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BRASILEIRA
ECONOMIA DIGITAL
ANO 4 • 2023 • N° 6
1 Consultor legislativo da Câmara dos Deputados da área II – direito civil, direito processual civil e
direito internacional privado. Mestre em direito civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ).
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O DIREITO DOS CONTRATOS
1. INTRODUÇÃO
O progressivo desenvolvimento tecnológico trouxe ferramentas digitais para
a vida cotidiana, modificando a maneira de lidar com situações comuns, como a co-
municação, o uso de transportes particulares, a interação social e as mais diversas
transações econômicas. O impacto dessas mudanças torna conveniente a noção de
economia digital, descrita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE):
O contrato não fica fora desse cenário, pois está presente nas mais diversas in-
terações do dia a dia, como instrumento da vontade das pessoas, gerando direitos e
obrigações. Aceitar termos e condições de uso, comprar pela internet (até mesmo
com um clique), confirmar o pedido de produtos e serviços por meio de aplicativos
de mensagens ou pelas redes sociais são comportamentos que se tornaram comuns
na dinâmica contratual.
O objetivo deste artigo consiste em analisar os impactos da economia digital
no direito dos contratos e os possíveis desafios do jurista e do legislador diante do
surgimento de novas tecnologias.
É importante lembrar que a disciplina jurídica dos contratos encontra seu de-
lineamento geral no Código Civil, lei promulgada no ano de 2002. Embora relativa-
mente recente do ponto de vista histórico, o Código é resultado de um anteprojeto
discutido na década de 1970,2 quando foram lançadas as suas bases estruturais.
2 A comissão de juristas responsável pela elaboração de Anteprojeto de Código Civil foi designada
em Portaria do Ministério da Justiça, em 26 de maio de 1969. Após as discussões das minutas
dos livros (em que tradicionalmente se dividem os códigos civis) apresentadas por cada um dos
ilustres civilistas designados e da revisão realizada pelo coordenador dos trabalhos, Miguel Reale,
o Anteprojeto foi publicado pelo ministério em agosto de 1972. Recebeu sugestões da sociedade
civil, resultando em nova versão publicada em 1974 e que, diante de novas sugestões e emendas,
converteu-se no texto final do projeto de lei enviado à Câmara dos Deputados em 1975 (ALVES,
2012). O projeto tramitou na Câmara dos Deputados entre 1975 e 1984, quando foi remetido ao
Senado Federal, onde recebeu emendas. Retornou à Câmara dos Deputados em 1999 para que os
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3 Mas não apenas isso, trata-se, de “acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de
adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos” (PEREIRA, 2003).
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Contrato, como dito linhas acima, designa um acordo de vontades, mas não um
acordo qualquer: trata-se daquele destinado a instituir direitos e obrigações entre
as partes envolvidas. Por isso, é possível dizer que o contrato pode ser celebrado
por escrito ou oralmente, sendo possível ainda contratar mesmo sem que qualquer
palavra seja pronunciada ou escrita.4 Considerando tais características, não causa
espanto o fato de que um indivíduo dificilmente chegue ao fim do dia sem ter cele-
brado algum contrato (SCHREIBER, 2018). No mais despretensioso dos dias, aquele
que compra pão para o café da manhã e vai e volta do trabalho terá celebrado ao
menos dois contratos: o de aquisição do produto alimentício e o de prestação de
serviços (transporte público). Note-se que, nesses exemplos, há contrato sem a exis-
tência do instrumento contratual.
No entanto, a abrangência do contrato na vida contemporânea não se res-
tringe ao momento de sua celebração. O acordo de vontades gera direitos e obriga-
ções, instituindo a relação contratual, que muitos preferem designar também de
contrato.5 O fenômeno jurídico da relação contratual nos envolve de modo ainda
mais amplo, uma vez que, em geral, integramos diversas relações originadas de uma
enorme quantidade de contratos (acordos de vontade) anteriormente celebrados:
como empregados numa relação empregatícia, prestadores de serviços, usuários de
serviços de prestação continuada (fornecimento de água, energia elétrica, internet,
telefonia, ensino), inquilinos, etc.
