Você está na página 1de 23

Papel da Consulta Comunitária na preservação dos direitos

comunitários.

Abril, 2015
Papel da Consulta Comunitária na preservação dos direitos comunitários.

Ficha Técnica:
Centro Terra Viva – Estudos e Advocacia Ambiental
Autor: Issufo Tankar
Revisor: Marcos Pereira

2
Índice

1. Introdução ..................................................................................................................................... 4
2. Análise e Justificação do Problema.............................................................................................. 4
2.1 Objectivos .................................................................................................................................... 6
2.2 Local da pesquisa ........................................................................................................................ 7
2.3 Descrição de Massingir Agro-Industrial ................................................................................... 7
3. Metodologia .................................................................................................................................. 8
3.1 Limitações do Estudo ................................................................................................................. 8
3.2 Consulta Comunitária no Contexto Legal Moçambicano ....................................................... 9
3.3 Processo de consulta comunitária ........................................................................................... 10
4. O Caso de Massingir Agro-Industrial ....................................................................................... 11
4.1 Acta de consulta comunitária .................................................................................................. 15
4.2 Problemas e Desafios Encontrados ......................................................................................... 17
5. Conclusões e Recomendações .................................................................................................... 19
5.1 Conclusões ................................................................................................................................ 19
5.2 Recomendações ......................................................................................................................... 20
Bibliografia .......................................................................................................................................... 22

3
1. Introdução

A consulta comunitária é uma das principais formas de participação das comunidades


na gestão de recursos naturais bem como no processo de tomada de decisão, e de
preservação dos direitos das comunidades.

A legislação sobre terras, estabelece os procedimentos a seguir para a realização de


consultas comunitárias mas mesmo assim, muitos conflitos de terras resultam da má
qualidade das consultas.

Por isso, torna-se relevante realizar estudos e pesquisas para apurar os problemas que
enfermam o processo e propor medidas que possam não só reduzir conflitos de terra
mas sobretudo tornar a comunidade um agente activo do desenvolvimento da sua
própria comunidade.

Neste contexto, propus-me a realizar esta pesquisa intitulada Papel da Consulta


Comunitária na preservação dos direitos comunitários, como forma de usar a
experiencia de Massingir para influenciar os investidores e técnicos do Governo a evitar
práticas prejudiciais para as comunidades.

2. Análise e Justificação do Problema

A Constituição da Republica de Moçambique (CRM) considera como um dos objectivos


do Estado Moçambicano "a edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-
estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos"1, e determina que "como meio
universal de criação da riqueza e do bem-estar social, o uso e aproveitamento da terra é direito de

1 Artigo 11. Constituição da República de Moçambique. 2004.

4
todo o povo moçambicano2". É nesta base que foram aprovadas a Politica Nacional de
Terras em 1995, a Lei de Terras em 1997, o regulamento da Lei de Terras em 1998 e o
Anexo Técnico ao Regulamento da Lei de Terras em 2000.

Ao reconhecer o direito adquirido pelas comunidades locais por via consuetudinária, e


em simultâneo preconizar a possibilidade de atribuição do Direito de Uso e
Aproveitamento da Terra para investidores nacionais e estrangeiros, a Lei de Terras fê-
lo no contexto da promoção do uso de recursos naturais num ambiente de legalidade,
justiça, equidade e estabilidade social, onde o respeito por direitos adquiridos e
reconhecidos, a transparência nos processos de tomada de decisão sobre atribuição de
direitos e a partilha de conhecimentos e benefícios são priorizados.

