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LISBOA
2022
1
SOFIA VIDEIRA GOMES
LISBOA
2022
2
NOTA PRÉVIA
3
AGRADECIMENTOS
4
RESUMO
Uma das formas contratuais cada vez mais marcante corresponde aos smart
contracts, os quais, com a criação de moedas digitais e principalmente de plataformas
blockchain, têm ganho cada vez mais interesse por parte dos seus utilizadores.
Por outro lado, a figura da mora, tal como existe no ordenamento português não
parece que possa ser aplicada em smart contracts.
5
PALAVRAS-CHAVE: Smart Contracts. Blockchain. Perturbações no
cumprimento. Mora. Impossibilidade. Cumprimento defeituoso. Alteração das
circunstâncias.
ABSTRACT
The present work seeks to assess whether _ and, if so, in what way _ the figures
relating to disturbances in compliance, especially in the light of the Portuguese legal
system, can be applied to the new reality of smart contracts.
As it is a new and highly technological contractual reality, the present work begins
with the presentation and explanation of what smart contracts are and how they work.
6
On the other hand, the figure of arrears, as it exists in the Portuguese legal system,
does not seem to be applied in smart contracts.
7
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Ac.: Acórdão
arts: Artigos
BGB: Bundesgerichtshot
n.: nota
Rel.: Relator
8
RT: Revista dos Tribunais
9
ÍNDICE
RESUMO .............................................................................................................. 5
ABSTRACT ......................................................................................................... 6
INTRODUÇÃO .................................................................................................. 14
1.1.2. Transação....................................................................................... 20
3. BLOCKCHAIN ........................................................................................ 26
4. SMART CONTRACTS............................................................................ 33
10
6.3. Inaplicabilidade de mora em smart contracts ....................................... 70
6.4.1. Antecedentes................................................................................... 77
11
6.6.3.3. Hierarquia nos meios de reação? ......................................... 117
12
ÍNDICE DE FIGURAS
13
INTRODUÇÃO
Numa primeira parte, será realizada uma breve apresentação da figura dos smart
contracts, ao passo que na segunda parte se procurará apreciar as perturbações do
cumprimento de contratos (mais concretamente, o incumprimento definitivo, a mora, o
cumprimento defeituoso, a impossibilidade e a alteração de circunstâncias) e tentar
discutir a sua aplicação àquela nova figura contratual.
IV. Smart contracts são contratos autoexecutáveis cujo contacto humano direto é
muito reduzido. Ora tratando-se de contrato autoexecutáveis, o contrato é aceite e produz
os seus efeitos de forma imediata. Esta característica é fundamental para determinar os
14
contornos de aplicação das diferentes figuras constantes das perturbações no
cumprimento.
VI. A parte inicial é composta pelos três primeiros capítulos que se centram numa
apresentação da nova tecnologia, expondo, além do mais, as noções da moeda eletrónica,
Distributed Ledger Tecnology e smart contracts. Nestes capítulos procura-se fornecer
uma exposição simples da figura dos smart contract.
15
VII. Por fim são apresentadas as conclusões retiradas com a feitura do presente
trabalho.
16
1. NOVAS TECNOLOGIAS NO MUNDO CONTRATUAL
1.1. Moeda digital/criptomoeda
Não sendo necessária uma terceira pessoa os custos diminuem, pois, as partes
envolvidas no contrato não necessitam de acrescentar ao valor transacionado os custos
exigidos pela interferência das instituições financeiras.
Durante grande parte dos séculos XIX e XX, a moeda tinha um valor muito
diferente do que se pratica hoje em dia, o valor da moeda dependia do valor do próprio
metal em que a moeda era cunhada, a moeda cunhada em ouro valia mais do que qualquer
outra moeda cunhada num outro metal. O uso do ouro como medidor de riqueza foi
abandonado nos anos 1920-1971 1, o abandono do uso do metal precioso justificou-se
principalmente pela falta do metal precioso após as duas Grandes Guerras Mundiais 2.