Até aqui, o que foi enunciado a respeito do conceito de contrato permite vis-
lumbrar três princípios que regem o direito contratual: o do consensualismo (o con-
trato se aperfeiçoa pelo simples acordo como regra geral); o da liberdade contratual
e o da obrigatoriedade (os contratos devem ser cumpridos). A ideia de acordo de
vontades põe em evidência a importância da liberdade individual na instituição
5 “Não é pacífico o entendimento quanto ao significado da categoria designada pelo nome de contrato.
Será, para alguns, o acordo de vontades necessário ao nascimento da relação jurídica obrigacional;
para outros, a própria relação. [...] Conquanto se venha manifestando a tendência para dissociar o
contrato da relação, [...] a verdade é que acordo e relação se apresentam, respectivamente, como os
aspectos subjetivo e objetivo da mesma relação jurídica” (GOMES, 2008, p. 21-22).
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6 “Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.” (BRASIL, 2002)
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favorável àquele que simplesmente a ele aderiu, ou seja, não participou da elabo-
ração de suas cláusulas (o denominado contrato de adesão).7
A lei libera o contratante impossibilitado de realizar a prestação contratual
por motivos de força maior, desobrigando-o de cumprir o pactuado,8 e permite a
interferência do Estado-juiz na economia do contrato por modificação significativa
das circunstâncias que tornem a prestação excessivamente onerosa para uma das
partes com extrema vantagem para a outra.9 Em síntese, o próprio Código Civil,
enuncia a regra geral de que “a liberdade contratual será exercida nos limites da
função social do contrato” (BRASIL, 2002).
Outro princípio que disciplina o direito contratual é o da boa-fé objetiva, que
deve orientar a conduta das partes na celebração do contrato e na sua execução.
Portanto, é possível que o direito exija determinado comportamento de uma parte,
ainda que isso não tenha sido objeto de manifestação de vontade ou que não haja
previsão legal expressa,10 em geral, no intuito de proteger a confiança legítima da
outra parte.
O cenário econômico decorrente do desenvolvimento dos meios de produção
e do comércio deu causa à incorporação de milhões de pessoas ao mercado de con-
sumo e à massificação dos contratos, com a estipulação de cláusulas preestabelecidas
e padronizadas (MIRAGEM, 2018, p. 258). O direito do consumidor visa ao reequi-
líbrio das relações entre fornecedores e consumidores, estabelecendo para aque-
les deveres específicos de transparência, informação e boa-fé. O Código de Defesa
do Consumidor regula as fases pré-contratual (a oferta, a publicidade e as práticas
abusivas), de celebração e execução (ao vedar as cláusulas abusivas, estabelecer o
7 “Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á
adotar a interpretação mais favorável ao aderente” (BRASIL, 2002).
8 “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se
expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força
maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir” (BRASIL, 2002).
9 “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se
tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimen-
tos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação” (BRASIL, 2002).
10 Trata-se da função integrativa da boa-fé: “O agente deve fazer o que estiver ao seu alcance para co-
laborar para que a outra parte obtenha o resultado previsto no contrato, ainda que as partes assim
não tenham convencionado, desde que evidentemente para isso não tenha que sacrificar interesses
legítimos próprios” (PEREIRA, 2003, p. 21).
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11 Ficam de fora da análise deste artigo outras modalidades de contratação que não se amoldem ao
conceito de economia digital, como as contratações à distância por meios distintos, como o telefone.
Os fenômenos aqui tratados dizem respeito apenas a parte do que Cláudia Lima Marques (2004),
por exemplo, entende por comércio eletrônico. De acordo com a autora, a ideia de “comércio eletrô-
nico” se contrapõe à de comércio tradicional: “o comércio eletrônico é o comércio ‘clássico’ de atos
negociais entre empresários e clientes para vender produtos e serviços, agora realizado através
de contratações à distância, conduzidas por meios eletrônicos (e-mail, mensagens de texto, etc.),
por internet (on-line) ou por meios de telecomunicação de massa (telefones fixos, televisão a cabo,
telefones celulares, etc.)” (MARQUES, 2004, p. 35).