Assim, à luz do quadro legal sobre Terras, a atribuição do DUAT deve ser precedido de
consultas comunitárias realizadas com objectivos de: (i) Promover parcerias que tragam
benefícios para todas partes envolvidas (Comunidades, Investidor, Estado); (ii)
Confirmação de que a área requerida está livre de ocupação e que o projecto se
compatibiliza com os interesses locais e de desenvolvimento evitando deste modo
sobreposição de direitos; e (iii) garantir a participação das comunidades locais no
processo de tomada de decisões sobre a gestão de recursos naturais, incluindo o
processo de atribuição do direito de uso e aproveitamento de terras comunitárias a
investidores para vários fins3;

Mesmo assim, verifica-se muitas vezes situações de conflitos de terras resultantes da


interpretação divergente da legislação, promessas ou compromissos pouco claros entre
as comunidades e investidores, manipulação das consultas comunitárias para atribuição
de DUATs, especialmente para grandes projetos, em detrimento dos direitos das
comunidades e cidadãos nacionais.

2 Artigo 109. Constituição da República de Moçambique.2004.


3 Samanta Remane. Guião de Consultas Comunitárias. 2009. Centro Terra Viva.

5
O Estudo publicado em 2011 pela Justiça Ambiental em Parceria com a UNAC
constatou que a consulta, não parece ser o termo mais adequado ao que de facto tem
ocorrido, visto que o mesmo estudo verificou que as comunidades rurais não
questionam (nem estão preparadas para questionar) os potenciais impactos e
desvantagens a longo prazo dos projectos, deixando-se levar pela perspectiva de curto
prazo apresentada, a geração de emprego. O mesmo estudo explica ainda que em
muitos casos, apenas as elites locais são envolvidas no processo de consulta. Foram
encontrados alguns líderes comunitários que tinham pessoalmente aprovado projectos
nas suas comunidades, apesar da oposição generalizada dentro da comunidade. É
evidente que estes líderes locais gozam de enorme autoridade e quando criticados ou
questionados pela comunidade em relação às suas decisões a respeito do uso da terra
comunitária, os membros são ameaçados e até fisicamente agredidos. Perante este
cenário, é bastante conveniente para as empresas selecionar apenas alguns
representantes da comunidade, facto que tem criado conflitos no seio das
comunidades4.

2.1 Objectivos

Face a situação descrita acima, foi realizada presente pesquisa com objectivos de:

a)Avaliar o grau de participação das comunidades no processo de consultas


comunitárias;
b) Avaliar o papel da consulta comunitária na preservação dos direitos das
comunidades.
c) Avaliar a contribuição das consultas comunitárias para o desenvolvimento
harmonioso e participativo.

4 Nilza Matavel, Sílvia Dolores e Vanessa Cabanelas. 2011. Os senhores da terra - Análise Preliminar do Fenómeno de

Usurpação de Terra em Moçambique. Justiça Ambiental e UNAC

6
2.2 Local da pesquisa

A presente pesquisa foi realizada no distrito de Massingir, província de Gaza. Os dados


colhidos e analisados são referentes ao Projecto Massingir Agro-Industrial (MAI), que
foi recentemente atribuída um DUAT numa área de 37.500 ha para produção de Cana
de Açucar.

2.3 Descrição de Massingir Agro-Industrial

Massingir Agro-Industrial (MAI), é um consórcio constituído pela Empresa Sul


Africana TSB Sugar Internacional com 51% de acções e a Empresa Moçambicana SIAL
constituída pela Delta Zambeze, Siarna, Sogepe e Agriana todos com 49% de acções. O
Investimento Inicial é estimado em 740 milhões de dólares americanos, esperando-se
que na fase de funcionamento pleno sejam criados cerca de 7000 postos das quais entre
50 a 60% será de mão-de-obra permanente (Entrevista com a Representante da MAI em
Massingir).

Em outubro de 2011, o governo de Moçambique concedeu 37.500 ha de terra, para MAI


como resultado de concurso público5 lançado pelo governo para o aproveitamento da
área inicialmente concessionada a PROCANA. Segundo a mesma fonte, a empresa esta
a trabalhar no sentido de proteger os direitos das comunidades afetadas e evitar
conflitos idênticos aos que aconteceram com a PROCANA. Para além disto, a MAI foi
atribuída uma autorização provisória que deverá passar para definitiva, depois de
provar estar a cumprir com o plano de Exploração o que deverá acontecer dentro de
dois anos.

