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Norte Energia SA
Agosto/2015
Sumário
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 4
6. ECONOMIA ......................................................................................................................... 34
Quadro 2.1: Período do trabalho de campo em 2015 para a elaboração da caracterização socioambiental
da TI Arara da VGX
Aldeia Período
21 a 28 de janeiro, 13 a 21 de fevereiro e
Terrawangã
18 a 22 de março
A metodologia procurou envolver os mais velhos e experientes das aldeias, bem como
representantes de ambos os gêneros e faixas etárias, sempre proporcionando espaços
de discussão para que os próprios indígenas pudessem refletir e avaliar o contexto e as
transformações a partir de seus próprios referenciais.
Foram empregadas diversas técnicas de Diagnóstico Rural Participativo (DRP), que
constituem um conjunto de técnicas e ferramentas que permite que as comunidades
façam seu próprio diagnóstico e comecem a gerenciar seu planejamento e seu
desenvolvimento (Verdejo, 2006):
• Reuniões prévias com a comunidade;
• Conversas informais;
• Entrevistas semiestruturadas;
• Grupos focais por tema;
• Expedições aos locais importantes;
• Elaboração de mapeamentos participativos;
• Observação participante.
Quadro 2.2: Metodologia utilizada e descrição dos dados levantados para os quatro temas principais da
Caracterização Socioambiental da TI Arara da VGX
- Entrevistas
Caracterização do sistema agrícola com o
semiestruturadas junto a
levantamento das atuais áreas de roças,
indivíduos chaves e aos
Diagnóstico de uso do solo descrição das etapas, práticas e técnicas
donos das roças,
relacionadas ao seu manejo e o levantamento
- Visita e medição dos
da agrobiodiversidade associada.
roçados
- Etnomapeamento (Figura
2.3),
- Entrevistas
semiestruturadas, Classificação e reconhecimento dos ambientes
utilizados e dos recursos naturais que
Levantamento participativo - Grupos focais (Figura
constituem a base de sua existência e
dos recursos e ambientes 2.1),
identidade étnica. Caracterização dos sistemas
prioritários - Conversas informais,
locais de uso, manejo e conservação dos
- Observação participante recursos de acordo com a logica indígena
- Expedição a locais
escolhidos durante o
etnomapeamento
Figura 2.1 Grupo focal sobre pesca e elaboração de calendário sazonal
Foto: Renata Utsunomiya
A TI Arara da VGX se localiza na margem direita do rio Xingu, na região da Volta Grande,
entre os rios Bacajá e Bacajaí, conhecidos localmente também como Pacajá ou Pacajaí,
respectivamente. No seu interior existem nove grotas importantes o grotão do São Felix,
a grota do Pium, Baia, do Sabino, Trairão, Gameleira, do Meio, Machado e Barreiro,
todos eles igarapé intermitente e importantes locais para a atividade de caça que vão
em busca de água nos poços que permanecem no verão.
Para os Arara existem dois período do ciclo ecológico: o inverno, que se estende de
janeiro até o final de abril, e o verão que vai de maio a dezembro. Para os Arara esses
ciclos ecológicos são definidos pela quantidade de chuva sendo o mês de dezembro
considerado um mês de verão ainda porque “faz muito sol”.
Nos estudos de ictiofauna e pesca do EIA da UHE de Belo Monte realizados na região
do médio rio Xingu, Isaac et al. (2008) dividiram o ano em quatro períodos, com base
na curva hidrológica do rio Xingu derivada das vazões médias dos anos de 2000, 2001,
2007 e 2008, sendo eles:
Cheia – março a maio
Vazante – junho a agosto
Seca – setembro a novembro
Enchente – dezembro a fevereiro
3.1.2. Solos
Os tipos de solos encontrados na TI Arara da VGX de acordo com a vegetação
associada copilados de Patrício et al., (2009) pode ser visto no Quadro 3.1.2.1.
Quadro 3.1.2.1: Tipos de solos encontrados na TI Arara da VGX de acordo com a vegetação associada
(Organizado a partir de informações de Patrício et al., 2009).
A Figura 3.1.2.1 apresenta os tipos de sol que ocorrem na TI Arara da VGX levantados
por (Andrade Gutierrez, Camargo Correa & Odebrecht, 2009) onde:
Figura 3.1.2.1 Distribuição das unidades edáficas na região da TI Arara da VGX (Andrade Gutierrez,
Camargo Correa & Odebrecht, 2009)
Nome do ambiente ou
Características ambientais Período de ocorrência Importância e usos Outras informações
fitofisionomia
Nome do ambiente
Características ambientais Período de ocorrência Importância e usos Outras informações
ou fitofisionomia
Tem muita fruta na beira como juari, figo goiaba e bananinha sendo
Parte da beira da terra onde a mata se bom para pescar. Quando não tem fruta é bom para pescar também É um ambiente exclusivo da terra, nas ilhas as
Beiradão Inverno e verão
encontra com a beira do rio. com caniço batendo. Também é bom para pescar tucunaré, beiras são chamadas de beira de ilha.
curimatá. A noite é bom para caçar paca e tatu lanternando.
Vegetação de mata limpa localizada a De acordo com Patrício et al. (2009) corresponde
Igapó beira da terra e ilhas quando inundadas. Inverno Bom para pescar pacu branco, curimatá e piau. a Floresta Ombrófila Densa Aluvial
No verão vira baixão. Periodicamente Inundada.
É bom para caçar jabuti no verão quando desce para a beira para
É área do igapó no verão. Existem dois
Verão na beira da terra e beber água e comer fruta. Nos baixos da beira do Bacajá tem muitas De acordo com Patrício et al. (2009) corresponde
Baixo ou terra tipos de baixo, o da beira da terra e ilhas
ilha e inverno e verão fruteiras. é bom para caçar anta também que gosta do baixo para a Floresta Ombrófila Densa Aluvial
baixa que vira igapó no inverno e o do “centro”
dentro da mata comer fruta e quando come não vai pra longe ficando ali por perto. O Periodicamente Inundada.
da mata que é sempre baixão.
baixo tem muita fruteira de cajarana.
Nome do ambiente
Características ambientais Período de ocorrência Importância e usos Outras informações
ou fitofisionomia
Um dos ambientes utilizados para todo tipo de caça que quando não esta
Área elevada que existe na terra e não está na grota está em cima da terra alta. A beira da terra alta também é
É coberto para vegetação de mata alta podendo
Terra alta em algumas ilhas e que nunca é Inverno e verão bom para todo tipo de caça. É na terra alta que fica o queixada muitas vezes
ocorrer também mata cerrada.
inundada. São os morros. comendo e quando dá sede e vontade de “banhar” ele desce e procura a
água nas grotas e baixão, o mesmo fazendo o jabuti.
Áreas com concentração de açaí Tiram açaí e é um local bom para caçar jacu, queixada, etc. que vaio se
Inverno e verão De acordo com Patrício et al. (2009) corresponde
Açaizal de touceira nos baixos próximos as alimentar dos frutos do açaí e beber água no verão. É onde os queixadas
a Floresta Ombrófila Aberta com Palmeiras.
grotas no “centro” da mata. vão se enlamear também.
Área com concentração de babaçu, Inverno e verão De acordo com Patrício et al. (2009) corresponde
Cocal ou palhal Bom para caçar queixada que gosta de “roer” a massa do seu coco.
nos morros e capoeiras a Floresta Ombrófila Aberta com Palmeiras.
Inverno e verão Quando o fruto está caindo é bom para caçar queixada que gosta de comer De acordo com Patrício et al. (2009) corresponde
Paxiubal Área com concentração de paxiuba
a sua fruta a Floresta Ombrófila Aberta com Palmeiras.
A TI Arara da VGX está formada atualmente por duas aldeias, Terrawangã e Guary-
Duan e por dois núcleos populacionais, Vista Alegre e Porto Alegre, todas localizadas
na margem direita do rio Xingu. As coordenadas dessas aldeias e núcleos podem ser
vistas no Quadro 3.2.1.1.
O primeiro registro que se tem da população Arara da TI Arara da VGX são os dados
populacionais desse povo registrado no Relatório de Impacto Ambiental / Estudo de
Impacto Ambiental produzido pela Universidade Federal do Pará – UFPA mediante
solicitação da Eletronorte, citado por FUNAI (2002) dando conta de uma população de
cinco famílias constituídas por 29 pessoas. Posteriormente essa população sobe para
68 pessoas em 2002 e 73 pessoas em 2003 de acordo com os estudos que a FUNAI
estava realizando em vista ao reconhecimento dessa área como terra indígena (FUNAI;
2002). Em 2004 a população era de 80 pessoas (Patrício, 2005). Durante a elaboração
do Componente Indígena da TI Arara da VGX no âmbito do EIA/RIMA da UHE de Belo
Monte sua população já se encontrava em 112 pessoas (Patrício et al., 2009) e no censo
realizado durante o presente estudo havia passado para 148 pessoas (Anexo II). Um
gráfico com a variação histórica da população dessa terra indígena nesses últimos 27
anos pode ser visto na Figura 3.2.1.1.
Quadro 3.2.1.1. População da TI Arara da VGX em março de 2015, separada por aldeias e núcleo
populacionais.
Localização
Aldeia ou núcleo No de
População
populacional famílias
Latitude Longitude
Os dois núcleos populacionais que existe na TI Arara da VGX, o Vista Alegre e Porto
Alegre estão ligados a aldeia Terrawangã fazendo parte do seu censo oficial junto ao
Distrito Sanitário Especial Indígena DSEI de Altamira sendo considerado pelas
lideranças e população da aldeia Terrawangã como parte da população dessa
comunidade. Não são, portanto unidades políticas independentes na relação com as
instituições externas e sim partes da aldeia Terrawangã.
Para os Arara o censo oficial é um documento formal que demarca pertencimento e
envolve direitos. A descoberta de não estar registrado no censo causa desconforto e
reclamações das pessoas que se sentem excluídas e discriminadas. O censo determina
se a pessoa tem o direito de ser atendido pelo sistema de saúde da aldeia, mas o não
pertencimento ao censo ou comunidade não significa o seu não atendimento. É com
base no censo que são divididas as cotas de combustível dada pelo Empreendedor
sendo também o censo que vai determinar o acesso a bens recebido pela comunidade
com base no seu tamanho populacional. Sair do censo parece significar a perca desses
direitos, assim ocorre casos de pessoas que mesmo tendo casado e ido morar na TI
Paquiçamba seus pais pedem para que a pessoa não seja retirada do censo. Para os
Arara o censo é muito mais que uma simples contagem da população e é importante ter
isso em mente ao considerá-lo.
A atual aldeia Terrawangã1 foi fundada em 1966 quando Seo Leôncio Arara se muda da
ilha localizada em frente a esta, tendo, portanto 49 anos de ocupação. Antes disso essa
área já havia sido ocupada por sua tia avó Tintin Arara que tinha nesse local suas áreas
de roça, flechal e outras benfeitorias como suas fruteiras, mas vivendo nas ilhas para
se protegerem dos ataques dos Kayapó e Asurini que utilizavam a região como rota de
deslocamento (FUNAI, 2002; Patrício, 2005). O núcleo Vista Alegre existe há 31 anos
quando um dos não índios da região se casa com uma das sobrinhas de Seo Leôncio
Arara (Patrício, 2005). O núcleo Porto Alegre ocupado por uma família Curuaia é de
existência também antiga quando o Curuaia chefe dessa família se desloca da área do
alto Xingu e se estabelece na região, não se podendo obter informação referente a que
época isso ocorreu. Essa família Curuaia já morou na aldeia Xikrin do Pykaiako na TI
Trincheira-Bacajá e na aldeia Furo Seco na TI Paquiçamba, mas sempre mantendo o
seu “sítio” dentro da TI Arara da VGX. Antes de ocuparem a ilha onde se localizam agora
viviam na terra onde hoje se encontra uma fazenda de não índios em processo de
desintrusão, mas mantendo suas roças na terra.
160 148
140
120 112
100
População
80
73
80 68
60
40 29
20
0
1988 2002 2003 2004 2008 2015
Ano
1
Anteriormente seu nome era Oro’g Yeboroguru (flor da terra) sendo o nome Terrawangã adotado em 2006 por ser mais
fácil (Patrício et al., 2009). De acordo com os Arara Terrawangã significa “fim da terra”.
A aldeia Guary-Duan2 (palhal ou dentro do palhal) é a mais nova aldeia na região, tendo
sido fundada no inicio de 2011 pela liderança Zé Carlos Arara. Foi criada no mesmo
local que anos atrás morava Tucum Kayapó e sua família e que atualmente vive na TI
Trincheira-Bacajá. No início a intenção era a mudança de todos os moradores da aldeia
Terrawangã para esse novo local localizado a 1,5 km de distância por ser uma área
mais plana ideal para as novas construções como escola e posto de saúde que a aldeia
espera que sejam construídos. No momento da mudança Seo Leoncio Arara fundador
da Terrawangã se recusa a ir e a mudança não se concretiza com poucas famílias
mudando para essa nova aldeia.