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Mesmo nos casos de negociação presencial, a tendência era que ocorresse perante
um empregado ou preposto, geralmente sem poder de decisão. Nos contratos eletrô-
nicos, o fornecedor se apresenta sob a forma de website ou home page (MIRAGEM,
2018, p. 125), o que pode dificultar sua identificação pelo consumidor. Apesar de o
Decreto nº 7.962/2013 determinar a disponibilização nas páginas de internet de
informações como nome empresarial, inscrição no CNPJ, endereço físico, Schreiber
(2014) apontava que o descumprimento sistemático de tais deveres permitia vis-
lumbrar uma situação de semianonimato. A identificação do fornecedor é essencial
para que o consumidor lesado possa fazer valer os seus direitos. A judicialização
de situações conflituosas depende da citação do réu, o que requer do consumidor a
coleta e a apresentação de dados essenciais da parte adversa.12
12 Convém salientar que a falta de qualquer das informações exigidas para a identificação do réu não
importará no indeferimento da petição inicial, quando houver dados suficientes para realizar-se a
citação (CPC, art. 319, § 2º) (BRASIL, 2015a). Não sendo possível obter as informações, o autor pode
requerer ao juiz as diligências necessárias para sua obtenção (CPC, art. 319, § 1º), o que pode deman-
dar tempo considerável. A dificuldade ou impossibilidade de obtenção de determinados dados não
pode comprometer o acesso à justiça (MEDINA, 2017, p. 563), o que ganha maior relevância nos casos
analisados neste artigo, em que a falta de informações decorre de conduta ilícita do fornecedor.
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Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação
é expedida, exceto:
A partir desse dispositivo, debate-se sobre qual teoria da formação dos con-
tratos teria aderido a legislação brasileira. Tradicionalmente, apresentam-se quatro
teorias sobre o momento da conclusão do contrato.17 A teoria da informação ou cog-
nição considera concluído o contrato quando o proponente toma conhecimento da
aceitação. A teoria da recepção aponta para o momento da recepção dessa resposta
pelo proponente, não sendo necessário que tome conhecimento de seu conteúdo.
Pela teoria da expedição, o momento seria o do envio da resposta ao proponente.
Por fim, a teoria da declaração sugere que o contrato é formado quando é escrita a
resposta positiva. As teorias da informação e da declaração apresentam o inconve-
13 De acordo com o inciso I do artigo 428, “considera-se também presente a pessoa que contrata por
telefone ou por meio de comunicação semelhante” (BRASIL, 2002).
14 O Código Civil preceitua: “Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não
resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso” (BRASIL, 2002).
15 “Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I – se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi ime-
diatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio
de comunicação semelhante” (BRASIL, 2002).
16 O artigo antecedente estabelece o seguinte: “Art. 433. Considera-se inexistente a aceitação, se antes
dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante” (BRASIL, 2002).
17 Confiram-se, a propósito do tema, Caio Mário da Silva Pereira (2003, p. 47) e Orlando Gomes (2008,
p. 81 e seguintes).
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19 O exemplo clássico é trazido no julgado Byrne & Co v Leon van Tienhoven & Co: van Tienhoven
havia enviado uma correspondência em 1º de outubro de 1880 oferecendo à venda produtos a
Byrne; este recebeu a carta no dia 11 de outubro e imediatamente expediu a resposta com a acei-
tação. Porém, no dia 8 de outubro, Van Tienhoven havia postado uma carta revogando a proposta
em razão do acréscimo dos preços do produto ofertado em 25%. A Corte rejeitou a revogação da
proposta por entender que o contrato já havia sido concluído com a expedição da resposta (SMITS,
2017, p. 61).
