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O remédio da vida

Quando pensamos na Grécia Antiga, no âmbito da Filosofia, são os nomes de Sócrates, Platão e
Aristóteles que nos vêm à cabeça. A verdade é que esse período é muito mais rico, vai muito
além das doutrinas destes brilhantes pensadores. Aquelas contemporâneas e procedentes à
visão aristotélica são, até, guias sobre como pode um indivíduo viver a sua vida em tempos de
crise, incerteza e relatividade.

Aquela que inicialmente mais me impactou foi a escola cética: não sendo uma doutrina, opõe-
se a qualquer doutrina. Ou seja, num mundo com tantas verdades, onde cada um tenta
reclamar a sua, onde não temos meios infalíveis de conhecer a verdade, passamos pela vida
como quem vai contemplando as aparências. Não nos importa o que acontece, nem as
respostas, porque tudo pode não passar de um sonho. Somos obrigados a guiar-nos pelas
indicações dos sentidos, necessidades do corpo e as tradições e regras sociais para nos
conseguirmos orientar nesta coisa que chamamos de realidade. A felicidade é assim atingida
por rejeitarmos qualquer verdade. Conta-se que o fundador deste pensamento preferiu atirar-
se a um rio a responder às questões que lhe estavam a fazer. Esta escola é muito interessante
pela vertente aporética, por serem mestres na arte de encontrar erros na teoria do outro, por
conseguirem colocar até os alicerces mais básicos em causa.

A linha que venceu historicamente, pela sua duração, foi o estoicismo. Nesta linha de
pensamento, aquilo que nos compete é exercer o caminho que o Cosmos nos reservou.
Devemos ser mestres da apatia, sermos indiferentes ao que nos acontece e agir como é
suposto pela ordem natural. Conformemo-nos, que somos todos irmãos deste mundo a
cumprir as nossas vidas.

No entanto, aquela que quero aqui trazer é uma outra: a escola epicurista. De início não dei
muito valor ao que aprendia sobre eles, mas, um dia, enquanto regressava de umas
explicações e me preparava para ir jantar na cantina, debaixo de calor e numa subida, ocorreu-
me um raciocínio claramente epicurista e, desde aí, que me parece que, afinal, o seu
pensamento faz mais sentido do que esperava.

Tal como o estoicismo, e ao contrário do ceticismo, trata-se de uma doutrina, mas com pouco
desenvolvimento ao longo do tempo, mantendo-se sempre muito fiel ao seu fundador,
Epicuro. O pensador olhava para o mundo e via o sofrimento como um grande mal que
inquieta as pessoas. Ele queria atingir a aponia, a ausência de sofrimento. Para ele, isso bastava
para lhe conferir a felicidade que os filósofos gregos tanto ambicionavam. Mas então o que é
que provoca o sofrimento nas pessoas? Além dos obstáculos quotidianos, há o medo: medo da
morte e dos deuses. Esta última questão religiosa talvez agora não nos faça muito sentido, mas
realça a mestria do pensamento de Epicuro.

Para afastar esses dois medos, Epicuro elabora uma teoria sobre a natureza. Como conclusões
dessa teoria temos que a morte é a dissipação dos átomos da alma, pelo que, sendo esta a
responsável pelas sensações, é impossível a um ser sentir a própria morte, nem sequer
havendo lugar à existência de vida após a morte. Também remete os deuses para um território
entre mundos, ou seja, alheio a nós: eles são perfeitos, não precisam de nós, nem de se divertir
connosco. Considero interessante afirmar-se que mais nenhuma questão natural importa,
devendo só ser necessário encontrar uma resposta. Quando há mais, nem vale a pena escolher.
A preocupação de Epicuro é só afastar estes medos, sendo a Física só um meio.
Então, chegamos ao famoso tetrafármaco, o remédio para vivermos sem medos: não sentimos
a morte, os deuses não se importam connosco, é fácil atingir prazer e todo o sofrimento é
finito.

Facilmente conseguimos atingir o prazer, satisfazendo as nossas necessidades básicas, mais


nada sendo preciso. Há um hedonismo muito moderado aqui presente.

O ideal do ser humano é viver escondido. Mas seria mesmo possível viver assim, sem ambição?
Acredito que só falta um elemento da filosofia de Epicuro para responder corretamente: a
amizade.

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