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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

A LIBERDADE COMO FUNDAMENTO FÍSICO PARA A AÇÃO AUTÁRQUICA NA


FILOSOFIA DE EPICURO

RENATO DOS SANTOS BARBOSA

NATAL - RN
2011
RENATO DOS SANTOS BARBOSA

A LIBERDADE COMO FUNDAMENTO FÍSICO PARA A AÇÃO AUTÁRQUICA NA


FILOSOFIA DE EPICURO

Trabalho de conclusão do curso de


Bacharelado em Filosofia apresentado à
banca examinadora da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.

Orientador(a): Profa. Dra. Fernanda


Machado de Bulhões.

NATAL - RN
2011
RENATO DOS SANTOS BARBOSA

A LIBERDADE COMO FUNDAMENTO FÍSICO PARA A AÇÃO AUTÁRQUICA NA


FILOSOFIA DE EPICURO

Monografia aprovada em ____/____/____ para obtenção do título de Bacharel em


Filosofia.

Banca Examinadora:

__________________________________________________
Orientador(a) Profa. Dra. Fernanda Machado e Bulhões

__________________________________________________
Prof. Dr. Markus Figueira da Silva

__________________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Ribeiro Alves Neto
RESUMO

Este trabalho abordará a questão da liberdade no âmbito da filosofia de Epicuro de


Samos (341-270 a.C.). Será demonstrado, através da exposição dos métodos para
consecução do conhecimento estabelecidos por Epicuro, o caminho seguido por ele
até a afirmação da autarquia (autárkeia). A autarquia aqui apresentada não tem o
caráter libertarista de ser capacidade para agir sem determinações, antes, Epicuro
acreditava que toda ação é determinada. Até mesmo a ação autárquica tem a
peculiaridade de ser determinada pelo seu próprio autor. A afirmação da autarquia,
porém, não dispensa uma investigação daquilo que permite que uma ação seja
autodeterminada pelo agente. Desse modo, na busca pelo fundamento da ação
autárquica, a liberdade se encontrará fisicamente expressa na capacidade do
homem regular sua conduta pelo seu poder de cálculo racional (logismós).

Palavras-chave: Liberdade, Autarquia, Ação, Epicuro.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 5

1. AUTARQUIA: O AGIR POR SI E SEU CONHECIMENTO. ........................... 9

1.1 Pressupostos canônicos ......................................................................... 10

1.2 Par’hemás e Par’hemín ........................................................................... 14

2. A TESSITURA DA AÇÃO ............................................................................ 18

2.1 A phýsis da alma ..................................................................................... 19

2.2 As causas de toda ação .......................................................................... 22

2.3 O significado epicurista da autárkeia ...................................................... 25

3. A LIBERDADE ............................................................................................. 28

3.1 A liberdade e o engano indeterminista .................................................... 29

3.2 As motivações de Epicuro ....................................................................... 31

3.3 O fundamento físico da autarquia ........................................................... 34

CONCLUSÃO .................................................................................................. 38

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 40


5

INTRODUÇÃO

No presente trabalho abordaremos a interpretação de Epicuro de Samos


(341-270 a.C.) acerca da liberdade. Desde longa data os homens se questionam
acerca da extensão de sua liberdade. Sabemos que não está em nossas mãos o
que aconteceu no passado, mas cremos que podemos alterar o presente e o curso
de nossa futura ação. Mas será que somos realmente livres quando optamos por um
curso de ação em detrimento de outro possível? É esse, em linhas gerais, o que a
tradição filosófica chamou de problema da liberdade. Esse problema básico inicial se
ramificou em duas correntes de pensamento opostas: o libertarismo e o
determinismo. O libertarista se caracteriza por afirmar a completa ausência de
determinações na ação do homem, de modo que um caminho preterido poderia ter
sido escolhido mesmo permanecendo as mesmas condições externas. O defensor
do determinismo, por outro lado, se caracteriza por afirmar que toda ação é
determinada, sendo apenas mais um fator no grande encadeamento causal do
universo, e, consequentemente, negando que os homens sejam livres. Epicuro,
tradicionalmente, é situado entre os filósofos libertaristas, mas esse enquadramento
pode ser inexato. Pois não existem elementos nos textos remanescentes de Epicuro
que justifiquem o seu enquadramento entre os libertaristas, embora, sem dúvida, ele
tenha defendido a capacidade do homem agir livremente.
O grande responsável por essa atribuição de libertarismo à Epicuro foi o seu
discípulo T. Lucrécio Caro (99 -55 a.C.) e sua apresentação da teoria do Clínamen
(desvio)1, dizendo que os átomos declinavam ou desviavam um pouco de seu
caminho em queda livre. Isso significava um componente de aleatoriedade na
natureza e abria a possibilidade para ações livres e desvinculadas da necessidade.
Porém, não encontramos nenhuma referência nos textos de Epicuro a esses desvios
dos átomos. Por isso, pretendemos encontrar a solução epicúria do problema da
liberdade sem, no entanto, nos valermos do artifício de Lucrécio. Nós optamos pelos
argumentos que defendem que Epicuro não é o autor dessa doutrina, e que, além
disso, a doutrina do desvio atômico, tal como é interpretada, destoa do conjunto de

1
Lucr. 2. 216-224
6

doutrinas sabidamente epicúrias. Mas, à parte isso, Lucrécio nos deu uma
contribuição importante para o entendimento da liberdade epicurista: ela não se
encontra em outro lugar senão na phýsis (natureza). Porém, a liberdade não é algo
evidente e, por isso devemos, antes de tudo, pensar a ação humana sublinhando a
ação autárquica como indicadora da liberdade. Como o nome diz, autarquia se
refere a um tipo de ação ou comportamento que é originado no próprio homem e
está ligado à liberdade por implicar em uma quebra, em algum momento, da cadeia
causal determinística2. Assim, o que nos motiva é desenvolver uma interpretação
dos escritos de Epicuro que privilegie suas posições a respeito da liberdade, na
tentativa de encontrar o lugar e o momento em que essa liberdade epicurista se
mostra.
Não intentamos aqui nos deter em contextualizações históricas nem em
informações que não contribuirão para o esclarecimento do problema proposto.
Sabemos da necessidade de apresentar uma visão geral da filosofia de Epicuro (e
ainda mais de um filósofo tão pouco conhecido), porém consideramos que um
alongamento nesses pontos pudesse prejudicar a clareza e objetividade do trabalho.
Portanto, exporemos uma visão de conjunto do epicurismo imiscuído em meio à
apresentação e discussão do problema. Sobretudo dependemos de uma
apresentação das doutrinas elementares ou dos princípios canônicos de Epicuro,
dos quais a abordagem é crucial para a compreensão da ação autárquica e, em
última instância, da liberdade.
Podemos seguramente afirmar a crença de Epicuro nas capacidades
cognitivas do homem na descoberta do mundo, apesar dos céticos e apesar de sua
total consciência dos limites do conhecimento humano. Por isso o motivo de seu
esforço em fundamentar todo seu conhecimento em bases seguras. Seu esforço
para distinguir conhecimentos diretamente observáveis e os indiretamente
observáveis. E, neste caso, seu esforço para mostrar a possibilidade de existência
de uma ação autárquica que não vemos nem sentimos com qualquer outro sentido.
Isso tudo se faz necessário devido ao postulado epicurista que coloca na sensação

2
Como afirma Silva (2003, p.86) “Literalmente, autárqueia é uma qualidade de quem se basta a si
mesmo, e isto só é possível quando sua ação tem o princípio nele mesmo, ou ainda quando a causa
da ação esteja nele mesmo”.
7

o critério para toda afirmação sobre o mundo, dizendo: “[...] devemos compatibilizar
todas as nossas investigações com nossas sensações” (Dioge. Laert. 10.38).
Seguindo o modelo da carta a Heródoto3 iniciaremos com o exame dos
chamados princípios canônicos de Epicuro. Através desse exame observaremos
como o filósofo de Samos pode fundamentar sua crença na ação autárquica.
Sustentaremos que os mesmos princípios utilizados na investigação da natureza
figuram também no estudo da ética. Para isso analisaremos as expressões
par’hemás (o que nos cabe) e par’hemim (próximo de nós), usadas no contexto ético
e no contexto da physiología (estudo da natureza) respectivamente, as quais, por
suas semelhanças semânticas (mais evidentes no original), indicam a estreiteza da
relação entre a ética e a investigação da natureza.
Num segundo momento extrairemos dos fragmentos do Peri physeos4 (Sobre
a Natureza) indícios sobre a compreensão epicúria da ação humana. Certamente
precisamos entender a posição de Epicuro sobre a ação do homem antes de
podermos nos posicionar interpretativamente sobre o verdadeiro âmbito da liberdade
humana no epicurismo. E ainda, que a compreensão da autarquia é essencial para,
por sua vez, compreender a liberdade, pois uma ação autárquica aponta para uma
instância em que o homem se revela livre. Queremos deixar claro que, ao contrário
da maioria das interpretações dos textos de Epicuro, a liberdade não pode ser
confundida com o acaso, pois cometer uma ação aleatória não nos faz mais livres.
Ademais, a liberdade não reside na ação, mas em uma instância anterior.
A liberdade não é um tema que se estuda isoladamente no epicurismo, antes,
está relacionada com pressupostos canônicos, cosmológicos e principalmente
éticos. Podemos dizer que tudo começa com uma observação pragmática: somos
punidos e recompensados. Essa observação implica na negação da teoria
democrítica da necessidade, pois se tudo ocorresse por necessidade não
poderíamos ser responsabilizados por nossas ações, o mesmo se seguindo com
relação ao acaso. Assim, os homens são encarados por Epicuro como tendo em si a
causa de suas ações, ou seja, como seres autárquicos, sendo justamente

