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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

FILOSOFIA

A METAFISICA HERACLITIANA

CURITIBA
2022
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................02
I. Elementos comuns na filosofia
heraclitiana....................................................03
II. A ontologia
heraclitiana..................................................................................04
2.1. A phýsis e
lógos......................................................................................06
2.2. O equilíbrio e
justiça..............................................................................07
III. Considerações
finais ......................................................................................08
IV. Bibliografia ...................................................................................................09
2

INTRODUÇÃO

Heráclito foi um filósofo pré-socrático de Éfeso, sendo considerado por


grandes autores como o mais importante dos filósofos de sua época. Com uma
vasta porção de leitores e comentadores de seus fragmentos até os dias de hoje,
sendo elogiado por grandes escritores filósofos como Hegel e Nietzsche. Não é
por menos que algo de tal magnitude seja dita do Heráclito, já que ele foi um
dos primeiros a compartilhar com eficiência uma filosofia nova que se explica
por palavras, mas se entende verdadeiramente pela intuição e a imaginação dos
leitores, filosofia essa que traz para os próximos andarilhos da filosofia, de sua
época até hoje, grande material para se pensar e contemplar.
A filosofia de Heráclito abrange uma ideia de phýsis, que para ele é um
fogo primordial, ele diz que tudo do fogo vem e pôr fogo é consumido, fogo
esse que é eterno, que se acende e apaga conforme a medida. Passando a uma
definição de lógos, esse que é a definição de todas as leis cósmicas que se
encontram na natureza; por exemplo o equilíbrio gerado pela briga dos opostos,
esse que é uma eterna briga de um oposto contra seu oposto, também se nota a
constante e eterna mudança, um exemplo de mudança é vista em um dos
fragmentos de Heráclito, esse pelo qual ele é mais lembrado e citado, o
fragmento diz: “Em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo, nem
substância mortal tocar duas vezes na mesma condição; mas pela intensidade e
rapidez da mudança dispersa e de novo reúne compõe-se e desiste,
aproxima-se e afasta-se”1. Por meio dessas leis que se nota o fogo Heraclitiano,
e por essas definições que é feita sua filosofia.

1
SOUZA, J.C.1996. Os pré-socráticos. 6ª.ed. São Paulo: Nova Cultural. (fragmento 91) p.87.
2

I. ELEMENTOS COMUNS NA FILOSOFIA HERACLITIANA

Por se tratar de um pensamento intuitivo, Heráclito era visto como um


homem obscuro, esse que acaba recluso fora da cidade nas montanhas, ele
também possuía certo desprezo pelos cidadãos da pólis, esses que segundo
Heráclito eram ou falsos sábios, que almejavam cada vez mais conhecimento,
conhecimento essa que para Heráclito era ilusório e irrelevante, ou aqueles que
se deixam enganar pelas aparências das coisas2. Com isso, ainda mais no seu
tempo, era de se imaginar que Heráclito era visto como obscuro, e sem sombra
de dúvidas o seu pensamento possui certo obscurantismo, possuindo até certas
semelhanças com outros pensamentos, que igual Heráclito foram vistos como
obscuro por aqueles que o ouviam, um exemplo disso é o pensamento
hermetista, em ideias os dois possuem semelhanças, tanto em Heráclito quanto
na tradição hermética eram visto que tudo é dual e que nisso se dá o verdadeiro
equilíbrio, que tudo provem de um uno cósmico e tudo está em movimento,
existem algumas diferenças no pensamento em si, mas também há uma
diferença na abordagem, para os herméticos o conhecimento detido deve se dar
de forma esotérica3, ou fechada, em que, “Os lábios do conhecimento estão
cerrados, exceto aos ouvidos do entendimento”4, Heráclito vai contra isso ao
falar para aqueles que podem ou não entende-lo pois tendo noção de como o que
ele percebe é um conhecimento exotérico5, ou seja, aberto e universal, não hesita
em compartilhá-lo, mesmo desprezando aqueles que não o entendem, lhes-é
dado por Heráclito todas as ferramentas necessárias para entender aquilo que foi
entendido por ele.