20 “É a teoria da expedição. É tão simples e tão natural, isto é, tão lógica e tão incisiva, que não demanda
elucidações, nem comentários, para impor-se aos espíritos despreocupados de conceitos apriorísti-
cos” (BEVILAQUA, 1940, p. 173).
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teoria da expedição, mais favorável ao consumidor – pois, como visto linhas acima,
um dos fundamentos que deu origem à post rule (ou mailbox rule) consistia justa-
mente na desconfiança em relação à eficiência do sistema postal (SMITS, 2017). Ora,
se o risco da teoria da expedição é o extravio da mensagem de aceitação, com maior
razão esse risco deve ser suportado pelo fornecedor (que escolheu o e-mail como
meio de comunicação ou que gerencia o site de compras), aplicando-se, mutatis
mutandis, o raciocínio empregado para a contratação por correspondência postal:
[...] existe na aceitação via postal o risco de que a mensagem contendo a declara-
ção de aceitação se atrase ou extravie; e é preferível que esse risco seja suportado
pelo proponente sempre que este haja induzido o destinatário da proposta a uti-
lizar os correios para enviar sua declaração. (VICENTE, 2017, p. 89)
p. 50). Dessa forma, o proponente que pretenda se precaver contra os riscos da ins-
tabilidade do sistema de mensagens escolhido para a contratação pode consignar
expressamente na proposta a ressalva de que aguardará a chegada da aceitação.
No entanto, embora não haja dificuldades em considerar celebrados entre au-
sentes os contratos concluídos por e-mail ou diretamente nas páginas virtuais de
empresas, isso não significa que assim deva ser considerada toda contratação pela
internet. Há que considerar as características do meio utilizado. Antônio Junqueira
de Azevedo e Francisco Marino (em atualização à obra de Orlando Gomes (2008,
p. 81)) defendem que, sendo possível a aceitação imediata, os contatos via telecon-
ferência, videoconferência e outros meios de comunicação em tempo real atraem
a disciplina da contratação entre presentes. Isso é consoante à regra constante do
inciso I do art. 428 do Código Civil, que equipara à contratação entre presentes a
realizada por telefone “ou por meio de comunicação semelhante”.
22 Argumenta-se ainda que, no comércio eletrônico, é o consumidor que tem a iniciativa da compra.
O entendimento, contudo, é minoritário na doutrina (MIRAGEM, 2021; SCHREIBER, 2014).
23 A proposição, originalmente apresentada no Senado Federal, onde foi ali autuada como PLS nº 281,
de 2012, e aprovada em outubro de 2015 (BRASIL, 2012).
24 De acordo com Bruno Miragem (2018, p. 431), cuida-se de nova espécie de resolução contratual.
No entanto, o direito de arrependimento pode ser classificado de outras maneiras (MARQUES;
BENJAMIN; MIRAGEM, 2013, p. 1082), discussão que foge ao escopo deste artigo.
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são consideradas bem-vindas por poupar o tempo de pesquisa por novos produtos
(BAUMAN; LYON, 2013, p. 117).
Mas não é só. A partir da exposição voluntária dos indivíduos nas redes so-
ciais, mediante a realização de postagens da vida pessoal, curtidas, cliques, tempo
de visualização de outras postagens, é possível traçar perfis de consumidores. 25
As informações pessoais são coletadas e organizadas mediante o uso de ferra-
mentas com enorme capacidade de processamento. Há quem defenda que a partir
de um determinado número de likes nas redes, é possível conhecer uma pessoa
melhor que seu companheiro e até mesmo melhor do que ela própria.26 Dessa
captura constante de informações, resultam uma classificação social (BAUMAN;
LYON, 2013, p. 20) e a possibilidade de estabelecer formas específicas de conven-
cimento para cada usuário (RODRIGUES, 2020). E essa lógica publicitária nem
sempre é de conhecimento dos usuários das redes (RODRIGUES, 2020). Assim,
as técnicas mais incisivas de marketing (uma das justificativas para existência
do prazo de reflexão), que eram eventualmente empregadas em telefonemas ou
visitas residenciais inesperadas, passam a ocorrer em frequência muito mais
intensa e de forma personalizada, o que justifica a aplicabilidade do direito de
arrependimento nas compras realizadas pela internet.
