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Sumário
Introdução ..................................................................................................................................... 2
1. Distinções básicas .................................................................................................................. 3
1.1 Discurso abstrato e narrativa imagética ........................................................................ 3
1.2 O que é vs. O que parece que é .................................................................................... 3
2. Heráclito de Éfeso................................................................................................................... 5
2.1 O Heráclito de Aristóteles e de Platão .......................................................................... 5
2.2 Heráclito por ele mesmo? ............................................................................................... 6
2.2.1 Estilo e abordagem ................................................................................................... 6
2.2.2 Logos e a unidade na multiplicidade ...................................................................... 7
2.2.3 A harmonia dos opostos e a guerra como princípio ............................................ 8
3. Parmênides de Eleia .............................................................................................................. 9
3.1 O Parmênides de Platão ................................................................................................. 9
3.2 Caminho da Verdade e das opiniões .......................................................................... 10
Conclusão ................................................................................................................................... 12
Bibliografia .................................................................................................................................. 12
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Isto não é Filosofia
Isto não é um Curso de História da Filosofia
Prof. Vitor Ferreira Lima
Licenciado em Filosofia (UFRRJ)
Introdução
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Isto não é Filosofia
Isto não é um Curso de História da Filosofia
Prof. Vitor Ferreira Lima
Licenciado em Filosofia (UFRRJ)
1. Distinções básicas
1.1 Discurso abstrato e narrativa imagética
Os homens se enganam no conhecimento das coisas visíveis como Homero, o mais sábio dos
helenos. Pois também àquele enganavam os jovens, quando catavam piolhos e diziam: tudo o que
vimos e pegamos, nós abandonamos; tudo o que não vimos, nem pegamos, levamos conosco (Fr.
56)
Conta-se ter dito Heráclito a estranhos que o queriam visitar e espantaram-se ao vê-lo aquecer-se
junto ao fogo: podeis entrar, aqui também moram deuses (Aristóteles, De Anima, I, 5, 645a 17)
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2. Heráclito de Éfeso
2.1 O Heráclito de Aristóteles e de Platão
As transformações do fogo: primeiro o mar; e a metade do mar é terra, a outra metade um vento
quente. A terra dilui-se em mar, e esta recebe a sua medida segundo a mesma lei, tal como era
antes de se tornar terra (Fr. 31)
O fogo se transforma em todas as coisas e todas as coisas se transformam em fogo, assim como
se trocam as mercadorias por ouro e o ouro por mercadorias (Fr. 90)
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Heráclito diz, como sabes, que tudo se move e nada permanece em repouso, e compara
o universo à corrente de um rio, dizendo que não podes entrar duas vezes no mesmo rio.
É essa uma das fontes de onde a tradição retira a noção de que Heráclito é
defensor da ideia de que tudo flui (pántha rhéi). Alguns intérpretes consideram essa
imagem como defendendo uma certa postura diante do problema se podemos ou não
chegar ao conhecimento sobre as coisas. A impossibilidade de se banhar duas vezes
no mesmo rio indicaria também que não seria possível acessar o real, uma vez que a
realidade se encontraria em mudança constante. Nesse sentido estrito, Heráclito
poderia ser interpretado como um relativista epistemológico, isto é, alguém que defende
que não há hierarquia sobre as diferentes afirmações sobre a realidade, porque sequer
seria possível captar a realidade.
Como exemplo didático para ilustrar essa concepção, é comumente lembrada
por professores a canção de Lulu Santos, Como uma onda:
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
Heráclito escreveu uma obra, da qual se conservam hoje cerca de 120 citações
textuais. Esses trechos assumem o aspecto de sentenças, provérbios, quase sempre
difíceis de interpretar.
Alguns deles fazem referência ao Oráculo de Delfos, isto é, a um templo
dedicado ao deus Apolo, para onde rumavam as pessoas em busca da opinião da
divindade sobre as mais diversas questões: pessoais, políticas e até de curiosidades.