5 Entrevista com a gestora da MAI. Massingir 9 de Augusto 2012.

7
Os dados colhidos no campo mostram uma grande similaridade entre a PROCANA e a
MAI tanto em termos de objectivos, assim como área, postos de trabalho e ate mesmo
no pessoal Moçambicano envolvido o que leva a população local a especular que trata-
se da mesma empresa que mudou apenas de nome.

3. Metodologia

Esta pesquisa decorreu no distrito de Massingir, local onde o projecto selecionado está a
ser implementado e teve a duração de 12 meses. Para além da Revisão bibliográfica,
entrevistas semiestruturadas para informantes chaves (Administrador distrital, Director
do SDAE, Administrador do PNL, Representante da MAI) e grupos focais (Técnicos de
ONG’s, Membros das comunidades e Agricultores), o processo de recolha de dados foi
complementado com observação directa no terreno.

Para realização do trabalho de campo, foram realizadas duas visitas de 1 semana cada,
para colher dados junto dos diferentes actores incluindo membros das comunidades. As
visitas tiveram uma separação aproximada de 1 ano para avaliar as mudanças ocorridas
como consequência da PROCANA.

Durante este processo, foram, visitadas 4 comunidades, das quais três vivem na área
abrangida pelo projecto e a quarta fora da área atribuída a PROCANA. Contudo, as
actividades diárias serão influenciadas com fundos das associações.

3.1 Limitações do Estudo

Uma das principais limitações do estudo relaciona-se com o facto do Governo Local e o
representante da empresa em disponibilizar as actas de consulta bem como a
impossibilidade de acompanhar os encontros de consultas comunitárias. Nos contactos

8
feitos junto das autoridades locais, o Administrador distrital autorizou o director do
SDAE a entregar cópias das actas de consulta. Contudo, este quando contactado para o
efeito limitou-se a dizer que todas actas foram enviadas aos SPGC junto com o processo.
Por sua vez, a representante da Empresa mostrou aos pesquisadores as actas que
tinham na sua posse mas não autorizou que as mesmas fossem copiadas alegando não
possuir autorizações para o efeito.

3.2 Consulta Comunitária no Contexto Legal Moçambicano

A terra e outros recursos naturais existentes no território Moçambicano são propriedade


do Estado6. A Constituição da República (CRM. 2004) determina que a terra é
propriedade do Estado, e reconhece que é o meio universal de criação da riqueza e do
bem-estar social, atribuindo o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) a todo
povo moçambicano7.

Para materializar este direito, a Lei de Terras (Lei 19/97)8, no seu Artigo 10, permite que
as pessoas nacionais, colectivas e singulares (homens e mulheres), e as comunidades
locais, sejam titulares do DUAT, podendo este ser adquirido por ocupação segundo
normas e práticas costumeiras (Artigo 12, alínea a); ocupação de boa-fé (Artigo 12, alínea
b), ou ainda por autorização de um pedido (Artigo 12, alínea c).

O acesso a terra por ocupação obedece a normas e práticas costumeiras que podem
variar de comunidade para comunidade mas não devem, nem podem contrariar a
constituição. Entretanto, nos termos do artigo 13 nº 3 da LT/97, “O processo de titulação
do direito de uso e aproveitamento da terra inclui o parecer das autoridades administrativas
locais, precedido de consulta às respectivas comunidades, para efeitos de confirmação de que a

6 Artigos 98 e 109. Constituição da República. 2004.


7 Número 1 e 2 do artigo 109 da constituição da República. 2004.
8 Lei nº 19/97 de 1 de Outubro.

9
área está livre e não tem ocupantes ”. Isto significa que nenhum pedido de DUAT, pode ser
autorizado sem que a comunidade seja devidamente informada e consultada.

Teoricamente, as consultas comunitárias são vistas como um instrumento através do


qual as comunidades locais podem negociar a sua participação nos benefícios do
projecto, incluindo oportunidades de emprego e outros benefícios sociais e
económicos9.