1
Janusz Brzeszczynski, Jerzy Gajdka, Tomasz Schabek, 2020: 51
2
Idem
17
1.1.1. Bitcoin
Bitcoin Timeline
3
S.Z. Salem, 2008: 1.
18
2017 _ The Biggest Bubble: Bitcoin´s Price Reached $19,787;
2018 _ Bitcoin´s Low Point. Bitcoin´s Price Reached $ 3,300;
2020 _ Covid-19 vs Bitcoin. Bitcoin´s Price Lost ~ 60% For a Few Hours.
II. Por outro lado, o sistema Bitcoin, não sendo controlado por uma instituição,
não existe uma política monetária, significa por isso que não existe arbitrariedade na
criação da Bitcoin, no entanto o número de Bitcoins em circulação não pode exceder
nunca os 21, 000, 000, sendo espectável que o seu número máximo seja atingido no ano
20404. A finalidade de controlo do número de Bitcoins produzidos é prevenir a
depreciação da própria moeda.
4
Janusz Brzeszczynski, Jerzy Gajdka, Tomasz Schabek, 2020: 51
19
1.1.2. Transação
II. Numa transação dita convencional, o banco é parte num processo de compra e
venda, tanto como fiduciário como credor ou como intermediário da transferência
bancária. Neste processo são cobrados custos adicionais por prestação de serviços por
parte do banco custos estes não existentes numa transação no mundo digital.
Transação em Bitcoin
5
Satoshi Nakamoto, 2009: 2.
20
III. Como observado em cima Bitcoin é uma ferramenta de transferência de bens
sendo que esta moeda digital em muito se pareça com a moeda convencional, isto porque
a moeda Bitcoin possui três características que a permite comparar a uma moeda
convencional, uma vez que é possível estabelecer preços de bens e serviços em Bitcoin e
compara-los com outras unidades monetárias, é possível realizar a transferência de
Bitcoin, tal como demostrado na figura 1.3 e por fim é possível utilizar a moeda em causa
para pagamentos presentes e futuros. No entanto apesar de muitos utilizadores da moeda
Bitcoin defenderem que a mesma pode ser utilizada e comparada à moeda convencional,
no entanto existem autores6 reticentes em nomear a moeda Bitcoin como uma alternativa
à moeda convencional, em primeiro lugar a utilização de moedas digitais ainda não são
universalmente utilizadas como principal meio de pagamento, atualmente os utilizadores
de moedas digitais são na sua maioria empresas do setor que vendem e compram ações
de outras empresas utilizando moedas digitais como meio de troca, pelo que a utilização
de moedas digitais encontra-se ainda restrita a entidades com capacidade de entendimento
de informática avançada e possuidores de bons e equipamentos informáticos.
1.1.3. Privacidade
6
Janusz Brzeszczynski, Jerzy Gajdka, Tomasz Schabek, 2020: 53.
21
Privacy Model
Trusted
Identities Transactions Counterparty Public
Third Party
III. Uma das preocupações levantadas por diversos autores como Sarukkai e Xia7
seria o da utilização de cripto moedas como a Bitcoin para a compra de substâncias
ilegais, isto porque apesar de existir uma maior transparência no que diz respeito às
transações em Bitcoin tal como mencionado anteriormente, a identidade das partes
envolvidas é sempre protegida, significa que durante uma transação as partes não são
identificadas, a verdadeira identidade encontra-se protegida por pseudónimos e códigos
matemáticos dificilmente decifráveis. Para evitar transações de substâncias ilegais a
própria rede cria mecanismos de controlo da atividade das partes envolvidas. Este
controlo pode demorar alguns minutos, tal como demonstrado na figura apresentada de
seguida.
7
Idem.
22
How Can Bitcoin Transactions Be
Tracked?
