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Aplicação de smart contracts sob a ótica do direito contratual brasileiro*

Application of smart contracts under the perspective of brazilian contract law

Marcelo Casagrande Filho1


Verônica Scriptore Freire e Almeida2

RESUMO: Smart Contracts são uma nova modalidade de contrato que surge com o Direito Digital.
Este trabalho objetiva uma retomada histórica da evolução das relações contratuais, a função social
para a qual os mesmos se destinam, comparando definições e princípios fornecidos pelos principais
institutos do Código Civil e da doutrina. Também para introduzir o instituto dos Smart Contracts,
figura esta que representa um avanço tecnológico, jurídico e interpessoal, trazendo consigo novas
formas de interação socio-contratual é imprescindível para a compreensão do novo instituto algum
conhecimento básico sobre Blockchain. É preciso ressaltar que este trabalho visa esmiuçar e
desenvolver o tema voltado ao mundo jurídico, não se aprofundando no caráter técnico da redação de
códigos da computação. Ademais, o trabalho compara as definições e princípios fornecidos pelos
principais institutos do Código Civil e da doutrina. Esboçaremos uma perspectiva dos princípios que
aplicar-se-ão aos contratos inteligentes quando os mesmos tiverem maior uso e aplicabilidade em nosso
cotidiano. De igual feita, analisaremos, pormenorizadamente o que são “contratos inteligentes”, como
se diferenciam de meros contratos digitais, tais como os assinados através de tokens e certificados
digitais, e como eles podem ser utilizados para outras aplicações além de transações que se vinculam
às tecnologias Bitcoin e demais criptomoedas. Por fim, elaborar-se-á um esquema comparativo entre
diversas legislações espalhadas pelo globo que fornecerão conceitos e bases para atual e futura
aplicação dos smart contracts em nosso meio, não limitando também a análise de como se dará a
regulamentação e fiscalização dos mesmos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Contratual; Smart Contracts; Direito Digital; Contratos; Blockchain.

ABSTRACT: Smart Contracts are a new type of contract that arises with Digital Law. This work aims
at a historical resumption of the evolution of contractual relations, the social function for which they
are intended, comparing definitions and principles provided by the main institutes of the Civil Code
and doctrine. Also, to introduce the institute of Smart Contracts, a figure that represents a
technological, legal and interpersonal advance, bringing with it new forms of socio- contractual
interaction, some basic knowledge about Blockchain is essential for the understanding of the new
institute. It is worth mentioning that this work seeks to examine and develop the theme having in mind
the legal world, without delving into technical subjects of computer code writing. In addition, in this
work, the definitions and principles given by the Civil Code and doctrine will be treated
comparatively. We will outline a perspective of the principles that will apply to smart contracts when

*
Esse trabalho foi apresentado originalmente pelo primeiro autor como Trabalho de Conclusão do Curso de
Direito da Universidade Santa Cecília (UNISANTA), orientada pela segunda autora. Em função da
recomendação de publicação dos avaliadores da Mostra de Trabalhos Científicos da UNISANTA, fez-se a
presente versão.
1
Graduando da Faculdade de Direito da Universidade Santa Cecília (UNISANTA).
2
Doutora e Mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal.
Pós-Graduada em Direito, área de especialização em Ciências Jurídico-Econômicas, pela Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra, em Portugal. Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu, Mestrado em Direito da Saúde, da Universidade Santa Cecília (UNISANTA). Líder do Grupo de
Pesquisa CMPq/Unisanta de Estudos Comparados em Direito da Saúde. Editora-chefe da Global Health Law
Journal. Advogada.

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they have greater use and applicability in our daily lives. Likewise, we will analyze in detail what
“smart contracts” are, how they differ from mere digital contracts, such as those signed through tokens
and digital certificates, and how they can be applied for other functions in addition to transactions
that are linked to Bitcoin technologies and other cryptocurrencies. Finally, elaborating a comparative
scheme between different laws around the globe that will provide concepts and bases for the current
and future application of smart contracts in our environment, not also limiting the analysis of how they
will be regulated and supervised.
KEYWORDS: Contract Law; Smart Contracts; Digital Law; Contracts; Blockchain.

INTRODUÇÃO
“As ações dos seres humanos são as melhores
intérpretes de seus pensamentos” – John Locke

Estamos a todo o momento realizando e desfazendo contratos. Do momento em que


abrimos nossos olhos até o que nos deitamos para descansar. Rousseau já mencionava em sua
obra O Contrato Social (ROUSSEAU, 1792), um contrato maior, que é feito por toda uma
sociedade para que possam garantir uma convivência pacífica. Mas não somente com o Estado
é que temos um contrato firmado.
As relações de consumo constantes, advindas do sistema capitalista tornam os
contratos algo essencial, intrínseco às interações humanas. Coisas tão simples quanto ir à
padaria, escolher alguns produtos e pagá-los no caixa já cria, de imediato, um contrato. O
nascimento, extensão e morte deste contrato, por exemplo, se dão naquele exato instante,
gerando efeitos jurídicos entre as partes que o praticam. Não necessariamente um contrato deve
ser oneroso. A troca de um objeto por outro, sem o uso de recurso monetário, sustenta-se apenas
com a confiança. Confiança que é a chave para todas as relações contratuais. O próprio objeto
de estudo do Direito Contratual não se limita ao contrato stricto sensu; o caráter subjetivo deste
tema também é de suma importância, já que sem a presença da confiança, nenhum contrato
“vive”.
As relações contratuais se desenvolveram junto ao homem. Quanto maiores nossas
opções, maiores serão a vastidão e abrangência dos contratos. Quem diria que há 20 anos, em
meados da virada do século, seria possível utilizar um pequeno aparelho de telefonia móvel
para realizar uma transação bancária sem sequer ter de ir ao banco. A facilidade e
maneabilidade dos recursos tecnológicos hoje permitem esta ação. Com tanta facilidade quanto
ir àquela padaria do início desta introdução. A ausência de intermediação entre credor e
devedor, para transações monetárias, já fincou raízes em nosso dia a dia. Os smart contracts,
junto do surgimento das criptomoedas, representam o próximo passo para as transações e
relações contratuais digitais.
Para este projeto, a análise não somente dos contratos, mas também das interações
humanas, dos negócios jurídicos e dos códigos que regulam essas relações é imprescindível
para a melhor compreensão. O desenvolvimento histórico, o estudo sobre diferentes culturas e
seus principais entendimentos sobre os direitos civis também é parte importante do presente
trabalho. Para melhor compreensão do ponto a ser debatido, a etnologia e a história do Direito
fazem valer seus ensinamentos, pois, para compreendermos as relações jurídicas, contratuais e
suas consequências, devemos estudar também o povo, o modelo, aquela determinada forma de
pensar.