3.3 Processo de consulta comunitária

A Lei de Terras, explica que a consulta é feita a comunidade Local. Isto significa que
todas (homens, mulheres, jovens, velhos, etc) as pessoas, membros da comunidade
devem ser consultadas.

O diploma ministerial 158/2011, estabelece que a consulta comunitária é feita em duas


fases (contemplando duas ou mais reuniões), sendo a primeira destinada à prestar
informação à comunidade local sobre o pedido de aquisição do direito de uso e
aproveitamento da terra e a identificação dos limites da parcela e a segunda destinada a
obter o pronunciamento da comunidade local sobre a disponibilidade de área para a
realização do empreendimento ou plano de exploração.

O mesmo diploma, estabelece que a acta de consulta é assinada pelos membros dos Conselhos
Consultivos de Povoação e de Localidade e que um exemplar da acta de consulta, após emitido o
parecer pelo Administrador do Distrito, deve ser entregue à comunidade local. A entrega da
acta de consulta à comunidade local é uma forma que o Estado criou para que a
comunidade local pudesse provar os compromissos assumidos durante o processo de
consulta comunitária, e assim exigir a sua realização.

9 Nhantumbo, I. and Salomão, A. (2010), Biofuels, Land Access and Rural Livelihoods in Mozambique, IIEd, London.

10
O Diploma ministerial 158/2011, estabelece ainda que não são válidas as consultas que
não respeitarem os procedimentos estabelecidos no presente Diploma Ministerial e
demais legislação aplicável.

Apesar da legislação, contribuir para que a comunidade tenha provas dos


compromissos assumidos durante a fase de negociação, e estabelecer de forma clara a
mesma não indica os procedimentos a seguir para “obrigar” o investidor a realizar os
compromissos assumidos durante o processo de consulta comunitária, nem como fazer
para invalidar as consultas que não respeitaram os procedimentos estabelecidos no
diploma 158/2011. Esta situação, embora encontre resposta noutra legislação, constitui
uma omissão que retarda ou impede a materialização dos direitos das comunidades.

A Lei, exige também que os Conselhos Consultivos de Posto Administrativo e de


Distrito pronunciam-se sobre o pedido de aquisição do DUAT, sempre que se tratar de
áreas superiores a 100 hectares, indicando as vantagens e/ou desvantagens para a sua
autorização. Este procedimento constitui uma forma de aumentar a participação das
comunidades no processo de tomada de decisões, mas não deve nunca substituir a
consulta comunitário que quando devidamente feito é o melhor momento para a
participação das comunidades.

4. O Caso de Massingir Agro-Industrial

Como explicado anteriormente, MAI surge com o mesmo propósito da PROCANA,


dada a coincidência da área a trabalhar, do plano de exploração, bem como pelo facto
de alguns dos representantes da PROCANA serem os mesmos a representar a MAI.
Aliás, este faz com que as comunidades tenham certas reservas em relação ao
cumprimento dos compromissos assumidos pela empresa, tal como se pode concluir
pela intervenção do Sr. Joaquim da AZAMA ao afirmar: “A MAI pretende fazer o

11
mesmo que a PROCANA pretendia fazer -mudaram apenas de casaco - mas as pessoas são as
mesmas. Por isso, pedimos a Empresa para respeitar os limites indicados pelas Comunidades”.

Mesmo assim, e em cumprimento com a legislação vigente a MAI teve de iniciar o


processo de pedido do DUAT, Licenciamento ambiental e todos outros estudos
necessários para investimentos desta natureza.

Processo de pedido de DUAT

De acordo com Leonor Tivane, Gestora da MAI10 após o governo anunciar que o
concurso foi ganho pela MAI, foi iniciado o processo de Licenciamento com vista a
obtenção do DUAT, Licenças Ambientais e outras exigidas por Lei tendo sempre o
cuidado de evitar cometer os mesmos erros cometidos pela PROCANA.