3
Cf. Diog. Laert. 10.38
4
Obra de Epicuro que segundo Diógenes Laércio era composta por 37 livros, da qual temos
disponíveis apenas fragmentos encontrados na Villa dei papire na cidade italiana de Herculano. Cf.
Dioge.Laert.10.30
8

recompensados ou punidos por seus atos. Isso não significa que agimos
autarquicamente o tempo todo e em todos os tipos de ações, mas que existem
ações que são totalmente originadas no próprio homem. Resta-nos descobrir como
elas se dão, pois a resposta para isso revelará o lugar e o momento em que somos
livres segundo o pensamento do filósofo do jardim.
9

1. AUTARQUIA: O AGIR POR SI E SEU CONHECIMENTO.

No caminho até a compreensão da liberdade epicúria nós passaremos pela


compreensão da autarquia (autárkeia) e pela exposição dos critérios de
conhecimento estabelecidos por Epicuro, através dos quais se torna possível
conhecer com segurança os testemunhos da natureza e, inclusive, a própria ação
autárquica. Podemos definir esta, brevemente, como uma ação que não excede o
domínio de seu agente, mas que dele procede como origem. Nossa preocupação (e
supomos que a de Epicuro também) não é com a liberdade em seu sentido
estritamente político, mas com uma dimensão mais fundamental e ampla da
liberdade, que perpassa considerações metafísicas, cosmológicas e éticas. Nessa
conjuntura, a autarquia se coloca numa posição privilegiada para o entendimento da
liberdade, pois ela implica e aponta para uma instância anterior em que o homem
quebra a cadeia causal determinística e se torna livre e que, por outro lado,
submete-se em sua concretude a uma apreciação ética.
Iniciaremos desde já com uma abordagem da autarquia voltada para a sua
justificação perante seus opositores que negam a possibilidade de existência de
uma ação que seja originada nos limites do próprio homem. Para justificar a ação
autárquica Epicuro se valerá de pressupostos que explicam uniformemente as
possibilidades de conhecimento de algo e que delimitam ao mesmo tempo em que
asseguram o âmbito de conhecimento do homem. Porém o “método do saber” de
Epicuro (ou sua Canônica) não deve ser entendido à maneira de uma teoria do
conhecimento que se mostra distinta do processo de investigação da natureza, pois
esse método se desenvolveu junto da investigação natural, dele se originou. Isso
explica o comentário de Diógenes Laércio acerca do costume dos epicuristas de unir
a canônica à física, embora fosse de praxe dividir a filosofia em três partes:
canônica, física e ética.5
Ocupar-nos-emos, então, da tarefa de responder, segundo os parâmetros da
filosofia epicúria, à pergunta: como podemos estar certos da efetiva existência de

5
Cf. Dioge. Laert. 10.29-30
10

ações autárquicas? Sabendo de antemão que esta resposta, baseada nos princípios
canônicos, envolverá questões éticas e cosmológicas.

1.1 Pressupostos canônicos

Para Epicuro, toda teoria deve ser fundamentada nas sensações. A palavra
grega equivalente a sensação é aísthesis, que designa toda percepção verdadeira e
que é fonte de todo conteúdo racional. Ao contrário de Demócrito que, segundo o
testemunho de Sexto Empírico6, teria reduzido o âmbito da sensação ao nível da
mera opinião (dóxa), Epicuro, por outro lado, defende que “a única fonte de
conhecimento é a sensação” (PESCE, 1974, p. 21). Esta não seria apenas o filho
bastardo7 do conhecimento, mas o aferidor de medida de todo conhecer. “Nem
mesmo a razão (lógos)”, comenta Diógenes Laércio, “pode contradizer uma
sensação, pois a razão depende dela totalmente” (Dioge. Laert. 10. 32.4). Porém,
isso não significa uma desvalorização do conhecimento de natureza racional,
significa apenas que o fundamento do conhecimento racional reside na sensação.
“Pois todas as nossas noções derivam da sensação, seja por incidência, analogia,
semelhança ou por união” (Dioge. Laert. 10. 32.10). Deste modo, a sensação é
posta como um critério de verdade ao lado das antecipações, das afecções e dos
saltos imaginativos do pensamento8. Destes, é importante destacar a chamada
antecipação (prolépsis), que é “uma espécie de cognição ou apreensão imediata do
real”, e ainda, “a memorização de um objeto externo que apareceu frequentemente”
(Dioge. Laert. 10. 33). Trata-se, pois, da capacidade do homem para reter em sua
alma experiências de outrora que podem ser rapidamente recuperadas a cada
momento em que um estímulo o afete. Isso explica o poder do homem de prescindir
de objetos presentes para poder referi-los, pois ele pode evocar e provocar a todo o
momento impressões na alma de seus interlocutores. Isso também significa que
podemos trazer à tona sensações que tivemos em momentos passados, como de
prazer e dor, ou reconhecer à distância objetos pouco visíveis sem que precisemos a
6
Cf. Sext. Emp. Math. 07.135
7
Cf. CONCHE, 1977, p.15
8
Cf. Dioge. Laert. 10.31
11

todo o momento de confirmação sensorial. O critério da antecipação de forma


alguma se choca com o critério da sensação, longe disso, a fonte primordial e
originária sempre esteve, em todos os casos, na sensação.
Obviamente, Epicuro não desconsiderou que muito do que opinamos não tem
suas origens sensoriais tão claras, nem poderia ter se esquecido das longas críticas
da tradição filosófica à falta de segurança do conhecimento sensível. Por isso ele
elabora o método da “espera de confirmação” em que se introduz a quadra:
confirmação, não-confirmação; contradição, não-contradição. A sensação tida como
sempre verdadeira é algo de que não só hoje suspeitamos instintivamente, tanto que
Epicuro teve que explicar-se no que tange a verdade ou falsidade da sensação.
Sexto Empírico9 explica que se não julgamos falso um som ouvido ao longe e sobre
o qual não podemos distinguir claramente, do mesmo modo não poderíamos dizer
que a visão ou qualquer outro sentido nos engana, mas que é nossa opinião (dóxa),
elaborada no momento da sensação, que nos ludibria. Partindo desse princípio,
Epicuro se utiliza do método da “espera de confirmação”10, o qual diz que os dados
sensoriais não imediatamente evidentes não devem ser submetidos a elaboração de
uma opinião até que se tenha dados sensoriais suficientes para se ter uma opinião
clara. Pois se isso não for observado o erro sobrevirá à nossa opinião ou julgamento.
Doutra parte, na formulação das teorias sobre os chamados imperceptíveis (ádelon),
como não temos como esperar por confirmação sensível alguma, devemos nos
contentar com a não-contradição das teorias com respeito aos fenômenos evidentes.
Por várias vezes, sobretudo na Carta a Pítocles, Epicuro repete a fórmula: “e isso
não é contraditado pelos sentidos”, com o intuito de mostrar que sua especulação
sobre dado fenômeno tem suas raízes na sensação e dela depende, mesmo que o
evento investigado não seja apreciado diretamente. Assim, estaremos certos quanto
a nossa opinião sempre que ela for confirmada ou não-contraditada pelos
fenômenos apreendidos imediata e evidentemente. Deste modo explica Diógenes
Laércio:

[...] a opinião é verdadeira se a evidência dos sentidos a confirma ou


não a contradiz; é falsa se a evidência dos sentidos não a confirma ou

9
Sext. Emp. Math. 07.208
10
Dioge. Laert. 10.50
12

a contradiz. Por isso eles (os epicuristas) introduziram a frase “aquilo


que espera confirmação”, como quando estamos na expectativa e nos
aproximamos da torre e percebemos como ela é de perto. (Dioge.
Laert. 10. 34).