A população da TI Arara da VGX atualmente é formada por 57% de homens e 43% de
mulheres. Sua população é bem jovem, com 85 pessoas (57%) com menos de 19 anos
de idade e apenas cinco pessoas (3%) com mais de 60 anos de idade (Figura 3.2.1.2).
Sua taxa de natalidade é baixa, apenas cinco nascimentos foram registrados entre os
seus moradores no período de janeiro de 2014 a junho de 2015.
Os Arara constituem 61% da população total dessa terra indígena atualmente, seguidos
por uma população de Curuaia que representa 12% do total (Figura 3.2.1.3). Juruna e
não indígenas constituem cada um 9% da população total, e os Xipaya e Kayapó 6% e
3% respectivamente. Todos os filhos de Arara com não indígena são considerados
Arara, mas nem sempre um filho de Arara com outro povo indígena é Arara, podendo
vir a ser considerado da etnia da mãe ou do pai sem a princípio uma regra clara, sendo
a sua pertinência étnica “oficializado” pelos pais no ato do registro de nascimento
através da designação do sobrenome do povo ao qual pertencerá.
80 a 89 1
70 a 79 1
60 a 69 0 3
50 a 59 2 3
40 a 49 4 8
30 a 39 3 10
20 a 29 14 14
10 a 19 14 26
0a9 25 20
30 20 10 0 10 20 30
Mulheres Homens
2
De acordo com seu fundador seu nome significa palhal ou dentro do palhal em referência aos vários pés de babaçu
que possui.
Kayapó
Xipaya
3%
6%
Não indígena
9%
Juruna
9%
Arara
61%
Curuaia
12%
3.2.2. Infraestrutura
3.2.2.1. Moradias
Menos de 3 anos 9 3 2 1 15
Tempo de
De 4 a 8 anos 7 1 0 1 9
construção
Mais de 13 anos 2 1 2 0 5
Os próprios moradores 16 4 4 2 26
Os próprios moradores
Construída por com apoio do 2 0 0 0 2
Empreendedor
Empreendedor 0 1 0 0 1
Brasilit 5 2 0 0 7
Cobertura Cavaco 1 0 0 0 1
Palha 12 3 4 2 21
Presença 2 1 0 0 3
Manta térmica
Ausência 16 4 4 2 26
Terra batida 12 4 2 2 20
Piso Cimento 5 1 2 0 8
Madeira 1 0 0 0 1
Madeira 14 3 3 2 22
Alvenaria 0 1 0 0 1
Fossa rudimentar 0 0 0 0 0
Sem banheiro 18 5 4 2 29
Freezer 5 4 3 1 13
Sem freezer ou
13 1 1 1 16
geladeira
Eletrodomésticos
Televisão 17 5 4 1 27
Sem televisão 1 0 0 1 2
Gerador comunitário 17 5 0 0 22
Fonte de energia
Gerador próprio 1 0 4 2 7
Dois modelos de casas estavam sendo construídas a Tipo 1 com dois quartos e 68,02
m2 (9 na Terrawangã e 1 na Guary-Duan) e a Tipo 2 com três quartos e 68,12 m2 (16 na
Terrawangã e 5 na Guary-Duan), sendo cobertas por telhas Brasilit.
Figura 3.2.2.1.2 Novas casas sendo construídas pelo Empreendedor na aldeia Terrawangã.
Foto: Hilton Nascimento
Com o início das ações do PBA várias famílias da TI Arara da VGX receberam voadeiras
de alumínio com motores de popa do Empreendedor. A relação de voadeiras e motores
de popa aqui apresentada foi obtida através de entrevistas realizadas em cada unidade
domiciliar entre janeiro e fevereiro de 2015, correspondendo à autodeclaração de seus
moradores, podendo não corresponder à lista de embarcações efetivamente entregues
pelo empreendedor (Quadro 3.2.2.2.1). Foram levantadas em toda a TI Arara da VGX
28 voadeira com 75% sendo voadeiras de 8,40 metros de comprimento e 16 motores
de popa com 88% sendo de 20 hp além de 14 canoas de madeira e 20 motores rabeta
de 5 a 15 hp. Patrício et al., (2009) registraram que os Arara da TI Arara da VGX
possuíam em 2008, 10 canoas de madeira e três motores rabeta. A utilização desse
meio de transporte é subsidiada desde 2010 (de acordo com os informantes) pela cota
mensal de 1.200 litros de gasolina fornecida pelo Empreendedor e dividido entre as
famílias de todas as aldeias e núcleos. Não foi registrado nenhum carro ou moto de uso
particular com somente uma caminhonete comunitária que de acordo com os Arara
estavam prestes a receber do Empreendedor. Essa situação pode mudar em breve com
a finalização da abertura da estrada que dará acesso das aldeias Terrawangã e Guary-
Duan a cidade de Altamira via o povoado garimpeiro da Ressaca pela Transasurini e
que se encontrava nos seus processos finais de abertura.
Durante a realização do trabalho de campo do presente estudo o acesso das aldeias da
TI Arara da VGX com a cidade de Altamira se dava pelo rio Xingu sendo gasto cerca de
3 horas de viagem para se percorrer os 91 km de distância ou por via terrestre até a
aldeia Paquiçamba na TI Paquiçamba cruzando a partir daí o rio Xingu.
Quadro 3.2.2.2.1. Levantamento dos meios de transportes presentes nas aldeias da TI Arara da VGX (janeiro de 2015)
Motor de popa
Canoa de Motor Voadeira Voadeira Voadeira Voadeira Voadeira Motor de Veículos
Aldeia Propriedade de outras
madeira rabeta de 6,40 m de 7,40 m de 8,40 m de 10,40 m de 12 m popa 20 hp * terrestres**
potências
Particular 2 10 3 1 13 0 0 9 0 0
Terrawangã
Comunitária 0 0 0 0 0 1 0 0 1 de 60 hp 0
Particular 4 4 0 0 4 1 1 3 1 de 140 hp 0
Guary-Duan
Comunitária 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Particular 4 4 0 0 3 0 0 2 0 0
Núcleo Vista
Alegre
Comunitária 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Particular 4 2 0 0 1 0 0 0 0 0
Núcleo Porto
Alegre
Comunitária 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Total 14 20 3 1 21 2 1 14 2 0
* Durante o levantamento dessas informações outros 10 motores de popa de 20 hp estavam, de acordo com os Arara, no depósito do Empreendedor para serem entregues em breve sendo oito para
a aldeia Terrawangã, um para a Guary-Duan e um para o núcleo Vista Alegre. Outra voadeira de 12,40 m com um motor de 115 hp também de acordo com os Arara estava para chegar.
** De acordo com os Arara estavam para receber do Empreendedor uma caminhonete L200 Mitsubishi.
3.2.2.3. Infraestrutura comunitária
Estado de
Estrutura Quantidade Observação
conservação
Estado de
Estrutura Quantidade Observação
conservação
TI Arara
da VGX
Figura 4.1: Mapa com os primeiros locais de contato dos Arara (Viveiro de Castro & Andrade, 1988).
Os Arara da TI Arara da VGX são também conhecidos como Maia pelos moradores do
entorno pelo fato de um não índio que vivia na região e que ao morrer seu nome ficou
sendo utilizado para a cachoeira próxima da onde vivia. Sendo eles os únicos moradores
próximos a ela atualmente ficaram também conhecidos por este nome (Patrício, 2005).
Em 1975 o Instituto de Colonização e Reforma Agrária – INCRA3 aparece na região
registrando as propriedades existentes para solicitar as áreas não ocupadas para um
projeto piloto de colonização (Patrício et al., 2009). Todos os que ocupavam as terras
3
Esse projeto passa em 1989 para o Instituto de Terras do Pará – INTERPA
entre o Bacajá e Bacajaí foram cadastrados com lotes de 100 ha como obteve Seo
Leôncio em relação ao Pontão da Tintin (FUNAI; 2002; Patrício, 2005).
Em 2003 a convite do CIMI Seo Leôncio Arara acompanhado pelo seu Neto Zé Carlos
participam de uma reunião em Olinda, Pernambuco, que contou com a participação de
outros 47 povos que se reuniram para discutir o reconhecimento étnico e territorial já
refletindo o processo de solicitação dos Arara do seu reconhecimento enquanto povo
indígena perante o Estado brasileiro e solicitação da demarcação de uma terra indígena
em parte do seu território (Patrício, 2005).
Devido ao projeto de colonização houve o loteamento de grande parte das terras que
os Arara solicitaram para o seu reconhecimento (Figura 4.2) transformando sua
demarcação em um processo longo e complexo.
Figura 4.2: Mapa dos lotes de ocupantes dentro da TI Arara da VGX (obtido junto aos documentos entregue
pela FUNAI para a liderança da aldeia Terrawangã datado de 10/07/14).
Seo Leôncio Arara fundador da aldeia Terrawangã é o Arara mais velho da comunidade
e sempre foi a referência cultural e política desse povo na região da Volta Grande do
Xingu. Era um dos comerciantes da região que levava a produção de castanha-do-pará
e da pesca comercial de seu povo e até de outras pessoas da região para a cidade de
Altamira tendo tido inclusive um comércio na aldeia onde vendia óleo, bolacha, arroz,
açúcar etc, o que já não realiza mais. Pajé e curandeiro reconhecido em toda a Volta
Grande pelos índios e não índios da região inclusive pelo Xikrin com várias pessoas o
procurando para tratar de seus males. Seo Leôncio Arara foi quem junto com o seu neto
José Carlos Arara dá inicio ao processo de reconhecimento da TI Arara da VGX
solicitando esse reconhecimento a FUNAI e participando de reuniões políticas
representando o seu povo como a reunião na cidade de Olinda em 2003. Com a
demarcação Seo Leôncio Arara se transforma no chefe da aldeia Terrawangã junto com
o seu neto José Carlos Arara que ocupa o cargo de cacique até o ano de 2011 quando
este decide fundar uma nova aldeia, a Guary-Duan se transformando no cacique de
aldeia nova. A partir dessa mudança Adalto Arara, filho de criação de Seo Leôncio é
escolhido em 2012 como o novo cacique da Terrawangã, exercendo a liderança junto
com o seu pai de criação.
Atualmente existem dois grupos políticos na TI Arara da VGX o grupo da aldeia
Terrawangã liderado por Seo Leôncio (chefe) Arara e Adalto Arara (cacique) e o grupo
da aldeia Guary-Duan liderado por José Carlos Arara. Ambos os núcleos Vista Alegre e
Porto Alegre ao fazerem parte da aldeia Terrawangã se afirmam ligados ao grupo
político dessa aldeia.
O nome das lideranças políticas e de referência cultural atual bem como outros atores
sociais relevantes das duas aldeias da TI Arara da VGX podem ser vistos nos Quadros
5.1.1. e 5.1.2.
Função Nome
Função Nome
5.2. ASSOCIAÇÕES
De acordo com Patrício et al., (2009) a primeira associação dos Arara da TI Arara da
VGX foi a Associação de Resistência Indígena Arara do Maia – ARIAM fundada em
dezembro de 2003 surgindo em um momento em que necessitavam de uma figura
jurídica para realizarem os tramites necessários para o seu reconhecimento territorial e
étnico perante o Estado Brasileiro (Quadro 5.2.1). Tiveram o apoio do Conselho
Indigenista Missionário – CIMI e da Prelazia do Xingu para a elaboração do estatuto. A
associação foi fundamental para a solicitação destes perante a Fundação Nacional de
Saúde – FUNASA para terem acesso ao atendimento diferenciado indígena de saúde,
a Secretaria de Educação do município de Senador José Porfirio, realizar trâmites na
FUNAI de Altamira e se relacionarem com as outras organizações indígenas existentes
na região e no país. Quando de sua fundação o presidente foi José Carlos Arara que ao
sair para fundar sua nova aldeia em 2011 deixa a associação numa situação de
ausência de chefia. Cerca de quatro anos depois em 2015 a associação ARIAM é
retomada com a realização de uma nova assembleia com o apoio da Executora via
Programa de Fortalecimento Institucional - PFI. Durante o mesmo processo José Carlos
funda também a associação de sua aldeia a Associação indígena Arara da Volta Grande
do Xingu – ASSINAUXIN.