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Busca-se também exemplificar o mais didaticamente possível os conceitos de smart


contracts, blockchain e suas tecnologias. Os princípios vinculados a esses temas se
assemelham em muito aos relacionados aos contratos que estudamos ao longo do curso de
Direito. Poucas ainda são as plataformas que permitem a criação destes novos dispositivos
contratuais. O Direito Digital se fará presente neste trabalho; o desenvolvimento tecnológico, a
utilização da internet e as demais regulamentações referentes ao uso de dados serão
conjuntamente analisadas, pois intrínsecos são os temas uns aos outros.
Por fim, será feito ademais um estudo sobre as regulamentações feitas em diversos
países, problemas que foram encontrados, suas soluções quando existirem e também como é e
será regulamentado e entendido no tema em território nacional.

1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO E DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

O direito dos contratos é espécie do gênero Direito Civil, mais precisamente no ramo
do Direito das Obrigações. Todas estas divisões e devidas subdivisões são tratadas pelo nosso
Código Civil. Miguel Reale denomina o Código Civil como “a constituição do homem
comum” (REALE, 1993, p. 354), pois regulará as relações entre os particulares, credor e
devedor, agentes ativo e passivo, assumindo cada qual seus direitos e obrigações. Mas o que é
obrigação? Podemos dizer que se trata do vínculo bilateral entre credor e devedor, onde um se
compromete positiva ou negativamente com o outro.

1.1 Direito contratual romanístico

Neste momento, abordaremos o período Justiniano para melhor compreendermos o


desenvolvimento dos negócios jurídicos. No mundo jurídico, a Lei da XII Tábuas configura
um marco civil e normativo, já que podemos tê-la como a primeira codificação, sendo também a
exteriorização legal do período do Século VI.
O direito Romano vigente à época é objeto de estudo dos mais diversos juristas, pois,
sendo o marco zero dos “Codex”, é também uma excelente base para a compreensão e o
conhecimento histórico das relações civis que lá existiam e seus desdobramentos das relações
de hoje.
Àquela época, a lei tinha como principal fonte o costume, as relações de posse,
segurança, consumo e comércio eram realizadas pelos próprios indivíduos. O “Estado” existia
apenas como uma figura distante, como um representante da nobreza, um guardião para a
segurança, sobrevivência do povo e punição de crimes e também como símbolo de religião.
Os negócios jurídicos e relações jurídicas que observamos em nosso cotidiano eram
resolvidas, quando em lide, pelos próprios grupos aos quais os sujeitos do negócio jurídico
pertenciam, e era pouquíssima a presença do Judiciário para a solução das lides. Como bem
comenta Thomas Marky:
“Os cidadãos romanos eram considerados mais como membros de uma
comunidade familiar do que como indivíduos. A defesa privada tinha larga
utilização: a segurança dos cidadãos dependia mais do grupo a que

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pertenciam do que do Estado”. (Curso Elementar de Direito Romano – 8ª


Edição – 1995)
Com a criação das Leis das XII Tábuas, as medidas jurídicas sofreram diversas
mudanças como é mister citar a Lex Poetelia Papiria, lei romana que aboliu a responsabilidade
física do credor pela dívida, história trazida por Tito Lívio, na Ab Urbe condita libri.
Ressalta-se aqui a ideia que a passagem do tempo e a evolução da sociedade e seu
eventual desenvolvimento econômico, territorial e tecnológico influirá em diversas
modificações nas relações entre indivíduos, que por sua vez, acabarão também criando novos
efeitos jurídicos aos negócios realizados entre si.

1.2 Direito moderno

O Direito Civil, recebeu diversas influências com o passar do tempo. Desde a Roma de
Justiniano ao Bürgerliches Gesetzbuch – BGB (Código Civil Alemão). Das teorias de
codificação napoleônicas aos Código Civil de 2002. O Brasil sempre bem recebeu novas teorias
e entendimentos, tanto de juristas nacionais quanto dos internacionais que foram condensados
no atual Código Civil Brasileiro. Neste momento, o estudo abrangerá as perspectivas
contemporâneas das relações jurídicas, contratos e negócios jurídicos.
Ao abordarmos o estudo do Direito Civil moderno, data vênia, devemos limitar o estudo
somente ao que se relaciona ao estudo-foco dos Smart Contracts e sua validade como negócio
jurídico. Não que as demais divisões de nosso ordenamento não nos sejam úteis ou que não
agregam, de forma alguma, todavia, tentar-se-á manter o ritmo compassado, baseado na
evolução histórica e comparativa.
Imprescindível é estudar o Direito Civil sem lembrarmo-nos das lições de Miguel Reale
sobre a teoria tridimensional do Direito que pressupõe que Fato, Valor e Norma devem ser
analisados todos de forma conjunta, não individualmente. Ademais, também entende Reale que
não podemos estudar leis, a norma propriamente dita, sem levarmos em consideração a cultura
que a mesma se submete. Devemos estudar com o seguinte raciocínio: Se há um Fato e sobre
este existe um determinado Valor (moral, econômico, social, etc.), logo, sobre este há de ter
uma Norma.
Pode-se depreender, obviamente, que todas as relações jurídicas se submetem à
aplicação desta teoria. As relações jurídicas, por sua vez, geram também negócios jurídicos.
A compreensão atual do que são os negócios jurídicos é bem exposta pela definição
dada por Flávio Tartuce:
“NEGÓCIO JURÍDICO – Ato jurídico em que há uma composição de
interesses das partes com uma finalidade específica” (TARTUCE, Manual
de Direito Civil, 2020, pág. 346). Da mesma forma, disserta Orlando Gomes,
primeiramente sobre as relações jurídicas, observando também pela ótica da
autonomia privada “é a esfera de liberdade da pessoa que lhe é reservada
para o exercício dos direitos e a formação das relações jurídicas do seu
interesse ou conveniência.”. (GOMES, contratos, pág. 27)
Veja, tal como assim chamado por Miguel Reale, o Código Civil é “A constituição do
homem comum”, isso implica que, excetuando-se as de caráter público, as relações contidas