A gestora da MAI explicou que no processo de pedido de DUAT foram seguidos todos
procedimentos estabelecidos por Lei, incluindo apresentação do projecto à comunidade,
várias reuniões de consulta comunitária e visitas pelos líderes ao terreno requerido para
o reconhecimento dos limites físicos da área solicitada. Foram ainda selecionadas 10
pessoas por cada comunidade para ajudar na demarcação das áreas em que os camiões
deveriam circular, com vista a não destruir as machambas ou outras actividades que as
comunidades possam ter já iniciado nesta área.

A mesma fonte explicou ainda que como estratégia de promover o desenvolvimento


comunitário, foi solicitado que cada comunidade indicasse 100ha para produção de
alimentos, e outros 250ha para produção de cana-de-açúcar que será vendida a
empresa. Como forma de preparar a comunidade para a nova abordagem a ser
introduzida pela empresa, a MAI levou alguns líderes para visitarem uma associação
que trabalha em parceria com a TSB Sugar Internacional em Malelane (Africa do Sul).

10 Entrevista realizada em Junho de 2012.

12
O governo distrital, num encontro realizado no dia 19 de Junho de 2012, onde
participou o Administrador do Distrito e o director do SDAE, também confirmou a
realização de várias reuniões, constituição de grupos de 10 pessoas e realização de visita
a africa do sul entre outros aspectos para evitar repetição dos mesmos erros cometidos
pela PROCANA.

Infelizmente, como pode-se depreender pelos depoimentos dados, a cerca da visita a


Africa do Sul mostrou apenas aspectos positivos, deixando transparecer que o projecto
tem apenas aspectos positivos, o que pode induzir as comunidades a aceitar o projecto
sem uma discussão profunda para encontrar alternativas as limitações que surgiram
com a implantação da empresa.

De facto, a informação dada pela gestora da MAI bem como pelos membros do governo
local presentes na entrevista (Administrador distrital e director do SDAE) foi
confirmada pelos membros das comunidades de Massingir sede, Banga, Nanguene e
Chibotane realizadas pelos pesquisadores. Importa referir que as comunidades
entrevistadas mostraram uma certa satisfação da forma como o processo decorreu mas
reiteraram certa preocupação sobre o cumprimento das promessas feitas, sobretudo
durante a segunda visita realizada em 2013, cerca de 1 ano após a primeira, altura em
que a empresa estava já a abrir as vias de acesso mas não estava a fazer nada do que
prometeu.

O Sr. Joaquim Nombora, membro da AZAMA, explicou por exemplo que o Governo
organizou em Abril um encontro onde apresentou a empresa que iria substituir a
PROCANA. Depois deste encontro, estes levaram os líderes para visitarem projectos
similares da mesma empresa na Africa do Sul, onde viram muita produção e pessoas
com carros adquiridos com rendimentos das suas machambas. Um membro da
Comunidade de BINGO, explicou que a comunidade acha que a entrada do MAI foi
muito clara, talvez venham a surgir problemas futuros.

13
Apesar da maioria dos intervenientes enaltecerem a forma como as reuniões de consulta
foram organizadas, mencionaram também alguns aspectos negativos relacionados com
a entrada da MAI.

Foto: Residentes do Bairro de Nanguene, durante a entrevista (Manuela Wing, Junho de 2013).

Os residentes no bairro Nanguene por exemplo11, mostraram certa preocupação pelo


facto de não terem sido consultados ou envolvidos na consulta para obtenção do DUAT
para a MAI, apesar de serem já residentes de uma comunidade abrangida pelo projecto.
Na sua opinião, as consultas deviam ter envolvido também membros deste bairro, pois
parte da área usada para pastagem foi atribuída a MAI o que irá alterar de certa forma o
sistema de vida destas famílias, tal como afirmou um dos participantes: “o Local que
tínhamos escolhido já não é suficiente para criar os nossos animais pelo facto de uma pate ter sido
ocupada pela PROCANA”.