Data de Projetos em
Nome Aldeia Presidente
fundação andamento
Associação de
Dezembro Adalto Ferreira
Resistência indígena Terrawangã Nenhum
de 2003 do Nascimento
Arara do Maia - ARIAM
5.3. RELIGIÃO
Dados sobre a orientação religiosa dos moradores da TI Arara da VGX com mais de 15
anos de idade foram obtidos por meio da autodeclaração. A maioria dos Arara se
consideram católicos, 67%, não sendo praticantes (Figura 5.3.1). Em algumas vezes um
padre visita a comunidade quando solicitado para fazer batismo, celebrar missas e
casamentos. Ao longo do ano de 2014 visitou a aldeia Terrawangã três vezes. Outra
parcela da população, 19% se considera sem religião e os evangélicos representam
12%. Basicamente os evangélicos correspondem a família de Wellington Curuaia que
vive no núcleo Porto Alegre, tendo também duas pessoas na aldeia Guary-Duan. Os
evangélicos do núcleo Porto Alegre participam do culto na aldeia Paquiçamba da TI
Paquiçamba e gostariam de levar a palavra de Deus para os moradores da aldeia
Terrawangã onde de acordo com sua visão já deveria ter uma igreja. Um morador da
Terrawangã (2%) se considerou católico animista.
Católico e
animista
Evangélico 2%
12%
Sem
religião
19%
Católico
67%
Figura 5.3.1. Orientação religiosa dos moradores da TI Paquiçamba com mais de 15 anos de idade
(março de 2015)
A mais importante e famosa festa realizada pelos Arara da TI Arara da VGX é o Festejo
de São Francisco realizado no dia 4 de outubro na ilha do Ferraz localizada em frente a
aldeia Terrawangã. Essa festa se iniciou há cerca de nove anos sendo realizada pela
Dona Alexandrina como pagamento de uma promessa. No ano de 2013 foi a última vez
que foi realizada com Dona Alexandrina vindo a falecer 20 dias depois da última festa
que promoveu. Neste ano de 2015 seus filhos e a comunidade estavam com desejos de
voltar a fazê-la novamente. Patrício et al. (2009) citou além da festa de São Francisco a
festa de São Sebastião e festas juninas como festa importantes para os Arara da TI
Arara da VGX. Nos aniversários fazem churrasco e celebram outras festas do calendário
principalmente através de atividades na escola, sendo a mais celebrada destes o dia do
índio.
5.5. SAÚDE
De acordo com os próprios moradores Arara seus maiores problemas de saúde são a
gripe, diarreia, vômito e febre. Somente a aldeia Terrawangã possui atendimento por
um técnico de enfermagem contratado pelo DSEI que permanece por longos períodos
na aldeia. As outras aldeias quando precisam de atendimento devem se deslocar até
essa comunidade. Algumas vezes, ao longo do ano são realizadas visitas por equipes
de saúde constituídas por médico e enfermeiras, bem como campanhas de vacinação.
Um grave problema de saúde nessas aldeias observado durante o trabalho de campo é
a coleta de água diretamente do rio Xingu e a total ausência de qualquer tipo de banheiro
em uma aldeia com uma população de 100 pessoas no caso da Terrawangã, havendo
somente um na escola. A quantidade de sujeira na aldeia também é outro problema
grave apesar de ter tido melhoras com o inicio do trabalho de discussão e sensibilização
sobre o tema realizado pela Executora dentro do Programa de Saúde.
O acesso a água de boa procedência através da instalação de poços e a instalação de
banheiros são as prioridades na área de saúde básica citadas pelos Arara entrevistados.
Durante a realização da etapa de campo desse estudo os cachorros da aldeia
Terrawangã estavam no final de um surto com cachorros babando e com atitudes de
perturbação mental se assemelhando com raiva, o que não se pode confirmar. Na
semana anterior a chegada nessa aldeia, outros oito cachorros haviam morrido do
mesmo “mal” segundo os Arara com a cabeça inchada, babando e “doidos”.
6. ECONOMIA
A pesca e a caça são as principais atividades para a economia doméstica dos Arara da
TI Arara da VGX. Por meio de entrevistas individuais realizadas entre fevereiro e março
de 2015 com todos os moradores com mais de 10 anos de idade se registrou um total
de 94 moradores dessa terra indígena realizam atividades de pesca de subsistência,
sendo 62 na aldeia Terrawangã, 18 na Guary-Duan, seis no núcleo Vista Alegre e oito
no núcleo Porto Alegre. É uma atividade praticada por homens, mulheres e crianças
sendo realizada por 90% dos moradores com mais de 10 anos de idade. Os Arara muitas
vezes se referem ao ato de pescar como “mariscar”.
6.1.1.1. As artes e estratégias de pesca
Linha ou tela: é uma arte de pesca voltada normalmente para a pesca de peixes
piscívoros. As linhas mais utilizadas são as de número 50 a 60 tendo pescadores que
também se utilizam da número 70. O anzol mais utilizado são os de número 5, 6 e 7.
A pesca com tela ou linha pode ser realizada de seis formas: linha jogada, linha parada,
sondando, tela na espera, atiradeira e espinhel. Linha jogada é feita arremessando a
linha com o anzol na ponta sem peso somente com o anzol iscado com piaba e após
isso puxando ele devagar para pegar tucunaré e outros peixes como a bicuda e
cachorra. Linha parada é usada quando param em um remanso ou na ponta de uma
ilha e jogam a linha com uma chumbada na ponta, deixando-a quieta até os peixes
morderem a isca. É indicada para a pesca de pirarara, piranha, surubim e fidalgo.
Sondando é feita colocando uma chumbada pesada na ponta e soltando ela bem
perpendicular à superfície do rio, rente à canoa, e após a chumbada bater no fundo os
Arara ficam puxando e soltando a linha devagar. É indicada para a captura de pescada
(Figura 6.1.1.1.1). Tela na espera é feita num remanso colocando-se uma tela bem
grossa, número 0,80 ou 0,100, com uma isca grande, jogando a isca no remanso bem
longe e deixando-a amarrada numa árvore forte. Deve ser colocada quando está
escurecendo e no dia seguinte se verifica se capturou algo. É indicada para a captura
de pirarara e utiliza-se somente um anzol por linha, mas pode-se colocar muitas linhas
em um único remanso. A tiradeira é feita colocando um anzol em um pedaço de linha
grossa, que é amarrada em um galho flexível de alguma árvore ou arbusto no mato
dentro do igapó ou na beira da saroba, deixando que a isca encoste um pouco na água,
mas sem entrar dentro dela. Quando o pacu branco fisgar a isca, puxando-a para baixo,
o galho flexível o puxa para cima e este é então fisgado ficando preso à linha. Quando
utilizam a tiradeira, podem colocar muitas, de 20 a 30 espalhadas em vários locais, mas
cada tiradeira tem somente um anzol. É usada sempre com isca de frutas, sendo mais
utilizada próxima aos pés de seringa e golosa. É boa para a captura de pacu branco. O
espinhel é parecido com a tiradeira só que são muitos anzóis em uma única linha. É
formado por uma linha grossa e extensa, cerca de 100 m de comprimento, normalmente
da grossura de uma caneta, presa a uma árvore. Desta linha saem outras linhas mais
finas com um anzol na ponta de cada uma. A distância entre cada uma dessas linhas
secundárias é 1 a 1,5 metros, com um espinhel podendo ter de 50 a 100 anzóis. São
colocadas no meio do rio, a partir de uma moita da beira da ilha ou da terra seguindo
para o meio do rio e ficando solto dentro da água, presos a uma árvore ou moita
somente. São iscadas com isca de peixe, no fim da tarde, quase escurecendo, sendo
bons para capturar peixes de couro, principalmente pirarara e surubim. Usam no verão,
mas já não utilizam muito essa técnica de pesca.
Caniço: o caniço é uma linha de nylon amarrada na ponta de uma haste de madeira,
sendo usado para a pesca de cinco etnoespécies4 de peixes com hábito frugívoro: pacu
branco, pacu curupité, matrinchã, pacu cadete e pacu de seringa. A pesca com o uso
de caniço não tem variações, se isca o anzol com a fruta desejada e o arremessa
próximo ao pé de fruta que tiver frutas caindo. Na hora que a isca cai na água, o peixe
já a morde. Deve se iscar com a mesma fruta que está caindo no local onde o pescador
4
O termo “etnoespécie” é utilizado neste relatório para identificar categorias taxonômicas classificadas localmente,
adotadas pelas comunidades Juruna da TI Paquiçamba. Estas etnoespécies recebem nomes vernaculares em
português, e podem ou não corresponder às espécies designadas pela ciência ocidental a partir da taxonomia. Segundo
Otieno et al. (2015), etnoespécies da flora e fauna definidas localmente podem ter três características: a) corresponder
exatamente à classificação científica; b) super-diferenciação, quando mais de uma etnoespécie é correspondente a uma
espécie científica, as quais são classificadas em diferentes táxons localmente por características morfológicas como cor,
tamanho e forma; e c) sub-diferenciação, quando as categorias locais correspondem a categorias mais amplas
designadas pela ciência (por exemplo, etnoespécies locais podem corresponder a mais de uma espécie ou até mesmo
diferentes gêneros da ciência ocidental).
está ou uma fruta bem parecida. Essa arte de pesca não é utilizada nos meses de verão,
entre setembro e novembro, quando na há produção de frutas.
Malhadeira: a malhadeira já era uma arte de pesca utilizada pelos Arara em 2008
quando Patrício et al. (2009) realizaram os estudo do Componente Indígena do
EIA/RIMA da UHE de Belo Monte sendo considerada pelos autores como uma arte
pouco utilizada. Aparentemente seu uso esta se intensificando atualmente após
receberem do Programa de Atividades Produtivas 16 malhadeiras de 100 m de
comprimento (1.600 metros de malhadeira no total) de tamanho 12 e 18 no começo de
2015.
A malhadeira normalmente é utilizada de quatro formas, colocada próxima a alguma
fruteira, em um remanso, dentro do igapó ou “fazendo o bate”. O “bate” é quando
colocam a malhadeira na boca de uma ressaca. Entram com cuidado na ressaca e
colocam a malhadeira fechando a boca desta, após isso passam o barco para dentro e
ligam o motor, rodando com ele para espantar todos os peixes que ao saírem ficam
presos na malhadeira.
Outras estratégias de pesca também são utilizadas em menor escala pelos Arara da TI
Arara da VGX, muitas delas caindo em desuso.
Tapagem: durante o período da piracema, os Arara ainda usam algumas vezes hoje em
dia a tapagem, que é feita na grota. É uma arte de pesca utilizada somente no período
de piracema. Fazem sempre em uma grota que dá acesso ao rio ou a uma lagoa.
Quando chove muito, a água “enxorra”, descendo do lago com muita força, momento no
qual os peixes sobem para desovar. Curimatá, tucunaré, trairão, etc., todos sobem
nesse momento para desovar dentro da grota. Antes de enxurrar, os Arara vão e fazem
na grota duas cercas de paus, uma mais acima, toda tapada, e outra mais abaixo, com
uma pequena entrada, constituída por dois paus flexíveis colocados próximos
permitindo a passagem dos peixes conforme estes forçam um pouco a entrada ficando
então presos no cercado criado acima dessa primeira cerca, se batendo nesse trecho
da grota entre uma cerca e outra. Um dos locais onde os Arara afirmaram fazerem
tapagem é na piracema do furo da Velha Maria.
Lanternar: focam com a lanterna na beira das pedras e matam os peixes que estão
próximo com o facão. É bom para pegar curimatá, trairão, surubim, corró e traíra. É
utilizada somente para a pesca de subsistência, pois “fere” o peixe não sendo indicada
para a pesca comercial.
Arco e flecha: estratégia de pesca pouco utilizada. Na caça já não a utilizam mais.
Antigamente a utilizavam mais para pescar.
Ferro: arpão de ferro com uma liga de borracha usada para pescar carizão no verão.
Um pescador Arara afirmou que pode pegar mais carizão que a tarrafa. Na região onde
o carizão está bravo o ferro é melhor e na região que está manso a tarrafa é a mais
indicada. Usam pouco sendo a “molecada” que gosta de usar mais.
5
Alimentos considerados perigosos para o consumo por pessoas em estados físicos e sociais de liminaridade como enfermidade, menstruação e pós-parto (Silva, 2007).
6
Os Arara reconhecem pelo menos dois tipos de tucunarés: o pitanga que anda de casal com o macho tendo um “caroço” na cabeça e ocorrendo mais no inverno e o tucunaré tinga que forma
cardumes dando mais no verão na baixada das águas. O tucunaré tinga tem listras como o pitanga, mas é todo “pintadinho”.
Quadro 6.1.1.1.1: (Continuação)
Nome do Ambientes/locais em Arte de pesca Tipo de Período do dia Outras informações (abundância,
Nome científico Usos Sazonalidade Reimoso
recurso que é encontrado utilizada alimentação melhor formas de captura, etc.)