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são, via de regra, privadas. Desta concepção, inferimos o entendimento de que o atual Código
Civil trata primeiramente das relações bilaterais privadas, sem necessariamente a presença do
Estado, como vimos durante o Corpus Juris Civilis.
Desta feita, observamos a gradação, comparativamente, ao nosso Código atual e o de
Justiniano. O segundo continha pouquíssimas normas reguladoras, os contratos eram em vasta
maioria feitos oralmente. Suas relações jurídicas eram pouco reguladas, por algumas vezes
somente as situações litigiosas eram formalizadas. O primeiro, por sua vez, regula diversas
situações, capacidades e nulidades. Guia as relações jurídicas do homem desde sua concepção
até os efeitos póstumos como os capítulos da sucessão.
Orlando Gomes, mais uma vez disserta sobre os entendimentos atuais de nossas relações
jurídicas e negociais contemporâneas, explanando também sobre as relações à época romana:
Não é no direito romano que se deve buscar a origem histórica da categoria jurídica
que hoje se denomina contrato, pois, segundo Bonfante, era um especial vínculo jurídico
(vinculum juris) em que consistia a obrigação (obligatio), dependendo esta, para ser criada, de
atos solenes (nexum, sponsio, stipulatio).
Outro ponto que ganhou vasta atenção nas atualizações doutrinárias e normativas foram
os contratos. Como principal forma da exteriorização da autonomia das vontades e também
como instrumento para realização dos negócios jurídicos, os contratos que hoje realizamos são
intrínsecos à vida em sociedade. A evolução de uma sociedade traz consigo novidades no
âmbito do Direito. O Código Civil Alemão, que deu vasta inspiração ao nosso atual Código,
tinha como principais valores sociais a boa-fé e a livre contratação. Tais valores são
reproduzidos em nosso ordenamento, além da análise de nosso sistema econômico que é
imensamente mais complexo que o Romano. Assim, comenta Orlando Gomes:

O liberalismo econômico, a idéia basilar de que todos são iguais perante a lei
e devem ser igualmente tratados, e a concepção de que o mercado de capitais
e o mercado de trabalho devem funcionar livremente em condições, todavia,
que favorecem a dominação de uma classe sobre a economia considerada em
seu conjunto permitiram fazer- se do contrato o instrumento jurídico por
excelência da vida econômica.

Assim, podemos observar que com o passar das décadas, a sociedade terá
mudanças das mais diversas escalas trazendo para o Direito diversas novas situações. Algumas
teorias mantêm-se incólumes, pois demonstram um panorama atemporal à matéria, casos como,
ad. gratia, a Tridimensional de Miguel Reale. As relações jurídicas, negócios e contratos
demonstram-se sempre como fruto das atualizações sociais e econômicas de um determinado
povo. Logo, sujeitam-se às diversas variações que estes pontos trazem.

1.3 Direito e contratos no futuro

Como já tratamos nos tópicos passados, a evolução do Direito Civil, juntamente com as
relações jurídicas, contratuais, sociais, econômicas e afins, anda de mãos dadas com a evolução
de um determinado povo. Analogamente, se Rousseau entende que o homem é fruto do meio,

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da sociedade e realidade em que este está inserido, podemos correlacionar a ideia de que as
relações jurídicas também são frutos do tempo e do lugar em que são concebidas.
Com os constantes avanços tecnológicos é de se esperar que as relações jurídicas
também tenham seus avanços. Por exemplo: observamos que as relações contratuais de outrora,
onde havia, na maioria das vezes apenas a pactuação oral entre os contratantes, eram também
manutenidas pelos mesmos sujeitos. A presença do Estado era mínima, quiçá presente.
Atualmente, observamos a presença da “observância” do Estado quando, por exemplo, fazemos
o registro público de um determinado bem. No entanto, tratando do exemplo propriamente dito,
hoje países como Japão e Coréia do Sul, Brasil em pouca escala, usam apenas seus aparelhos
celulares para realização de transferências bancárias. Compras no supermercado podem ser
feitas com apenas o “passar” de uma pulseira conectada à conta corrente do sujeito comprador,
enquanto o sujeito devedor precisa, meramente, conferir a autêntica realização da transação.
Em outro cenário, hoje podemos contratar serviços, comprar produtos, realizar
negociações digitalmente. Ressalta-se aqui o atual cenário mundial decorrente da pandemia
causada pela COVID-19. Se por um lado a pandemia fez com que mudássemos todo o sistema
de relações interpessoais de nossa sociedade, por outro, fez com que tivéssemos um “boom” de
atualizações, desenvolvimento e crescimento na demanda por métodos tecnológicos e digitais
para manutenir as relações civis.
O ponto chave que se busca chegar é: a percepção da realidade virtual mudou. A maioria
das empresas que antes não acreditavam na produtividade do home office, hoje faz parte dos
30% que aprova manter o modelo de trabalho após a pandemia, como exposto pela pesquisa
realizada pela FGV. Hoje percebemos que se pode continuar com a rotina à distância. Cursos,
faculdade, pagamento de salários, fusão de empresas, compra de ativos, contratos de transporte
de mercadorias, tudo isso e muito mais já é parte do denominado “novo normal”
Para este trabalho, os Smart Contracts representam o próximo passo para as novas
relações jurídicas. Do pós-pandemia até as próximas décadas.