Para nossos propósitos imediatos nos interessa prioritariamente o modelo de


argumento usado na demonstração da existência do vazio, ou seja, na
demonstração de um imperceptível11. O argumento da existência do vazio,
provavelmente posto pela primeira vez por Leucipo12, é uma prova indireta que pode
ser apresentado desta maneira:

1. Se não existe o vazio, então não existe movimento


2. É falso que não existe movimento
3. Logo, é falso que não existe vazio

Antes de se utilizar desse argumento13 Epicuro afirma: “[...] é nos sentidos que
a razão deve basear-se quando tenta inferir o desconhecido partindo do conhecido”
(Dioge. Laert. 10. 39), assim, a sensação sempre permanece no lastro de toda
opinião ou teoria que se quer emancipada da sensação, até mesmo o vazio que
parece escapar ao poder de nossos sentidos deve sua compreensão à evidência
sensível do movimento, pois este último contradiz a teoria da inexistência do vazio.
Ou seja, indiretamente, com a contribuição de um cálculo racional, podemos estar
certos sobre a existência de um imperceptível. Servindo-se desse modelo, Epicuro
demonstra, desta vez mais sutilmente, que a ação autárquica – ou a ação que tem
sua causa em seu próprio autor e não em outro ou fora dele – existe efetivamente e
pode ser conhecida, não por ela mesma, mas por via de um fenômeno evidente. O
filósofo do jardim acusaria seus antecessores atomistas de desconsiderar um
fenômeno evidente em suas teorias14 sobre o todo: existem punições, admoestações

11
Isso nos dará elementos para fundamentar a demonstração da ação autárquica, posto que, como o
vazio e os fenômenos celestes, a ação autárquica também é um imperceptível.
12
Cf. Arist. Gen. Corr. 1. 8. 325a25
13
“Se aquilo que chamamos vazio ou espaço, ou aquilo que por natureza é intangível, não tivesse
uma existência real, nada haveria em que os corpos pudessem estar, e nada através de que eles
pudessem mover-se, como parecem que se movem.” (Dioge. Laert. 10. 40)
14
Da mesma forma que no argumento do vazio, é interessante notar, a ação autárquica também não
é algo que está de todo afastado de nossas percepções. Pois sabemos quando algo está ausente e
dizemos: está vazio. Bem como, dizemos: fulano cometeu tal e tal ação. Porém, teorias complexas
13

e elogios. Essa desconsideração gerou uma teoria que estendeu a necessidade


(anánke)15 até o âmbito de ação dos homens, privando-os de agir autarquicamente
e, se levada às últimas conseqüências, desautorizando a censura, a admoestação, a
punição e o elogio, encarados como puras convenções ilusórias dos homens.
Entretanto para Epicuro,

[...] é evidente que a necessidade gera a irresponsabilidade e que o


acaso é inconstante, e as coisas que dependem de nós são livremente
escolhidas e são naturalmente acompanhadas de censura e louvor
(Dioge. Laert. 10. 133).16

Encontramos nessa passagem, de forma implícita, a mesma forma do


argumento que prova a existência do vazio, pois:

i. Se não existe ação autárquica, então não existe censura e louvor


ii. É falso que não existe censura e louvor
iii. Logo, é falso que não existe ação autárquica

O que designamos com a frase “não existe ação autárquica” em (i) e (iii)
resume a expressão: a necessidade se estende até o âmbito da ação humana e
produz ações irresponsáveis. Pois como definimos na introdução, a autarquia se
caracteriza por ações ou comportamentos que tem suas origens no domínio do
próprio homem, de modo que a ação autárquica não pode ser cometida em um
mundo em que a necessidade domine sobre todas as ações dos homens 17. Para se
contrapor a teoria da necessidade, Epicuro não assume simplesmente a existência
de ações autárquicas, mas, através da prova indireta, demonstra sua existência.
Pois partindo da evidência da censura e do louvor, as quais não poderiam existir se
não houvesse também ações autárquicas, Epicuro afirma forçosamente a existência
de tais ações. Como diz Bobzien, “o conceito de censura pressupõe que os seres

foram elaboradas ao ponto de se duvidar e até se negar a existência do vazio e da ação autárquica.
Portanto, foi necessária ao filósofo de Samos a apresentação e demonstração dos argumentos.
15
Diógenes Laércio, quando expõe as opiniões de Demócrito, escreve: tudo acontece por força da
necessidade (Dioge. Laert. 09.45).
16
Tradução do Gama Kury que em parte discordamos e sobre a qual discutiremos em breve.
17
Nem, por outro lado, que o acaso intervenha nas ações dos homens, fazendo-os produzir ações
randômicas, sobre as quais não pode haver o domínio do homem.
14

que são censurados são eles mesmos responsáveis por suas ações” (BURKHARD
(Org.), 2006, p. 208).
Por trás das palavras censura (memptón) e seu oposto (enantíon), referindo-
se ao elogio na passagem 133, podemos observar a preocupação do filósofo com a
responsabilidade dos homens para com suas ações. Epicuro se preocupa
gravemente com as teorias de sua época que esquecem o homem e seu agir, seus
costumes e comportamentos, enfim, seu éthos, suprimindo o homem de seu lugar na
explicação do todo. Tais teorias, como a democrítica, devem ser rejeitadas em
detrimento de uma investigação real dos modos em que a natureza se realiza. Existe
o acaso, existe a necessidade, mas, sobretudo, existe o âmbito de ação do homem,
que se identifica com a expressão par’hemás: aquilo que nos cabe ou nos concerne.

1.2 Par’hemás e Par’hemín

A expressão par’hemás tem sido submetida a diversas traduções, mas que de


modo geral ou são influenciadas por uma tendência libertarista ou simplesmente não
dão conta do significado da expressão. Esta tem sido entendida como indício de
uma abordagem epicúria sobre a liberdade da vontade ou escolha,18 porém cremos
que esta posição não se coaduna com o conjunto das doutrinas de Epicuro, antes,
delas se afastam para introduzir, anacronicamente, idéias que não estavam
presentes nos ensinamentos do filósofo. Sobre isso, mais a frente teremos
oportunidades para comentar. Por ora, basta dizer que discordamos da interpretação
libertarista – segundo o modelo tradicional – que é feita sobre o pensamento de
Epicuro e que se evidencia em traduções tendenciosas. Das traduções que
dispomos, a que consideramos mais acertada é a do filósofo e filólogo francês J.
Bollack que traduz par’hemás por “Ce qui tient à nous”19 (o que nos concerne). Ao
contrário da tradução do G. Kury por “dependem de nós” que aponta para uma
escolha livre, isto é, que o fazer ou não fazer algo “depende de nós”, a tradução por

18
Cf. BOBZIEN, 2000, p. 293
19
Cf. BOLLACK, 1975, p. 81
15

“o que nos concerne” indica apenas o espaço natural destinado ao homem na


efetivação da Physis (natureza).
Por conseguinte, as coisas não acontecem apenas através do mesmo
encadeamento causal que originou os mundos, nem apenas por acasos irrefletidos,
nem apenas por esses dois modos, pois eles não explicam porque os pais
repreendem seus filhos, nem porque o homem virtuoso é elogiado. Se tudo
ocorresse por força da necessidade, como pensava Demócrito, então isso tudo não
faria sentido, porque não adiantaria lutar contra a necessidade ou atribuir a causa de
um fato a alguém que é mero fantoche da necessidade e do acaso. Entretanto, para
Epicuro, isso só mostra que há um lugar natural para o homem como causa (aitía), e
esse âmbito de atuação é designado pela expressão par’hemás. Tal expressão
aparece na já citada passagem 133 da Carta a Meneceu, delimitando a atuação da
necessidade e do acaso. Pois o homem muitas vezes tem em si mesmo a causa de
suas ações, e sabemos disso pela evidência da reprovação e do elogio. Como já
dissemos, a ação autárquica é demonstrada segundo o modelo do argumento que
prova a existência do vazio, ou seja, é uma prova indireta. Por via de um exame de
passagens dos escritos de Epicuro que se referem a explicações de fenômenos que
não podem ser observados diretamente, notamos a incidência recorrente de uma
expressão bastante semelhante à par’hemás que aparece em passagens como: 88,
94, 95, 97 da Carta a Pítocles. Tratamos aqui da expressão par’hemín que é
utilizada no âmbito da investigação da natureza como segue abaixo:

Devemos então observar o modo de manifestar-se de cada um


deles e discernir nos fatos concomitantes aquilo cuja formação
de modo múltiplo não é contraditada pelos fenômenos
ocorrentes no âmbito de nossos sentidos (par’hemín) [...]
(Dioge. Laert. 10. 88)20

Nessa passagem aquilo que G. Kury traduziu como “no âmbito de nossos
sentidos” pode simplesmente, e de maneira muito mais elegante, ser traduzido
apenas como próximo de nós (par’hemín), que aqui surge como critério para a
explicação de eventos ou fatos naturais imperceptíveis aos homens ou que estão
longe do alcance dos sentidos. De modo que tudo aquilo que pode ser submetido à

20
Grifo nosso.
16

confirmação sensorial pode servir de ponto de partida para, através de analogias,


chegar a uma possível explicação do evento físico investigado. Portanto, par’hemín
se relaciona com as evidências sensoriais que servem de suporte para as teorias
sobre os imperceptíveis, isto é, a expressão indica tudo aquilo que nos rodeia, que
está próximo de nós, e, sobretudo, que podemos falar com segurança. As duas
expressões - par’hemás e par’hemín - guardam inegáveis semelhanças, pois
ambas são formadas por dois termos, dos quais o primeiro é uma partícula invariável
e que, portanto, é idêntico nas duas: pará. Este significa, dentre outras coisas,
próximo, ao lado, além de uma utilização semelhante ao chez do francês, indicando
algo como na casa de. Ademais, ambas referem a primeira pessoa do plural, a
diferença é que uma está no acusativo e a outra no dativo 21, a saber,
respectivamente, hemás e hemín.
Portanto, o par’hemás, assim como o par’hemín, indica algo que está próximo
de nós, indica uma evidência: as punições e elogios. Por sua vez, essa primeira
evidência gera uma segunda: nós somos a causa de muitas de nossas ações, isto é,
somos seres autárquicos, ou ainda, a “necessidade gera a irresponsabilidade e o
acaso é inconstante” (Dioge. Laert. 10. 133). Assim, nossa suposição de que o
argumento que demonstra a autarquia segue o modelo dos argumentos sobre os
imperceptíveis se reforça pelo exame dessas expressões. Embora pareça que
estamos dando mais de um significado a expressão par’hemás, na verdade só há
um significado, pois quando nos referimos ao que nos concerne estamos falando de
algo que está sob o nosso alcance e com o qual podemos interagir e, inclusive, com
o que é próprio do ser humano, aquilo que lhe é natural, como por exemplo, os atos
de admoestar, punir e elogiar. Assim, Epicuro se vale da expressão par’hemás para
abarcar o comportamento do homem que se mostra distinto das outras formas de
realização da natureza, o qual se caracteriza, sobretudo, por ser adéspotos, isto é,
por ser sem senhor.
Desse modo, podemos observar como é possível, na filosofia de Epicuro, o
conhecimento da ação autárquica, pois que, do mesmo modo que no conhecimento
dos imperceptíveis, uma ação autárquica se conhece por meio da operação de
analogias com o nível do sensível e do atestável. A seguir veremos as passagens