O exercício desse direito implica a devolução do produto nas condições em
que foi recebido, de modo que se o produto perecer ou sofrer desvalorização, o
consumidor deve ressarcir o fornecedor, evitando-se o enriquecimento sem causa
(MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2013, p. 1083). Há também quem entenda que
26 Referindo-se a estudos de Martin Hilbert e Pedro Kelson, Arlindo Rodrigues relata que “[o]s pesqui-
sadores mapearam a personalidade de indivíduos a partir de suas ‘curtidas’ na rede e chegaram a
resultado que, com a amostra de cem ‘curtidas’ nas redes sociais, pode-se deduzir a personalidade,
com fatores como orientação sexual, origem étnica, opinião religiosa e política, nível de inteligência,
se é viciado em substâncias ou se tem pais separados. Com 150 ‘curtidas’, pode-se prever a persona-
lidade do usuário melhor que seu companheiro(a) e com 250 ‘curtidas’, o algoritmo tem elementos
para conhecê-lo melhor que ele mesmo” (LISARDY apud RODRIGUES, 2020, p. 90).
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27 A pretensão de devolução de produtos perecíveis parece mais cerebrina do que real, uma vez que
seria bastante inusitado que o consumidor pretendesse restituir uma refeição no sétimo dia após a
sua entrega simplesmente pelo fato de tê-la adquirido em um aplicativo de celular.
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28 “Art. 435. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.” (BRASIL, 2002)
29 Dispõe o Código de Processo Civil: “Art. 53. É competente o foro: [...] III – do lugar: a) onde está a
sede, para a ação em que for ré a pessoa jurídica; b) onde se acha agência ou sucursal, quanto às
obrigações que a pessoa jurídica contraiu; [...] d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em
que se lhe exigir o cumprimento; [...]” (BRASIL, 2015a).
30 De acordo com o Código de Processo Civil: “Art. 63. As partes podem modificar a competência em
razão do valor e do território, elegendo o foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obriga-
ções” (BRASIL, 2015a).
32 “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento
de produtos e serviços que: [...] XVII – condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos
órgãos do Poder Judiciário” (BRASIL, 1990).
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leiro tem jurisdição para decidir eventual controvérsia e, em sendo afirmativa a res-
posta, qual é a lei aplicável ao caso concreto (a brasileira ou a estrangeira).33 O novo
Código de Processo Civil (CPC), que está em vigor desde 2016, instituiu a jurisdição
brasileira como competente para o ajuizamento de demandas relativas a relações de
consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil.34 A regra
é importante, uma vez que obrigar o consumidor a processar o fornecedor em seu
domicílio estrangeiro significaria, na generalidade das situações, negar-lhe o acesso
à justiça (DOLINGER; TIBURCIO, 2016, p. 565). Antes da entrada em vigor do novo
CPC, sendo o consumidor autor da demanda, a lei ia ao encontro de seus interesses
quando a obrigação devesse ser executada no Brasil ou quando a pessoa jurídica
estrangeira tivesse aqui agência, filial ou sucursal.35
No que concerne à lei aplicável, não há regra específica na legislação brasileira
sobre relações de consumo. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
(LINDB) conta com a mesma regra a respeito da lei aplicável a contratos internacio-
nais desde 1942, quando entrou em vigor. O art. 9º da LINDB estabelece que “para
qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”
(BRASIL, 1942). Trata-se, evidentemente, de norma pensada para a celebração pre-
sencial do contrato, situação em que ambas as partes se encontram no mesmo país.