2
Ibid. visto nos fragmentos 9, 19, 40 e 46 por exemplo.
3
Ensinamento que se dá a um grupo restrito e fechado de pessoas que o possam compreender.
4
TRÊS INICIADOS (Pseudônimo de ATKINSON, W.W). 2018. O caibalion: Um estudo da filosofia
hermética do antigo Egito e da Grécia. São Paulo: Mantra. Tradução: Edson Bini. 17 p.
5
Ensinamentos e doutrinadas que são transmitidas ao público geral.
2

Em outro exemplo podemos comparar também a metafisica espinosana a


metafisica heraclitiana, na de Espinosa o fogo primordial pode ser visto como a
substância em que Espinosa diz que, “Por causa de si entendo aquilo cuja
essência envolve a existência, ou seja, aquilo cuja natureza não pode ser
concebida senão existente”6, veremos a seguir que o fogo heraclitiano é aquilo
que envolve a existência, ou que sem seu fogo que cria vida não existiremos,
nem ele seria fogo.

II. ONTOLOGIA HERACLITIANA

Heráclito percebe na natureza que tudo está em movimento, com isso, ele
também se opõe fortemente a Parmênides, o filosofo pré-socrático de Eleia. Esse
acredita que tudo é o que é, ou seja, que a essência é indivisível e única, se a
mudança fosse realmente possível o ser não seria nem indivisível nem único,
pois havendo mudança, pode-se mudar a essência. Parmênides também diz que
o não-ser não é, que tudo aquilo que é, é o que é, não existindo nada fora disso,
pois se existisse é, se não existe não é, ou seja, tudo que se pensa e vê é e sempre
foi, que se for pensado o não-ser esse já não é algo que não existe, pois pode ser
pensado, sendo assim nada pode vir-a-ser do não ser, pois esse seria já que o ser
é, sendo assim o ser sempre foi para Parmênides. Heráclito explica que o ser
veio a ser, e vai deixar de ser, que a essência também, e essa é a essência do
homem, a mudança, enquanto Heráclito percebe que no instante o ser é e não é
por causa da mudança, Parmênides percebe que o ser é e em cada instante que é
ele é. Um exemplo de existência que se divide são os homens, esses que surgem
a partir de seus criadores, ou causa com isso, uma nova coisa é feita a partir de
dois outros seres, ou seja, uma divisão deles em algo novo, sendo feita a partir
da causa de outro, também havendo uma causa que muda uma essência,
6
ESPINOSA, B. 2015. Ética. Tradução coletiva do Grupo de Estudos Espinosanos da USP. São
Paulo: EDUSP. Definição I, p.45.
2

Espinosa explica isso ao dizer que, “Qualquer singular, ou seja, qualquer coisa
que é finita e tem existência determinada não pode existir nem ser determinado a
operar a não ser que seja determinado a existir e operar por outra causa, que
também seja finita e tenha existência determinada, e por sua vez esta causa
também não pode existir nem ser determinada a operar a não ser que seja
determinada a existir e operar por outra que também seja finita e tenha
existência determinada, e assim ao infinito.” 7, segundo Espinosa não há ser sem
causa, ou só há não ser. Continuando, uma criança não nasce com uma essência
única e indivisível, diz ainda Espinosa, “todos os homens nascem ignorantes das
causas das coisas, e que todos têm o apetite de buscar o que lhes é útil, sendo
disto conscientes”8, ou seja, a causa das coisas faz o homem ser e ter consciência
que é, sabendo disto, o que resta ao homem consciente é buscar o que lhes é útil,
ou buscar o que puxa o desejo, modelando sua essência ao que lhe agrada. Para
Heráclito as causas são vir-a-ser eterno, pois o ser existe por causa, e sem causa
não haveria ser, e sem ser não existe seu oposto o não ser. E sendo causa
Espinosa diz que essa está sujeita a operar por outra causa, finita e com
existência determina, isso se encaixaria na luta dos opostos heraclitiana que
veremos a seguir.
Parmênides diz que a mudança, ou as causas, não passam de uma ilusão,
como visto sendo impossível, pois se é uma ilusão e não existindo causa, não há
o ser. Vimos então explicação do ser de Heráclito, ou sua ontologia, portanto a
mudança como explicação do ser, enquanto para Parmênides essa explicação se
dá pela imobilidade. Espinosa pode se encaixar como algo semelhante a
Heráclito, mas esse explica também as causas, dizendo que somos causas, mas
somos causas por causa da luta dos opostos que houve pelas nossas causas, ou o
ser negando o não ser e o não ser negando o ser vindo assim a ser. Portanto

