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Para reflexão em comum: Epicurismo e atualidade

A centralidade da busca pelo prazer moderado

O epicurismo é uma corrente filosófica surgida na Grécia Antiga no


século IV a.C. Segundo o pensamento pregado por seus adeptos, o
estado individual de plenitude - em que o sujeito tem total liberdade,
tranquilidade e está livre dos medos - está diretamente ligado com a
busca pelos prazeres moderados. Desse modo, é importante observar
a centralidade que o prazer adquire no pensamento epicurista.

Contudo, também é importante ressaltar a oposição que essa


corrente faz ao prazer exacerbado. O epicurismo acredita que o
desejo exacerbado faz com que os sujeitos percam a concentração
prejudicando, inclusive, a saúde mental e o bem espiritual. Desse
modo, seria preciso reconhecer a necessidade de limites na busca do
prazer e dos desejos. É o reconhecimento dos limites que possibilita o
encontro da plenitude proposta por essa filosofia.

Essa corrente filosófica recebe o nome de epicurismo por conta do


filósofo Epicuro de Samos, que propôs os princípios de busca da
felicidade. Em seu pensamento, o equilíbrio e a simplicidade
aparecem como importantes pilares. Neste breve texto, vamos
explorar um pouco da filosofia pensada por esse ateniense, que viveu
entre os anos 341-271 a.C.

O cultivo dos amigos é um dos princípios pregados pelo epicurismo

O que ensina o epicurismo

A busca pelo prazer moderado não era o único princípio a ser seguido
por aqueles que se identificavam com a filosofia de Epicuro. Além
dele, o filósofo estabeleceu outros fundamentos considerados
importantes para o processo que conduziria à felicidade. Entre eles,
está a atenção à saúde mental. Ainda que hoje o senso comum tende
a pensar que essa é uma demanda da atualidade, esse cuidado já
havia sido posto em evidência pelo epicurismo no século IV a.C.
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Para o epicurismo, o cuidado com a saúde mental estava intimamente


ligado a identificar o prazer nas atividades consideradas triviais.
Sendo assim, os epicuristas deveriam se desvencilhar das
inquietações e angústias que poderiam ser produzidas pela realização
de atividades obrigatórias. Era preciso identificar uma fonte
de prazer nas ações que realizavam.

As amizades também ganham centralidade na busca por prazer


pregada pelo epicurismo. Segundo essa filosofia, as trocas que são
estabelecidas nas relações de amizade auxiliam na produção de
prazer imediato naqueles que participam dessa troca. Nesse sentido,
o cultivo das amizades deveria ser um princípio seguido pelos
epicuristas em razão de sua importância no processo de condução às
finalidades pregadas pela filosofia.

Por outro lado, as dores e as preocupações devem ser evitadas. Um


dos caminhos para isso é a busca do prazer nas ações imediatas,
como já dissemos anteriormente. Mas o processo também inclui
o distanciamento da vida pública, do luxo e do prestígio social.

É interessante observar como a exposição exacerbada já era vista


como problemática na Grécia Antiga e, atualmente, esse
pensamento recebe respaldo, de certo modo, através dos trabalhos
que evidenciam a relação entre redes sociais, vida pública e doenças
mentais como ansiedade e depressão.

Outro ponto considerado “moderno” presente na filosofia pregada por


Epicuro diz respeito à relação com a natureza. O filósofo defendia que
o contato frequente com ela era importante para se aproximar com a
liberdade, um dos estados buscados pelos seguidores da filosofia.

O abandono do medo da morte e dos deuses também é um princípio


que aparece na filosofia epicurista. Nesse sentido, é importante
ressaltar que, dentro da mitologia grega, os deuses possuíam
bastante influência na vida dos mortais. Inclusive, existiam histórias
de deuses que se aproximavam de humanos e com eles tinham filhos
que eram chamados semideuses.

Outro ponto da filosofia epicurista diz respeito a uma certa descrença


com relação ao Estado. Segundo Epicuro, as leis e regras criadas
pelas sociedades modernas só ganham adesão quando favorece os
indivíduos. Ou seja, determinada lei só é cumprida se esse
cumprimento acarreta em vantagens para aquele que a obedece. Por
isso, a suposta organização política e social funciona apenas quando
está baseada nos interesses individuais.

Sobre Epicuro
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Como vimos, a filosofia proposta por Epicuro antecipa algumas


questões que possuem bastante relevância para a sociedade
contemporânea. Ele fez isso vivendo 300 anos antes do nascimento
de Jesus Cristo. Seu interesse pela filosofia começou quando ele
ainda era jovem e a ida para a cidade de Téos teve importância
fundamental para o desenvolvimento de seu pensamento crítico.

O pensamento de Epicuro tem forte influência de Demócrito de


Abdera e do Hedonismo. O primeiro foi seu mestre e a discordância
de algumas hipóteses que ele propunha foi de grande importância
para a estruturação do epicurismo. Por outro lado, sob influência do
Hedonismo, possui traços marcantes no que diz respeito à
importância do prazer. Mas se diferencia deles ao discordar da
centralidade de “ser bom” para alcançar a felicidade, liberdade e
tranquilidade plenas.

No Brasil, o professor da Universidade de São Paulo, Clóvis de Barros


Filho, é um dos principais admiradores da filosofia proposta por
Epicuro.