2 DOS CONTRATOS E SEUS PRINCÍPIOS

Os contratos não são novidade em nosso ordenamento e nem tampouco em nosso


cotidiano como vimos no primeiro capítulo do presente trabalho. Sabemos pela numerosa
doutrina que um simples contrato pode ser definido como um ato bilateral onde um se
compromete a dar, fazer ou não fazer a outrem, formando dessa maneira um vínculo
obrigacional entre as partes. Logo, definimos desta forma o aspecto objetivo de um contrato.
Podemos também analisar os contratos pelo âmbito subjetivo, mais complexo e que
também possui diversos desdobramentos doutrinários. Objetiva-se com isso moldar uma
breve noção dos princípios contratuais e sua posterior aplicação aos Smart Contracts.
Com base nos ensinamentos de Orlando Gomes, os princípios dividir-se-ão entre
Clássicos e Modernos

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2.1 Princípios clássicos

2.1.1 Autonomia da vontade


Em todos os momentos na realização de um contrato, preliminar até a sua
concretização, a autonomia das partes se faz essencial. Por mais que exista uma mudança no
contrato do mundo físico para o mundo digital, será sempre necessária que ambas as partes
tenham conhecimento das cláusulas previstas, nas condições estabelecidas e dos efeitos reais e
jurídicos advindos da conclusão do contrato.
Devemos lembrar em todos os momentos na elaboração de um contrato ou simples
acordo que é completamente facultado a qualquer das partes a realização do mesmo, já que é
imperiosa a liberdade individual de contratar de cada um.
Novamente Orlando Gomes elucida que existam duas principais restrições ao princípio
da autonomia da vontade: ordem pública e bons costumes. (Gomes, 2007, pág 28).
Seria, portanto, extremamente oneroso e protelatório, uma minuciosa análise de ambos,
pois, até mesmo a mais criteriosa doutrina encontra dificuldade na definição do sentido desses
títulos. Assim, a fim de nos atentarmos apenas a esfera simples e facilmente compreendida dos
contratos inteligentes, a autonomia da vontade limitar-se-á apenas por situações prescritas pela
lei.
Portanto, crê-se que o referido princípio estará sempre presente em qualquer relação
contratual que porventura exista. Seja ela física ou completamente digitalizada.

2.1.2 Consensualismo (Confiança)

Na Seara desde o princípio, Orlando Gomes estabelece no comparativo com o


ordenamento alemão, dizendo que é necessário e pressuposto na formação de um contrato
bilateral a lealdade e boa-fé recíprocas.
Este princípio sofrerá uma mudança completa no âmbito dos contratos inteligentes, pois
não haverá necessidade de confiança mútua ou de sequer conhecer o sujeito que compõem outro
lado da relação jurídica contratual.
Isso ocorre porque depois de estabelecido os termos do contrato, o objeto, cláusulas, e
demais itens que sejam nada mais que os termos, por assim dizer, do próprio contrato, ficará
responsável através de sua auto execução, de garantir que, cumprida por uma das partes a
obrigação a ela imposta naturalmente a outra parte também terá de forma automática dada sua
parte como cumprida.
Por exemplo, em um contrato de compra e venda de uma marca ou determinada
franquia, estipulado o contrato e seu valor, usando da forma automática e digital, conectados
(por meios informados na elaboração do smart contract) aos centros de informações
necessários, quando a parte A fizer o pagamento do valor combinado, automaticamente o
contrato executará a si mesmo e também procederá com a devida notificação aos registros de
Pessoa Jurídica, à Junta Comercial competente, e a parte B receberá notificação da conclusão
do contrato, do valor, passando-se para o outro lado, a propriedade da marca ou da franquia.

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2.1.3 Força Obrigatória

Novamente Orlando Gomes (GOMES, 2008, pág. 57)) traz a luz dos ensinamentos
contratuais de que o princípio da força obrigatória é o mesmo que afirmamos que o contrato
faz lei entre as partes.
É sabido que quando elaboramos um contato e em situações muitas vezes alheias à nossa
vontade ou pelo não cumprimento da outra parte, temos que depender da prestação jurisdicional
do Estado para a resolução do conflito. Não obstante, muitas vezes esta forma de solução
litigiosa trará enormes gastos para as partes. Com os contratos inteligentes, a priori, não
teremos que falar na solução por intermédio judiciário, primeiramente pois não há a devida
regulamentação em nosso ordenamento pátrio desse tipo de contrato. Todavia, já existem
casos relacionados ao uso de blockchain e criptoativos que servem como formação de
precedentes jurisprudenciais, doutrinários e até para futura regulamentação legal.
Segundamente, porque através da autoexecução dos contratos inteligentes se uma das
partes falhar ou propositalmente não cumprir com sua parte do combinado a outra não será
lesada, pois o contrato, sabendo por meio dos códigos condicionais, impossibilita, por
exemplo, a transferência de valores inferiores ou superiores ao estipulado, impedirá um fazer
ou não fazer e assim por diante.

2.2 PRINCÍPIOS MODERNOS

2.2.1 Boa-fé

Certamente em todos os momentos desde a fase da pontuação até a conclusão de um


contrato, todas as partes prezam para que a outra tenha, de forma subjetiva, a mesma intenção
de obter os resultados almejados nas cláusulas contratuais.
A Boa-fé é um termo amplo, já que possui diversas acepções, no sentido lexicográfico.
A depender da doutrina estudada, podemos entender que a boa-fé também seja o alvitre das
partes em respeitar e manter uma boa comunicação ao longo de e toda a celebração do contrato.
Desde a elaboração do Código Civil de 2002 a doutrina tem prezado pela existência da
boa-fé objetiva que se desprendeu desde os ensinamentos do Direito Romano da boa-fé
subjetiva.
Em suma, uma se diferencia da outra pois a boa-fé subjetiva preza pela vontade e pelo
alvitre subjetivo dos contratantes. Já a boa-fé objetiva analisará as condutas e posições postas
como deveres dos contratantes na celebração do contrato.
Tartuce exemplifica alguns desses deveres e obrigações como “atos que exteriorizam a
existência de uma boa fé subjetiva e objetiva dentro de um contrato”, como por exemplo o
dever de notificar a outra parte de alguma mudança contratual, dever de colaboração e de
lealdade.
No âmbito dos contratos inteligentes, ou smart contracts, por mais que meramente
presumida não há de ser um critério extremamente valioso pois quando o programador

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estipular as regras condicionais em contrato haverá apenas de se analisar a possibilidade fática


do Regimento das situações previstas em cada cláusula contratual.
Seguindo esse raciocínio não a forma de mentir em um contrato inteligente pois o
mesmo apenas será realizado se houver fato concreto por exemplo a venda de um imóvel, a
mesma só será possível se o imóvel realmente existir e houver o devido registro do mesmo em
cartório.
Também ad exemplo, um contrato comercial onde exista produto dentro de um
container, o mesmo só será efetivo se houver realmente o produto, nas quantidades devidas e
cuja entrega seja realizada em prazo estipulado.