As comunidades pediram ainda que o Governo fiscalize a implementação do projecto


de para que a empresa cumpra com os compromissos assumidos para não acontecer de
novo o que aconteceu com a PROCANA e que permita as ONG’s continuarem a realizar
o seu trabalho porque podem levar as pessoas a respeitarem as leis que as comunidades
desconhecem.

11Este bairro é constituído por famílias que residiam na aldeia de Nanguene localizada interior do PNL, que foram
reacentadas na comunidade de Chinhangane, passando por isso a pertencer a esta comunidade.

14
4.1 Acta de consulta comunitária

O artigo 27 do decreto-lei 66/98, combinado com o artigo 2 do diploma ministerial;


158/2011, estabelece que o resultado da consulta deve ser transcrito na acta de consulta
que deve ser assinada pelos membros dos Conselhos Consultivos de Povoação e de
Localidade. O mesmo dispositivo estabelece que um exemplar desta acta, deve ser
entregue à comunidade local, após emitido um parecer pelo Administrador do Distrito.

O guião de consulta comunitária (2010), produzido pelo CTV considera a Acta de


Consulta como um documento escrito que resume os assuntos discutidos e a decisão
saída da reunião de auscultação. A acta serve também de prova dos compromissos
alcançados e deve levar assinaturas ou impressões digitais de representantes de todos
actores envolvidos.

Em todo processo de atribuição de DUAT, a acta de consulta comunitária é o único


documento que contem informação sobre o projecto, bem como os compromissos
assumidos que fica na posse da comunidade, podendo se necessário recorrer-se a ela
para confirmação em caso de dúvida dos compromissos assumidos por qualquer das
partes.

Porém, no encontro realizado com o Governo Distrital em Junho de 2012, este explicou
que não havia ainda entregue as cópias das actas de consulta mas prometeu fazê-lo em
breve incluindo a disponibilização de algumas cópias à equipe de pesquisa do CTV.

Contudo, em Julho de 2013, pouco mais de 1 ano após o primeiro encontro, verificou-se
em todas comunidades abrangidas pelo estudo que nenhuma delas tinha recebido a
acta de consulta comunitária, nem se quer sabia que trata-se de um direito da
comunidade receber uma cópia da acta de consulta, contrariando-se deste modo ao
estabelecido no Nr. 3 do artigo 2 do diploma ministerial 158/11 que estabelece o

15
seguinte: Um exemplar da Acta de consulta, após emitido o parecer pelo Administrador
do Distrito, é entregue à comunidade local.

Como foi já explicado, os investigadores tiveram acesso as actas através da MAI, mas
sem autorização para as fotocopiar. Nelas verificou-se que as comunidades estão a favor
do projecto e alguns dos seus pedidos são emprego, construção de sistemas de
irrigação, campo de futebol, equipamento desportivo, escolas entre outros.

Por sua vez, as comunidades explicaram terem sido realizadas várias reuniões entre a
comunidade, investidor e governo que culminou com um compromisso onde a
comunidade cedia parte da sua área a empresa e esta comprometeu-se a vedar e
preparar uma área agricola da comunidade, construir hospital, escola, moageira, campo
de futebol e equipamento para equipe local, e melhorar a represa de agua para consumo
local.

Foto: Comunidade de Banga, durante a entrevista. Manuela Wing

De modo geral, a acta relata o que aconteceu no encontro, descrevendo a informação


dada pela empresa e as intervenções dos membros das comunidades, mas não descreve
o compromisso assumido, o tempo para sua execução e outros detalhes importantes
para que todos intervenientes tenham a mesma percepção e expectactiva.

16
4.2 Problemas e Desafios Encontrados

A consulta comunitária constitui um momento de interação entre as Comunidades,


Estado e o Investidor com vista a evitar sobreposição de direitos e estabelecer parcerias
que sejam benéficas para todos intervenientes. Para se alcançarem estes objectivos, é
imprescindível que todas as partes estejam devidamente preparadas e tenham acesso a
informação detalhada que lhes permita decidir de forma consciente e consequente.