Falaremos mais sobre essa instituição quando conhecermos Sócrates. Por agora, basta
dizer que o Oráculo pode designar também, em vez do templo, a sacerdotisa que ali
ficava e que se comunicava com as pessoas em nome do deus. A linguagem usada por
ela era obscura, alegórica e até, por vezes, monossilábica, de modo que a pessoa em
busca de respostas sempre tinha que empreender um esforço interpretativo em relação
que estava sendo dito, dado que nunca era algo claro, unívoco, sistemático.
Heráclito, tanto pela alusão que faz a esse contexto, quanto pelo teor do que
escreve, já era conhecido desde a antiguidade como Heráclito, o obscuro. Alguns
interpretes identificam nessa característica uma intencionalidade de sua parte, como se
quisesse que o leitor lesse seus escritos diversas vezes e lhes dedicasse esforço a fim
de dali retirar uma sabedoria que, por sua própria natureza, não é simples de ser
assimilada, ainda que se constitua como algo racional e, portanto, acessível a seres
racionais.
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Seria, além disso, uma maneira didática de estimular a reiteração das suas
ideias. Isso por dois motivos. Primeiro porque estimularia o leitor a revisitar o texto
diversas vezes em busca de descobrir por si mesmo o sentido ali contido. Segundo
porque, por vezes, faz com que o mesmo conceito seja ilustrado com imagens
diferentes. Heráclito parece querer ser escutado. Para isso, provoca o leitor com frases
enigmáticas. Veremos esses aspectos todos a seguir.
Todos têm a possibilidade de serem sábios para o filósofo. Ainda assim, parecem
não fazer uso dessa habilidade, dado que não compreendem a voz do logos.
Também quando ouvem não compreendem, são como surdos. Justificam o provérbio: presentes,
estão ausentes (Fr. 34)
Para Heráclito, a palavra “logos” tão usada em seus escritos parece ter, no
mínimo, dois conjuntos de significações: um relativo ao seu discurso, outro relativo à
organização do kosmos e da physis.
Este logos, os homens, antes ou depois de o haverem ouvido, jamais o compreendem. Ainda que
tudo aconteça conforme este logos, parece não terem experiência experimentando-se em tais
palavras e obras, como eu as exponho, distinguindo e explicando a natureza de cada coisa. Os
outros homens ignoram o que fazem em estado de vigília, assim como esquecem o que fazem em
estado de sono. [...] Por isso, o comum deve ser seguido. Mas, a despeito de o logos ser comum
a todos, o vulgo vive como se cada um tivesse um entendimento particular (Fr. 1 e 2).
Dessa maneira, logos (que em grego pode significar “discurso”, como já vimos)
pode se referir também a um princípio cósmico que ordena tudo o que existe. Basta,
como diz a metáfora heraclitiana, que estejamos despertos e com os ouvidos atentos
para captá-lo. Nesse sentido, Heráclito se julga um sábio, porque
Só uma coisa é sábia: conhecer o pensamento que governa tudo através de tudo (Fr. 41)
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Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia (Fr. 8)
Para Heráclito, a harmonia parece ser possível, na medida que ocorre a luta
entre opostos, em guerra constante um contra o outro.
É necessário saber que a guerra é o comum; e a justiça, discórdia; e que tudo acontece segundo
discórdia e necessidade. (Fr. 80)
A guerra é o pai de todas as coisas e de todas as coisas rei; de uns fez deuses, de outros, homens;
de uns, escravos, de outros, homens livres. (Fr. 53)
Essa guerra (do grego, pólemos – daí a palavra “polêmica”) pode ser
interpretada como um recurso imagético de Heráclito para a constante tensão entre os
diferentes que converge em harmonia, ordem, sistema. Alguns outros fragmentos ainda
poderiam ser citados, na linha da abordagem heraclitiana da reiteração didática de suas
ideias. A seguir, todos abordam a harmonia provinda da guerra entre os contrários de
modo mais ou menos imagético:
Correlações: completo e incompleto, concorde e discorde, harmonia e desarmonia, e de todas as
coisas, um, e de um, todas as coisas (Fr. 10)
Não houvesse isto (a injustiça) ignorariam o próprio nome de justiça (Fr. 23)
Deus é noite, inverno e verão, guerra e paz, abundância e fome. Mas toma formas variadas, assim
como o fogo, quando misturado com essências, toma o nome segundo o perfume de cada uma
delas. (Fr. 67)
Em nós, manifesta-se sempre uma e mesma coisa: vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice.