2.2.2 Equilíbrio Econômico

Um recente princípio adotado pela doutrina que é mais preponderante entre


contratantes que possuem uma demasiada diferença econômica na relação contratual
estabelecida.
Assim como afirma Rafael da Cruz Correa (CORREA, 2019), a modificação no
entendimento por parte da sociedade de que exista um verdadeiro equilíbrio entre as partes
contratantes fez com que fosse até mesmo o entendimento dado pelo Código Civil de 2002,
fazendo com que surgisse institutos como a resolução contratual por onerosidade excessiva.
“Com isso, a ideia de desequilíbrio entre as partes se tornou latente nas relações
consumeristas, por exemplo.” (CORREA, 2019) O termo de equilíbrio também sempre foi
muito bem tratado pela doutrina trabalhista, pois desde sua concepção após as Revoluções
Industriais, reconheceu-se um dos lados das relações contratuais, cujo objetivo era a prestação
laboral, de um polo hipossuficiente da relação.
Conquanto a base principiológica dos Smart Contracts, ainda que prezando pela
eficiência em fornecer um novo meio de elaboração pactual, restringe à liberdade de contratar
subjetiva por meio de sua auto execução.
Todavia, a mesma limitação pode ser ultrapassada pelo criterioso estabelecimento de
códigos criptográficos e cláusulas em que a determinada pecúnia terá um prazo para ser
angariada para somente então executar-se o câmbio.

2.2.3 Função Social

Tratado em nosso ordenamento no artigo 421 do Código Civil de 2002, a função social
do contrato existe como meio de conservação da igualdade entre os polos na relação pactual,
como limitador da Autonomia das vontades e como método Externo de fiscalização por parte
do interesse público.
Dentro da esfera dos Smart contracts, a função social do contrato ganha enorme peso
pois não existe ainda em nosso ordenamento uma exata regulamentação sobre esse tipo de
forma de contrato.
Todavia, por se tratar de tema principiológico, a função social é exercida nesse meio

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através da rede de criptografia e de publicidade existentes no complexo entranhamento de dados


publicados na rede onde digitalmente materializar-se-á o contrato inteligente.
O parágrafo único do artigo 2035 de nosso atual Código Civil também estabelece o
poder imperativo da função social e da ordem pública sobre as convenções celebradas entre
particulares visando a estabilidade entre sujeitos contratantes, Estado, lei e sociedade.
Assim, percebemos que os contratos não evoluíram apenas em sua forma, da física
para a digital, mas também percebemos como é necessário nos debruçarmos sob a ótica social
que pode estimular ou conflitar dentro de um contrato.

3 SMART CONTRACTS

Ao longo da história, o uso de mercadorias como meio de movimentação da economia


sofreu inúmeras evoluções. Usávamos principalmente de produtos agropecuários de um
determinado lugar para que, através do escambo, obtivéssemos outros produtos de um outro
produtor.
O comércio juntamente com o conceito e a prática de negociações também se
desenvolveram concomitantes ao tempo passado, cujo ápice em eras passadas foi o período das
grandes navegações.
Atualmente com os avanços tecnológicos e com o atual cenário trazido pela pandemia
do Coronavírus desde março de 2020 o mercado mundial tem sido atualizado a esta nova
realidade.
Como panorama histórico comparativo, os períodos das guerras mundiais traziam, além
das incontáveis vidas perdidas e conflitos armados, o boom tecnológico. A exemplo, o
desenvolvimento das primeiras I.A (Inteligência Artificial) em meados da década de 40, por
Alan Turing.
Através do uso dos primordiais computadores, Turing foi capaz não só de desenvolver
uma máquina capaz de “quebrar” os códigos criptografados usados para comunicação pelos
nazistas, mas também surgir com o conceito moderno de computadores.
Recentemente, temos vivido nosso próprio período de guerra. Guerra contra um inimigo
invisível e comum a todos os povos. A corrida bélica de outrora é substituída pela competição
entre grandes potências no desenvolvimento de uma vacina capaz de derrotar a Covid-19. E
assim como antigamente, o mercado encontra novas formas de se estabilizar. Desta vez, pelo
mundo digital.
Os smart contracts vêm como um próximo passo nas relações comerciais e contratuais
de nossa sociedade contemporânea demonstrando a possibilidade de um meio seguro, auto
executável, rápido e confiável.
A aplicabilidade dos contratos também não se limita a apenas transações financeiras
ou de valores, mas também a obrigações de fazer ou não fazer. - e.g da primeira é o exemplo
clássico de Szabo (A Ideia dos Smart Contracts, SZABO, 1997) da máquina refrigerantes
onde “A” insere uma nota de dinheiro na máquina e após o processamento e validação da nota
a máquina devolve uma lata de refrigerante. O exemplo é bastante claro pois mencionamos a
forma de funcionamento de um Smart Contract, onde existe um sujeito que cria, modifica e

