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PULSÃO X INSTINTO

PROFESSORA ANDRÉA PINHEIRO BONFANTE


MESTRE E DOUTORANDA EM PSICANÁLISE
Enquanto o instinto é
uma pressão que vai
dirigir o organismo de um
ser vivo para um fim
específico e particular,
pela necessidade,
a pulsão é uma força que
vai tender o ser humano
para um alvo específico,
com uma direção e um
representante. ... Já
a pulsão, terá aspectos
mentais, como um
impulso, um desejo.
O instinto, portanto, é a força que inicia a NECESSIDADE de uma ação.
Sem predeterminar qual ação em particular e qual é a força dessa ação.
Já a pulsão, terá aspectos mentais, como um impulso, um desejo. A
força da pulsão precisa ser dirigida para um representante para a
energia se manifestar. Voltando ao exemplo das bolsas, ninguém
compra bolsas por instinto. Mas também, voltando ao exemplo do leão,
as pessoas não comem somente por instinto, como os animais.

Um bebê, quando nasce, por exemplo, vai sentir um desconforto e


chorar. Sua mãe, por meio de toda conexão que existe entre criança e
mãe vai interpretar aquele desconforto como fome e vai oferecer seu
seio para que a criança possa mamar. Enquanto ela amamenta, ela
passa a mão na cabeça do filho, ela olha com ternura e afeto, ela canta,
ela oferece seu colo, no sentido literal e figurado. O bebê chorou de
fome, pela primeira vez, mesmo sem saber que aquilo era fome, por
instinto. Da segunda vez em diante, ele vai chorar pelo desconforto, mas
não vai ser somente o alimento que ele deseja: ele vai desejar também
o colo da mãe. A pulsão, nesse caso, ficou sobre o instinto.
Além disso, nós, como seres humanos,
imaginamos saber o que é fome. Mas será que
esperamos estar morrendo de fome para irmos
atrás de alimentos? Não. A gente interpreta nossos
sinais e nos alimentamos, na hora que bem
entendemos. Sabemos que é necessário, mas não
comemos só quando é necessário: comemos
quando nos sentimos felizes, tristes, para
comemorar…. Por que você acha que as pessoas
saem para beber quando estão felizes? Por uma
mera necessidade? Ou por satisfazerem seus
desejos inconscientes de socialização, extroversão
e diversão? Se você ainda estiver em dúvida, a
segunda opção é a correta!
Podemos pensar de forma resumida e
compacta da seguinte forma:

– Um instinto inicia a necessidade da ação,


sem predeterminar qual ação e qual é a
sua força. Ele só sabe que precisa fazer
alguma coisa;
– Uma pulsão tem a função de realizar um
desejo, de causar prazer, por meio de um
objeto representante (afeto ou ideia);
– Instintos são puramente necessidades,
pulsões tem aspectos mentais, o que
comumente podemos denominar como
desejos.
O conceito de pulsão passou por
várias variantes dentro do estudo de
Freud com o nascimento da
psicanálise, como pulsões de auto
conservação, pulsões sexuais e
posteriormente, pulsões de vida e
pulsões de morte.
Apesar de Freud ter escrito sobre as pulsões
num momento de grande reflexão e
observação, na virada da primeira grande
guerra, dando conta daquilo que era
questão no início do século XX, esses
estudos não foram suficientes para explicar
os eventos que se presentificaram depois
da I Guerra Mundial. Freud não podia
imaginar, naquele momento, que esse
ensaio se tornaria um clássico não apenas
para a psicanálise, mas algo de extrema
importância no século XX.
O primeiro dualismo pulsional, sustentado
pelo recalque, trazendo notícias de uma
moral sexual civilizada frente a uma ideia
intolerável, o primeiro trauma da teoria da
sexualidade, tão estudado por Freud por volta
de 1905, agora tomava nova forma. Aquilo
que antes era entendido como um conflito,
não podia mais ser compreendido do mesmo
modo. A compulsão à repetição e os traumas
de guerra marcaram a 2ª virada do dualismo
pulsional.
Freud define esse estudo como a gramática de nossas
escolhas e desejos, e vai além, dizendo que as pulsões
constituem a lógica de nossa fantasia inconsciente. Ele
explica que o conceito de pulsão está na base dos
processos que determinam os modos como nós amamos,
desejamos e sofremos. Diz, também, que recebeu o
estatuto de conceito fundamental, tão ou mais
importante do que o próprio inconsciente, e que a pulsão
é ainda mais, é um conceito que faz fronteira entre o
corpo e o aparelho psíquico, e seus destinos dependem
das mais diversas contingências de nossas vidas.
Partindo da ideia de que a pulsão é a
gramática de nossas escolhas, podemos
acrescentar que cada um de nós tem um jeito
muito particular de lidar com nossa própria
história, as contingências de nossas vidas,
que são diversas, únicas e singulares, e que
nossas vidas são constituídas a partir das
relações primordiais estabelecidas com
aqueles que, desde sempre, nos cuidaram,
carimbos estereotípicos constantemente
reimpressos e repetidos, formando uma
cadeia de significantes.
Todo esse argumento talvez possa ser sustentado
por alguns questionamentos: que processos
presidem a eleição por um sujeito de seus objetos de
desejo? Podemos partir do princípio de que um deles
– e de ampla relevância – é a transferência, já que o
conceito de pulsão está na base dos processos que
determinam os modos como nós amamos,
desejamos e sofremos? E como falar de
transferência sem falar de amor, de desejo, e,
também, de sofrimento? O sofrimento pode advir
desses dois movimentos, o de amor e de desejo que,
quando não correspondidos, nos levam a um estado
de desprazer, colocando o aparelho psíquico em
estado constante de alerta.
O estímulo pulsional não se localiza no que é
externo, mas no interior. É uma Drang, força
constante, nunca momentânea, uma força
que nos movimenta a atender nossas
demandas, na tentativa de evitar o desprazer,
e vale dizer que nenhuma fuga é eficaz para
evitar a pulsão, pois ela é movida pela
necessidade de alcançar a satisfação, ela
nunca cessa de impulsionar. Ela é
necessidade e, para conter essa
necessidade, é preciso atingir uma
satisfação, que aliás, nunca é completa,
apenas parcial.
Drang, pressão ou força, é um dos componentes da
pulsão. Os outros três componentes são Quelle, a fonte
da pulsão, conhecida como as zonas erógenas; Objekt, o
objeto da pulsão, o que há de mais variável na pulsão,
pois qualquer objeto 53 serve, desde que articulado à
vida pulsional do sujeito; e Ziel, a meta pulsional, que é a
satisfação buscada, mas jamais encontrada. A montagem
da pulsão se realiza com a composição desses 4
elementos, tal como uma composição surrealista, “sem
pé nem cabeça”, como nos diz Lacan (1964/1979).
Enquanto os estímulos externos tratam de uma
só tarefa, os pulsionais surgem no interior, não se
permitindo serem extintos tão facilmente, eles
apresentam exigências específicas muito mais
elevadas, nos colocando em trabalho com
atividades complicadas e, por vezes, intricadas
entre si, modificando, inclusive, o mundo externo.
São as pulsões e não os estímulos externos os
verdadeiros motores que conduzem o nosso
sistema nervoso a ser capaz de realizar
infindáveis construções, com objetivo de dar