21
Cf. MURACHCO, 2007, p. 164 e 592-594
17

dos textos de Epicuro que explicitam os fatores envolvidos na ação do homem,


registrando os modos pelos quais uma ação pode ser cometida e destacando qual
delas pode ser qualificada como uma ação autárquica ou que tem seus princípios no
domínio do homem enquanto autor de ações passíveis de apreciação moral.
18

2. A TESSITURA DA AÇÃO

Desta feita trataremos a ação de modo geral, observando o modo como


Epicuro a estrutura, seus motivadores e princípios. Esse exame possibilitará uma
apreciação mais clara de uma ação que tem seus princípios no próprio homem.
Nesse intento de investigar a maneira pela qual Epicuro pensa a ação humana não
podemos ignorar suas peculiares considerações sobre a natureza da alma (tês
psychês phýsis). Dela partimos para considerar os modos pelos quais uma ação é
efetuada, pois sabemos que toda ação é, impreterivelmente, condicionada por um
movimento anímico. Seria bastante arriscado utilizar o termo psiché sem delimitar o
sentido específico em que ele é utilizado no atomismo epicurista. Nem de longe se
trata de uma substância “espiritual” que se contrapõem ao que é corpóreo, antes,
como veremos, a alma se compõe de átomos e vazio, assim como o próprio corpo-
carne22 (sárx) em que ela “habita”.
Após as considerações sobre a alma humana trabalharemos a compreensão
da ação em geral, sua estrutura, ordem causal, os fatores envolvidos e os modos
pelos quais uma ação pode ser cometida. Por último, faremos uma exposição acerca
da compreensão da autárkeia na filosofia epicúria, mostrando que a maneira pela
qual nós a temos apresentado até aqui não difere da maneira com que Epicuro a
utilizou em seus textos.
A Carta a Heródoto e o Peri Phýseos (Sobre a Natureza) serão fontes
primordiais para a nossa discussão. A primeira delas consta integralmente nas Vidas
e Doutrinas dos Filósofos Ilustres de Diógenes Laércio, porém não dispomos da
segunda integralmente, mas apenas de fragmentos encontrados na Villa dei Papiri
na cidade italiana de Herculano. Para esta, utilizaremos a edição do Opere di
Epicuro de Margherita Isnardi Parente23 e das partes traduzidas por A. Long e por D.
Sedley no livro The Hellenistic Philosophers24.
Iniciaremos com a abordagem acerca da natureza da alma do homem: de que
é formada, suas características, em que difere do corpo-carne, suas competências e

22
Cf. SILVA, 1998, p.61
23
PARENTE, 1974
24
LONG, A. A. & SEDLEY, 1987
19

funções. Sempre buscando compreender especificamente sua atuação na produção


das ações.

2.1 A phýsis da alma

No atomismo antigo a alma não configura uma exceção ao princípio que diz:
“o todo é constituído de átomos e vazio” (Dioge. Laert. 10.39). Resta, assim, duas
opções, ou a alma é composta de átomos, e por isso é um agregado corpóreo, ou a
alma é desprovida de átomos, e, portanto, nada além que vazio. Porém, se este
último caso for verdadeiro, a alma perderá todas as características que normalmente
atribuímos a ela, pois “o vazio não é ativo nem passivo, mas simplesmente permite
aos corpos o movimento através de si mesmo” (Dioge. Laert 10. 67). Desse modo,
não poderíamos explicar porque um corpo morto e um corpo vivo são radicalmente
diferentes um do outro, pois se a alma fosse uma pura ausência de corpos ficaria
inexplicável a distinção clara que percebemos entre um defunto e um homem vivo.
Por isso, diz Epicuro: “Se fosse assim a alma não seria nem ativa nem passiva,
porém é evidente que a alma possui ambas essas qualidades” (Dioge. Laert. 10. 67.
7). Logo, a alma é corpo e, além disso, é ativa e passiva, ou seja, ela afeta os corpos
em geral e, por outro lado, destes também recebe estímulos. Entretanto, os átomos
que a compõem são distintos dos átomos dos corpos-coisas25, porquanto são sutis
(leptomerés) e mais rápidos, e por isso a alma é um agregado corpóreo que não se
dá a percepção. Para sustentar essa afirmação “os Epicuristas, raciocinam por
analogia: no mundo de nossa experiência, os corpos grandes, pesados e rugosos
têm menos facilidade de se mover [...] que os corpos pequenos e redondos”
(CONCHE, 1977, p. 57). Nessas idéias estão inclusas os princípios que regem a
possibilidade e impossibilidade do conhecimento de algo, assim como foi tratado no
capítulo 1. Quando Epicuro assemelha certos aspectos da alma a um sopro, outros
ao calor26 e caracteriza os átomos anímicos, ele está se valendo de seus princípios
canônicos para falar de algo que é imperceptível, pois

25
Utilizamos essa forma para nos referir aos corpos de maneira geral e para diferenciar dos casos
particulares de corpo enquanto alma e enquanto carne.
26
Dioge. Laert. 10.63
20

[...] as imagens discursivas de Epicuro procuram ser conforme


os modos como os fenômenos ocorrem na natureza, isso
porque ele opera analogias entre o nível sensível e o nível
microscópico, invisível, onde situamos a alma e sua
composição atômica sutil (SILVA, 2003, p. 63).

Desse modo, Epicuro caracteriza a alma a partir da comparação entre o corpo


morto e o corpo vivo. Tudo aquilo que falta ao corpo morto é de competência da
alma. Diz ele: “tudo isso é evidenciado pelas faculdades da alma e pelos
sentimentos, e pela mobilidade da mente e pelos pensamentos e por tudo aquilo
cuja perda causa morte” (Dioge. Laert. 10. 63). Ou seja, os sentimentos,
pensamentos, o movimento e a facilidade com que ele se dá, isto é, a rapidez do
pensamento e das transformações das afecções em sensações, justifica a atribuição
de átomos diferenciados, rápidos, que, para serem tais, precisam ser sutis, lisos,
arredondados27.
Precisamos fazer aqui uma ressalva: apenas discursivamente separamos
alma e corpo-carne. Pois quando se efetiva o fenômeno da sensação ou do
pensamento, do movimento ou da ação, só existe o ser humano como um todo, um
agregado de átomos cujas funções se diferenciam. Bem como ao dividir a alma em
partes, como veremos abaixo, estamos falando apenas de diferentes propriedades
de um mesmo corpo, como diz Lucrécio: “de todas essas qualidades se faz somente
um corpo.” (Lucr. 3. 270) Entretanto, efetuar uma análise, com fim explicativo,
afirmando as diferenças e semelhanças da alma e do corpo-carne não se torna
inadequado ao pensamento epicurista, uma vez que Lucrécio e o próprio Epicuro,
com o fim explicativo já assinalado, distinguiram a alma do corpo-carne,28 assim
como, a alma irracional da alma racional.
Diógenes Laércio, conseguintemente, nos informa que Epicuro falava de uma
parte irracional (álogon) da alma que é “esparsa por todo o resto do corpo” e de uma
parte racional (logikón) que “reside no peito” (Dioge. Laert. 10.66)29. A parte esparsa
através do corpo recebe junto ao corpo-carne as afecções e remete-as a parte
racional que as transformará em sensações, isto é, as afecções provindas do

27
Cf. Lucr. 3.240 e Dioge. Laert. 10.66
28
Cf. Dioge. Laert. 10.64 e Lucr. 3. 245
29
Há uma extensa discussão quanto aos elementos da alma, dos quais Epicuro enumera três: o
sopro, o calor e o elemento sem nome. Aos quais, Lucrécio acrescenta mais um: o ar. Para essa
discussão Cf. SILVA, 2003, p. 64-71.
21

exterior serão comunicadas aos órgãos do corpo já decodificadas pela parte


racional, podendo produzir, de modo geral, dor ou prazer.30

De fato, o corpo não possuía em si mesmo tal faculdade, que


lhe era suprida por alguma outra coisa, congenitamente afim a
ele, ou seja, a alma, que com a realização de sua
potencialidade determinada pelo movimento, produz
imediatamente por si mesma a faculdade da sensação e torna
participante o organismo, ao qual, como já dissemos, está
ligada por uma estreita relação de vizinhança e consenso.
(Dioge. Laert. 10. 64)

O corpo-carne, portanto, funcionalmente, no tocante a sensação, configura


apenas o invólucro da alma, recebendo do exterior as afecções sem, contudo, refletir
sobre elas, apenas servindo de “encaixe” para as afecções específicas a cada órgão
sensorial respectivo.31 Essas afecções nos vêem sob a forma de imagens ou
simulacros (éidolon), que nada mais são que agregados de átomos que se
desprendem dos corpos compostos, guardando com estes uma estrita
semelhança32.
Semelhantemente, assim como uma sensação é produzida através dos
simulacros que nos afetam, sendo recebidos primeiro pelo corpo-carne, rapidamente
passando para a alma irracional, para, por sua vez, ser conduzida à parte racional e,
em seguida, remetidas para o corpo na forma de sensação; da mesma forma,
podemos dizer, explica-se a estrutura da ação de modo geral. Em sua obra Sobre a
Natureza (Peri Physeos), em uma seção em que Epicuro dá um tratamento mais
técnico e específico à questão da ação humana, ele diz que “a nossa ação se
verifica em parte pelo sobrevir dos simulacros do exterior” (PARENTE, 1974, p. 251).
Ou seja, a influência da percepção do meio ambiente, como veremos, é parte
integrante na feitura de certas ações, e esse tipo de ação é estruturado da mesma
maneira que a sensação, passando do corpo-carne à alma, da alma ao corpo-carne.