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criptografa, formalizando um contrato com intuito de “A” fornecer uma determinada quantia e
“B” fornecer um determinado produto.
Na segunda hipótese podemos falar que um Smart Contract pode ser usado para criar
uma obrigação de fazer ou não fazer, onde, depois de criado o Smart Contract “com os termos
adequados e estabelecida um elemento condicional que deve ser alcançada por uma das partes,
executará ação fazer ou não fazer.” (SZABO, 1997)
Por exemplo, o contrato de aluguel de um imóvel onde o locador estabelece que o
locatário deverá, como condição para o uso da casa, pintar as paredes. O contrato, utilizará
informações contidas na rede mundial de computadores e demais fontes de informação
pactuante confirmará e tal condição foi atingida.
Por fim, uma das coisas mais interessantes sobre o instituto dos Smart Contracts é que
não haverá nenhum tipo de intermediário na elaboração do contrato, tanto na fiscalização
contínua quanto no atingimento das cláusulas estabelecidas no mesmo. Em diversos momentos
percebemos no uso dos contratos clássicos, quando não obedecidas as cláusulas de um contrato,
uma das partes lesada invoca a figura do Estado para garantir a execução daquilo que foi
estabelecido. Ou seja, o uso figura Judicial para solução do conflito.
Na implementação desses novos tipos de contrato a figura intermediadora de conflito
deixa de existir pois o contrato inteligente saberá quando uma das cláusulas não foi cumprida,
impedindo, dessa forma e de outras, o prosseguimento do mesmo até sua extinção.

3.1 Definição

Prior à definição de smart contracts propriamente dita é necessária uma breve noção
sobre o funcionamento das denominadas blockchains e distributed ledgers13.
Ambos estão intrinsecamente conectados, pois, podemos compreender a blockchain
como os blocos de informação, dados e criptografia que compõem a “cadeia de distribuição”
das informações inseridas de maneira coletiva pelos usuários deste tipo de tecnologia.

A imagem acima diferencia uma cadeia centralizada de informações da cadeia

3
Blockchain e distributed ledger (cadeia de blocos e registros distribuídos, respectivamente), são tecnologias
utilizadas conjuntamente aos smart contracts através de códigos de computação.

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distribuída utilizada em tecnologias como os Smart Contracts.


Por sua vez, temos assim como na imagem supra, o uso da Distributed Ledger ou
Cadeia Distribuída, diferenteTmente das Cadeias Centralizadas, demonstram que não há
necessidade de um órgão Central que faça o controle dos contratos pelos participantes
elaborados.
Na primeira existe um senso de coletividade onde cada participante embora tenha seu
próprio contrato ou suas próprias cláusulas, todos os outros têm acesso às mesmas
informações quando necessárias, como explica Rodrigo Moreira (Revista de Direito e suas
Tecnologias. Vol. 3/2019)
Todavia, o compartilhamento de informações dos contratos não impede nenhuma das
partes, ou todas, de tornar seu contato mais restrito por meio de ferramentas criptografia. “A
publicidade também é um dos elementos utilizados pela Distributed Ledger.” (MOREIRA,
2019)
Em suma, o blockchain e as distributed ledgers são partes diferentes utilizadas em uma
mesma forma tecnológica, mas que se diferem-se, pois, a primeira é uma forma específica da
segunda, sendo aquela, um meio de realização de transferências, interações entre usuários,
onde se mantém a discrição, segurança e transparência das operações nela realizadas.
Retornando à temática deste trabalho. Podemos então, com conhecimento superficial
acima feito, entender um smart contract como a formalização, estruturação se melhor servir
para exemplo, de um conjunto de dados em blockchain cuja finalidade seja a criação de um
contrato bilateral.
Possível, trocando em miúdos, dar a seguinte definição aos smart contracts: “Smart
Contracts são contratos autoexecutáveis, distribuídos e subidos para a rede de maneira pública
e descentralizada onde constam nos contratos feitos de maneira criptografada as informações
pertinentes aos interessados sem necessidade de nenhum intermediário.” (MOREIRA, Vol. 3,
2019).
Em diversas situações de nosso cotidiano utilizamos “espécies” de contratos
inteligentes. Como já citado, fazemos transferência bancárias, aceitamos termos para uso de
mídias digitais, entre outros. Todavia, deve-se neste momento fazer uma grande diferenciação
entre: contratos eletrônicos e contratos inteligentes.
Os primeiros são os tipos mais simplórios de contratos digitais. Tratam-se apenas de
contratos escritos, de maneira digitada, que são disponibilizados virtualmente como
verdadeiros termos de aceite, onde aquilo que mais vale é a simples expressão de autonomia
de vontades.
Os contratos inteligentes, por outro lado, são mais elaborados, “feitos à mão”, pois,
têm em seu corpo, não apenas as normas inter partes de um contrato comum, mas uma série
de dados codificados que formalizam toda uma estrutura de regras que, após estabelecidos os
termos, aguardam o atingimento dos objetivos propostos para então executar o comando de
celebração e extinção automática do contrato.

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3.2 Função e utilidade

Assim como um contrato existe para criar um vínculo obrigacional e jurídico, entre duas
ou mais pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, quando usamos Smart Contracts, temos em
mente uma nova forma de elaboração contratual. Que possui uma mecânica mais ágil, segura e
direta para execução de uma determinada obrigação pactuada.
A função principal e básica do Smart Contract é fazer com que as cláusulas objetivas
sejam muito mais facilmente executadas, resguardadas e seguras através da codificação em
Blockchain.
Nos princípios referentes aos contratos observamos uma mudança do posicionamento
doutrinário e legislativo onde era mais importante a boa-fé subjetiva do que a objetiva. Após
essa mudança no entendimento, as cláusulas objetivas de um contrato se tornarão mais
importantes do que o caráter meramente subjetivo do mesmo.
Desta feita, um Smart Contract utilizando a tecnologia de blockchain, tem como
principal função ser um contrato em que sejam colocadas todas as cláusulas como seria em um
contrato físico, mas removendo a figura de um terceiro ou intermediário reduzindo o custo, para
elaboração e asseguração do cumprimento do contrato. Além de utilizar a rede mundial de
computadores e as redes conectadas blockchain para garantir segurança, publicidade e o
comprimento pela altura a execução contrato.
Em termos de utilidade, os Smart Contracts abrangem diversas áreas onde suas
funcionalidades podem ser bem utilizadas. Num primeiro momento eles podem ser utilizados
com foco para transações financeiras rápidas sejam elas nacionais ou internacionais.
A longo prazo, com o desenvolvimento e maior utilização de tecnologias relacionadas
a criptomoedas e uso das redes blockchain, transações internacionais poderão ser feitas sobre
uma única moeda, já que moedas digitais como o Bitcoin são aceitos no mundo todo em seu
valor unificado. Essa utilização advém principalmente das evoluções tecnológicas no mercado
financeiro e da globalização propriamente dita.