De noite na
Várias espécies da Todo o ano mas
Consumo e Malhadeira e malhadeira e partir
Cachorra família Characidae e Ressaca e meio do rio sua força é de Outros peixes “indeciso”
venda linha jogada das 6 horas na linha
Cynodontidae maio até agosto
jogada
Junho até
Boca de furo, corredeira e novembro, no Tela flutuante Não comercializam porque tem
Bicuda Boulengerella sp. Consumo Outros peixes Qualquer horário Sim
água de rebojo inverno é mais (sem chumbo) pouca
difícil
Malhadeira e
Todo ano, mas sua
Consumo e linha jogada, As vezes pegam no caniço quando
Piranha Serrasalmus sp. Todo o rio força é no verão, Outros peixes Qualquer horário Sim
venda as vezes no estão pescando pacu branco
no inverno é pouco
caniço
Outras informações
Nome do Ambientes/locais em Arte de pesca Tipo de Período do dia
Nome científico Usos Sazonalidade Reimoso (abundância, formas de
recurso que é encontrado utilizada alimentação melhor
captura, etc.)
Mais no verão de
agosto a setembro Depois das 10 horas
Consumo e Malhadeira ou Na ressaca do Cemitério tem
Ariduia/jaraqui Semaprhochilodus sp. Remanso quando ficam nos Lodo da manhã até as 12 Sim
venda flecha muita
remansos do horas
Bacajá
Para
algumas
De janeiro a coisas sim
Consumo e agosto, para outro Linha com Outros para
Fidalgo Ageneiosus sp. Poço e ponta de praia Das 11 as 14 horas
venda pescador de junho chumbo peixes outras
a setembro não. Não
tem muita
reima.
Inverno no igapó e no
Consumo e
Caratinga Geophagus sp. verão no baixão de Todo ano Linha Invertebrados De manhã Não
venda
praia
Outras informações
Nome do Ambientes/locais em que Arte de pesca Tipo de Período do dia
Nome científico Usos Sazonalidade Reimoso (abundância, formas de
recurso é encontrado utilizada alimentação melhor
captura, etc.)
No verão (setembro
a outubro) nos
Frutas
poços com isca de Com o sol quente
Consumo Linha e caniço principalmente
Pacu seringa Myleus sp. Sarobal e beira de poço caranguejo ou aruá a partir das 10 Sim
e venda (pouco) tucum e
(caramujo). No horas da manhã
seringa
inverno também
pega.
Outras informações
Nome do Ambientes/locais em que Arte de pesca Tipo de Período do dia
Nome científico Usos Sazonalidade Reimoso (abundância, formas de
recurso é encontrado utilizada alimentação melhor
captura, etc.)
Das 5 da tarde as
Mandi liro Pimelodus ornatus Consumo Igapó Todo ano Linha Sim
7 da noite
Depois das 10 da
Bico de pato Sorubim lima Consumo Poço de pescada Todo ano Linha Sim Tem mais no Bacajá
manhã
Figura 6.1.1.1.2 Pirarara pescada na aldeia Terrawangã
Foto: Hilton Nascimento
As florestas aluviais das margens do Xingu ou de suas ilhas localizadas nas áreas de
inundação contribuem significativamente para a produtividade do sistema da região, se
tornando um dos principais elementos que sustentam toda a cadeia trófica aquática
(Vieira et al., 2009). As árvores frutíferas dessas matas têm o seu período de frutificação
ocorrendo simultaneamente com o período de enchente do rio, coincidindo com a
entrada dos peixes nessas planícies inundadas. O período da cheia é o principal período
de alimentação, crescimento e de acúmulo de reservas de gordura que servirá para que
os peixes resistam ao período de estiagem quando comem pouco (Vieira et al., 2009).
De acordo com as conversas realizadas junto aos pescadores Arara que participaram
da conversa do grupo focal sobre pesca são 10 as frutas mais importantes para a sua
atividade de pesca estando o seu período de produção detalhado no Quadro 6.1.1.2.1.
A primeira a produzir é o sarão indo de dezembro até janeiro e sendo muito procurando
pelo pacu branco, pacu curupité e matrinchã. Após o sarão ocorre a produção da golosa
que de acordo com os informantes Arara somente o pacu come, produzindo de fevereiro
a abril mas tendo ano que em dezembro já começa a cair. Por ser grande não tem como
os Arara colocarem uma fruta inteira na isca sendo colocados os pedaços. É muito
utilizada na tiradeira para pegar pacu branco. O figo produz de janeiro até maio dando
de duas a três cargas, mas sua força maior é até março. O landi é uma fruta roxa similar
ao sarão produzindo de fevereiro a abril. O tucum produz de março em diante, mas sua
força é em abril e quando começa a amadurecer logo acaba. É seguido pela seringa
que produz de março a abril no meio do “invernão” mesmo sendo consumida pelo pacu
branco, matrinchã, pacu curupité e piau. Depois vem o cajá que vai de março a maio,
mas com sua força em abril sendo consumido pelo pacu branco, pacu curupité e
matrinchã. Na sequência vem a caferana a partir de junho até agosto que é consumida
somente pelo pacu branco. A partir de junho tem a goiaba de junho que tem esse nome,
mas só cai em julho de acordo com os informantes Arara, sendo julho a sua força. A
goiaba de junho é a última fruta com o pacu branco só voltando a se alimentar de fruta
em dezembro com a chegada do sarão. Com o fim da goiaba de junho também termina
o uso do caniço e muitas dessas espécies de peixes frugívoro só podem ser capturadas
na malhadeira até que se inicia novamente a produção das fruteiras.
Quadro 6.1.1.2.1: Calendário sazonal das 10 frutas prioritárias para a pesca dos Arara da TI Arara da VGX
Meses
Tipo de fruta Peixes que a consomem
J F M A M J J A S O N D
Landi
* A coloração dos quadrados corresponde a intensidade do período de produção quanto mais escuro mais intensamente
é a sua produção.
Alguns animais na Amazônia, tanto peixes como animais de caça ou mesmo frutas são
considerados reimosos. A reima é caracterizada por um sistema classificatório de
oposições binárias entre alimentos perigosos (reimosos) e não perigosos (não
reimosos), sendo aplicado às pessoas em estados físicos e sociais de liminaridade ou
estados de representação ritual e simbólica de transição ou passagem, como
enfermidade, menstruação e pós-parto (Silva, 2007).
Para os Arara da TI Arara da VGX vários peixes, animais de caça e até mesmo frutas
são consideradas reimosas devendo se ter o resguardo de não comê-las em
determinadas situações de vulnerabilidade da pessoa. Mulheres no pós-parto,
menstruadas, pessoas com feridas ou pessoas tomando algum remédio para o sangue
não podem comer animais reimosos.
As mulheres “paridas” devem ter cuidado para continuarem sadia senão ficam doentes,
devendo respeitar o resguardo pós-parto que é de 40 dias para o filho homem e 30 dias
para a filha mulher. O consumo de animais reimosos como o surubim pode ocasionar
hemorragias em mulheres no pós-parto, podendo também causar problema na criança
por causa do aleitamento provocando a “pela” e causando a queda de todo o cabelo.
Pode dar uma “pira” (doença de pele) tanto na mãe como na criança.
Mulheres no “tempo da saúde da mulher” (menstruadas) também devem evitar o
consumo de alimentos reimosos, pois de acordo com Seo Leôncio Arara pajé da aldeia
Terrawangã a mulher menstruada esta doente por estar com o corpo aberto com
qualquer coisa podendo dar um sangramento, podendo descer sangue demais ou até
mesmo subir para a cabeça provocando dores de cabeça ou ir para o peito e causar
tuberculose. Segundo o mesmo informante antes as mulheres Arara seguiam mais
essas restrições e agora já não respeitam tanto por isso já estão quase todas com
problemas, ficando com a menstruação descontrolada, passando de três a cinco dias
de menstruação para 12 a 17 dias.
Como afirmou Seo Leôncio Arara a “saúde da mulher é complicada demais”, quando a
mulher esta grávida ela é como o homem podendo comer tudo o que é reimoso, mas
quando nasce o filho não. No período da “negação” (menopausa) ela também volta a
ser como homem novamente. Como muitas mulheres não respeitam mais isso hoje
possuem muitos problemas.
No caso de pessoas com “golpes” (ferimentos) estes podem inflamar e ficar doendo e
latejando sem cicatrizar. O consumo de animais reimosos pode também causar
problemas no intestino. Quando o intestino é fraco e a comida é mais forte pode
“ofender” a pessoa, mas as vezes não é a comida que ofende e sim o organismo que
não está preparado para receber esse tipo de comida.
Barricha inchada, cabeça doida e problema no peito que pode resultar em tuberculose
também podem ser causados pelo consumo de animais reimosos. As vezes a reima faz
mal para uns e não para outros.
Quando uma pessoas apresenta algum problema por causa do consumo indevido de
animais reimosos tem que procurar tratamento, com muitos indo ao médico e outros
procurando o Seo Leôncio Arara, famoso pajé da Volta Grande procurado inclusive
pelos índios Juruna e Xikrin. De acordo com o próprio Seo Leôncio hoje muitos já não
te fé no remédio do mato. Para ele:
“O que cura não é o benzimento, não é o remédio que você toma, o que cura é a fé”.
“Deus é que é o doutor”.
O tracajá é um recurso animal aquático muito utilizado para consumo pelos Arara da TI
Arara da VGX, tendo sido o terceiro animal de “caça” preferido e também o terceiro mais
capturado de acordo com os estudos realizados por Patrício et al., (2009). Os Arara
utilizam-se de três formas para sua captura: rodando com a voadeira ou rabeta e
pulando, mergulho e mais recentemente o cilibrim.
A captura de tracajás rodando com a canoa movida a motor rabeta ou, mais
recentemente, com a voadeira movida a motor de popa, consiste em: ao se verificar um
tracajá subindo a superfície para respirar, ficar rodando a voadeira em círculos ao seu
redor para confundi-lo, quando então alguns dos pescadores podem pular em cima dele
dentro da água e capturá-lo com a mão. Em outros casos, os pescadores ficam rodando
com a embarcação a motor nos poços e remansos (“boiadores”) onde sabem que
existem tracajás descansando no fundo para poderem assustá-los, forçando-os a
subirem e aí capturá-los através do pulo. De acordo com Pezzuti et al. (2008), essa é a
técnica local mais típica de captura, sendo um aperfeiçoamento do método utilizado há
pelo menos cinco décadas na região. É utilizada na Volta Grande por indígenas e não
indígenas, sendo uma das formas predominantes também para a captura de tracajás
pelos ribeirinhos que moram nessa área. À jusante das cachoeiras essa técnica não é
utilizada, mas a montante ela também é praticada a centenas de quilômetros em São
Félix do Xingu e até no Parque Indígena do Xingu em Mato Grosso, com o uso de
canoas a remo pelos índios Kuikuro (Pezzuti et al., 2008). No Parque Nacional do Jaú,
essa técnica também é utilizada resultando em bons rendimentos na pescaria da irapuca
(Podocnemis erythrocephala) (Rebêlo et al., 2005). É uma técnica sazonal utilizada no
verão, não funcionando na cheia e somente acima do trecho encachoeirado. Pezzuti et
al. (2008) tentaram utilizá-la na Volta Grande no inverno nos mesmo lugares que haviam
capturado centenas de animais e não conseguiram capturar nem observar nenhum
tracajá.
O mergulho consiste em mergulhar com o uso de máscaras de mergulho, a mesma
utilizada nas pescarias de carizinho ornamentais, em locais onde sabem que o tracajá
está descansando após ter se alimentado, como embaixo de algumas concentrações
de árvores frutíferas como a goiaba, por exemplo, e então capturando-os com a mão.
Atualmente os Arara estão utilizando uma nova tecnologia de captura de tracajás o
cilibrim que consiste no uso do cilibrim, uma lanterna potente, cuja luminosidade
“encandeia” o animal deixando-o paralisado e facilitando a sua captura através do pulo.
O uso de cilibrim se iniciou entre os Arara da TI Arara da VGX no ano de 2014 com
estes tendo aprendido com os Juruna da TI Paquiçamba. Podem capturar em uma única
noite de pescaria até 80 tracajás e “estão para acabar com elas”. De acordo com
declarações dos Arara tem dia que passam a noite toda capturando tracajás dessa
forma.
Os Arara da TI Arara da VGX capturam tracajá tanto no rio Xingu como no rio Bacajá,
sendo este último um local de captura importante também para ao Juruna da TI
Paquiçamba e de acordo com Pezzuti et al. (2008), o mesmo rio também é um dos locais
preferidos para a captura de tracajás pelos comunitários da Ilha da Fazenda.
Sua captura ocorre no inverno de janeiro até maio quando estão nas ramas comendo,
mas a sua força de captura ocorre no verão quando estão gorda, depois que desovam
já ficam magras. De agosto a setembro também coletam seus ovos nas praias da região.
Um resumo das informações mais importantes sobre esse recurso prioritário
para os Arara da TI Arara da VGX encontra no Quadro 6.1.2.1.