As comunidades consultadas não passaram de nenhum processo de preparação social,


para que possam analisar o projecto, os benefícios e prejuízos que irão resultar da
implementação do projecto de modo a tomaram uma decisão consciente e que seja
benéfica para eles. As pessoas entrevistadas não sabiam que tinham o direito de aceitar
ou de negar que as suas terras sejam ocupadas, nem que é uma obrigação do Governo
entregar uma cópia da acta de consulta a comunidade.

O processo de consulta serve apenas para dar informação geral sobre o projecto e os
benefícios que o mesmo irá trazer tal como emprego, energia, estradas etc. mas não fala
dos impactos negativos como a redução da área de pastagem, de caça, de extração da
lenha entre outros. Segundo explicaram os líderes comunitários, durante as consultas o
investidor explicou que o projecto criaria emprego e benefícios para a comunidade
tendo inclusive levado alguns líderes para visitar projectos similares na República da
Africa do Sul o que deixou-os bastante impressionados. Porém, em nenhum momento
as comunidades foram confrontados com o cenário real que irá ocorrer com a
implantação do projecto como é o caso da redução da área de pastagem,
disponibilidade de carvão e lenha principais fontes de energia, aumento da densidade
populacional resultante da vinda de pessoas de outros locais a procura de emprego
entre outros.

17
O processo de consulta comunitária limitou-se apenas a discussões gerais, não se tendo
avançado para detalhes sobre o número de empregos a criar, nível de pessoas a
empregar, actividades a realizar e respectivo cronograma, sequencia das acçoes a
realizar nas comunidades em termos de período, duração e tamanho. A ausência deste
tipo de discussão faz com que 1 ano após a realização de consultas, as comunidades
começam a duvidar da seriedade do investidor. No encontro realizado na comunidade
de Banga os participantes afirmaram estarem satisfeitas com o acordo estabelecido mas
preocupados pelo facto do mesmo não estar a ser cumprido pois na sua perspectiva
tudo deve ser feito em simultâneo. Para exemplificar um dos membros da comunidade
de Banga disse: “A empresa já começou a abrir ruas na área cedida pela comunidade mas esta
ainda não fez nada do que prometeu para comunidade. Eu acho que tudo deve ser feito na mesma
altura”. Isto realça a necessidade de detalhar os acordos estabelecidos entre as
comunidades e o investidor para não criar expectativas exageradas que podem levar ao
descontentamento das comunidades.

18
5. Conclusões e Recomendações

5.1 Conclusões

O trabalho feito durante cerca de 1 ano permitiu chegar as seguintes conclusões:

1. O processo de consulta comunitária para atribuição do DUAT abrangeu todas


comunidades residentes na zona requerida pelo investidor. Porém, o nível de
participação variou de comunidade para comunidade. O Bairro Macavene por
exemplo, reacentada na comunidade de Chinhangane, afirmou não ter sido
convidada a participar nas reuniões de consulta comunitária, enquanto as outras
confirmaram terem participado.
2. O facto do processo estar a decorrer pela segunda vez em virtude da revogação do
DUAT atribuído à PROCANA contribuiu para abranger maior número dos
membros das comunidades e reduzir alguns erros cometidos no processo.
3. O desconhecimento da Legislação por parte das comunidades, aliada a falta de
preparação social aumenta a possibilidade de eclosão de conflitos em virtude
destas participarem numa negociação não justa podendo levar lhes ao
arrependimento.
4. Alguns técnicos do Estado desconhecem os procedimentos para a realização de
consultas comunitárias estabelecidas no diploma ministerial 158/11. O mais grave
ainda é que as pessoas responsáveis para garantir o cumprimento dos tais
procedimentos (Administrador distrital, Director distrital dos SDAE) agem como
se não as conhecessem ao ponto de mesmo um ano depois e com a chamada de
atenção feita pelos pesquisadores não terem entregue nenhuma cópia da acta de
consulta as comunidades tal como estabelece o diploma ministerial 158/11.
5. Os técnicos do Estado e da MAI continuam a tratar o processo com relativo
secretismo dificultando o acesso as actas (não entregando cópias) e outra