Quando isso não ocorre, “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída
no lugar em que residir o proponente”.36
Em relação aos contratos paritários, em princípio, uma compra realizada pela
internet na qual o vendedor-proponente esteja no exterior enseja a aplicação da
lei estrangeira. Uma questão interessante a respeito do tema é saber se a regra ins-
crita na LINDB pode ser afastada pela vontade das partes. O tema está envolto em
33 Aqui estamos considerando que o comprador ou o destinatário do serviço está no Brasil e o vende-
dor ou prestador de serviços, no exterior.
34 “Art. 33. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações: [...] II – de-
correntes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil”
(BRASIL, 2015a).
35 Confira-se o que dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Art. 12. É compe-
tente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser
cumprida a obrigação” (BRASIL, 1942). Além disso, o Código de Processo Civil de 1973 dispunha:
“Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I – o réu, qualquer que seja a sua
nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; [...]
Parágrafo único. Para o fim do disposto no nº 1, reputa-se domiciliada no Brasil, a pessoa jurídica
estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.” (BRASIL, 1973)
controvérsias, entre outras razões, pelo fato de a lei de introdução anterior (de 1916)
contar com regra praticamente idêntica à atual, porém com a seguinte ressalva:
“salvo estipulação em contrário” (ARAÚJO, 2016). A supressão da ressalva, que ine-
gavelmente abria espaço à autonomia das partes, deu ensejo ao argumento de que
a LINDB de 1942 havia negado essa possibilidade.37 De outra parte, argumenta-
-se que o princípio da autonomia estaria implícito (VALLADÃO apud DOLINGER,
2007, p. 432), até mesmo porque a possibilidade de escolha da lei aplicável já seria
admissível em convenções de arbitragem (SCHREIBER, 2018, p. 453). Ainda que se
suponha a validade da escolha da lei aplicável, convém refletir a respeito dos limites
a essa faculdade: se tradicionalmente as transações internacionais eram realizadas
exclusivamente por grandes empresas situadas no território nacional e no exterior,
a economia digital tende a ampliar os sujeitos de tais contratações (seja no âmbito
regional, com países fronteiriços, seja para a prestação de serviços via internet).38
À míngua de norma expressa, a situação do consumidor seria de extrema fra-
gilidade se considerada tão somente a letra da lei. Sendo a lei aplicável a do propo-
nente ou aquela determinada no contrato, dificilmente incidiria a lei brasileira, o
que poderia desfavorecer o consumidor. Contudo, os tribunais, em consideração ao
caráter sistemático do ordenamento jurídico, não têm deixado o consumidor bra-
sileiro ao desamparo. Da análise da jurisprudência, Nádia Araújo (2016) concluiu
que os juízes brasileiros39 tendem a ignorar o caráter internacional da relação jurí-
dica para aplicar apenas o Código de Defesa do Consumidor. Dessa forma, de acordo
37 A propósito do tema, confira-se a apresentação dos debates doutrinários no Brasil desde o século
XIX até o limiar do século XXI sobre a autonomia para a escolha da lei aplicável na obra de Jacob
Dolinger sobre contratos internacionais (DOLINGER, 2007). Nádia de Araújo entende que somente
a revisão da LINDB poderia permitir de forma segura a utilização do princípio da autonomia da
vontade na escolha da lei aplicável. Segundo a autora, “no exterior, a normativa brasileira é vista
com cautela, sendo considerada ultrapassada em relação aos países em que a autonomia da vontade
está em primeiro lugar. A postura do país traz consequências nefastas para os negócios concluídos
no âmbito do Mercosul e demais negócios transnacionais, porque ao se sopesar o ‘custo Brasil’, os
contratantes levam em conta a certeza ou incerteza jurídica das regras internas” (ARAÚJO, 2016).
39 A autora aponta como paradigmático o caso Panasonic, julgado pelo Superior Tribunal de
Justiça (Recurso Especial nº 63.981, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, julgado
em 11/4/2000).
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com a autora, a lei brasileira sobre consumo funcionaria como uma lei de aplicação
imediata,40 incidente na generalidade das situações em que existe uma relação de
consumo.