30
Cf. Lucr. 3.250 e SILVA, 2003, p. 62
31
Cf. Dioge. Laert. 10.53
32
Cf. Dioge. Laert. 10.46
22

2.2 As causas de toda ação

Os fatores envolvidos no comportamento humano – ou na ação do homem


em geral – são três, de acordo com as considerações de Epicuro no Peri Physeos
(Sobre a Natureza) 33:

i. Nossa constituição inicial


ii. O meio ambiente
iii. Nós mesmos ou a causa de nós mesmos

Para explicitação desses fatores, vejamos a passagem que A. Long & D.


Sedley marcaram como C (2):

[E nós podemos opor ao argumento de que o nosso


comportamento deve ser causado pela nossa constituição
inicial ou por] fatores ambientais, através da qual nunca
deixamos de ser afetados, [o fato de que] nós repreendemos,
nos opomos e reformamo-nos uns aos outros como se nós
tivéssemos a causa em nós mesmos, e não apenas em nossa
constituição inicial e na necessidade mecânica que nos rodeia
e penetra-nos34. (Epicur. Nat. 34 (LONG, A. A. & SEDLEY,
1987, p. 103))

Comecemos por (i) nossa constituição inicial (ex archés systásis). Esta se
relaciona com nosso temperamento natural, cujo fundamento reside em um tipo de
estrutura atômica inata. A pessoa de temperamento irascível, manso, melancólico,
temeroso etc., deve, portanto, seu temperamento a sua constituição atômica inicial
que se manifesta através desses “vestígios do caráter” que, segundo Lucrécio, a
educação não elimina de todo (Lucr. 3. 310). Podemos observar, na citação acima,
que Epicuro contrapõe a constituição inicial ao tipo de ação cometida tendo “a causa
em nós mesmos” ou – dito de outro modo – àquela que é passível de apreciação
moral. Desse modo, o lugar da ação resultante da constituição inicial se situa na
esfera da necessidade, isto é, no domínio em que não podemos imputar
responsabilidade ao seu autor. Essa ação é irresponsável na medida em que seus
motivadores residem em princípios que estão para além das determinações do
33
Cf. BUKHARD, p. 207, 2006
34
Tradução nossa, vertida do inglês.
23

próprio homem, pois o homem herda da natureza essa constituição primitiva, bruta,
ainda por lapidar. Entretanto, a ação produzida pela constituição inicial ocorre em
parceria, pois a influência do (ii) meio ambiente sempre lhe está atrelada. Tanto o
meio ambiente quanto a constituição inicial são fatores presentes, por exemplo, na
ação dos animais, o que explica o fato de não reprovarmos seu comportamento
como se eles fossem responsáveis por seus atos:

[...] Nesta nossa censura mostramos comportar-nos de uma


maneira bem precisa, não, certamente, como fazemos com o
animal, a propósito do qual achamos um dever sempre justificar
a ação, seja com a constituição inicial, seja com o movimento
derivado35.(PARENTE, p. 254, 1974)36

A referência aos animais nos põe a par de um fator eminentemente humano


na efetivação das ações, mas antes de adentrarmos nesse assunto devemos
abordar o segundo fator elencado: (ii) o meio ambiente (ta periéchonta).
O meio ambiente ou tudo o que nos rodeia, força-nos a todo instante a reagir
a suas influências. E o modo pelo qual o meio ambiente influencia nosso
comportamento “é por via de nossas percepções, por exemplo, quando eu perceber
que está começando a chover fortemente, eu abrirei o meu guarda-chuva”
(BURKHARD, 2006, p. 207). Estamos sempre rodeados e somos sempre afetados
por formações atômicas que se desprendem dos corpos compostos, pois “a
emanação (réusis) proveniente da superfície dos corpos é incessante” (Dioge. Laert.
10. 48). Essas emanações ou fluxos atômicos nos sobrevêm na forma de
simulacros37 (éidolas), os quais podem gerar em nós um movimento derivado, ou
seja, um movimento anímico que resulta de uma afecção externa. Epicuro escreve a
Heródoto que “é pela penetração em nós de qualquer coisa vinda de fora (éxothen)
que vemos as figuras das coisas e fazemos delas objeto de nosso pensamento”
(Dioge. Laert. 10. 49). Desse modo, o meio ambiente pode, influenciando o homem,
produzir uma ação que é fruto de pura necessidade mecânica. Epicuro afirma: “A
nossa ação se verifica em parte pelo sobrevir de simulacros do exterior, pelo
produzir-se de determinado movimento psíquico, parte pela continuidade que há

35
A ação que é descrita como movimento derivado é exatamente o que chamamos de influência do
meio ambiente.
36
Tradução nossa, vertida do italiano.
37
Ou imagens
24

entre a alma e o corpo” (PARENTE, 1976, p. 251). Nesse passo do Sobre a


Natureza, Epicuro nos fala de três causas da ação, primeiro a forma mais típica de
causa, aquela que tem sua origem no mundo que nos rodeia e que produz, por meio
dos simulacros, um movimento reativo de nossa parte. Podemos dizer que uma ação
proveniente dessa causa se deve à junção da influência do meio ambiente com a
nossa constituição inicial, resultando em uma ação derivada da necessidade
mecânica. Em segundo lugar, Epicuro registra que o movimento psíquico ou anímico
é, também, causa de determinadas ações, ou seja, o movimento da alma as produz
por si só, através de um cálculo racional. Por último, esclarece a necessidade
fundamental daquela sem a qual jamais poderia ser efetuada uma ação: a
continuidade ou contigüidade da alma com o corpo-carne.
Essa separação que fizemos não implica que essas três causas não possam
estar juntas na efetivação de uma ação, pelo contrário, sempre contribuirão, pelo
menos, a força dos simulacros e a continuidade entre alma e corpo-carne. Quanto
ao movimento anímico em seu sentido ativo e não reativo, isto é, enquanto causa
suficiente, sabemos de antemão que não está presente em qualquer ação, ademais,
ele é o que diferencia a ação dos homens da dos outros animais e que nos outorga
o direito de imputar responsabilidade a alguém por uma ação cometida. Assim,
percebemos que essa causa se relaciona com o terceiro fator já elencado por nós no
início desse tópico: (iii) nós mesmos ou a causa de nós mesmos.
Para Epicuro, como já abordamos no primeiro capítulo, a ação autárquica, isto
é, a ação cujo princípio está em seu próprio agente, é condição indispensável para
que haja a possibilidade de imputação de responsabilidade. De modo que, a
evidência relativa às punições, elogios e admoestações não contraria a tese que
afirma a existência de ações autárquicas. Eis o terceiro fator envolvido na ação do
homem: a possibilidade de sermos causa de nós mesmos. É significativa a maneira
pela qual Epicuro contrapõe o argumento da necessidade no passo C (2) da
tradução de A. Long e D. Sedley que aqui transcrevo novamente: “[...] nós
repreendemos, nos opomos e reformamo-nos uns aos outros como se nós
tivéssemos a causa em nós mesmos” (LONG, A. A. & SEDLEY, 1987, p. 103), ou seja,
se nós repreendemos e admoestamos é porque admitimos que somos, muitas
vezes, causa de nós mesmos, isto é, causa de nossas ações. Epicuro, às vezes, usa
25

o termo aitía ou a expressão eph hemon para falar da causa que reside em nós, em
outros momentos, por sua vez, quando quer elucidar o caráter manifesto de sua
posição, utiliza a expressão (já comentada) par’hemás. Mas, em todas as ocasiões
se revela a obrigação de admitirmos que não haveria conduta concreta, certa ou
errada, se também não admitíssemos que somos causas de muitas de nossas ações
e que podemos desenvolver nosso caráter com o intuito de “viver como um deus
entre os homens”.
Ser causa de uma ação é ser autárquico, mas até que ponto podemos dizer
que a leitura dos textos de Epicuro proporciona essa compreensão de autarquia.
Vejamos se estamos utilizando o termo corretamente.