Quadro 6.1.2.1: Informações básicas sobre os tracajás outro recurso aquático prioritários para os Arara da
TI Arara da VGX
Ambientes/locais
Nome do Nome Arte de pesca Período do dia
Usos em que é Sazonalidade Reimoso
recurso científico utilizada melhor
encontrado
No verão de
janeiro a maio
quando estão
Rodando com
comendo nas De dia na hora do
a voadeira ou
Podocnemis Consumo ramas, mas a sol quente ou a
Tracajá Todos os lugares rabeta, Sim
unifilis e venda sua força ocorre anoite com o uso
mergulho e
no verão de de cilibrim.
cilibrim
setembro a
outubro quando
está seco
6.1.3. Caça
A caça assim como a pesca é um atividade muito importante para a subsistência dos
Arara da TI Arara da VGX com estes caçando “direto” segundo eles próprio. Quando
não tem outro serviço afirmam que estão caçando e quase todos os dias tem alguém
realizando essa atividade. Durante os levantamentos realizados entre fevereiro e março
de 2015 foi registrado um total de 64 caçadores para toda essa terra indígena (Quadro
6.1.3.1). Surpreende nesses resultados o número de 13 mulheres que também se
consideraram participantes ativas nessa atividade que normalmente é uma prática mais
masculina. Sua participação envolve desde acompanhar o marido a achar algum jabuti
e capturá-los, dar pauladas nos animais de caça quando estão dentro d’água como
queixadas, pacas e veados ou mesmo atirar com a espingarda como declarou neste
caso quatro mulheres.
Quadro 6.1.3.1: Número de caçadores na TI Arara da VGX separador por aldeia e núcleos populacionais
(março de 2015)
Homens 36 9 3 3 51
Mulheres 5 4 2 2 13
Total 41 13 5 5 64
Espera: Nesse tipo de caçada o caçador em dias prévios procura pés de fruteiras que
esteja com seus frutos caindo no chão o que atrai animais de caça quem vem se
alimentar deles verificando se existe a presença de rastros. Podem esperar no chão
mesmo próximo ao pé de fruteira ou montar um mutá, grade de paus no alto de uma
árvore próxima onde ficam sentados ou dentro de uma rede da onde focam ao ouvirem
algum barulho de alguma caça se aproximando e atiram com a espingarda. É usada
para caçar paca, veado e anta.
Lanternar: o caçador sai de canoa à noite remando devagar próximo ao beiradão
focando com a lanterna de vez em quando a procura de alguma caça que se dirija a
beira para beber água. Realizam tanto na beira do rio Xingu como do Bacajá, tanto de
descida (sentido do fluxo do rio) como de subida. No Xingu vão até a aldeia Guary-Duan
e regressam podendo ir até a boca do Bacajá. No Bacajá não vão muito longe devido
aos sequeiros e correnteza que não se pode passa de noite. É bom pra caçar paca,
veado e anta. É uma estratégia de pesca rápida para matar paca é usada no verão
(junho a outubro), no inverno devido aos ambientes da beira estar alagado não é
indicada. No verão devido à seca podem ouvir os animais pisarem nas folhas secas. Na
época das frutas é uma estratégia boa para caçar. Pelo menos um dos Arara afirmou
lanternar “direto” no verão. Depois da caçada de espera essa é a mais utilizada.
Armadilha: é uma estratégia que dizem ser difícil utilizarem, mas ainda a utilizam. É
montada nos locais onde se vê o rastro dos animais. Podendo ser um pé de fruteira ou
somente o seu caminho. Usam para paca, veado, capivara e anta. A armadilha para
paca é a mais difícil de montar a mira podendo o tiro acertar no chão.
Caçada de porco na água: esta é uma estratégia de caçada oportunista que ocorrem
quando flagram uma vara de queixada cruzando o rio Xingu próximo a aldeia. Ao
avistarem o bando cruzando avisam a todos os caçadores que estiverem na aldeia e
estes se dirigem em direção as varas em várias voadeiras com um ou mais caçadores
que abatem os queixadas com o uso de um pau, borduna ou pilão acertando a cabeça
do animal. Após serem abatidos são puxados para dentro do barco. Consideram uma
atividade “divertida” onde “até as mulheres participam” e como já foi visto algumas delas
podem inclusive abater os queixadas, mas o mais comum é que elas pilotem o barco
para o marido enquanto esses abatem os animais.
Varrida: na varrida o caçador abre um caminho no meio da mata deixando ele bem
varrido e limpo para não ficar nenhuma folha no chão. Quando chega a noite vai lá e
fica andando bem devagar atento ao ruído de animais de caça se aproximando quando
então foca neles com a lanterna e atira. É indicada para matar paca e devido ao perigo
de se encontrar com uma onça o recomendado é irem em dupla.
Dessas oito estratégias quatro são diurnas: caçada de curso com e sem cachorro,
caçada de porco na água e caçada de torrão. As caçadas de espera, lanternar,
armadilha e varrida são todas caçadas noturnas.
Muitos abates de animais também ocorrem em eventos oportunistas quando se
deparam com a possibilidade de um abate enquanto estão realizando outras atividades
como pesca, deslocamento entre aldeias e coleta de castanha. Zuidema (2003) cita a
caça associada a coleta de castanha como um fator ecológico importante da atividade
de coleta de castanha, citando os dados não publicados de Santivañez onde o caititu e
o veado mateiro são um dos animais mais caçados durante dois anos de estudo numa
área de coleta de castanha no nordeste da Bolívia.
O ciclo hidrológico do rio Xingu e a quantidade de chuvas também determinam as
estratégias de caça mais indicadas para o período. A caçada de torrão e a caçada de
porco na água são estratégias de caça restritas ao período de cheia dominando as
estratégias de caça utilizadas no inverno devido a facilidade de se abater um animal no
torrão. Lanternar e espera são utilizadas mais no verão. Caçada de curso com e sem
cachorro e as armadilhas podem ser utilizadas durante todo o ano.
Atualmente os Arara se utilizam basicamente de armas de fogo para o abate dos
animais ou de paus e bordunas quando encontram os animais cruzando o rio. O
levantamento do número de espingardas presentes na TI Arara da VGX chegou a um
total de 25 armas de fogo sendo as mais comuns as espingardas de calibre 16 e 20
(Figura 6.1.3.1.1). Os caçadores que não possuem espingardas se utilizam de armas
emprestadas de algum parente mais próximo. A obtenção dos cartuchos para essas
armas tem sido uma dificuldade que a maioria dos Arara tem encontrado o que segundo
um dos informantes se iniciou após o plebiscito para o desarmamento, o que não pose
ser confirmado. A partir de então necessitam do documento da arma para poder comprar
cartucho o que apenas dois caçadores possuem.
Quadro 6.1.3.1.1: Número de armas de fogo dos caçadores da TI Arara da VGX (março de 2015)
Espingarda no 12 1 — — — 1
Espingarda no 16 8 — 1 — 9
Espingarda no 20 4 1 1 3 9
Espingarda no 28 1 1 — — 2
Espingarda no 32 1 — — — 1
Espingarda no 36 1 — — — 1
Rifle no 22 2 — — — 2
Total 18 2 2 3 25
A produção das caçadas pode ser dividida com outras pessoas se o tamanho do animal
abatido permitir. Quando não dá para todos se divide com os mais próximos, são muitas
casas “e ai uns ganham e outros não”. Vai se cortando os pedaços e mandando para
as pessoas que quer entregar, a esposa já leva o pedaço para a mãe dela. Animal
pequeno não se divide, como o mutum e jabuti que só dá para a própria casa. A paca
já daria para dividir com três a quatro pessoas. Um veado dá para várias pessoas.
Animais grandes como uma anta dividem com todos da aldeia.
30
26
25
Número de citações
19
20
14
15
10
10
6
4 4
5 3
2 2
Figura 6.1.3.2.1 Ranking dos animais mais caçados de acordo com a autodeclaração dos caçadores Arara
da TI Arara da VGX
Os Arara da TI Arara da VGX assim como os Juruna da TI Paquiçamba reconhecem
pelo menos duas etnoespécies para a maior parte das espécies de animais de caça que
existem na região como pode ser visto no Quadro 6.1.3.2.1.
Quadro 6.1.3.2.1: Espécies e etnoespécies dos animais de caça de ocorrência na TI Arara da VGX de
acordo com as informações coletadas junto aos Arara
Etnoespécies
Nome comum Nome científico reconhecidas pelos Características
Juruna
Branco Maior
Mazama
Veado fuboca / sutinga
gouazoubira
Catingueiro Bem pequeno, meio roxinho
Comum É menor
Paca Agouti paca
Concha É a maior
Uma única
Cutia Dasyprocta leporina Pode ter variações de coloração
etnoespécie
7
Outro informante afirmou que o embaúba é o cana preta.
8
Para um dos caçadores capivara “é tudo uma só”, mas tem uma de cor bem vermelhinha e outra mais cinzenta. Uma
delas deixa um cheiro “pixié” forte na carne.
Uma única
Cuxiú Chiropotes utahickae
etnoespécie
Aparentemente uma
Macaco prego Cebus apella
única etnoespécie
Uma única
Mutum fava Mitu tuberosa
etnoespécie
Uma única
Mutum pinima Crax fasciolata
etnoespécie
“Dá a doida na cabeça dele aí e ele cai na água (...) dizem que tem o tempo de uma lua
aí que ele fica com o miolo fraco e não sabe para onde vai e o destino deles é sumir no
mundo, cai na água e vai embora.”
(Caçador Arara da aldeia Terrawangã, 27/02/15)
Ao caírem na água se deslocam pelas ilhas andando ela inteira e comendo o que tiver
de fruta e caindo na água novamente. No verão é difícil os queixadas “caírem” na água.
O tamanho dos bandos pode variar de dois indivíduos para varas com até mais de 100
porcos. São “porcos demais” e muitas vezes em um encontro os Arara podem matar até
60 queixadas. A razão do porque caem na água é o seu destino é uma característica da
ecologia desses animais desconhecida até mesmo pelos moradores da região. Algumas
Arara acham que eles se “acabam” quando caem na água indo para as ilhas mais abaixo
até que podem ser “puxados” pelas cachoeiras grandes da região do Jericuá.
“Se o porcão cai na água demais a gente mesmo daqui sente que a gente tem uma
perca, né. (...) nem que a gente mate que eles vem muito ou que a gente não mate que
é o destino deles, cai na água aí, daí da ponta da terra aí, ganha o mundo mesmo e vai
embora bate naquela ilha ali, bate na do outro lado e o destino dele é se acabar que pra
aí é só cachoeira grande e vai tudinho, se cair 3 a 4 bandos e ninguém aproveitar o
destino dele é se acabar.”
(Caçador Arara da aldeia Terrawangã, 29/01/15)
Os caçadores da TI Arara da VGX possuem dois tipos de áreas de caça que são
utilizadas de acordo com o ciclo hidrológico do rio Xingu: a terra, mais utilizada no verão
e as ilhas, mais utilizadas no inverno. Na terra é bom de caçar queixada, veados, caititu
e jabuti. Nas ilhas é bom de caçar veado mateiro, paca, tatu, jabuti, cutia e mutum. As
vezes pode até achar uma anta. Nas ilhas o queixada é bem difícil, sendo um animal da
terra somente passando pelas ilhas no inverno sem ficarem nelas.
A terra:
Na terra os caçadores da TI Arara da VGX se utilizam de duas áreas de caça: a área
localizada atrás das aldeias e que faz parte dos limites dessa terra indígena e o Silvério
que fica fora dos seus limites.
Na área de terra localizada atrás das aldeias os Arara realizam suas caçadas de curso
com ou sem cachorro percorrendo sempre os igarapés, sendo os mais visitados a grota
do Trairão, do Pium, do Sabino, Baia e o grotão do São Félix. O Pium, Sabino e Baia
“jogam” no grotão do São Félix que por sua vez desagua no rio Bacajá. Outra grota
utilizada para a caça é a grota do Machado que desagua no rio Xingu e a grota do
Barreiro que também desagua no Xingu acima da Base Operacional (posto de vigilância
construído pelo Empreendedor). Quando saem para caçar podem ir até o grotão do São
Félix e algumas vezes podem passar um pouco dele, mas não muito. Em linha reta no
mapa essa área estaria há 11 km a partir de aldeia. Nunca chegam perto dos primeiros
travessões de colonos que ficam longe.
Normalmente em suas caçadas saem às 7 horas da manhã e regressam a partir das 4
horas da tarde. O grotão do São Félix é um grotão fundo e preferem caçar na margem
esquerda dele por ter grotas mais rasas. Normalmente se deslocam a pé mais se forem
utilizar alguma das grotas que desagua no Bacajá podem ir de barco até a sua
desembocadura e partir daí seguirem a pé. Ao saírem a pé se utilizam dos piques
(caminhos) já existentes e despois podem sair dele entrando na mata.