Com o objetivo de sanar a lacuna na legislação brasileira, o já mencionado Pro-
jeto de Lei nº 3.514/2015 estabelece a seguinte disciplina para os contratos de con-
sumo:
40 No direito internacional privado, a lei de aplicação imediata significa a aplicação do direito local,
não se admitindo que outros elementos de conexão conduzam à aplicação do direito estrangeiro.
Essa categoria é discutível no direito brasileiro, sendo rejeitada, por exemplo, por Jacob Dolinger
(2007, p. 85, 155), que defende o controle a posteriori pelo critério da ordem pública nacional, ou
seja, a lei estrangeira eventualmente aplicável de acordo com os critérios de conexão seria afastada
apenas quando incompatível com a ordem pública.
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41 A norma consta do artigo 38 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa
Minha Casa, Minha Vida (BRASIL, 2009).
42 O Provimento nº 47, de 2015, do Conselho Nacional de Justiça, já estabelecia critérios gerais para
a implementação de um sistema eletrônico, contudo, sua instituição com as características atuais
se dá com a Lei nº 13.465, de 2017, cujo artigo 76 estabelece sua implementação e operação pelo
Operador Nacional (ONR), constituído sob a forma de pessoa jurídica de direito privado sem fins
lucrativos (BRASIL, 2017).
43 “Art. 5º [...] § 2º É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada: [...] IV – nos atos de transfe-
rência e de registro, ressalvado o disposto na alínea c do inciso II do § 1º deste artigo” (BRASIL, 2020b).
45 A Lei nº 14.382, de 2022, alterou a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de
1973), cujo artigo 11 passou a viger com o acréscimo do seguinte § 2º: “Art. 17. [...] § 2º A Corregedoria
Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça poderá estabelecer hipóteses de uso de assi-
natura avançada em atos que envolvam imóveis” (BRASIL, 2022). Nos termos da Lei nº 14.063, de
2020, a assinatura eletrônica avançada é a que “utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou
outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde
que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com
as seguintes características: a) está associada ao signatário de maneira unívoca; b) utiliza dados para
a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com nível de confiança, operar sob seu con-
trole exclusivo; c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação
posterior é detectável” (BRASIL, 2020b).
46 A matéria foi regulada pelo Conselho Nacional de Justiça por meio do Provimento nº 100, de 26 de
maio de 2020, que dispõe o seguinte: “Art. 3º São requisitos da prática do ato notarial eletrônico:
I – videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre os termos do ato
jurídico; II – concordância expressada pelas partes com os termos do ato notarial eletrônico; III –
assinatura digital pelas partes, exclusivamente através do e-Notariado; IV – assinatura do Tabelião
de Notas com a utilização de certificado digital ICP-Brasil; V – uso de formatos de documentos de
longa duração com assinatura digital” (BRASIL, 2020c).
47 É o que se colhe da LINDB: “Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes,
aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados” (BRASIL, 1942).
48 Nos termos do novo CPC: “Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qual-
quer outra: I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil” (BRASIL, 2015a).
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O DIREITO DOS CONTRATOS
49 É o que dispõe o artigo 475 do Código Civil: “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a re-
solução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos,
indenização por perdas e danos” (BRASIL, 2002).
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Tenha-se em mente, com efeito, que a sociedade empresária apelada atua como
agente da chamada economia de compartilhamento e, para o êxito de seu negó-
cio, deve construir e preservar a respectiva reputação nesse mercado, já que a
confiança no serviço é algo de fundamental importância para que o indivíduo
se disponha a compartilhar o que é seu com estranhos ou a compartilhar o uso
de bem ou serviço pertencente a um desconhecido.
50 Como já mencionado, o Estado brasileiro tem jurisdição quando o réu tem domicílio no Brasil,
quando a obrigação tem de ser aqui cumprida ou quando o consumidor aqui tenha domicílio ou
residência (CPC, arts. 21 e 22) (BRASIL, 2015a), o que não se verifica no caso em análise.
