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RESUMO:
É característica idiossincrática da ética helenística a preocupação com duas questões
fundamentais: qual o mais alto bem e como obtê-lo. O mais alto bem é aquilo que é
buscado por si mesmo, e não como meio para algo mais. Epicuro declara que o mais
alto bem é o prazer, aqui entendido principalmente como a ausência de dor física
(ἀπονία) e ausência de perturbação (Ἀταραξία). As vias que ele aponta para obtenção do
prazer, entretanto, passam longe de uma incitação à devassidão, à gula ou à luxuria. Em
vez disso, Epicuro instiga seus seguidores a uma vida simples, comedida e austera,
guiada por uma visão materialista do cosmos, onde os preconceitos sobre os deuses e a
morte, que são as grandes fontes de perturbações, são desmistificados. Com intuito de
compreender o hedonismo epicurista, analisaremos a sua noção de prazer. Para isso
dividimos o trabalho em três partes: na primeira buscamos explicitar o que Epicuro
entende por prazer; na segunda apresentaremos os argumentos em favor da tese que o
prazer é princípio supremo da ética. Por fim, tencionaremos um pouco essa tese
apresentando algumas objeções aos argumentos principais.
2 OS TIPOS DE PRAZER
Para entendermos o modo como os prazeres são postos como a base da vida
epicurista, é preciso fazer algumas distinções para evitar mal-entendidos. Os prazeres
podem ser divididos em dois grupos: há prazeres naturais e prazeres não naturais. Os
prazeres naturais, por sua vez, são necessários ou não necessários. Os prazeres naturais
e necessários, tal como o nome sugere, são originados na nossa própria natureza e sua
satisfação é necessária não apenas para a nossa felicidade, mas também para a nossa
própria subsistência. Esses prazeres estão diretamente relacionados às funções básicas
de um organismo animal: é o prazer de comer quando se tem fome, de se beber quando
tem sede e dormir quando se está cansado. Esses prazeres são os mais básicos e os
buscamos com o intuito de afastar as dores que advém de sua ausência.
Ainda entre os prazeres naturais, há aqueles que não são necessários.
Todavia, Epicuro não se preocupa em elencar quais prazeres seriam esses. Foi sugerido
que eles consistiriam no prazer sexual e na fruição de banquetes, bebidas e leitos
luxuosos. É natural que queiramos comer quando estamos com fome, entretanto, não é
necessário que saciemos a fome com pizza. A dor causada pela fome pode ser
igualmente saciada por alimentos mais simples que sejam mais benéficos para a saúde.
Como é de se esperar, a fruição de prazeres naturais e não necessários não possui um
papel relevante para o alcance da felicidade.
Além dos prazeres naturais mencionados acima, há aqueles que são alheios
à nossa natureza e nos foram encucados por preconceitos adquiridos de uma sociedade
corrompida. São os prazeres envolvendo a fama, a glória e as riquezas. Em uma
perspectiva atual, poderíamos dizer que a popularidade nas redes sociais, o número de
likes e comentários nas fotos do Instagram e etc. Esses prazeres em nada contribuem
para a felicidade do ponto de vista epicurista. Pode-se até dizer que são empecilhos, pois
partem de uma concepção errônea da natureza humana e apostam que a satisfação
pessoal pode ser obtida com meio artificiais.
Essas distinções básicas nos permitem perceber que embora Epicuro declare
que o prazer o bem supremo, ele reconhece que há prazeres que não devem escolhidos.
Da mesma forma que há dores que não devem ser evitadas. Não porque há prazeres que
são em si ruins, ou dores que sejam em si boas, mas sim porque há prazeres que geram
mais efeitos desagradáveis do que os agradáveis que, da mesma forma que há dores que
geram maiores benefícios do que os malefícios que custam.
Imaginem, por exemplo, uma pessoa que durante toda a vida comeu de
maneira desregrada e acabou adquirindo diabetes tipo 2. Essa pessoa, naturalmente, ama
comer doces e sente um grande prazer em devorar uma barra de Diamante negro.
Todavia, por recomendação médica, ela deve se abster de consumir tais doces e deve
também começar a se exercitar. O que um epicurista diria nessa situação? Ora, se comer
chocolate gera prazer e se exercitar gera dor, seria natural pensar que o epicurista
sugeriria a nosso amigo ignorar o médico e buscar a fruição dos prazeres e o
distanciamento das dores. Entretanto, não isso que deduzimos da teoria. Na verdade, em
casos assim segundo Epicuro é mais conveniente “avaliar todos os prazeres e
sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos”. Um diabético,
embora possa obter um prazer momentâneo ao comer o chocolate, terá que arcar com
sofrimentos muito maiores como consequência desse pequeno prazer. Da mesma forma
que a dor temporária causada pelo exercício físico renderá como frutos prazeres muito
maiores do que os causado por ela, como o de desfrutar de um corpo saudável e
funcional.
Esses esclarecimentos são suficientes para afastar os mal entendidos em
torno do hedonismo epicurista. Todavia, por que haveríamos de aceitar que o prazer é
primeiro e supremo bem da vida humana? Embora a escassez de textos de Epicuro que
chegaram até nós dificulte uma discussão mais detalhada, há dois argumentos principais
que costumeiramente são invocados na causa epicurista. São o argumento da infância e
o argumento das experiências imediatas.
REFERÊNCIAS
WOOLF, R. Pleasure and desire. In: WARREN, J. (Ed.). . The Cambridge Companion
to Epicureanism. New York: University of Cambridge, 2009. p. 158–178.