2.3 O significado epicurista da autárkeia

Para decifrar o sentido de autarquia na filosofia de Epicuro é preciso percorrer


uma série de passagens que se inicia na observação de uma sentença vaticana em
que o termo autárkeia não aparece, mas que, cotejado com outras passagens,
podemos entrever uma pista para a sua compreensão. Assim diz a Sentença
Vaticana 67:

Uma vida livre (eleytherós bíos) não pode adquirir grandes


riquezas, por que isso não é fácil de conseguir sem se tornar
servidor das assembléias populares ou dos monarcas, porém
ela possui tudo numa abundancia incessante; e se lhe ocorre
de dispor de grandes riquezas, facilmente também ela as
distribui, em vista da benevolência do vizinho38. (Epicur. Sent.
Vat. 67)

Embora o termo autárkeia não apareça aqui, observamos as características


do homem autárquico, quais sejam: liberdade, independência e generosidade.
Podemos atestar a primeira dessas qualidades através da leitura da Sentença
Vaticana 77: “O maior fruto da suficiência de si (autárkeia): a liberdade (eleythería)”.
A liberdade que é fruto da autarquia é, nesse caso, fazendo um paralelo com a
Sentença Vaticana 67, exemplificada como a ausência de comprometimentos com
pessoas influentes que poderiam intervir no nosso modo de viver, retirando de nós
38
Tradução nossa, vertida do francês
26

os direitos de ir, vir, e fazer escolhas próprias. De modo geral, quando se fala em
eleýtheros, trata-se do homem livre em seu sentido político e, meramente, em sua
relação de oposição com o doûlos (escravo), não se tratando ainda aqui da
liberdade enquanto assunto de um problema metafísico. A segunda qualidade é a
independência – e, por isso, rejeição – das riquezas, dos grandes banquetes, da
opinião do vulgo, do excesso etc., como diz Epicuro a Meneceu: “Às vezes
consideramos a auto-suficiência (autárkeia) um grande bem, não porque em todos
os casos devemos nos contentar com o pouco, mas para que se não tivermos o
muito nos contentemos com o pouco” (Dioge. Laert. 10. 130). O sábio epicurista não
está à mercê da contingência e do acaso, mas permanece sereno mesmo na
adversidade. Ele domina autarquicamente seus desejos, não dependendo de mesas
fartas para ter prazer, mas apenas um naco de queijo e um trago de vinho podem
proporcionar prazeres intensos. O sábio autárquico, pois, não depende de
influências externas para alcançar seus objetivos. Outra característica da autarquia
epicúria é a generosidade:

O sábio, confrontado com as necessidades da vida, sabe, na


divisão, antes dar que tomar: quão grande é o tesouro da
suficiência de si-mesmo (autarkéia) que ele tem encontrado.
(Sent. Vat. 44)

O mundo não configura obstáculo para o sábio autárquico, pois dele pouco
depende, de modo que o princípio do comportamento do sábio não reside no que
extrapola seus limites, mas é constitutivo de sua alma.
Assim, podemos comprovar que nossa definição de ação autárquica como
uma espécie de ação que tem sua origem em seu próprio autor não é incoerente
com as posições epicúrias apresentadas, desde que a ação do sábio autárquico não
é reativa, mas, longe disso, tem seu princípio em um movimento da alma que
excede a mera relação de causa e efeito. Essa posição se fundamenta nos textos de
Epicuro que apresentamos, nos quais podemos observar as características do sábio,
sobretudo, a noção de que este tem em suas mãos as rédeas de seu destino, não
se deixando levar pelas vicissitudes da vida. A autarquia, portanto, propicia ao
homem uma vida livre, na medida em que ela efetiva toda a potencialidade latente
para a liberdade. Entretanto, permanece a questão: o que outorga ao homem a
27

possibilidade de agir autarquicamente? Ou melhor, como podemos agir por nós


mesmos? Sobre essa questão nos debruçaremos no próximo capítulo.
28

3. A LIBERDADE

Se, de fato, é evidente que o homem é responsável por suas ações e,


consequentemente causa delas, então, o que fundamenta essa possibilidade de
agirmos autarquicamente? É sobre essa questão que nos debruçaremos neste
capítulo. Não esqueçamos que o filósofo de que aqui tratamos é um physiologói39
que afirma ter tirado sua calma do estudo incessante e diligente da natureza 40.
Portanto, é tendo isso em mente que investigamos a possibilidade do agir autárquico
esperando encontrar suas bases na própria natureza. De modo que supomos que a
liberdade e o fundamento físico da autarquia, nesse ponto, são uma e a mesma
coisa.
Nesse ínterim, discutiremos, segundo os moldes do Problema da Vontade
Livre, a atribuição de Indeterminista ao pensamento de Epicuro e suas contradições
internas e também relativas à filosofia do Mestre do Jardim. Trabalharemos com as
mais recentes perspectivas no que tocam às questões do agir do homem na filosofia
epicúria, notadamente, as perspectivas de P.-M. Morel, T. O’Keef e S. Bobzien, os
quais têm comentado, em maior ou menor grau, textos do Peri Physeos (Sobre a
Natureza) que são de suma importância para a compreensão dos temas relativos ao
agir autárquico e seu fundamento.
Os comentadores que temos apresentado produziram perspectivas diferentes
na medida em que partiram de princípios diferentes, de modo que brevemente
abordaremos a respeito das supostas motivações de Epicuro para a afirmação da
autarquia.
Por fim, acreditamos que não encontraremos o fundamento da autarquia,
senão em bases físicas, uma vez que a natureza dotou o homem de um corpo que
até mesmo seus átomos constituintes apresentam características especiais41. É,
pois, no texto Sobre a Natureza onde iremos encontrar passagens que nos darão
contribuições substanciais para a tentativa de esclarecer qual eram as perspectivas
de Epicuro quanto à liberdade e a autarquia, visto que durante muito tempo temos

39
Alguém que investiga no âmbito natural causas e fenômenos.
40
Cf. Dioge. Laert. 10. 37
41
Cf. Dioge. Laert. 10. 63
29

testemunhado posicionamentos que consideramos inadequados no que se refere à


filosofia de Epicuro.

3.1 A liberdade e o engano indeterminista

Vimos no que já foi trabalhado nos capítulos anteriores que todo homem é
responsável causalmente por suas ações, sendo sujeito a críticas, elogios, punições,
etc. Para chegar a essa conclusão não precisamos de nada além da observação do
homem em seu meio social. Fato do qual Epicuro se vale para justificar a
perspectiva que afirma a autarquia do homem ou sua capacidade de agir por si
mesmo. É por meio dessa evidência que Epicuro critica, principalmente, o
posicionamento de Demócrito, seu antecessor no atomismo, com vistas a denunciar
sua inobservância em relação ao agir do homem no mundo.
É tendo em vista esses apontamentos que P. -M. Morel afirma que

[...] Epicuro parece estar menos interessado em descrever o


processo físico que conduz à ação, e menos interessado em
fundamentar a responsabilidade sobre uma explicação
fisiológica, que em usar o mero fato de nossa capacidade de
agir de modo a refutar seus oponentes. (MOREL, 2010, p.3)42

Tal afirmação, porém, parece se chocar com algumas passagens do Peri


Physeos (Sobre a Natureza) que já citamos no capítulo anterior, as quais parecem
apontar para um interesse real de Epicuro em fundamentar sobre bases físicas essa
capacidade do homem de agir autarquicamente. Dentre outras coisas, podemos citar
a semelhança da abordagem epicurista das etapas que configuram a ação do
homem com as etapas pelas quais passa o conhecimento humano. De fato,
podemos ler passagens do Sobre a Natureza em que Epicuro tenta respaldar a ação
de modo geral em fatores como: a influência do meio, movimentos anímicos,
contiguidade da alma com o corpo, constituições iniciais, etc.43. Portanto, não
podemos afirmar, apressadamente, junto com P.-M. Morel que Epicuro não estaria
interessado em fundamentar em bases físicas a ação do homem. Pelo contrário,
afirmar que o homem é responsável por seus atos nos leva a pensar naquilo que o
42
Nossa tradução do original em inglês.
43
PARENTE, 1976, p. 251
30

diferencia das crianças e dos outros animais na natureza e, ainda, nos remete em
direção ao questionamento: O que nos torna capazes de produzir ações que não
são meras consequências de estímulos externos, mas que se produzem no próprio
agente?
Antes de adentrarmos no mérito desses questionamentos é oportuno
diferenciar a maneira como a tradição legou esse problema para posteridade.
Referimo-nos ao Problema da Vontade Livre. Embora Epicuro tenha sido
possivelmente uma das molas propulsoras44 da discussão acerca do problema, ele,
no entanto, não compactua com a maneira que tem sido tratada a questão. Por isso
T. O’keef afirma: “Epicuro ajudou a formar uma concepção libertarista da liberdade
da vontade que ele mesmo teria repudiado” (O’KEEF, 2005, p. 2). Para citar uma
diferença clara entre a maneira pela qual Epicuro entende o problema, basta
considerarmos a forma caricatural a que este tem sido submetida – e que muitas
vezes é atribuída ao próprio Epicuro – de que a liberdade da vontade45 se apresenta
como um indeterminismo da escolha do agente em relação a fatores externos e
também internos.46 Não é difícil de imaginar os problemas que isso acarretaria. Pois
até mesmo aquilo sobre o qual estamos todos de acordo, a saber, que somos
punidos e recompensados pelos nossos atos entraria em contradição com a
supracitada perspectiva, uma vez que uma ação que não se fundamenta nem em
nosso caráter, nem tampouco nas influências externas, não pode ser de
responsabilidade de ninguém. Longe disso, concordamos com o modelo
apresentado por S. Bobzien: “Eu47 sou quando Eu faço a escolha, e sou
causalmente responsável por qual ação é feita. Eu chamo isso de o modelo de ação
da pessoa-completa (whole-person)” (BOBZIEN, 2000, p. 291)48. Esse modelo de
ação parte do princípio de que se alguém é punido ou recompensado o é porque os
fatores constituintes de sua ação partiram do ser do próprio agente em sua inteireza.
44
“Epicuro tem sido saudado como a primeira pessoa a descobrir o problema da vontade livre. Porém
isso é muito precipitado”. (OKEEF, 2005, p. 10)
45
Vale apena, para demarcar ainda mais a diferença, citar as palavras de DE WITT a respeito da
Vontade: “Durante o século dezenove o público erudito estava habituado a aceitar a tripla divisão das
faculdades em Intelecto, Emoções e Vontade. Isso ocasionou no prelo e no púlpito uma excessiva
glorificação da “vontade” e do “poder da vontade”, semelhante às deificações das abstrações entre os
gregos e romanos. Não há equivalente no pensamento grego e romano deste isolamento e ampliação
da vontade como distinta das outras faculdades. (DE WITT, 1954, p. 173)
46
Cf. BOBZIEN, 2000, p. 290
47
Grifo do autor
48
Nossa tradução do original em inglês.
31