“Será possível o uso dos Smart contracts fora do sentido contratual, também
como método de registro de transações e de outros tipos de informação,
facilitando o trabalho de auditoria, contabilidade e fiscalização.” (CHAVES,
2020)

Não obstante, poderão ainda ser utilizado como uma forma segura para individualização
do usuário, por exemplo a fim de registrar voto nas eleições, dificultando ou até mesmo
impossibilitando a ocorrência de fraudes na contagem de votos. Ademais, pode se utilizar dessa
tecnologia para evitar interferências nas eleições, como podemos relembrar os escândalos
eleitorais americanos em 2016.
Como explica o desenvolvedor e expert em tecnologia blockchain, Aran Davis, na seara
do registro e individualização do usuário, será possível criar contratos de “plano de saúde com
histórico completo do paciente, não havendo necessidade de realização de novos exames ao
mudar-se a prestadora de serviço.”

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Por fim, vemos que a evolução das formas de negociação principalmente contratuais se
dá junto com o desenvolvimento do comercio e das próprias práticas negociais.
Observamos que os contratos inteligentes não se baseiam em contratos vinculados a
transações de valores, mas também em obrigações de fazer ou não fazer. Sendo possível
também elaborar contrato inteligentes que sejam utilizados com cláusulas dinâmicas que
saberão quando foi adimplida uma obrigação, extinguindo assim a figura intermediadora do
conflito.
Aprendemos de que forma são centralizados os Smart Contracts, através das redes de
blockchain e cadeias distribuídas onde a segurança dada pela forma de encadeamento é
garantida pelo senso de coletividade de cada participante da rede, tornando público, imutável
e autoexecutável o contrato inteligente.
Por último, vimos também alguns exemplos de atividades que podem ser realizadas com
o uso dos devidos contratos inteligentes e de sua correta programação.

4 REGULAMENTAÇÃO DOS SMART CONTRACTS

No capítulo final do presente trabalho pesquisou-se como se encontram as atuais


regulamentações vinculadas aos Smart Contracts. Foi analisado em panorama geral a
regulamentação na União Europeia, Estados Unidos e Brasil.
Obviamente, os contratos inteligentes não fogem muito às regras estabelecidas para os
contratos mais rotineiros. Isso se dá principalmente pois a vasta maioria dos países entende o
contrato como algo dinâmico e que não mais precisa, obrigatoriamente, de uma forma estrita,
podendo ser redigido à mão, digitado, falado ou até mesmo quando não há manifestação
contrária ao mesmo.
Por fim, será compilado de maneira resumida as principais diferenças de cada
localidade e suas principais vantagens e desvantagem legais, se estas houverem.

4.1 União Européia

Inicialmente, vale destacar que podemos dividir o continente europeu em dois principais
blocos: os países que têm como sistema jurídico a “civil law” e aqueles que usam a “common
law”.
No presente momento, não será analisado as diferenças entre um ou outro, nem como
se distinguem quanto à matéria deste trabalho. Estudar-se-ão as regulamentações gerais da EU
que se aplicam na maioria dos países do bloco, senão em todos.
Em termos de avanços tecnológicos e suas devidas regulamentações cabe dizer que o
continente europeu sempre foi exemplo de novidade e de rápida atualização, como é visto
também na antecedência dos países deste bloco para lidar com questões como leis para proteção
de dados (RGPD) e algumas regulamentações para blockchain.
Outrossim, boa parte do sistema legal europeu adota aquilo que se chama de “tort law”,
sistema esse de punição na esfera civil quando houver dano à uma das partes da relação. Em

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alguns países do bloco, o inadimplemento da obrigação por dolo pode acarretar na prisão civil.
Em verdade, a regulamentação dos contratos inteligentes no continente europeu ainda é
pouquíssima. Existem diversos estudos que analisam a relação contratual entre sujeitos advinda
de um contrato inteligente, mas que de toda feita, não foge à legislação aplicada aos contratos
ordinários.
Em relatório elaborado por Tom Lyons e seus colegas, Ludovic Courcelas e Ken Timsit,
para o European Union Blockchain Observatory and Forum4, é debatido não apenas como seria
a regulamentação e fiscalização dos contratos inteligentes, mas na verdade como seria para as
redes blockchain.
Ora, se um contrato inteligente é uma pequena peça de todo um sistema decentralizado
de dados, seria imensamente mais dificultoso iniciar a análise do micro ao macro.
Portanto, o que se buscar ter como base e estabilidade legal e jurídica na UE seria as
redes em blockchain e as cadeias decentralizadas de informação.
Mais um ponto de estudo que é regulado em alguns países do bloco é a anonimização
do sujeito parte das relações feitas em blockchain. Pois, se teoricamente é impossível saber
quem é um dos polos da relação, como ficaria sua responsabilidade em casos de
inadimplemento?
Uma das soluções apontadas no relatório foi a proposta de futuras leis que
regulamentem e obriguem aos usuários que utilizem tokens de identificação, certificados
digitais ou outro sistema de assinaturas.

“Pois, temos que partir do pressuposto que, por mais que uma das partes da
relação ainda queira permanecer anônima, esta continua realizando o contrato
de boa-fé e não sempre para fins ilícitos. (SZABO, 1997).”

