MESTRE E DOUTORANDA EM PSICANÁLISE Enquanto o instinto é uma pressão que vai dirigir o organismo de um ser vivo para um fim específico e particular, pela necessidade, a pulsão é uma força que vai tender o ser humano para um alvo específico, com uma direção e um representante. ... Já a pulsão, terá aspectos mentais, como um impulso, um desejo. O instinto, portanto, é a força que inicia a NECESSIDADE de uma ação. Sem predeterminar qual ação em particular e qual é a força dessa ação. Já a pulsão, terá aspectos mentais, como um impulso, um desejo. A força da pulsão precisa ser dirigida para um representante para a energia se manifestar. Voltando ao exemplo das bolsas, ninguém compra bolsas por instinto. Mas também, voltando ao exemplo do leão, as pessoas não comem somente por instinto, como os animais.
Um bebê, quando nasce, por exemplo, vai sentir um desconforto e
chorar. Sua mãe, por meio de toda conexão que existe entre criança e mãe vai interpretar aquele desconforto como fome e vai oferecer seu seio para que a criança possa mamar. Enquanto ela amamenta, ela passa a mão na cabeça do filho, ela olha com ternura e afeto, ela canta, ela oferece seu colo, no sentido literal e figurado. O bebê chorou de fome, pela primeira vez, mesmo sem saber que aquilo era fome, por instinto. Da segunda vez em diante, ele vai chorar pelo desconforto, mas não vai ser somente o alimento que ele deseja: ele vai desejar também o colo da mãe. A pulsão, nesse caso, ficou sobre o instinto. Além disso, nós, como seres humanos, imaginamos saber o que é fome. Mas será que esperamos estar morrendo de fome para irmos atrás de alimentos? Não. A gente interpreta nossos sinais e nos alimentamos, na hora que bem entendemos. Sabemos que é necessário, mas não comemos só quando é necessário: comemos quando nos sentimos felizes, tristes, para comemorar…. Por que você acha que as pessoas saem para beber quando estão felizes? Por uma mera necessidade? Ou por satisfazerem seus desejos inconscientes de socialização, extroversão e diversão? Se você ainda estiver em dúvida, a segunda opção é a correta! Podemos pensar de forma resumida e compacta da seguinte forma:
– Um instinto inicia a necessidade da ação,
sem predeterminar qual ação e qual é a sua força. Ele só sabe que precisa fazer alguma coisa; – Uma pulsão tem a função de realizar um desejo, de causar prazer, por meio de um objeto representante (afeto ou ideia); – Instintos são puramente necessidades, pulsões tem aspectos mentais, o que comumente podemos denominar como desejos. O conceito de pulsão passou por várias variantes dentro do estudo de Freud com o nascimento da psicanálise, como pulsões de auto conservação, pulsões sexuais e posteriormente, pulsões de vida e pulsões de morte. Apesar de Freud ter escrito sobre as pulsões num momento de grande reflexão e observação, na virada da primeira grande guerra, dando conta daquilo que era questão no início do século XX, esses estudos não foram suficientes para explicar os eventos que se presentificaram depois da I Guerra Mundial. Freud não podia imaginar, naquele momento, que esse ensaio se tornaria um clássico não apenas para a psicanálise, mas algo de extrema importância no século XX. O primeiro dualismo pulsional, sustentado pelo recalque, trazendo notícias de uma moral sexual civilizada frente a uma ideia intolerável, o primeiro trauma da teoria da sexualidade, tão estudado por Freud por volta de 1905, agora tomava nova forma. Aquilo que antes era entendido como um conflito, não podia mais ser compreendido do mesmo modo. A compulsão à repetição e os traumas de guerra marcaram a 2ª virada do dualismo pulsional. Freud define esse estudo como a gramática de nossas escolhas e desejos, e vai além, dizendo que as pulsões constituem a lógica de nossa fantasia inconsciente. Ele explica que o conceito de pulsão está na base dos processos que determinam os modos como nós amamos, desejamos e sofremos. Diz, também, que recebeu o estatuto de conceito fundamental, tão ou mais importante do que o próprio inconsciente, e que a pulsão é ainda mais, é um conceito que faz fronteira entre o corpo e o aparelho psíquico, e seus destinos dependem das mais diversas contingências de nossas vidas. Partindo da ideia de que a pulsão é a gramática de nossas escolhas, podemos acrescentar que cada um de nós tem um jeito muito particular de lidar com nossa própria história, as contingências de nossas vidas, que são diversas, únicas e singulares, e que nossas vidas são constituídas a partir das relações primordiais estabelecidas com aqueles que, desde sempre, nos cuidaram, carimbos estereotípicos constantemente reimpressos e repetidos, formando uma cadeia de significantes. Todo esse argumento talvez possa ser sustentado por alguns questionamentos: que processos presidem a eleição por um sujeito de seus objetos de desejo? Podemos partir do princípio de que um deles – e de ampla relevância – é a transferência, já que o conceito de pulsão está na base dos processos que determinam os modos como nós amamos, desejamos e sofremos? E como falar de transferência sem falar de amor, de desejo, e, também, de sofrimento? O sofrimento pode advir desses dois movimentos, o de amor e de desejo que, quando não correspondidos, nos levam a um estado de desprazer, colocando o aparelho psíquico em estado constante de alerta. O estímulo pulsional não se localiza no que é externo, mas no interior. É uma Drang, força constante, nunca momentânea, uma força que nos movimenta a atender nossas demandas, na tentativa de evitar o desprazer, e vale dizer que nenhuma fuga é eficaz para evitar a pulsão, pois ela é movida pela necessidade de alcançar a satisfação, ela nunca