Quando se deslocam no sentido da grota do barreiro também não passam dela, ficando
a área de caça dos caçadores da TI Arara da VGX dentro do polígono formado pelo
grotão do São Félix e grota do Barreiro (Figura 6.1.3.3.1). Saem a procura dos animais
de caça sempre nas grotas, se não acham em uma se dirigem para a outra. A lagoa do
Embira, localizada entre o Sabino e Trairão, é outro local que utilizam para caçar nessa
parte da terra chegando nela a partir das cabeceiras do Pium.
No verão quando realizam mais as caçadas de curso na terra as grotas secam restando
somente alguns poços de água já mapeados pelos Arara. Todas as grotas secam e
ficam somente poços ao longo de todo o seu curso onde o animais vão beber água. É
uma água impropria para o consumo dos caçadores. É nesses poços de água que as
caças ficam, se não tiver água ela vai embora. Ela “dá uma volta atrás de boia e volta
pra onde tem água”. Muitas caçam vão procurar água na beira do Bacajá ou do Xingu.
Os caçadores sobem a grota sem fazer barulho e sem cortar um pique porque espanta
a caça.
Outro local de terra onde caçam é o Silvério, que se localiza na margem direita da boca
do Bacajá e está fora dos limites da TI Arara da VGX, mas normalmente os Arara caçam
mais na terra localizada atrás de suas aldeias. De acordo com os caçadores esse é um
local bom de tudo. A grota mais importante lá é a grota do Brás, tendo também a grota
da Andiroba, que é um braço pequeno do Brás, mas dificilmente caçam nela. Chegam
ao Silvério se deslocando de barco pelo rio Xingu. No Silvério se localiza um dos pontos
de monitoramento da fauna realizado pela executora responsável.
Os Arara reconhecem a existência de muito poucos barreiros em seus território (local
com salinidade na terra onde os animais se dirigem para comer ela devido a salinidade
que ajuda na digestão de substâncias tóxicas presente na sua alimentação) tendo um
que se localiza na serra da Mariazinha depois das cabeceiras do Machado entre este e
a grota do Barreiro. No Bacajá no verão dizem que os animais como veado, e jacu
gostam de comer a terra da ribanceira.
Figura 6.1.3.3.1 Área de caça dos Arara da TI Arara da VGX na terra com suas principais grotas
As ilhas:
Quando o inverno está no seu auge com o rio cheio os Arara abandonam a terra e se
voltam para as caçadas nas ilhas, na restinga ou torrão onde fica mais fácil achar
animais de caça que ficam ilhados pela subida das águas. As caçadas nas ilhas
começam nos meses de março e abril quando está tudo alagado e quando a água
começa a baixar essas caçadas são paralisadas sendo que no mês de maio elas já não
são mais realizadas.
De acordo com os informantes especialistas em caça que participaram do grupo focal
sobre esse assunto as ilhas mais importantes para a caça são a Ilha da Juliana, Ilha do
Maia, Ilha do Pau Darco, Ilha do Paudarcão, Ilha do Paudarquinho, Ilha do Limão, Ilha
do Candim, Ilha da Mangueira e Ilha da Marcolina (Figura 6.1.3.3.1). Afirmação que
corresponde com os resultados encontrados para os 19 questionários realizados
individualmente com caçadores do sexo masculino e com as ilhas mais caçadas
apresentadas por Patrício et al. (2009).
9
8
8
7 7
7
6 6 6 6
Número de citações
6
5
5
4
4
3
2 2
2
1 1 1
1
0
Figura 6.1.3.3.1 Ranking das ilhas mais utilizadas para a caça no inverno de acordo com a autodeclaração
dos caçadores Arara da TI Arara da VGX
A panema é a falta de sorte nas caçadas ou mesmo nas pescarias, “é tipo uma simpatia,
o cara acredita que é panema”. Normalmente a panema esta associada ao sangue de
menstruação, mas não necessariamente. A panema se caracteriza quando o pescador
ou caçador vai pescar ou caçar e não consegue nada, não vê nada ou vê a caça, mas
não consegue matar, atira no bicho e ele vai embora, pega o peixe, mas este se solta
do anzol ficando com “o negócio todo atravessado no trabalho”.
“A caça mais problemática é o senhor de veado. É a caça mais complicada que tem (...)
o mateiro dá muito problema, o cara fica ruim, atrapalha, vê ele, mas não conhece, isso
é o problema do mateiro, outra hora ele corre.(...) aí o pessoal acredita que é a panema”.
(Caçador Arara da aldeia Terrawangã, 26/01/15)
Vários fatores podem causar panema entre eles a mulher passar por cima das tralhas
de pesca ou arma de caça aí “panema o cara”, principalmente se a mulher estiver
“desaprumada” (menstruada). O problema estaria mais na mulher passar por cima das
tralhas de pesca e armas de caça, pegar nelas não teria tanto problema, mas nenhum
Arara considera bom que várias mulheres ou pessoas estejam manipulando suas tralhas
de pesca e caça. São objetos que não devem estar sendo manipulado por várias
pessoas.
Ao dar um pedaço de carne com osso para outra pessoa comer e esta pessoas ao
terminar jogar o osso em qualquer lugar também pode dar panema atrapalhando a
próxima caçada do caçador que atira na caça e ela corre baleada não a conseguindo
encontrar. O correto e colocar esse osso num local no mato e não jogá-lo. Urinar em
cima dos ossos de um animal consumido, colocar o animal caçado em baixo de um tapiri
de cozinha ou enfiar o dedo dentro do osso do animal caçado para tirar o tutano também
podem dar panema no caçador. Bater, chutar ou brincar com o animal caçado também
é um ato que pode causar panema. Assoprar o cano da espingarda pode esfriar o
chumbo fazendo com que a caça ao ser baleada corra indo morrer longe e sem o
caçador encontrar.
Até mesmo o cachorro pode ficar panema e aquele cachorro acostumado a “correr”
aquele tipo de caça não consegue achar mais ela tendo que fazer um assado pra ele
voltar ao normal.
Mulher grávida quando come a caça também pode causar panema no caçador e no
cachorro, mas nem sempre isso acontece. Quando o caçador vai fazer um remédio para
curar a panema pode causar problema na criança que a mulher está esperando.
Para tirar a panema dos caçadores existem vários tipos de remédios como fazer
defumação com pimenta malagueta na pessoa e nas suas tralhas de pesca e caça ou
como afirmaram três caçadores apanhar nas costas e outras partes do corpo com sete
folhas da planta peão roxo. Cada pescador e caçador Arara te o seu sistema para tirar
panema.
Quadro 6.1.3.2.2: Animais de caça prioritários para os Arara da TI Arara da VGX
Espingarda.
Se for acuado
Baixão e açaizal (verão), Caçada de curso
com cachorro
Caititu Pecari tajacu Consumo no alto (inverno), roça e Ano todo com e sem Sim
pode matar
capoeira cachorro,
com pau
também
O embaúba não,
Mazama Espingarda e Caçada de curso Tem segredo sendo considerada a caça
Veado mateiro já o chifre de
americana No verão nas grotas e no paulada com e sem mais “sistemática que existe”. Também
Consumo e couro sim
inverno na mata cerrada Ano Todo quando o cachorro, espera, pode ser a encarnação do fantasma do
venda
nos morros e ilhas cachorro acua lanternar, caçada Satanás quando o caçador atira nele e
Mazama na água no torrão ele não morre.
Veado fuboca Sim
gouazoubira
Caçada de curso
com e sem
Anta Tapirus terrestris Consumo Mata cerrada no alto Ano todo Espingarda Sim Gosta de frutão, buxa, cajá e tuturubá.
cachorro, espera,
lanternar, armadilha
Espingarda. Se
No baixão, nas ilhas e em
Consumo e achar o buraco e Espera, caçada no Sim (todas as
Tatu Dasypus sp. capoeira. Quinze quilo dá O ano todo
venda cavar mata com torrão espécies)
mais na mata virgem
facão
Em todos os ambientes,
Consumo e Caçada de curso
Mutum fava Mitu tuberosa mas é mais comum nas O ano todo Espingarda sim
venda sem cachorro
ilhas
De acordo com um dos informantes Arara numa terra indígena uma reima é de um jeito
e na outra é de outro. Os animais de caça considerados reimosos pelos Arara podem
ser visto no Quadro 6.1.3.2.2. Alguns animais muito próximos como o jabuti vermelho e
o jabuti branco são o oposto na questão da reima com o vermelho podendo causar
problema na criança através do leite da amamentação e o jabuti branco sendo
considerado uma carne boa inclusive para fazer remédio. A anta é um animal reimoso
que pode causar ameba, segundo os Arara ela tem muita quentura, tem a banha muito
quente e quem tem problema de colesterol não deve comer. Quando possuem dúvidas
se algum animal é reimoso não devendo ser consumido em alguma situação consultam
o Seo Leôncio, pajé e curandeiro da aldeia. De acordo com os informantes todos
respeitam a reima porque sabem que pode causar problema.
Outro animal considerado perigoso o seu abate é o tatu canastra que não matam porque
se matarem pode morrer alguém da família, não sendo consumido. A Semana Santa
também é um período de resguardo não se podendo cortar ou atirar.
De acordo com entrevistas realizadas entre janeiro e março de 2015 com um dos
responsáveis de 19 famílias que constituem 61% das 31 famílias existentes na TI Arara
da VGX, sobre os produtos florestais não madeireiros que coletam na mata a castanha-
do-pará, o açaí e a bacaba foram os principais recursos sendo responsáveis por 63%
do total de citações feitas pelos entrevistados (Figura 6.1.4.1).
Outras informações sobre esses recursos florestais não madeireiros prioritários e o
calendário sazonal dos mais importantes podem ser visto no Quadro 6.1.4.1 e 6.1.4.2.
20 18
18 17 17
Número de citações 16
14
12
10 9
8
6 5
4
4 2 2 2
2 1 1 1 1 1 1 1
0
Figura 6.1.4.1 Ranking dos principais produtos florestais não madeireiros coletados pelos Arara da TI Arara
da VGX
Quadro 6.1.4.1: Calendário sazonal do período de coleta dos recursos florestais prioritários para os Arara
da TI Arara da VGX*
Meses
Recurso florestal
não madeireiro
J F M A M J J A S O N D
Castanha-do-pará
Açaí
Bacaba
Babaçu
Golosa
Cacau do mato
* A coloração dos quadrados corresponde a intensidade da atividade, quanto mais escuro mais intensamente é praticada.
Quadro 6.1.4.2: Recursos florestais não madeireiros prioritários para os Arara da TI Arara da VGX
Ambientes em que é
Nome do recurso Nome científico Usos Reimoso Outras informações
encontrado
6.1.5. Agricultura
A escolha da área envolve uma vistoria do local para se verificar se a terra e a mata são
adequadas para a abertura de uma roça e se esta terá uma boa produtividade. A
brocagem consiste na limpeza da vegetação e das árvores mais finas do sub-bosque
com o uso de facão e foice, deixando passar de uma a duas semanas para essa parte
da mata secar (Quadro 6.1.5.1.1). Após a brocagem se derrubam as árvores maiores
com o uso de uma motosserra (antes se usava machado). Após a derrubada, se deixa
a mata derrubada secar pelo período de um mês a 40 dias, dependo da intensidade do
sol. A derrubada da mata virgem deve ser realizada de setembro a outubro, para que
haja tempo para as árvores mais grossas secarem ao sol para que possam queimar
bem. Quando a roça é muito grande, a roçada é iniciada em agosto, para que toda a
área esteja derrubada em setembro, assim por volta de 15 a 20 de outubro a vegetação
derrubada esteja secando já há pouco mais de um mês. Áreas de capoeira são roçadas
em outubro ou novembro para que no dia 15 a 20 de novembro a vegetação já esteja
seca. Tudo depende também da chuva no período. Depois que a vegetação derrubada
está seca, ela é queimada. Dois a três dias depois de queimar é realizada a coivara,
que consiste na retirada dos troncos grandes e das galhadas que não queimaram,
juntando-os em montes. O ideal é realizar a coivara depois de uma chuva, para evitar a
poeira gerada pela cinza. Esses montes de troncos, chamados de coivara, são
queimados novamente depois. Essa segunda queima se concentra somente na coivara.
Em seguida já começa a etapa do plantio.
Novembro e dezembro é a época correta do plantio para que o milho de fevereiro tenha
boa produtividade, mas os milhos plantados nesse período não têm resistência, isto é,
suas sementes não prestam para serem plantadas no próximo ano. As plantas de rama
são também as primeiras a serem plantadas. Antigamente, os Arara queimavam a roça
e no dia seguinte já iam plantar, “antes do calango passar por dentro da roça”, porque
se ele passasse por dentro, as “árvores de rama não dão bom fruto”. Hoje já não tem
mais isso.