Pois a mudança de um dá o outro e reciprocamente. (Fr. 88)
A doença torna a saúde agradável; o mal, o bem; a fome, a saciedade; a fadiga, o repouso. (Fr.
111)
Descemos e não descemos duas vezes nos mesmos rios; somos e não somos. (Fr. 49a)
Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reúne-se; avança e se retira. (Fr. 91)
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que suas águas sejam outras. É a diversidade das águas que garante a unidade do rio.
E porque consideramos que não só o rio, mas tudo muda constantemente?
Sobre o logos, com o qual estão em constante relação (e que governa todas as coisas), estão em
desacordo, e as coisas que encontram todos os dias lhes parecem estranhas (Fr. 72)
3. Parmênides de Eleia
3.1 O Parmênides de Platão
Como obter êxito onde o próprio Platão disse não ter obtido? Empreitada difícil
essa. Porém, tentaremos mesmo assim. Para Platão e os seus contemporâneos,
Parmênides teria feito parte da escola eleática (devido a sua cidade e a alguns filósofos
que ali teriam nascido e partilhado mais ou menos da mesma abordagem e da mesma
temática). A doutrina básica desse grupo seria o monismo ontológico, isto é,
defenderiam a tese de que a realidade em seu aspecto mais geral é uma só, indivisível,
imutável e que o movimento e a multiplicidade das coisas seria apenas aparente.
Sendo essa ou não sua tese central, a verdade é que todos os testemunhos
antigos convergem em dizer que Parmênides escreveu uma obra apenas, à qual se
atribui o nome de Da Natureza. Trata-se de um poema filosófico, cujas partes (apenas
fragmentos, cerca de 19 no total) chegaram até nós. Esse escrito apresenta alguns
aspectos formais interessantes que merecem destaque para sua plena compreensão.
A métrica escolhida para os versos é o hexâmetro épico – tal qual utilizaram
Homero e Hesíodo, os dois grandes poetas dos helenos e amplamente conhecidos.
Similar aos grandes do mundo grego, Parmênides também inicia evocando divindades.
Era comum que, ao assim fazê-lo, a intenção a ser alcançada fosse a de que verdades
profundas fossem pronunciadas. Primeiro porque a divindade não mentiria jamais.
Segundo porque estaria contando narrativas de cronologias muito remotas que, por
terem se preservado, provaram-se contra o tempo e, portanto, mereceriam crédito. A
deusa invocada é sempre a Musa – nome atribuído às filhas da deusa Mnemosine, que
hoje traduzimos simplesmente por memória. Ademais, ao imitar o estilo de Homero e de
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Hesíodo, Parmênides estaria facilitando a recepção de sua mensagem, uma vez que o
ritmo e o estilo já eram amplamente aceitos, de modo que é possível notar também uma
preocupação didática por parte do filósofo. Nada mais fez o pensador que adaptar-se
à mídia de sua época. Eis o início de sua obra:
Os cavalos que me conduzem levaram-me tão longe quanto meu coração poderia desejar, pois as
deusas guiaram-me, através de todas as cidades, pelo caminho famoso que conduz o homem que
sabe. Por este caminho fui levado; pois por ele me conduziam os prudentes cavalos que puxavam
meu carro, e as moças indicavam o caminho.
O eixo, incandescendo-se na maça – pois em ambos os lados era movido pelas rodas girantes --,
emitia sons estridentes de flauta, quando as filhas do sol, abandonando as moradas da noite,
corriam à luz, rejeitando com as mãos os véus que lhes cobriam as cabeças.
Lá estão as portas que abrem sobre os caminhos da noite e do dia, entre a verga, ao alto, e em
baixo, uma soleira de pedra. As portas mesmas, as etéreas, são de grandes batentes; a Justiça,
deusa dos muitos rigores, detém as chaves de duplo uso. A ela falavam com doces palavras as
moças, persuadindo-a habilmente a abrir-lhes os ferrolhos trancados. As portas abriram
largamente, girando em sentido oposto os seus batentes guarnecidos de bronze, ajustados em
cavilhas e chavetas; e através das portas, sobre o grande caminho, as moças guiavam o carro e
os cavalos.