prazer e evitar o desprazer
Se pensarmos em princípio do prazer, podemos pensar
que a sensação de desprazer aumenta com o excesso
de estímulo e que a sensação de prazer aumenta com
a diminuição do mesmo, oscilações bastante variadas
e nada simples. Nosso aparelho psíquico está em
trabalho constante, um “work in progress” [trabalho
que vai sendo realizado] no sentido de se esvaziar de
desprazer. A pulsão nos aparece como uma “fronteira”,
digamos assim, entre o que é psíquico e o que é
somático, como um representante psíquico desses
estímulos vindos do interior de nosso corpo, como uma
exigência de trabalho imposta pelo psiquismo como
resposta à relação com o corpo.
PULSÕES DO EU X PULSÕES SEXUAIS
Há dois grupos de pulsões, “as pulsões do eu” ou de
“autopreservação” e “as pulsões sexuais”. Essa classificação resultou
do desenvolvimento histórico da psicanálise, tendo tomado como
objeto primeiro de estudo as psiconeuroses ou, como também
podemos nomear, “neuroses de transferência” – e aqui falamos de
histeria e neurose obsessiva. Podemos compreender, dessa forma, que
um conflito entre as pulsões do eu e as pulsões sexuais está na raiz
das enfermidades, do padecimento. E não poderíamos deixar também
de trazer à discussão os destinos da pulsão, que são: a reversão em
seu contrário; o retorno em direção à própria pessoa; o recalque e a
sublimação.
A reversão em seu contrário desdobra-se em dois
processos distintos: um deles é a passagem de pulsão de
atividade para passividade; e o outro refere-se à inversão
de conteúdo. O primeiro diz respeito ao quanto uma meta
ativa como atormentar e contemplar, pode ser substituída
por ser atormentado e ser contemplado. O segundo
processo diz respeito ao caso em que o amor pode ser
transformado em ódio, ambos dirigidos ao mesmo objeto,
numa situação de ambivalência de sentimentos.
O amar, por ser altamente complexo, apresenta três formas de
oposição: o amar-odiar, o amar-ser amado e o amar e odiar tomados em
conjunto. E, dentre essas, o amar (érastes)-ser amado (érômenos)
corresponde à conversão de atividade, que é amar, em passividade, que
é ser amado, remontando a uma situação fundamental que é a pulsão
do olhar, o amar a si mesmo, nomeado como narcisismo. E, sendo o
amar algo de grande complexidade, regido por diferentes esferas, talvez
possamos compreender melhor seus vários contrários se nos dermos
conta de que nossa vida psíquica é regida por três opostos: 1) O sujeito
(eu) x objeto (mundo externo); 2) O prazer x o desprazer; e 3) Ativo x
passivo.
O primeiro deles, a relação entre o sujeito (eu) e o objeto
(mundo externo) impõe-se ao sujeito desde muito cedo,
através de experiências que ele aprende a silenciar através
de sua ação muscular, mas que, em contrapartida, é indefeso
contra os estímulos pulsionais, atividade essa que permanece
soberana quando falamos de atividade intelectual. No
segundo caso, a relação entre prazer e desprazer está ligada
a uma escala de sensações, cuja vontade já foi previamente
enfatizada. E, finalmente, na terceira atividade (ativo x
passivo), estamos falando de oposição, onde o “eu”
comporta-se de forma passiva diante do mundo exterior, na
medida em que recebe estímulos, e de modo ativo quando
reage a esses estímulos
Quando o objeto se transforma em fonte de prazer, tendemos a traze-lo
mais para perto, tentando até mesmo incorporá-lo ao eu. Já no caso
contrário, sentimos uma repulsa do objeto e o odiamos, com a possível
intenção de aniquilá-lo por ter sido fonte de desprazer. Entretanto, vale
ressaltar que amor e ódio, pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte
(Tânatos) não mantém uma relação simples entre si, pois não surgiram
da cisão de algo originalmente comum, mas de origens diversas.

Quando a relação de amor com determinado objeto é


interrompida, não raro surgirá o ódio em seu lugar, de modo
que temos a impressão de uma transformação do amor em
ódio. Mas, superando essa descrição, chegamos à
concepção de que o ódio com motivações reais é fortalecido
pela regressão do amor à fase preliminar sádica, de modo
que o odiar adquire um caráter erótico, o que garante a
continuidade de uma relação amorosa.
(FREUD, 1915/2017, p. 63
O eu é autoerótico, não tem
necessidade do mundo exterior, mas
recebe dele objetos por conta de suas
vivências e, sendo assim, não pode
deixar de receber seus estímulos
pulsionais, transformando-se do inicial
“eu-real” em um “eu-prazer
purificado”, colocando a marca do
prazer acima de todas as outras
marcas.
Fim.

Muito obrigada pela atenção!

Professora Andréa Pinheiro

Até um próximo encontro.

ANDRÉA PINHEIRO
(24)99316-8982

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