cessa de impulsionar. Ela é necessidade e, para conter essa necessidade, é preciso atingir uma satisfação, que aliás, nunca é completa, apenas parcial. Drang, pressão ou força, é um dos componentes da pulsão. Os outros três componentes são Quelle, a fonte da pulsão, conhecida como as zonas erógenas; Objekt, o objeto da pulsão, o que há de mais variável na pulsão, pois qualquer objeto 53 serve, desde que articulado à vida pulsional do sujeito; e Ziel, a meta pulsional, que é a satisfação buscada, mas jamais encontrada. A montagem da pulsão se realiza com a composição desses 4 elementos, tal como uma composição surrealista, “sem pé nem cabeça”, como nos diz Lacan (1964/1979). Enquanto os estímulos externos tratam de uma só tarefa, os pulsionais surgem no interior, não se permitindo serem extintos tão facilmente, eles apresentam exigências específicas muito mais elevadas, nos colocando em trabalho com atividades complicadas e, por vezes, intricadas entre si, modificando, inclusive, o mundo externo. São as pulsões e não os estímulos externos os verdadeiros motores que conduzem o nosso sistema nervoso a ser capaz de realizar infindáveis construções, com objetivo de dar prazer e evitar o desprazer Se pensarmos em princípio do prazer, podemos pensar que a sensação de desprazer aumenta com o excesso de estímulo e que a sensação de prazer aumenta com a diminuição do mesmo, oscilações bastante variadas e nada simples. Nosso aparelho psíquico está em trabalho constante, um “work in progress” [trabalho que vai sendo realizado] no sentido de se esvaziar de desprazer. A pulsão nos aparece como uma “fronteira”, digamos assim, entre o que é psíquico e o que é somático, como um representante psíquico desses estímulos vindos do interior de nosso corpo, como uma exigência de trabalho imposta pelo psiquismo como resposta à relação com o corpo. PULSÕES DO EU X PULSÕES SEXUAIS Há dois grupos de pulsões, “as pulsões do eu” ou de “autopreservação” e “as pulsões sexuais”. Essa classificação resultou do desenvolvimento histórico da psicanálise, tendo tomado como objeto primeiro de estudo as psiconeuroses ou, como também podemos nomear, “neuroses de transferência” – e aqui falamos de histeria e neurose obsessiva. Podemos compreender, dessa forma, que um conflito entre as pulsões do eu e as pulsões sexuais está na raiz das enfermidades, do padecimento. E não poderíamos deixar também de trazer à discussão os destinos da pulsão, que são: a reversão em seu contrário; o retorno em direção à própria pessoa; o recalque e a sublimação. A reversão em seu contrário desdobra-se em dois processos distintos: um deles é a passagem de pulsão de atividade para passividade; e o outro refere-se à inversão de conteúdo. O primeiro diz respeito ao quanto uma meta ativa como atormentar e contemplar, pode ser substituída por ser atormentado e ser contemplado. O segundo processo diz respeito ao caso em que o amor pode ser transformado em ódio, ambos dirigidos ao mesmo objeto, numa situação de ambivalência de sentimentos. O amar, por ser altamente complexo, apresenta três formas de oposição: o amar-odiar, o amar-ser amado e o amar e odiar tomados em conjunto. E, dentre essas, o amar (érastes)-ser amado (érômenos) corresponde à conversão de atividade, que é amar, em passividade, que é ser amado, remontando a uma situação fundamental que é a pulsão do olhar, o amar a si mesmo, nomeado como narcisismo. E, sendo o amar algo de grande complexidade, regido por diferentes esferas, talvez possamos compreender melhor seus vários contrários se nos dermos conta de que nossa vida psíquica é regida por três opostos: 1) O sujeito (eu) x objeto (mundo externo); 2) O prazer x o desprazer; e 3) Ativo x passivo. O primeiro deles, a relação entre o sujeito (eu) e o objeto (mundo externo) impõe-se ao sujeito desde muito cedo, através de experiências que ele aprende a silenciar através de sua ação muscular, mas que, em contrapartida, é indefeso contra os estímulos pulsionais, atividade essa que permanece soberana quando falamos de atividade intelectual. No segundo caso, a relação entre prazer e desprazer está ligada a uma escala de sensações, cuja vontade já foi previamente enfatizada. E, finalmente, na terceira atividade (ativo x passivo), estamos falando de oposição, onde o “eu” comporta-se de forma passiva diante do mundo exterior, na medida em que recebe estímulos, e de modo ativo quando reage a esses estímulos Quando o objeto se transforma em fonte de prazer, tendemos a traze-lo mais para perto, tentando até mesmo incorporá-lo ao eu. Já no caso contrário, sentimos uma repulsa do objeto e o odiamos, com a possível intenção de aniquilá-lo por ter sido fonte de desprazer. Entretanto, vale ressaltar que amor e ódio, pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte (Tânatos) não mantém uma relação simples entre si, pois não surgiram da cisão de algo originalmente comum, mas de origens diversas.
Quando a relação de amor com determinado objeto é
interrompida, não raro surgirá o ódio em seu lugar, de modo que temos a impressão de uma transformação do amor em ódio. Mas, superando essa descrição, chegamos à concepção de que o ódio com motivações reais é fortalecido pela regressão do amor à fase preliminar sádica, de modo que o odiar adquire um caráter erótico, o que garante a continuidade de uma relação amorosa. (FREUD, 1915/2017, p. 63 O eu é autoerótico, não tem necessidade do mundo exterior, mas recebe dele objetos por conta de suas vivências e, sendo assim, não pode deixar de receber seus estímulos pulsionais, transformando-se do inicial “eu-real” em um “eu-prazer purificado”, colocando a marca do prazer acima de todas as outras marcas. Fim.