melhor parte do homem mediante as virtudes. Portanto, o próprio modo de
compreender a felicidade se distingue nas duas concepções, na visão pessimista da felicidade,
ela seria impensável como algo duradouro, visto que, as vicissitudes da vida e a própria
característica do ser humano em geral como animal que busca incessantemente, não permitem
que a felicidade seja algo permanente, que quando alcança aquilo que é desejado, sempre dá
razão a novos desejos a serem satisfeitos, ou se recai num tédio profundo. Já na compreensão
de Aristóteles, a felicidade é entendida como a finalidade da ação para o qual todo o querer
humano tende, mas aqui não existe nada de maior que a felicidade a ser desejado, ela é por si
absoluta e incondicional, visto não servir de meio para outra coisa. E ainda, a felicidade é
autossuficiente, ou seja, a vida do homem feliz que age bem e vive bem, é uma vida desejável
por si e carente de nada, indo totalmente contra a ideia de que a felicidade seria frágil por
conta do desejo incessante que toma conta de nossas vidas.

Ao analisar minha vida, que é permitida uma investigação por conta do objeto ser o
mais íntimo possível e estar completamente indissociável da própria especulação filosófica,
penso que a visão da felicidade como algo inconstante e que não pode ser durável, ou que até
mesmo, é uma ilusão de que a alcançaremos em algum momento, é uma ideia que faz mais
sentido nesses termos do que a concepção aristotélica. Ao decorrer da vida a felicidade
sempre se mostra ali, basta dois ou três passos para pegá-la, mas quando finalmente
alcançamos esta coisa, outra surge no lugar a dois passos de distância, e quando levamos a
termo toda a busca que dura uma vida, ao fim olhamos em retrospecto e surge a pergunta, em
algum momento fui feliz? Posto que tudo que alcancei se torna cotidiano, tedioso, vazio, de
forma que sempre abre espaço para novos desejos, o reconhecimento da morte e o eterno
desaparecimento do meu ser fenomênico torna a pergunta ainda mais latente.

Por outro lado, contraditoriamente, também aprecio a visão aristotélica em toda a sua
argumentação acerca da felicidade, entendida como uma atividade que é possível mediante as
virtudes que são próprias do homem, segundo a melhor e mais perfeita, distinguindo-se entre
as virtudes morais e intelectuais que são caras àqueles que encontram na filosofia, na arte, um
sentido maior para a existência, que não necessariamente será plena de felicidade e satisfação,
por conta da própria natureza humana como animal que deseja incessantemente, mas que
permitem uma brecha e um desprendimento do querer mundano.

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