19
documentação relativa ao pedido de DUAT e Licenciamento ambiental para
técnicos de ONG’s bem como para membros das comunidades.
6. As negociações entre as comunidades e o investidor são feitas de forma superficial
não indicando o período da realização dos compromissos assumidos, muito menos
as quantidades de pessoas a contractar, salas de aulas a construir etc, o que cria
percepções e expectativas diferentes de ambas as partes. Este procedimento resulta
em entendimentos de curto prazo, que podem resultar em conflitos a médio e
longo prazos à medida em que as suas expectactivas não se consumarem.

5.2 Recomendações

1. Nas comunidades onde se pretendem implantar grandes projectos que implicam


a ocupação da Terra, deve ser realizado uma série de actividades de preparação
social e delimitação para que estas participem de forma justa em todas
negociações relativas a atribuição de DUAT’s e/ou exploração de outros
recursos.
2. Técnicos do Estado e do sector privado devem ser capacitados em matéria de
legislação de terras e sensibilizados para cumprir eficazmente os procedimentos
de atribuição de DUAT, estabelecidos por Lei, em particular as consultas
comunitárias.
3. Sistematização e divulgação da legislação que penaliza os funcionários públicos
que por negligência não cumprem com a legislação de terras, como forma de
reduzir a eclosão de conflitos, corrupção e desrespeito dos direitos dos mais
desfavorecidos.
4. As negociações entre o Investidor e Comunidades devem ser o mais transparente
e detalhado possível, indicando quando, onde, como e outra informação que
evite situações dúbias no futuro. Caso a Acta de consulta não ofereça detalhes
suficientes sobre a matéria, deve ser redigido um acordo/memorando sobre o

20
assunto para evitar conflitos resultantes de má interpretação dos compromissos
assumidos.
5. A Consulta Comunitária deve ser vista como parte da criação de confiança
mútua e estabelecimento de parceria justa e duradouro e não apenas como
cumprimento de um mero formalismo previsto na Lei.

21
Bibliografia

1. Constituição da República de Moçambique. 2004. Imprensa Nacional


2. Lei nº 19/97 de 1 de Outubro. Lei de Terras. 1997. Imprensa Nacional
3. Decreto nº 66/98 de 8 de Dezembro. Regulamento da Lei de Terras. 1998.
Imprensa Nacional
4. Diploma Ministerial No. 158/11 de 15 de Junho.
5. Camilo Nhancale. 2012. Large Scale Land Transitions in Mozambique. The case
of Massingir Agro Industrial
6. Nhantumbo, I. and Salomão, A. (2010), Biofuels, Land Access and Rural
Livelihoods in Mozambique, IIEd, London.
7. Nilza Matavel, Sílvia Dolores e Vanessa Cabanelas. 2011. Os senhores da terra -
Análise Preliminar do Fenómeno de Usurpação de Terra em Moçambique.
Justiça Ambiental e UNAC.

22
Anexo: Guião de Entrevistas
1. O Governo atribuiu uma área da vossa comunidade a empesa Massingir Agro-Industrial.
Como é que o processo foi conduzido?
a) Quantas reuniões foram realizadas?
b) Quem participou?
c) Que informação foi dada a comunidade?

2. Que acordo foi estabelecido entre a comunidade, empresa e governo?


a) Existe algum documento escrito que formaliza o referido acordo?

3. Estão satisfeitos com o acordo? A empresa esta a cumprir com o mesmo? Porque afirma
isso?

4. Se a empresa fizesse a mesma pergunta hoje o que iriam mudar? Porquê?

5. Caso tenha outra informação ou comentários que não foram colocados, pedimos que o
faça.

23

Você também pode gostar