Ou seja, não faz sentido recompensar alguém que cometeu uma ação por acaso ou
que simplesmente agiu aleatoriamente. Enfim, para concluir a digressão, se para
Epicuro há um indeterminismo, então, ele não se manifesta nas ações, pois estas
são inteiramente determinadas pelo caráter do agente em sua completude. Temos
eliminado, pois, do nosso percurso, a posição que afirma um indeterminismo puro
que, inclusive, muitas vezes aparece associada com a doutrina do clínamen (desvio
dos átomos) veiculada por Lucrécio. Estamos tentados, então, a afirmar que uma
ação autárquica é aquela que é determinada pelo seu autor, ou, dito de outro modo,
que a origem de sua ação se encontra nos limites do agente mesmo. No entanto, o
que buscamos aqui é aquilo que torna possível uma ação autárquica, isto é,
procuramos pela liberdade, ou melhor, a explicação de Epicuro acerca da liberdade
para agir autarquicamente.
Levando em consideração o que estabelecemos até agora, a saber, que na
conta de Epicuro para a resolução do problema entram preocupações físico-éticas e,
também, a compreensão de que a ação autárquica é determinada pelo agente, é
necessário, ainda, tentar estabelecer a motivação de Epicuro para a afirmação da
Liberdade. Isso se faz necessário porque a literatura especializada tem proposto
algumas resoluções do problema da liberdade de acordo com supostas motivações
do filósofo. Por exemplo, como já citamos, P.-M. Morel diz que Epicuro não estava
interessado em fundamentar a ação autárquica em sua physiología (estudo da
natureza), mas interessado apenas em refutar seus oponentes por meio da
evidência da responsabilidade, não restando, assim, mais problemas a respeito da
liberdade a serem resolvidos. Entretanto, já declaramos nossa discordância quanto a
essa perspectiva em particular. Vejamos, então, mais dois posicionamentos que são
de suma importância para a compreensão do problema.

3.2 As motivações de Epicuro

S. Bobzien faz uma leitura do problema da liberdade em Epicuro que se inicia


pela observação de que as passagens relativas ao agir por si sempre estão
conectadas com o conceito de responsabilidade:
32

Há, então, um elemento em comum em todas essas


passagens sobre a responsabilidade moral: elas conectam o
conceito de responsabilidade moral conosco, como fatores
causais das coisas para as quais somos considerados
moralmente imputáveis. (BUCKHARD (Org.), 2006, p. 210)49

De modo que o motivo pelo qual Epicuro se posiciona quanto à liberdade


seria o interesse de justificar a responsabilidade por nossos atos. Mas essa
liberdade não seria aquela do indeterminista que afirma que poderíamos, uma vez
tendo agido, agir de uma maneira totalmente diferente. Pelo contrário, essa
liberdade, que é evidenciada pelo fato de sermos moralmente imputáveis, é antes,
liberdade para determinarmos o nosso próprio caminho, ou seja, é autarquia. Pois
para podermos ser responsabilizados por nossos atos precisamos ter em nosso
caráter os determinantes de nosso agir, senão não faria sentido punir ou elogiar.
Essa posição nada mais é que a anuência ao “modelo de ação da pessoa-
completa”50 como já esclarecemos mais acima. Assim, a autarquia se estabelece por
via do conceito de responsabilidade e, em última instância, nas determinações de
nosso caráter, as quais, por sua vez, têm correspondência no nível das partículas
indissolúveis, lugar em que encontraremos a liberdade como fundamento.
Por outro lado, a tese de T. O’Keef é que “A principal preocupação de Epicuro
não é justificar a punição e o elogio, porém com preservar a racionalidade e a
eficácia da deliberação sobre futuras ações de alguém” (OKEEF, 2005, p.17). Essa
posição se baseia principalmente na Sentença Vaticana 40 que diz:

Aquele que diz que tudo acontece por necessidade não tem
nada a reprovar àquele que diz que tudo não acontece por
necessidade, porque diz que isso mesmo acontece por
necessidade (CONCHE, 1977, p. 257)51

Ou seja, se a necessidade se estendesse até o âmbito de ação do homem,


então, toda possibilidade de discussão e debate se invalidaria, além de que o poder
da deliberação e cálculo seria anulado e, por fim, nem mesmo a defesa da verdade
e a filosofia fariam mais sentido. Assim, a negação da necessidade por parte de
Epicuro se coloca em termos de preservação de nosso poder de raciocinar, o qual
49
Nossa tradução do original em inglês
50
BOBZIEN, 2000, p. 291
51
Nossa tradução, vertida do francês
33

está na base do desenvolvimento do nosso caráter, sobre o qual está fundada a


possibilidade do agir autárquico. E este, por sua vez se fundamentaria na ideia
epicurista e atomista de que os compostos atômicos “[...] têm propriedades e
poderes que os átomos individuais não têm” (WARREN (Org.), 2009, p. 150). Isso
significa que o composto anímico tem poderes que os átomos em sua
individualidade não possuem, entre esses poderes está a capacidade para
desenvolver nosso caráter desde a constituição inicial52 que herdamos da natureza.
Essa capacidade, então, permite-nos que ajamos por meio de nós mesmos, sendo
causa de nós mesmos.
As teses de T. O’keef e S. Bobzien produzem uma aparente bifurcação em
nosso caminho. Entretanto, se seguirmos S. Bobzien, veremos que aquilo que
fundamenta a ação autárquica é a possibilidade de certas estruturas atômicas
proporcionarem crenças (dóxai) que nos fazem reagir a determinados estímulos do
meio de maneiras diversas e agir segundo uma conduta que nós mesmos
estabelecemos53. De outra parte temos T. O’keef se valendo do pressuposto
atomista de que os compostos atômicos têm propriedades que não encontram
correspondentes nos átomos individualmente para, com isso, justificar a autarquia.
Vemos, pois, que existe uma concordância entre ambos os comentadores,
justamente na ideia de que a autarquia possui uma justificativa e embasamento no
nível físico, mas que diferentemente da abordagem sobre o Clínamen54 (desvio), não
é justificada por um atributo dos átomos em suas singularidades, e sim, de
determinados compostos ou agregados atômicos. Assim, nesse ponto, embora
esses comentadores discordem a respeito do aspecto motivador para com o qual
Epicuro estava comprometido, seja a preservação do poder da racionalidade, seja a
preservação da responsabilidade por ações cometidas, ambos, forçosamente,
concordam que a autarquia se funda nas propriedades específicas do agregado
atômico da alma.

52
Ver a seção 2.2 deste trabalho
53
Cf. BUKCHARD (Org.), 2006, p. 212
54
Abordagem sobre a qual discordamos ser de autoria de Epicuro, visto que não encontramos
passagens textuais que sustentem a doutrina do Clínamen. Nem mesmo no Peri Physeos existe
referência a tal doutrina. Cf. O’KEEF, 2005, p. 82.
34

3.3 O fundamento físico da autarquia

Como discutimos no capítulo 1, o ponto de partida para a afirmação da


autarquia é a evidência das reprovações e dos elogios, porém esse fato manifesto
não prescinde de uma explicação no nível físico. Passemos, então, a uma análise de
passagens do Peri Physeos (Sobre a Natureza) e de outros textos que possam
elucidar o fundamento das ações autárquicas que aqui supomos ser o lugar da
phýsis (natureza) em que a liberdade existe como justificativa da autarquia. De
antemão, podemos afirmar que se há um fundamento físico para esta, ele não pode
estar em outro lugar senão na alma. Podemos ler a Máxima XVI para atestar esse
posicionamento de Epicuro:

A fortuna (týche) tem pouco efeito sobre o sábio; foi sua razão
(logismós) que regulou as coisas maiores e mais importantes
[e as regula e regulará] durante toda a duração de sua vida.
(MORAES, 2006, p. 33)

