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21 de Setembro de 2020
Josefina Tamele1
PROBLEMA
Volvidas pouco mais de duas décadas após a aprovação da actual Lei de Terras, persistem
conflitos no acesso, posse, assim como no controlo da terra, decorrentes, entre outros
factores, das formas e modalidades de condução das consultas comunitárias. O
pressuposto de falta de transparência na concessão de terras e outros recursos naturais,
associado ao aumento de conflitos entre a comunidade e investidores privados, esteve
na origem da inclusão das consultas comunitárias no processo de titulação de direitos.
Apesar de a Lei ter registado avanços no que diz respeito à participação da comunidade
nas consultas, a realidade mostra que os processos de consulta ocorrem de forma
deficiente, são viciados, e, no fim, não reflectem o que foi acordado durante as reuniões,
a acta, na maioria das vezes, reflecte a discussão havida entre os chefes tradicionais e o
investidor, excluindo os demais membros da comunidade, facto que contribui para
enfraquecer os direitos da terra dos restantes membros da comunidade.
Alguns estudos revelam que os chefes tradicionais são os primeiros a serem contactados,
também são os que negoceiam e organizam as consultas comunitárias, os que têm
acesso a informação privilegiada sobre os projectos e são os primeiros a ter benefícios
dos acordos estabelecidos, colocando-se, deste modo, numa posição privilegiada em
relação aos outros membros da comunidade. Assim, o papel das autoridades tradicionais
pode, por vezes, ir além da simples protecção dos interesses das comunidades, passando
a actuar como intermediários das transacções de terra2.
CONTEXTO
1
Josefina João Tamele é Estagiária - Monitora de Investigação na Linha de Terra.
2
(Mandamule e Manhicane, 2019).
3
A alínea e) do artigo 24 do Regulamento da Lei de Terras estabelece que o processo relativo ao DUAT
obtido ao abrigo duma autorização deve ter parecer do Administrador do Distrito, precedido de consulta à
comunidade.
1
confirmação de que a área pretendida pelo investidor tem, ou não, ocupantes4. Se o novo
ocupante for aceite, procede-se à assinatura da acta por um mínimo de três e máximo
de nove representantes da comunidade local, bem como pelos titulares ou ocupantes
dos terrenos limítrofes5. Apesar do acima exposto, a realidade prática é diferente.
O recrudescimento dos casos de conflito de terra e a pressão por parte das organizações
da sociedade civil culminou com a aprovação do Diploma Ministerial nº 158/2011,
relativo aos procedimentos para a realização da consulta comunitária.
4
Lei de Terra 19/97, Cap. II, Artigo 13, n.º 3.
5
n.º 2 do Artigo 27 do Regulamento da Lei de Terra.
6
União Nacional dos Camponeses.
7
Um exemplo ilustrativo é trazido pela Sekelekani (Documentário sobre gás natural de Palma, disponível no
https://www.youtube.com/watch?v=18dXQrjjbr4&feature=youtu.be, dia 28 de Out. 2018) que participou no
processo de consultas comunitárias entre a comunidade e a Anadarko em Afunji, distrito de Palma, na
província de Cabo Delgado. Para a exploração de gás, o Estado concedeu à Anadarko um DUAT. Esta, para
levar a cabo a exploração, teve de reassentar a população. Esta, refere que houve muitas dificuldades na fase
2
da Acta de Consulta e restringem-se a um grupo específico, como líderes tradicionais,
atribuindo-se incentivos a estes e aos chefes dos bairros.
Quanto mais importante for o cargo que os indivíduos ocupam na hierarquia de poder,
maior será a influência que estes exercem no processo de negociação8.
CONCLUSÃO
Como se pode depreender do acima exposto, a actual Lei de Terra já não consegue
satisfazer os problemas actuais da governação da terra. Existem mecanismos que
garantem a participação das comunidades locais na administração e gestão da terra e
demais recursos naturais. Entretanto, a falta de consultas comunitárias, a falta de clareza
na informação que é fornecida às comunidades, a não-observância dos limites da área
solicitada, assim como a assimetria de informação, os vícios e lacunas constantes que se
observam no processo de consultas, a representatividade, as alianças clientelistas
realizadas por algumas elites ligadas ao poder junto aos investidores, são as principais
causas de conflito.
Uma vez que os conflitos são geralmente entre o investidor e a comunidade, as ONGs
que apoiam as comunidades nos processos de consulta podem desempenhar um papel
preponderante na resolução de conflitos. A divulgação da Lei e a informação atempada
da consulta comunitária: a população, muitas vezes, reclamou que as consultas pareciam ter sido uma
simulação, as decisões já tinham sido tomadas, os investidores foram ao campo falar com as comunidades
apenas para formalizar sem antes as ouvir. A Sekelekani, defende que o Estado, no caso da Anadarko, agiu
de forma hostil, não desempenhou o papel de protector.
8
MANDAMULE, U. (2017). “Discursos sobre o regime da propriedade da terra em Moçambique". In: MANDAMULE,
U. (Coord.)
2017. Terra, Poder e Desenvolvimento em Moçambique. Maputo: Escolar Editora. pp. 130.
9
UNAC (2020). Reflexão virtual sobre Objectivos da consulta comunitária na atribuição de DUAT para fins
de Investimento, realizado pelo Centro Terra Viva. Maputo. 29 de Julho 2020.
3
poderão evitar conflitos entre os actores envolvidos, pautando pelo princípio de
harmonia com as comunidades locais.
SUGESTÕES:
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
JORNAL O PAÍS. Lei de Terras pode ser revista para permitir transmissão de DUAT. Maputo.
10/11/2017.
REMANE, S. (2009). Guião de Consultas Comunitárias. Centro Terra Viva. pp. 11.
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LEGISLAÇÃO