O arroz é plantado em novembro e dezembro para ser colhido no final de abril ou
plantado em fevereiro para ser colhido de maio para junho. O milho pode ser plantado
duas vezes ao ano, sendo o segundo plantio realizado até dia 19 de março, dia de São
José, para que no dia 19 de junho possam colher comer milho assado na fogueira de
São João. A mandioca é plantada em novembro e dezembro e, às vezes, os Juruna
podem deixar uma parte da roça para ser limpa em maio e então plantar mais um pouco
de mandioca, pois o plantio em maio também é “saudável”. Hoje em dia, poucas
pessoas plantam arroz. Durante o levantamento não foi encontrada nenhuma roça com
arroz, porque segundo eles dá muito trabalho, portanto plantam mais mandioca e milho.
Até macaxeira estão plantando pouco porque se plantarem longe da casa a cutia preda
tudo, “mas nem sempre dá para plantar perto”.
Para os Arara, o formato da lua ou sua claridade também são marcadores de tempo de
plantio, sendo o período da lua crescente até a cheia considerado de claridade da lua
ideal para o plantio do milho, da mandioca e de todos os cultivos. Os Arara dizem que,
se os legumes de roça forem plantados na lua minguante, geralmente não ficam bons.
Na lua minguante costumam plantar somente o arroz, porque assim ele não cresce
muito, facilitando a colheita.
Após o plantio, a roça precisa ser cuidada através das limpezas senão não será
produtiva. Algumas pessoas fazem roças grandes demais, não conseguem cuidar e o
mato acaba tomando conta da roça. Situação que foi muito observada nas roças de
2013.
O desmanche de uma roça envolve uma grande produção de farinha, quando cortam
tudo e tiram a maniva para ser plantada em outra roça. O desmanche de uma roça
sempre ocorre na época de plantar a roça nova e não necessariamente ocorre inteiro
ao mesmo tempo, podendo ser realizado por partes. Depois do desmanche da roça, se
não decidirem plantar banana ou cacau nela, deixam a capoeira tomar conta e depois
de quatro a cinco anos de pousio, retornam para plantar no mesmo lugar.
As mulheres e crianças também participam da atividade da roça. As crianças, a partir
dos cinco anos, acompanham o pai, que cava a terra, enquanto a criança planta a
maniva, cobrindo-a com terra. As crianças de 12 anos já ajudam a roçar o mato. Na
coivara, o pai corta os troncos e as crianças os juntam no aceiro, na margem da roça.
As mulheres também ajudam cortando a coivara e plantando. Na derrubada não ajudam
porque é um serviço pesado demais. As mulheres e as crianças com mais de 12 anos
também participam da colheita, tirando a mandioca e carregando-a para casa.
Quadro 6.1.5.1.1: Calendário sazonal das etapas de trabalho da roça dos Arara da TI Arara da VGX
Meses
Etapas do trabalho na roça Atores*
J F M A M J J A S O N D
Brocagem H, J
Derrubada H
Queimada H
Coivara H, M, J
Plantio do milho H, M, C, J
Plantio de arroz H, M, C, J
Colheita do milho H, M, J
Colheita do arroz H, M, J
Tamanho
Tamanho total total de
Aldeia ou localização das População
medido e/ou acordo com
roças (número de
estimado os donos
habitantes)1
(hectares) das roças2
Roças de moradores do 27
Guary-Duan localizadas 1,81 6 linhas
fora da terra indígena
Quadro 6.1.5.2.2.1: Áreas das roças abertas em 2014/15 pelos moradores da TI Arara da VGX
9
Conforme informado por técnico da Executora do Programa de Atividades Produtivas em comunicação pessoal.
População Tamanho total medido
Aldeia ou localização das (número de Hectares de
e/ou estimado
roças habitantes)1 roça/habitante
(hectares)
Terrawangã 8,922
1População em fevereiro de 2015. 2. Destes, 4,335 hectares correspondem a área aberta pelo trator e 4,585
correspondem a área aberta pelos próprios indígenas.
Figura 6.1.5.2.2.1: Em primeiro plano, roça aberta à mão, já plantada, e ao fundo, roça aberta com o uso
de trator
- Seis meses
- Tachizona
- Tachizinha
Mandioca 7 - Sacaí
- Baixinha
- Najá
Manihot esculenta - Amarelinha
- Cacau
- Da Bahia
Macaxeira 5 - Olho roxo
- Branca
- Casca rosa
- Comum
- Da Agrar/Engetec
Milho Zea mays 5 - Pipoca
- Baixinho
- Do índio (colorido)
- Prata
- Roxa
- Peruá
- Branquinha
Banana Musa spp. 9 - Comprida
- Peruazinha/costela de vaca
- Maçã
- Anajá
- Roxa/branca
- Redonda (rajada)
Melancia Citrullus lanatus 3 - Comprida (branca)
- Japonesa
- Abobrinha
Abóbora/jerimum Curcubita máxima 3 - Redonda grande
- Pescoçuda/comprida
- Cabeludo/espinhudo
Maxixe Cucumis anguria 3 - Liso com raias
- Liso amarelo grandão
- Roxo
- Branco
Cará Dioscorea trifoliata 5 - Bem roxinho
- Cinzinha
- Inhame grande
- Pequeno
- Grande
Abacaxi Ananas comosus 5 - Ananás
- Comum
- Da Agrar/Engetec10
10
A variedade fornecida pela Executora do Programa de Atividades Produtivas passou a ser chamada pelos Arara por
“abacaxi da Agrar/Engetec”.
- Comum
- Branca
- Amarela
Batata doce Ipomoea batatas 5 - Meio amarelada
- Vermelha
- Roxa
Saccharum - Branca
Cana-de-açúcar 2 - Roxinha
officinarum
- Malagueta
- Malaguetão
Pimenta (Figura - De cheiro amarelinha
Capsicum sp. 6
6.1.5.3.1) - Outros 3 tipos que não sabia
o nome
Theobroma
Cupuaçu 1
grandiflorum
Graviola Annona muricata 1
Acerola Malpighia glabra 1
Biriba Não identificado 1
Coco da praia Cocos nucifera 1
Ingá Inga spp. 1
- Lima
Laranja Citrus sp. 2 - Tangerina
- Tanja
Limão Citrus sp. 2 - Pequeno
- Gema de ovo
Cacau Theobroma cacao 3 - Cururu
- Roxo
Total 25 espécies 79
Figura 6.1.5.3.1: Seis etnovariedades de pimenta
Pelo menos nove animais predam com frequência as roças dos Arara da TI Arara da
VGX com alguns deles podendo provocar grande baixa nas produção dessas roças. No
caso das roças localizadas mais distante da aldeia estas devem ser visitada todos os
dias para ver se o queixada e caititu não estão predando a roça. O Quadro 6.1.5.5.1
detalha os animais que realizam essa predação, as espécies de cultivos que predam,
frequência e incidência dessas predações sobre as roças Arara.
Semente de arroz
Juriti e milho recém Alta Média
plantadas
11
Quando a população da TI era de 112 habitantes.
0,44 linhas/ habitante em 2014, mantando-se em níveis semelhantes entre 2013 (0,12
ha/habitante) e 2014/15 (0,11 hectares/ habitante).
No presente estudo não se aprofundou nas possíveis razões para esta situação,
contudo, alguns moradores indicaram a pouca disponibilidade de tempo para trabalhar
na roça12 e a perda de roças já preparadas. Sete moradores informaram que prepararam
roças em 2013, mas acabaram perdendo-as por diferentes razões: em uma das roças
as sementes de milho e as manivas de mandioca plantadas não vingaram; três roças
foram abertas, mas não queimaram direito; a área de duas roças foi utilizada para a
construção das novas casas de alvenaria; uma roça o dono optou por abrir novamente
quando o trator chegou à aldeia. Houve também um morador da aldeia Guary-Duan que
abriu uma roça de 16 linhas, porém conseguiu plantar apenas quatro linhas.
6.1.5.6. Percepção dos Arara com relação às transformações nas roças ao longo
do tempo
12
Um morador informou que no ano de 2013 chegou a abrir uma roça de três linhas, mas acabou não plantando porque
começou a trabalhar na construção das casas de alvenaria, não tendo mais tempo disponível para trabalhar em sua roça
pesca de carizinho (peixe ornamental), o garimpo e a pesca comercial que, como eles
dizem, são “invenções da juventude”, competiram muito com o trabalho na roça.
Segundo um informante mais velho, o carizinho e o Plano Emergencial foram os que
mais reduziram o trabalho na roça:
“... esse bem aí [o Plano Emergencial] aconteceu que muitos se esqueceu mesmo
[da roça], só tavam comendo e pensando que todo tempo ia ser daquele jeito. (...)
O que aconteceu foi sofrer depois.(...) Todo mundo com a casa cheia de bagulho
[produtos alimentícios] ia fazer o que? Trabalhar pra que?”. (...) O carizinho e esse
plano [Plano Emergencial] deu o problema maior, (...) ninguém se incomodava
não. (...) Teve muita gente que não se incomodou não, achava que isso aí
[alimentos externos] dava pra comer todo tempo. Nego engordou menino. Sabe o
que é pegar mercadoria e botar dentro de casa?”
Os mesmos cultivos que existiam antes são plantados hoje também, com poucas
diferenças nas etnovariedades. Naquela época, havia dois tipos de mandioca, a Najá, a
grande e a da folha miúda, uma com a casca mais escura e a outra que produzia uma
farinha bem amarelinha, e havia também a etnovariedade Tachi. A Tachi é uma
mandioca que a massa é bem alva e a casca dela aguenta ser deixada de molho por
mais de um dia sem amolecer, só a massa amolece, facilitando o trabalho da produção
de farinha. Há dois tipos de Tachi, a Tachizinha e a Tachizona. Antigamente não
existiam duas etnovariedades de macaxeira, a Vermelha e a Cacau, só existiam a Da
bahia, que é preta, e a Branca que, como o nome diz, é branca.
Foi registrada entre os moradores da TI Arara da VGX oito tipos de fontes de renda:
pesca comercial, pesca ornamental (carizinho), caça comercial, comercialização de
produtos agrícolas, comercialização de produtos florestais, trabalhos remunerados
(assalariado e eventuais), benefícios sociais e venda de artesanato. Um panorama do
número de pessoas que realizam essas atividades separadas por sexo e por aldeia pode
ser visto no Quadro 6.2.1, o detalhamento de cada atividade será feito na sequência.
Quadro 6.2.1: Número de homens (H) e mulheres (M) por aldeia que realizam alguma das atividades ou
benefícios que geram renda para os moradores da TI Arara da VGX (março 2015)
Pesca comercial 33 6 39 8 4 12 3 2 5 4 4 8 48 16 64
Pesca ornamental 21 1 22 6 0 6 1 0 1 3 2 5 31 3 34
Trabalho assalariado 2 3 5 1 1 2 0 0 0 0 0 0 3 4 7
Trabalho como
diarista dentro e fora 28 9 37 7 1 8 2 3 5 2 0 2 39 12 51
da terra indígena
Benefícios sociais 2 13 15 0 2 2 0 2 2 0 1 1 2 18 20
Seguro defeso 8 0 8 2 0 2 2 1 3 0 0 0 12 1 13
Comércio de
3 7 10 0 3 3 1 1 2 0 1 1 4 12 16
artesanato
A pesca comercial ou “pesca de gelo” é a principal fonte de renda dos Arara da TI Arara
da VGX com muitas família se mantendo através dessa atividade:
“Só trabalha da pesca mesmo”.
(Pescador Arara do núcleo Vista Alegre, 29/01/15)
Figura 6.2.1.1 Pescador Arara da TI Arara da VGX entregando sua produção de peixes para um puxador
Juruna da TI Paquiçamba
De acordo com alguns informantes Arara essa classificação não está mais sendo
utilizada com muitas situações onde todos os peixes são comprado misturados e com
um preço só por estarem escassos na região. Os peixes pequenos também não estão
sendo comprado pelos puxadores porque de acordo com os Arara os puxadores não
querem levar peixe barato só comprando peixe de primeira para poderem obter um lucro
maior, querendo lucrar mais que o pescador. De acordo com os mesmos entrevistados
um pescador ou puxador realiza de três a quatro pescarias comerciais por mês. O
período de cada pescaria é determinando pelo gelo, que dura no máximo oito dias.
Quadro 6.2.1.1: Preço médio dos peixes comerciais vendidos pelos Juruna e Arara da Volta Grande do
Xingu de acordo com a classificação utilizada na região.