Com efeito, vimos no capítulo 2 deste trabalho que Epicuro utiliza como
argumento o exemplo dos animais selvagens, mostrando que a censura que
fazemos aos homens por seus maus atos não pode aplicar-se aos animais, porém
aos quais “[...] achamos um dever sempre justificar a ação, seja com a constituição
inicial, seja com o movimento derivado” (PARENTE, 1974, p. 254). O paralelo, pois,
que Epicuro estabelece entre os homens e os demais animais, evidencia que o
motivo pelo qual nós responsabilizamos os homens por suas ações é que estes têm
a capacidade de realizar cálculos racionais (logismós) com vistas a efetivação do
melhor modo de se viver, de modo que a escolha deste é resultado da maneira pela
qual desenvolvemos nosso caráter. Pois, o homem, a princípio regido por sua
constituição inicial, isto é, a sua forma bruta ainda por lapidar, vai retrabalhando a
estrutura atômica de sua psiché (alma). O resultado desse movimento Epicuro
chama de appogegenneména, palavra traduzida por Laursen55 por “products”
(produtos), tais produtos ou frutos determinam o conjunto de crenças que possuímos
e junto com elas nosso caráter, o qual, por sua vez, determinará inelutavelmente a
maneira como agiremos. Se, entretanto, não desenvolvermos nosso caráter ou, pelo

55
Ver O’KEEF, 2005, p. 95
35

contrário, potencializarmos a nossa constituição inicial, seremos, portanto, ainda


mais criticados por nossas ações, de modo que não fica desculpado por não agir
moralmente quem não assume sua posição de agente autárquico:

Se ele, exatamente por causa da causa de si mesmo, vai na


direção do que é semelhante à constituição inicial que é má,
nós ocasionalmente o criticaremos ainda mais – e não do
modo pelo qual exoneramos aqueles animais selvagens pelo
fato de fundirem seus produtos (appogegenneména) e sua
constituição como se fossem uma coisa só [...] (Epicur. Nat. 34
(O’KEEF, 2005, p. 86)

Assim, ainda antes da ação ser sujeito de reprovações e elogios, são os


produtos ou os frutos do trabalho do logismós (raciocínio) sobre a constituição inicial
do homem que são os imediatos responsáveis pelo agir de alguém. Porém, se
seguirmos em ordem decrescente encontraremos ainda o poder do raciocínio como
“causa de si mesmo”, o qual fundamenta toda a possibilidade de produzir e
transformar condutas. Pois, a ação é manifestação de uma estrutura complexa que
vai se formando ao longo da vida:

Desde um princípio muito distante nós sempre tivemos


sementes (spérmata), algumas nos dirigindo em direção a isto,
algumas em direção aquilo, algumas em direção a isto e
aquilo, ações e pensamentos e características, em grande e
menor número. Consequentemente que o que nós
desenvolvemos (appogegenneména) – características deste
ou daquele tipo – depende de nós (par’hemás)56, em algum
momento, absolutamente [...] (Epicur. Nat. 34 (LONG, A. A. &
SEDLEY, 1987, p. 102)

Não esqueçamos que, segundo Epicuro, “algumas coisas acontecem


necessariamente, outras por acaso, e que outras cabem a nós” (Dioge. Laert. 10.
133). De modo que a maneira pela qual a necessidade e o acaso influenciam no agir
humano, por meio da constituição inicial e do meio ambiente, é descrito por Epicuro
sob a forma de uma metáfora: sementes (spérmata). E essa metáfora nos revela o
caráter processual que se estabelece entre o ato mesmo e suas causas ocultas. Se
alimentarmos uma característica que herdamos da natureza em nossa constituição

56
Para discussão do significado da expressão Par’hemás ver cap. 1 deste trabalho.
36

inicial e, por causa disso, cometermos determinadas ações, não estaremos isentos
da responsabilidade sobre ela, como se pudéssemos culpar a natureza. Antes, a
capacidade de preservar ou de modificar tais e tais “sementes”, implica que somos
responsáveis pelo que fazemos a cada momento, capazes de produzir novas
configurações atômicas por meio de nossa capacidade de raciocinar.
Por meio da leitura dos citados trechos do Sobre a Natureza e da Máxima XVI
podemos assegurar a preocupação de Epicuro em fundamentar a possibilidade de
ações autárquicas por meio de um discurso sobre a natureza. Não se trata, pois, de
uma tentativa de refutar seus oponentes com a evidência da responsabilidade como
queria P.-M. Morel. Antes, é possível observar o movimento retroativo da ação
autárquica em direção àquilo que, em última instância, torna-a possível. É na
natureza que encontramos o fundamento da autarquia, pois o homem foi dotado de
uma estrutura atômica peculiar, cuja formação da alma, por exemplo, segundo
Epicuro, foi arranjada com átomos que se assemelham aos átomos da lua e do sol 57.
Isso mostra o quão inusitado é o evento humano na natureza. De qualquer modo, o
que é determinante no nível físico enquanto possibilidade de ações autárquicas em
um mundo regido pela necessidade e o acaso, é que as formações atômicas
adquirem propriedades que seus átomos constituintes não possuem isoladamente. A
principal estrutura ou composto atômico que desse modo possibilita a autarquia se
revela na nossa capacidade de raciocínio e deliberação como lemos na Máxima XVI.
Isso justifica o fato de não responsabilizarmos as crianças por seus atos, visto que
ainda não possuem a sua capacidade de cálculo e raciocínio desenvolvida, nem
responsabilizamos os animais, pois só seguem os estímulos do meio e de sua
imodificável constituição inicial.
Para sermos considerados seres livres, capazes de produzir ações
autárquicas, precisamos dominar por meio do logismós nossa constituição inicial,
não agindo ao sabor dos desejos imediatos, levados por qualquer desejo em direção
a fins que, contraditoriamente, são indesejados. Devemos, portanto, desenvolver
nossa constituição inicial através do logismós, pra assim produzir crenças
sustentáveis, sólidas, que, por sua vez, formarão um caráter saudável, orientado,

57
Cf. Dioge. Laert. 10. 63 e Dioge. Laert. 10. 90
37

autárquico e, só assim, poderemos a partir das determinações de nosso caráter agir


autarquicamente e exercer integralmente o nosso poder de liberdade.
38

CONCLUSÃO

Não é novidade que existem muitos trabalhos que fazem uma interpretação
do problema da ação livre no âmbito do pensamento dos filósofos da antiguidade,
entretanto, nossa intenção foi a de apresentar, com o mínimo possível de
formulações pré-concebidas, a visão e a tentativa de resolução por Epicuro do
problema da ação livre. Problema que não tinha como hoje um debate tão longo,
mas que se intensificava justamente no período helenístico nas discussões entre
Epicuristas e Estóicos.
A despeito da ausência de publicações acerca do tema no Brasil,
encontramos uma viva discussão em língua inglesa, a qual nos motivou para a
escrita deste trabalho. Essas discussões, de modo geral, apresentavam perspectivas
que prescindiam do argumento do Clínamem de Lucrécio para resolução do
problema, tentando, em vez disso, encontrar uma solução nos próprios textos de
Epicuro, principalmente no Peri Phýseos (Sobre a Natureza), esquivando-se, assim,
dos problemas relativos à autoria da teoria dos desvios atômicos. E não apenas isso,
mas também, apresentando teorias que se coadunam com os textos completos de
Epicuro de que dispomos.
Assim, trilhando o caminho pelo qual Epicuro passou em seu exercício
filosófico, partindo das evidências fornecidas pelos sentidos até os últimos
elementos da natureza, chegamos ao fundamento físico da autarquia. Seguindo a
maneira pela qual ele apresenta os seus resumos filosóficos nas Cartas a Heródoto
e a Pítocles, iniciando por uma exposição dos critérios de conhecimento,
começamos pela abordagem, neste caso, dos critérios estabelecidos por Epicuro
para a afirmação de que somos seres autárquicos. Nesse momento, trabalhamos
com as noções de Par’hemás e Par’hemin com o intuito de fortalecer a interpretação
segundo a qual a afirmação da autarquia é resultado da observação do
comportamento do homem no que toca as questões acerca da responsabilidade por
suas ações. Em seguida, tencionamos abordar uma espécie de “psicologia”
epicurista com vistas a apresentar aquilo que seria uma teoria geral da ação, já nos
encaminhando para o caso específico de uma ação autárquica. De modo que,
39

reservamos o ultimo capítulo para a apresentação das teses mais recentes acerca
da liberdade em Epicuro e nossa posição quanto à interpretação do problema de
acordo com a filosofia epicurista. Acreditamos que o fundamento físico da autarquia
é exatamente o que chamamos de liberdade num sentido mais estrito, pois se
cometemos uma ação autárquica nós somos inteiramente determinados no
momento da ação e não poderíamos ter agido de outro modo, entretanto se
buscarmos o fundamento da ação autárquica encontraremos algo que foge a
determinação e produz as causas de nós mesmos, ou seja, a liberdade não se
encontra na ação, mas no processo que a possibilita e, em última instancia,
encontraremos a liberdade em nossa capacidade de cálculo e raciocínio, cuja
estrutura atômica possui uma singularidade tal na natureza que nos eleva ao ponto
de sermos causa das coisas que acontecem, juntamente com a necessidade
(anánke) e com o acaso (týche).
Desse modo, podemos afirmar com segurança que Epicuro não abria mão
daquilo que seus sentidos lhe mostravam: somos responsáveis por cada ato que
cometemos. E, a isso, soma-se mais uma evidência, somos seres de raciocínio, pois
pensamos, deliberamos, calculamos, discutimos, discordamos, filosofamos, etc. .
Nada disso faria sentido se do homem fosse tirada a liberdade.
40

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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