51 “Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua con-
versão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei” (BRASIL, 2015a).
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52 O texto consta do art. 10 da Medida Provisória (BRASIL, 2001), que continua em vigor por força da
Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001 (art. 2º).
53 É o que dispõe o art. 225: “As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e,
em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova
plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão” (BRASIL, 2002).
54 O entendimento consta do Enunciado 298 da IV Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho
da Justiça Federal: “Arts. 212 e 225: Os arquivos eletrônicos incluem-se no conceito de ‘reproduções
eletrônicas de fatos ou de coisas’ do art. 225 do Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime
jurídico da prova documental” (AGUIAR JÚNIOR, 2012).
55 A propósito do tema, assevera Marcacini (2020, p. 793, 795): “A assinatura autógrafa, como ‘expres-
são da identidade do signatário’, pode ser entendida como um sinal característico, único e exclusivo
daquele. Por sua vez, não é uma marca ou sinal que apenas identifique alguém (como outros dados
biométricos também podem fazer), pois é um sinal que se apega ao documento, integrando-o. Deste
modo, a mensagem registrada e a prova da sua autoria integram um só corpo e, na medida em que
seja utilizada uma tinta indelével, assegura-se a preservação da integridade de ambas. [...] Por esta
razão é que soa evidentemente tolo supor que a assinatura manuscrita feita na tela de toque de um
tablet possa ter o mesmo significado probatório que se empresta às assinaturas feitas à tinta, sobre o
papel. Falta-lhe a aludida estabilidade. Tanto o documento assinado pode ser reescrito, sem deixar
vestígios e sem afetar a assinatura, como esta, uma vez transformada em uma sequência de bits,
pode ser facilmente copiada para outro documento, ou muitos outros documentos, em verdade”
(grifos do autor).
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nação judicial, pode ser necessária a realização de perícia, para averiguar, além
da autenticidade, a integridade e a cadeia de custódia do documento (THAMAY;
TAMER, 2020, p. 39-47). Ressalte-se que o instrumento contratual não será a única
forma de provar a existência da contratação, havendo outros mecanismos, como
realização de pagamentos, troca de mensagens, testemunhas, etc.
56 A “célebre expressão” é utilizada por Araken de Assis (2018, p. 122) e reproduzida em lição de Thamay
e Tamer (2020, p. 127), esta sobre a prova digital.
58 Nos termos do art. 784 do Código de Processo Civil, “São títulos executivos extrajudiciais: [...] IV – o
documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas” (BRASIL, 2015a).
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59 Nessa esteira, a Câmara dos Deputados aprovou, em junho de 2022, o Projeto de Lei nº 4.188/2021,
que, entre outras coisas, estende a execução extrajudicial aos créditos garantidos por hipoteca e ins-
titui a execução extrajudicial de bens móveis alienados fiduciariamente (BRASIL, 2021c).
60 O exemplo foi formulado por Nick Szabo, que primeiro teorizou os smart contracts (GOBBO, 2022).
5. CONCLUSÃO
A economia digital tem relevante impacto sobre o direito contratual. Como
se nota, a quase onipresença das novas tecnologias na vida cotidiana tem reflexos
sobre os contratos: desde o momento de sua formação, passando pelo exercício de
direitos e sobre os bens que por meio deles se transacionam, chegando à fase de cum-
primento, tendo relevância mesmo nos casos de inadimplemento.
À medida que as relações humanas vão sendo modificadas nesse novo cená-
rio, verifica-se a necessidade de reflexão sobre preceitos tradicionais do direito dos
contratos. Como se apresentou no início deste artigo, no decorrer dos séculos XIX e
XX, os fatos se impuseram sobre o paradigma liberal que via o contrato como justo
em sua essência, para abrir caminho às necessidades sociais no sentido de reequi-
librar por meio da lei as discrepâncias econômicas que havia entre contratantes.
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O DIREITO DOS CONTRATOS
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