A Ética em Epicuro

Epicuro - O criador dos 4 remédios para alcançar a felicidade

A doutrina de Epicuro surgiu em um momento de insatisfação com a


condição das Cidades-Estados gregas. A vida social na Pólis era
leviana e marcada pela injustiça social. O poder se concentrava nas
mãos de poucos: a aristocracia urbana. Não havia felicidade entres os
homens no contexto social, no qual as pessoas se interessavam
estritamente pelas riquezas e pelo poder; no contexto religioso, no
qual predominava a superstição, a religião tornou-se servil, cercada
de mitos e ritos sem significação e também crescia a procura por
oráculos e a crença em adivinhações. As pessoas gozavam dos
prazeres mais supérfluos advindos das riquezas e, assim, eram
relativamente felizes, pois estavam se esquecendo do que realmente
proporciona a felicidade. Foi a partir disso que Epicuro criou sua
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doutrina contra a superstição e os bens materiais, voltada para uma


reflexão interior e busca da verdadeira felicidade.

Essa doutrina é dividida em canônica, física e ética. Porém, as duas


primeiras partes são esclarecimentos para a fundamentação da ética,
visto que as ciências naturais só são importantes na medida em que
servem de auxílio à moral. Nenhuma teoria é válida se não possuir um
objetivo moral, o qual não possa ser aplicado na vida prática. A
finalidade de sua ética consiste em propiciar a felicidade aos homens,
de modo que essa possa libertá-los das mazelas que os atormentam,
quer advenham de circunstâncias políticas e sociais, quer sejam
causadas por motivos religiosos.

A Felicidade é alcançada por meio do controle dos medos e dos


desejos, de maneira que seja possível chegar à ataraxia, a qual
representa um estado de prazer estável e equilíbrio e,
consequentemente, a um estado de tranquilidade e a ausência de
perturbações, pois, conforme Epicuro, há prazeres maus e violentos,
decorrentes do vício e que são passageiros, provocando somente
insatisfação e dor. Mas também há prazeres decorrentes da busca
moderada da Felicidade.

Segundo Epicuro, a posse de poucos bens materiais e a não obtenção


de cargos públicos proporcionam uma vida feliz e repleta de
tranquilidade interior, visto que essas coisas trazem variadas
perturbações. Por isso, as condições necessárias para a boa saúde da
alma estão na humildade. E para alcançar a felicidade, Epicuro cria 4
“remédios”:

1. Não se deve temer os deuses; 2. Não se deve temer a morte;


3. O Bem não é difícil de se alcançar; 4. Os males não são
difíceis de suportar.

De acordo com essas recomendações, é possível cultivar


pensamentos positivos os quais capacitam a pessoa a ter uma vida
filosófica baseada em uma ética. A felicidade se alcança através de
poucas coisas materiais em detrimento da busca do prazer
voluptuoso. O homem ao buscar o prazer procura a felicidade natural.
No entanto é necessário saber escolher de modo que se evite os
prazeres que causam maiores dores; quando o homem não sabe
escolher, surge a dor e a infelicidade.

O sábio deve saber suportar a dor, visto que logo essa acabará ou até
mesmo as que duram por um tempo maior são suportáveis. A
conquista do prazer e a supressão da dor se dão pela sabedoria que
encontra um estado de satisfação interna. A virtude subordinada ao
prazer só pode ser alcançada pelos seguintes itens:
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 Inteligência – a prudência, ponderação que busca o verdadeiro


prazer e evita a dor;
 Raciocínio – reflete sobre as ponderações levantadas para
conhecer qual prazer é mais vantajoso, qual deve ser suportado,
qual pode atribuir um prazer maior, etc. O prazer como forma de
suprimir a dor é um bem absoluto, pois não pode ser
acrescentado a ele nenhum maior ou novo prazer.
 Autodomínio – evita o que é supérfluo, como bens materiais,
cultura sofisticada e participação política;
 Justiça – deve ser buscada pelos frutos que produz, pois foi
estipulada para que não haja prejuízo entre os homens.

Enfim, todo empenho de Epicuro tinha como meta a felicidade dos


homens. Nos jardins (comunidade dos discípulos de Epicuro) reinava
a alegria e a vida simples. A amizade era o melhor dos sentimentos,
pois proporcionava a correção das faltas uns dos outros, permitindo
as suas correções. Com isso, a moral epicurista é baseada na
propagação de suas ações, pois ele não se restringiu apenas ao
sentimento e ao prazer como normas de moralidade, mas foi muito
além de sua própria teoria, sendo o exemplo vivo da doutrina que
proferia.

Clóvis de Barros Filho


Clóvis de Barros Filho nasceu em Ribeirão Preto, São Paulo, no
dia 21 de outubro de 1966. É Bacharel em Jornalismo pela
Faculdade de Comunicação Social Gasper Líbero (1985),
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (1986),
Mestre em Science Politique pela Université de Paris III
(Sorbonne-Nouvelle) (1990) e Doutor em Ciências da
Comunicação pela Universidade de São Paulo (2002).
Clóvis de Barros Filho obteve, em 2007, a Livre-Docência pela
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo,
onde é professor titular de Ética. É professor de Filosofia
Corporativa da HSM Educação desde 2013. Foi um dos
fundadores da Escola Pessimista de Peruíbe. É Pesquisador e
Consultor de Ética da UNESCO. É pesquisador e Conferencista
pelo Espaço Ética. É colunista de Ética da Revista Filosófica
Ciência & Vida.
Clóvis de Barros Filho é coautor do livro “A Vida Que Vale a
Pena Ser Vivida” (em parceria com Arthur Meucci), “Somos
Todos Canalhas” (em parceria com Júlio Pompeu), “Ética na
Comunicação”, “A Filosofia Explica as Grandes Questões da
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Humanidade”, “Teorias da Comunicação em Jornalismo –


Reflexões Sobre a Mídia”, entre outros.

Leitura complementar: “De Mário de Andrade e de Epicuro: uma ...”


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