7
Ibid. p. 93 proposições 28
8
Ibid. p.111 proposição 36
2

deixamos de ser pelo não ser negar o ser, essa negação é a luta dos contrários,
que ocorre em todos os opostos contra seus opostos, e disso surge o equilíbrio
real para Heráclito, luta essa que não possui razão, mas ocorre segundo a phýsis
que consome e destroi. Assim Heráclito surge com uma solução ao problema
criado futuramente por Parmênides. O não ser é tão ser quanto o não ser.
Voltamos a passagem do rio, “Nos mesmos rios entramos e não entramos,
somos e não somos”9. Aqui se exprime a explicação do ser para Heráclito, o rio
é e não é, assim como o homem. Ao mesmo tempo que somos, já não somos,
essa é a mudança vista por Heráclito, dizendo também que essa mudança é sútil,
e que ocorre entre todas as coisas, entre um vir-a-ser e perecer eterno, em que o
equilíbrio se dá pela oposição de graus de uma mesma coisa, como o frio
virando calor e vice e versa, ou melhor dizendo vindo do fogo e voltando ao
fogo, pois esse que cria e destrói, assim a essência do fogo estando em tudo, e
tudo estando na unidade que é o fogo.

2.1. A PHÝSIS E LÓGOS

Segundo Marilena Chauí, “Physis e lógos, o fogo primordial é uma força


em movimento, uma ação em que faz de si mesmo todas as coisas e todas elas
são ele mesmo”10. Segundo essa citação vemos algumas características do
pensamento de Heráclito, que o devir se dá a partir do fogo primordial, que
anteriormente no texto de Chauí vemos que se dá por medida, ou seja, se pelo
fogo primordial tudo se é dado e tudo se é consumido, esse também é o que faz a
medida de quanto vai ser consumido e dado, mas por quais motivos se faz tal
medida? Indo a um texto de Nitzsche, esse diz que sobre essa pergunta Heráclito

9
SOUZA, J.C.1996. Os pré-socráticos. 6ª.ed. São Paulo: Nova Cultural. (Os Pensadores)
p. 83 fragmento 49a.
10
CHAUÍ, M. introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos à Aristóteles. 2ª.ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002. p. 83.
2

responderia, “É um jogo, não se aborda pateticamente e, sobretudo, de um modo


moral!”11, assim podendo ser uma explicação plausível, que não há motivo pois
não há moral nas ações da phýsis, essa que Heráclito diz ser uma criança, que
joga e brinca, criança que acredito ser do mesmo jeito que Nitzsche leu, uma
sem moral, pois criança brinca não age segundo a moral.
Passando essa pergunta podemos voltar ao raciocínio de Chauí, tudo é
feito por medida, essa que segue como a brincadeira da phýsis desejar, e tudo
que vemos da brincadeira Heráclito chama de logos, esse lógos que é todo o
devir visto e o respaldo de todo movimento da criança, esse movimento que vai
além de uma mudança descontrolada, mas segue um equilíbrio que faz a
brincadeira continuar, no jogo a medida está entre consumir e destruir, na terra
igualmente, sendo visto como o que Heráclito chama de guerra dos opostos.