A deusa acolheu-me afável, tomou-me a direita em sua mão e dirigiu-me a palavra nestes termos:
Oh, jovem! A ti, acompanhado por aurigas imortais, a ti, conduzido por estes cavalos à nossa
morada, eu saúdo. Não foi um mau destino que te colocou sobre este caminho (longe das sendas
imortais), mas a justiça e o direito. Pois deves saber tudo, tanto o coração inabalável da verdade
bem redonda, como as opiniões dos imortais, em que não há certeza. Contudo, também isto
aprenderás: como a diversidade das aparências deve revelar uma presença que merece ser
recebida, penetrando tudo totalmente (Fr. 1)
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Para isso, como dissemos, há um método seguido por Parmênides. Tal passo-
a-passo é dividido usualmente em duas ou três etapas (aqui os especialistas
apresentam alguma divergência, mas ficaremos com aqueles que optam por duas). São
elas: o caminho da verdade (alétheia), e o caminho das opiniões (dóxai).
E agora vou te falar; e tu, escuta as minhas palavras e guarda-as bem, pois vou dizer-te dos únicos
caminhos de investigação concebíveis. O primeiro diz que o ser é e que o não-ser não é; este é o
caminho da convicção, pois conduz à verdade. O segundo, que não é, é, e que o não-ser é
necessário; esta via, digo-te, é imperscrutável; pois não podes conhecer aquilo que não é – isto é
impossível --, nem o expressar em palavra (Fr. 2)
Assim, quem quer saber da realidade das coisas que existem, precisa atentar
para o caminho do ser (da Verdade), afastar-se do caminho do não-ser (das opiniões).
Mas o que isso significa?
Parmênides pode ser lido como alguém que propõe um axioma, isto é, uma
afirmação que serve de base para uma demonstração – um enunciado especial que não
precisa ser demonstrado, porque é evidente e verdadeiro, mas que serve de base para
outras demonstrações. Por exemplo, Euclides, matemático grego, ao formalizar sua
geometria, parte de alguns axiomas de onde deriva todas as suas conclusões. Nesse
sentido, não conceitua, nem argumenta a favor do conceito de ponto, por exemplo.
Ponto não é conceituado, tampouco demonstrado, muito menos explicado. No entanto,
serve de base para outros conceitos: reta (o menor caminho entre dois pontos), ângulo
(figura delimitada por duas retas que partem do mesmo ponto), plano (superfície que
contém integralmente a reta que passa por quaisquer dois de seus pontos) etc. O
axioma de Parmênides é
o ser é, e o não-ser não é (Fr. 2)
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suas cadeias, que nasça ou que pereça, mas mantém-no firme. A decisão sobre este ponto recai
sobre a seguinte afirmativa: ou é ou não é. Decidida está, portanto, a necessidade de abandonar
o primeiro caminho, impensável e inominável (não é o caminho da verdade); o outro, ao contrário,
é presença e verdade. Como poderia perecer o que é? Como poderia ser gerado? Pois se gerado,
não é, também não é, se deverá existir algum dia. Assim, o gerar se apaga e o perecimento se
esquece. [...] (Fr. 8)
Aqueles que seguem esse axioma seguem o caminho reto e único da Verdade.
Aqueles que o negam, confundem ser e não-ser e, portanto, seguem o caminho obtuso
e confuso das opiniões. Ao longo do poema, ocorre um desdobramento dessas noções,
mas a essência é a mesma: ou se é, ou não se é. Não é possível abarcar o conceito de
ser em imagem. Nada há fora do ser, portanto ele não tem bordas, limites, delineamento.
Como imaginar (isto é, tornar imagem) algo sem bordas? O ser não se movimenta, dado
que se movimentar implica ou mudar de qualidade (sair do ser para o não-ser, o que é
absurdo), ou se deslocar (sair de um lugar a outro – mas que lugar se tudo o que existe
é ser?). Dessa última conclusão, deriva o monismo ontológico e o imobilismo (termos
que já aclaramos) atribuído a Parmênides.
Conclusão
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