Você está na página 1de 2

Em sua “Carta a Meneceu”, dentre todas as disposições de espírito e orientações filosóficas

que Epicuro recomenda ao seu interlocutor, no que diz respeito a “Felicidade”, ou mais
estoicamente falando, a “Vida Feliz”, podemos identificar, como a regra de ouro da felicidade, o
seguinte conselho, nas palavras do próprio autor: “E o conhecimento seguro dos desejos leva a
direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto
que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos
afastarmos da dor e do medo.”
Uma vez que, em Epicuro, a sua Lógica (Canônica), Física e Ética, estão todas
fundamentadas no posicionamento que diz que o conhecimento do mundo e até mesmo a
possibilidade do conhecimento se dão mediante sensações, antecipações e afecções, sendo as duas
últimas depositárias da primeira, vemos com isso que a experiência sensitiva, ocupa espaço de
destaque, tanto epistemológico quanto ético, pois, se a experiência sensitiva nos fornece a pedra de
toque, ou melhor dizendo, o critério da verdade de afirmações filosóficas, então as sensações que
resultam em prazer, entendido como a sensação que arrazoada e avaliada ponderadamente é
benéfica ao corpo e ao espírito (principalmente ao espírito, diria Epicuro…), trariam ao ser humano
o contentamento com a vida (ataraxia ou a imperturbabilidade da alma), uma autossatisfação que
propicia uma clareza em relação aos assuntos que nos interpelam. Essa abordagem essencialmente
sensitiva, que nega o metafísico na medida em que assevera que os deuses nada tem a ver com os
assuntos puramente humanos, pregando ainda que a morte não deveria nos afligir dizendo que onde
há a morte a vida já não está mais ali, então “não vos preocupeis”; todo esse louvor epicurista do
primado da sensibilidade e do prazer demonstra a sua abordagem materialista do mundo.
A filosofia epicurista, largamente mal interpretada e confundida com um hedonismo
desvairado, fornece máximas e posturas filosóficas que podem ser úteis por vezes a um espírito
atribulado; entretanto, como uma filosofia totalizadora de vida que daria conta de amansar o
coração e os apetites dos homens, inclusive nos momentos paroxísticos de tormenta, se fosse
seguida passo a passo, acredito que se mostraria insuficiente. Insuficiente porque o próprio agente
que tocaria o rumo dessa filosofia, o homem por excelência, na minha concepção, também se
mostra insuficiente em si mesmo. A perturbação e inquietação da alma é algo que se mitiga, se
apara, se retoca utilizando o expediente de paliativos; mas fazer desaparecer por completo, obliterar
a inquietação, é uma tarefa que, sinceramente, penso que nenhum ser que já viveu ou que vá viver
jamais atingiu ou atingirá. A famosa “ataraxia” é episódica, do mesmo modo como a felicidade
também o é. Julgar que uma filosofia materialista como a de Epicuro (e o argumento também se
aplica a filosofias não necessariamente materialistas) responderia satisfatoriamente a uma infinidade
de situações e dilemas que só a vida em sua incomparável habilidade de nos constranger e oprimir é
capaz, seria um contrassenso, algo que o meu ceticismo não me permite acreditar.
Após essa breve crítica a filosofia epicurista, passo apresentar algumas sentenças e
argumentos de Epicuro, que manifestam o seu materialismo, o afastamento ao metafísico e a busca
da imperturbabilidade da alma.

“...Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos
bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus
semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente deles.”

“Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem
nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte
não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe
tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.”

“O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e
não-viver não é um mal.”
“Uma vez que tenhamos atingido esse estado, toda a tempestade da alma se aplaca, e o ser vivo, não
tendo que ir em busca de algo que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do
corpo, estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela sua
ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir.”

“Consideramos ainda a autossuficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com
pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco, caso não tenhamos o muito, honestamente
convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é
natural é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil.”

Você também pode gostar