Primeira 7,00 a 6,00 10,00 a 11,00 12,00 12,00 a 13,00 15,00 a 17,00 17,00
25
25 24
Número de citações
20
15
10 8
5
5 4
0
Tucunaré Pescada Pacu branco Fidalgo Curimatá Surubim
Peixes comerciais
Figura 6.2.1.1 Ranking dos peixes mais pescados para a comercialização pelos Arara da TI Arara da VGX
Os peixes para a venda também podem ser utilizados para consumo com os pescadores
Arara afirmando que se precisarem tiram o peixe de seus isopores de gelo onde o
guardam para venda e o consomem, não sendo portando peixes exclusivos para a
comercialização.
De acordo com o mesmo questionário os principais compradores de peixe dos Arara da
TI Arara da VGX são o Nazareno um “patrão” antigo que há 20 anos compra peixe e
outros produtos da região, o Raimundo Juruna (Todo Manso) e o Marizan Juruna.
Alguns poucos Arara citaram também vender para qualquer um que apareça ou que
deixe gelo com ele para poder conservar sua produção de pescado, outros levam eles
mesmo o seu peixe para vender na cidade a um atravessador ou em alguns casos para
o consumidor final.
No mesmo questionário aplicado a esses 29 pescadores de pesca comercial da TI Arara
da VGX foi verificado os principais pontos de pesca comercial (Figura 6.2.1.2), com três
lugares sendo responsáveis por 63% de todas as citações: Jericuá, Bacajá e nas áreas
próxima as aldeias. O Jericuá é o local preferido para a pesca comercial, em segundo
lugar está o rio Bacajá que de acordo com Patrício et al. (2009) isso poderia ser
resultado do fato de ser um rio de águas brancas com maior produtividade. Tanto no
Jericuá como no Bacajá os Arara possuem ranchos de pesca onde se instalam para
passar de três a quatro dias pescando. No Jericuá o local principal para se
“arrancharem” é na Capoeirana que fica em frente a Ilha da Bela Vista e da Ilha da
Araruna sendo um local bom por não ter carapanã. Tanto os Arara como não índios se
arrancham lá, carizeiro indígenas e não indígenas também. No Bacajá a maior parte
desses ranchos se localizam nas ilhas, algumas dentro dos limites da terra indígena e
outras não.
Na sua maior parte a pesca comercial dos Arara é feita com o uso de linha de pesca e
não malhadeira. Para um pescador Curuaia que mora na TI Arara da VGX a malhadeira
qualquer um pode colocar, mas a pesca com linha e caniço somente os pescadores
profissionais sabem fazer por que vão “caçar os peixes” que ele querem pegar.
Patrício et al. (2009) registraram através de um registro em caderno realizado por um
responsável indígena na aldeia Terrawangã entre junho e outubro de 2008 a captura de
mais de três toneladas de peixes em pescarias realizadas por 25 pescadores. O mês de
setembro apresentou a maior captura com uma produção de 1.736 kg de peixes. A
etnoespécie de peixe mais capturada foi o tucunaré sendo as pescarias realizadas
principalmente nas ilhas do rio Xingu como a Ilha do Jericuá, Ilha do Paquiçamba e
Remo as com maiores produção.
25
21
20 19
Número de citações
16
15
10
5 3 3
2 2 2 2 2 2 2
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
0
Figura 6.2.1.2 Ranking dos principais pontos de pesca comercial citado por 29 pescadores da TI Arara da
VGX
“Todo mês o cara descolava seus dois mil limpo, fora a cachaça que gastava lá pra
baixo”.
(Pescador Arara de carizinho da aldeia Terrawangã, 28/02/15)
De acordo com conversas com duas mulheres da TI Arara da VGX a maior parte dos
bens que possuem hoje foi comprada com dinheiro de carizinho, sendo a pesca
comercial uma atividade que dá para manter o básico da família.
O resultado das entrevistas socioeconômicas realizadas entre fevereiro e março de
2015 apontaram um total de 34 pessoas moradoras da TI Arara da VGX que declararam
já terem participado da pesca de carizinho ornamental (Quadro 6.2.1). Apesar desse
número total nas conversas com o grupo focal sobre a pesca de carizinho estes
afirmaram só terem oito pescadores “profissionais” de carizinho entre os Arara. Ela é
uma atividade bem masculina tendo somente três mulheres que declaram já terem
participado da captura desses peixes ornamentais. Os pescadores Arara de carizinhos
mais novos hoje em dia, com cerca de 25 a 30anos, começaram a pescar carizinho
quando tinham entre 12 e 16 anos.
Apesar de mais de duzentas espécies de peixes ornamentais ocorrerem no rio Xingu, a
pesca se concentra em apenas dez: acari zebra, arraia, marrom, picota-ouro, boi-de-
bota, onça, assacu-pirarara, amarelinho, cutia e jacundá. Outras espécies como aba
laranja, preto velho, cabeça chata e bola branca podem ser capturadas para
complementar os pedidos dos compradores (Carvalho Junior et al., 2009). Para muitos
Arara da TI Arara da VGX somente uma única espécie é interessante para ser
capturada, o cari zebra. Alguns poucos pescadores mais velhos afirmaram terem
capturado também o boi de bota, picota ouro e amarelinho, mas a maioria afirmou só
capturar o zebra.
De acordo com as respostas dadas nas 15 entrevistas realizadas (Anexo VI) com os
principais pescadores de carizinho do sexo masculino os pescadores Arara pescariam
nove etnoespécies de carizinhos (Figura 6.2.2.1), mas uma única espécie o cari zebra
domina esse tipo de pescaria com seis pescadores (40%) afirmando pescarem somente
essa etnoespécie. Nas conversas com o grupo focal sobre a pesca de carizinhos
ornamentais todos os participantes também foram enfáticos afirmando que nos últimos
anos que ainda realizaram a pesca de cari se dedicavam somente a captura do zebra
por que o preço dos outros não compensava.
16
14
14
12
Número de citações
10
8
6
4 3 3 3
2 2 2
2 1 1
Carizinhos ornamentais
Figura 6.2.2.1: Ranking das espécies de peixes ornamentais preferidas pelos Arara da TI Arara da VGX.
O zebra é um carizinho que vive nas locas de pedra, mas não dá em qualquer pedra
nem em qualquer lugar. De acordo com os informantes Arara ele não gosta de pedra
lisa nem das meio avermelhadas ou com “chifres”. O zebra só gosta das pedras meio
pretas por que ele é “todo sistemático”:
“O bicho é todo cheio de sistema, o zebra não é em todo lugar que ele dá.”
(Pescador Arara de carizinho da aldeia Terrawangã, 28/02/15)
A melhor época para sua captura do zebra é no mês de julho para agosto (Quadro
6.2.2.1). Em setembro e outubro o rio fica muito seco com as locas ficando no seco e
não dando para procurá-lo. Em novembro quando o rio começa a encher fica bom de
novo e até o meio de dezembro ainda dá para pegar zebra por que a água ainda não
está muito “suja”. Janeiro, fevereiro e março são meses ruins por que a água está muito
“suja”. Em fevereiro eles também se escondem muito. Em abril e maio dá para pegar
com o uso de compressor porque a água começa a ficar mais limpa.
Quadro 6.2.2.1: Calendário sazonal do carizinho ornamental mais importante para os Arara da TI Arara da
VGX*
Zebra
* A coloração dos quadrados corresponde a intensidade da atividade, quanto mais escuro mais intensamente é praticada.
A captura de carizinhos envolve duas formas principais: com e sem o uso de um motor
compressor. Os instrumentos básicos para ambas as pescarias são a “mascareta”
(máscara de mergulho), duas vaquetas ou espadas (pequena espátula de madeira
utilizada para direcionar o carizinho para um local onde pode ser facilmente capturado
com a mão) e um ou vários vidros com furos que ficam presos na cintura dos pescadores
para guardarem os carizinhos capturados. O compressor é de acordo com Isaac et al.
(2008) uma adaptação de um aparelho de encher pneus ao qual se coloca um motor à
gasolina de 3,5 hp, com uma mangueira transparente de 25 mm de diâmetro, com 30 a
50 m de comprimento e com um bocal para sucção na sua ponta (chupeta), junto com
a mangueira existe um fio elétrico entrelaçado com uma lanterna na extremidade. É
comum o compressor ter de três a cinco saídas individuais para as mangueiras de ar,
cada uma utilizada por um pescador. O compressor é utilizado nas pescarias realizadas
em maiores profundidades (mais de 5 metros) sendo responsável por fornecer o
oxigênio necessário para os pescadores durante o mergulho. A lanterna, ligada ao
compressor, colocada na cabeça ou na mão é fundamental para se ter visibilidade.
Mergulhos com compressor são realizados nas capturas de espécies que se localizam
em áreas mais profundas e é mais utilizado no inverno período que devido a enchente
tornam os pesqueiros mais profundos (Isaac et al., 2008).
O zebra pode ser capturado em mergulhos com ou sem o uso de compressores. Usam
a espada para direcionar ele até um ponto onde possam capturá-lo com a mão pegando
em sua nadadeira ou prendendo sua nadadeira ou cabeça com a outra espada. Para a
sua captura ter que ser com jeito “tem que ter um carinhozinho” para não “quebrar a aba
dele”. Seu preço chegou R$ 50,00 reais.
Outros carizinhos de menor importância como o boi de bota gosta de saroba e de
correnteza ficando nos galhos, sendo capturado com o uso de puçá e sua melhor época
para captura é de fevereiro a abril, de maio a julho não pegam porque a água está
baixando e nos outros meses ele se escondem nas locas de pedras. De acordo com os
informantes o pessoal estava pagando R$ 6,00 reais pelo boi de bota. O picota ouro fica
em pau velho no fundo dos beiradões e só é capturado com o uso de compressor e a
melhor época é o inverno. O amarelinho gosta de pedra e o pessoal pode fazer
armadilha colocando pedras em cima das lajes para atrai-lo e ficar mais fácil para
capturá-lo passando uma tarrafa especifica e balançando as pedras para saírem. Sua
melhor época é no inverno em fevereiro, março e abril.
A pesca de carizinho é uma atividade normalmente realizada em grupos, principalmente
se for feita com o uso de compressores. Se for realizada manualmente pode ser
realizada por um pescador sozinho.
As pescarias de carizinho podem ser realizadas em locais perto da aldeia para onde
retornam todos os dias para dormir ou se deslocando para pontos de pesca mais
distantes indo sempre em grupos onde se arrancham em acampamentos improvisados.
O local preferido para a pesca de carizinhos pelos Arara da TI Arara da VGX de acordo
com as respostas dos 15 pescadores de carizinho é o Jericuá e as proximidades da
própria aldeia (Figura 6.2.2.2). Jericuá se refere a toda a região das cachoeiras do
Jericuá. De acordo com os informantes Arara abaixo da Ilha da Bela Vista, depois da
cachoeira da Mucura já é o Jericuá. Quando se dirigiam para a pesca de carizinho no
Jericuá iam para lá e podiam ficar mais de um mês. Nessa época tinha muita gente na
região pescando carizinho, chagava a ter vila de casa com “barraco por todo lado” quase
como um garimpo. Também tinha cabarés porque “corria dinheiro” tendo tanto gente de
Altamira como da Ilha da Fazenda.
14
12
12
Número de citações
10
8
6
6
4
2 2
2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
Figura 6.2.2.2: Ranking dos pontos de pesca de carizinho ornamental preferidos pelos Arara da TI Arara da
VGX.
Quadro 6.2.3.1: Preço dos animais de caça comercializados pelos Arara da TI Arara da VGX
Unidade de Preço
Animal de caça
venda (R$)
Queixada Kg 8,00
50,00 a 100,00
Paca Indivíduo
(depende do tamanho)
10,00 a 25,00
Jabuti Indivíduo
(a fêmea é mais valorizada que o macho)
15,00 a 30,00
Tracajá Indivíduo
(ovada)
Quadro 6.2.4.1: Preço, em 2014 (última comercialização), dos principais produtos agrícolas comercializado
pelos Arara da TI Arara da VGX
Urucum kg R$ 15,00
Quadro 6.2.6.1: Produção e renda obtida pelas famílias da TI Arara da VGX na coleta de castanha na
safra de 2015
No de Renda bruta
Coletor
caixas (R$)
Quadro 6.2.8.1: Número de moradores da TI Arara da VGX que recebem algum tipo de benefício social
(março de 2015)
Aposentadoria 3 0 0 0 3
Bolsa Família 12 2 2 1 17
Seguro Defeso 8 2 3 0 13
Total 23 4 5 1 33
A venda de artesanato foi uma atividade econômica citada como sendo realizada por 16
moradores da TI Arara da VGX, sendo uma atividade mais exercida pelas mulheres,
com 12 delas afirmando realizar essa atividade e apenas quatro homens. Entre os
produtos de artesanato que comercializam, a maior parte se refere a pulseira e colares
de miçanga, brinco, pau de cabelo e cocar no caso das mulheres e remo e canoa no
caso dos homens.