Outro ponto em debate são as questões de territorialidade. No continente europeu, que


é em grande parte regido pelos diversos regulamentos existentes, a regra aplicada é a da
Regulamento de Roma I (Rome I Regulation), uma espécie de lei que regulamenta qual será o
ordenamento aplicado nas hipóteses do não cumprimento contratual dentro dos limites da união
europeia. Qual será o foro e qual a lei aplicável.
Por fim, por mais que a Europa esteja sempre um passo a frente doutras grandes
potências em termos de novidades jurídicas, a mesma se encontra no engatinhar das relações
contratuais novas e modernas advindas do crescimento exponencial do uso de criptoativos e
contratos inteligentes, por conseguinte.

4.2 Estados Unidos

Como bem descrito no excelente artigo An Introduction to Smart Contracts and Their
Potential and Inherent Limitations, publicado no Fórum de Direito de Harvard sobre Governança
Corporativa, os contratos inteligentes também não estão dispostos em nenhum ordenamento
4
Fórum e Observatório Blockchain da União Europeia.

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federal.
Lá, ao contrário do que majoritariamente ocorre em nosso país, cada estado em uma
maior liberdade para regulamentar os assuntos de sua população. Na maioria dos casos, os
contratos inteligentes são tratados como apenas mais um contrato simples. Mas, deve-se atentar
aos requisitos contratuais bem marcados no direito americano.
Oferta, consideração e aceitação. Fases muito bem delimitadas pelo ânimo dos agentes
que realizam um contrato. De certa maneira, se assemelha muito com nosso ordenamento, mas é
de se creditar que os métodos de resolução de litígios advindos da natureza contratual são muito
mais rápidos que a feita pelo judiciário brasileiro.
Em muitos casos, a ausência da mera consideração torna o contrato nulo. De toda forma,
o direito americano também se volta para preocupar-se com questões de funcionamento e
aplicabilidade digital dos contratos.
A Lei de Transações Eletrônicas Uniformes (UETA) define que uma transação
automatizada é aquela realizada no todo ou em parte, de alguma forma ou meio eletrônico. Desta
forma, englobando também os contratos inteligentes.
Não obstante, a seção 3 do mesmo ato também estabelece o escopo e abrangência da
fiscalização que podem ser feitas nas transações eletrônicas, abarcando e considerando como tal
aquelas que contenham assinaturas digitais.
A mesma lei é uma das mais aplicadas em todos os estados, sendo aplicada em 47 dos 50
estados americanos.
Por fim, no mesmo artigo, erguem-se questionamentos sobre a aplicação geral dos
contratos inteligentes nas próximas décadas, se tornando algo mais acessível para aqueles que
não conhecem tanto de programação ou contratos especificamente.
Narra o artigo que os contratos inteligentes são julgados não somente no que está escrito
e descrito neles, mas sim aquilo que está contido em seu código, que é sem dúvidas a pedra
fundamental para a criação desse método contratual.

4.3 Brasil

Diferentemente dos outros ordenamentos supra estudados, as leis brasileiras por mais que
não dissertem em nenhum lugar sobre como serão regulados os contratos inteligentes ou de quais
maneiras serão julgados os seus termos e códigos, apresenta uma diferença facilitadora em
relação aos outros países. Justamente, a ausência de regulamentação.
Isso acontece porquê dentro dos nossos pressupostos contratuais, um deles não é a
necessidade de uma forma rígida para a elaboração do mesmo (salvo hipóteses defesas em lei).
Em parte, isso acontece pelas origens de nossa base legal. pelas tradições orais que
carregamos em nosso modo de vida e pelo jeito informal de nosso cotidiano.
Não obstante, é árduo lidar de um tema tão pouco explorado em nosso meio jurídico, mas
que tem tamanha possibilidade de análise. Temos o crescimento recente das áreas relacionadas
ao Direito Digital, mas ainda desta feita é difícil encontrar profissionais que lidem com a
temática do presente artigo.

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De toda forma, temos no Brasil o crescimento de tecnologias que permitam um futuro


desenvolvimento dessas tecnologias e do conhecimento jurídico que as envolve, já que, cada
dia mais, temos novidades tecnológicas que estimulam indivíduos à investirem em tecnologias
como bitcoin, blockchain e similares.
Em conclusão, nosso país por mais que não tenha muito conhecimento ainda deste tipo
de ferramenta, é permitido seu uso vide a ausência de óbice jurídico-legal e que as formas de
elaboração de contratos em nosso ordenamento também permitem a criação de contratos
inteligentes de maneira livre. Deixando assim, uma grande lacuna a ser preenchida com
inúmeras possibilidades.

CONCLUSÃO

Vimos o quão dinâmicas podem ser as novas tecnologias trazidas pelos Smart
Contracts. Observamos que se trata de uma nova modalidade contratual que aparece
conjuntamente ao Direito Digital.
Este trabalho objetivou uma análise histórica da evolução das relações contratuais, a
função social desempenhada pelos diversos tipos de contrato e que sofreram alterações ao
passar dos milênios.
Estudamos definições e princípios fornecidos pelos principais institutos do Código
Civil e da doutrina.
Também pudemos acompanhar a introdução do instituto dos Smart Contracts.
Desenhamos um esboço para apresentação inicial ao tema que se mostra um avanço
tecnológico, jurídico e interpessoal, trazendo consigo novas formas de interação socio-
contratual.
Vimos também o quão importante se faz o conhecimento para a compreensão deste
trabalho sobre Blockchain.
Outrossim, neste trabalho foram tratados comparativamente as definições e princípios
fornecidos pelos principais institutos do Código Civil e da doutrina.
Observamos por um determinado prisma, os princípios que são aplicados aos contratos
vetustos, os atuais e consequentemente aos contratos inteligentes quando os mesmos tiverem
maior uso e aplicabilidade em nosso cotidiano.
De igual feita, analisamos, categoricamente o que são “contratos inteligentes”, como
se diferenciam de meros contratos digitais, tais como os assinados através de tokens e
certificados digitais, e como eles podem ser utilizados para outras funções além de transações
que se vinculam às tecnologias Bitcoin e demais criptomoedas.
Por fim, compulsamos um comparativo entre diversas legislações espalhadas pelos
continentes que nos deram conceitos e bases para atual e futura aplicação dos Smart Contracts
em nosso meio, não limitando também a análise de como se dará a regulamentação e
fiscalização dos mesmos.

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