2.2. O EQUILIBRIO E JUSTIÇA

“É preciso saber que o combate é equilíbrio, e justiça (é) discórdia, e que


todas (as coisas) vêm a ser segundo discórdia e necessidade” 12. O equilíbrio é
dado segundo o combate, o que quer dizer Heráclito com isso? “A harmonia do
mundo nasce da tensão entre os opostos”13. Entendo por essa harmonia como, o
balanceamento dos mesmos opostos que ele se refere no trecho, que por existir
um quente e um frio existe também uma harmonia entre os dois, essa se dá pela
luta de opostos contra opostos, isso quer dizer também que de um oposto nasce
de seu oposto, pois não há diferença entre opostos, se não a diferença de grau, e
logo tudo seria o mesmo, sendo tudo igual a unidade, e a unidade igual ao todo,
isso é o que diz Heráclito, assim como hermetismo, tendo uma abordagem um

11
NIETZSCHE, F. A filosofia na época trágica dos gregos. Trad: A foice e o martelo. p. 22.

SOUZA, J.C.1996. Os pré-socráticos. 6ª.ed. São Paulo: Nova Cultural. p. 95 (fragmento 80).
12

CHAUÍ, M. 2002. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos à Aristóteles. 2ª.ed. São
13

Paulo: Companhia das Letras. p 82.


2

pouco diferente, mas que serve de ajuda para entender Heráclito. Quando no
livro hermético diz, “Os extremos encontram; os extremos são em natureza
idênticos, porém diferentes em graus”14, é possível ver que existe semelhança no
que Heráclito tentou dizer e os herméticos tentam, é a natureza dual das coisas,
em que tudo possui seu oposto, oposto esse que é a harmonia entre as coisas que
são assim a unidade das coisas, por exemplo ao seguir ao norte sem parar, uma
hora você vai se ver seguindo ao sul e se adiante. Seguindo depois de guerra,
Heráclito diz que justiça é a discórdia, a discórdia de um elemento pelo seu
oposto, do dia pela noite, tanto da noite pelo dia, a manifestação disso é a
guerra, que vemos na manifestação da natureza transformada em harmonia,
manifestação essa que Heráclito chama de lógos, portanto quando ele diz, “Não
de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um” 15, se entende
por lógos então, a mudança e a luta dos opostos, essas são as características do
lógos, e que fazem do todo uma única coisa, em que tudo possui semelhança,
onde tudo luta contra seus opostos, onde a vida luta contra a morte e a morte
contra vida, e todos os opostos contra todos seus opostos, sendo assim que tudo
tenha seu par de opostos, e que tudo é a briga dos opostos, ao mesmo tempo que
a briga dos opostos faz ser o todo o que ele é, na incessante mudança de uma
coisa, está o que faz o equilíbrio e a unidade do todo, e também da metafisica
heraclitiana, que junto ao Espinosa, apenas é.

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Com essa explicação podemos então perceber que a mudança é eterna, e
nela que está a essência do ser, mas também a essência do não ser, e o que faz o
equilíbrio é o oposto tentando ser o não ser, e o ser tentando ser o não ser, sendo

14
TRÊS INICIADOS (Pseudônimo de ATKINSON, W.W). 2018. O caibalion: Um estudo da filosofia
hermética do antigo Egito e da Grécia. São Paulo: Mantra. Tradução: Edson Bini. p. 67.
15
SOUZA, J.C.1996. Os pré-socráticos. 6ª.ed. São Paulo: Nova Cultural. p. 83 (fragmento 50)
2

essa a movimentação oculta do lógos que fala por Heráclito, lógos essa que fala
pela phýsis, ou o próprio equilíbrio.

IV. BIBLIOGRAFIA

SOUZA, J.C.1996. Os pré-socráticos. 6.ed. São Paulo: Nova Cultural. (Os


Pensadores).

TRÊS INICIADOS (Pseudônimo de ATKINSON, W.W). 2018. O caibalion:


Um estudo da filosofia hermética do antigo Egito e da Grécia. São Paulo:
Mantra. Tradução: Edson Bini.

CHAUÍ, M. introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos à Aristóteles.


2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

ESPINOSA, B. 2015. Ética. Tradução coletiva do Grupo de Estudos


Espinosanos da USP. São Paulo: EDUSP.

NIETZSCHE, F. A filosofia na época trágica dos gregos. Trad: A foice e o


martelo.

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