II. É importante mencionar as plataformas DLT, pois são estas plataformas que
garantem o funcionamento de smart contracts, figura esta central no presente trabalho e
que irá ser desenvolvida mais à frente, porém antes de poder desenvolver e apresentar os
“contratos inteligentes”, cabe apresentar a tecnologia que permite a sua formação e
funcionamento. A definição de DLT, não é no entanto unanime, segundo o Banco
Mundial, define DLT partilha de informação entre as diferentes partes, permitindo
registar e sincronizar dados e transações em vários pontos de armazenamento,
23
denominados nodes8, por outro lado o Banco Europeu Central Europeu descreve DLT
como sendo uma tecnologia que permite os seus utilizadores guardar e aceder a
informação assim como realizar transferências de por exemplo títulos e dinheiro, sem a
necessidade de uma validação por parte de sistema central9. Para o Banco da Inglaterra
DLT é uma base de dados descentralizada, no sentido em que cada node se encontra
sincronizado e todos os utilizadores detêm uma cópia da informação, afastando-se assim,
do tradicional sistema de centralização da informação em três pontos fundamentais; i)
descentralização, ii) confiança, mesmo num ambiente de risco, iii) e o uso de
criptografia10.
8
World Bank Group, 2017: 1.
9
A Pinna, W. Ruttenberg 2016: 6.
10
Bank of England 2017: 1.
11
Primavera De Filippi, Aaron Wright, 2018: 34.
12
M Rauchs, A Glidden; et. al. 2018: 25.
24
Key Concepts
Transaction: any proposed change to the ledger, despite the connotation, a TXk Event
transaction need not be economic (value-transfering) in nature. description
Log: na unordered set of valid trnsaction held by a node, which have not yet been TXk+1
Record: transaction data which been subject to network consensos rules. Note: A TX2 TXp+1
“candidate recor” is a record that has not yet neen propagated to the network.
TXp+k TXk+1
Journal: the set of records held by a node, although not necessarly consistente
with the consensos of other nodes. Journals are partial, provisional, and
heterogenous: they may or may not contain all the same records.
1 2 3 4 5
Unconfirmed
Transactions Log (Mempool) Record Journal Ledger
End users creat Each fully-validating Each record producer now Each node will verify The ledger represents the
arbitrarly selects a set of the received candidate globally agreedupon
transactions and node stores
unconfirmed transactions record: if it complies authoritatative set of
broadcast them to the unconfirmed from its log and creats a records that constitutes the
network thhough transactions in its log with protocol rules,
candidate record. After state of the system. It
various means. These (“mempool”). Logs performing the necessary the node will add the
results from the
transactions are may differ from one steps spcefied by the record to its own convergence of
wainting for node to another. protocol to make the instance of the ledger synchronised individual
confirmation.
candidate record valid, it – the jornal. Journal journals.
broadcasts the record to states may differ from
connected nodes.
one node to another.
End users (via nodes, Individual node level Individual node level Individual node level Global system level
SPV, API)
Processing
25
Figura 2.2. From Transactions to Records
3. BLOCKCHAIN
13
Gheorghe Matei, 2020: 15.
14
Primavera De Filippi, Aaron Wright, 2018: 7 “The Proof of Work consensus mechanism
requires that certain computers on the network (colloquially referred to as a “miners”) solve
computationally-intensive mathematical puzzles, while others verify that the solution to that puzzle does
not correspond to a previous transaction” apud Bruno Santos Divino Sthéfano 2018: 2777.
15
Gheorghe Matei, 2020: 15.
26
“by hashing them into an ongoing chain of hash-based proof-of-work,
forming a record that cannot be changed without redoing the proof-of-
work” 16.
16
Cf., Nakamoto, Satoshi Nakamoto, 2009: 1.
17
Idem.
27
A Simplified Merkle Tree Diagram
Hash AB Hash CD
Hash ABCD
Two hashes are combined to create
Key: a new hash, adding another layer
The Transaction of security
Adaptado de https://www.euromoney.com/learning/blockchain-explained/what-is-blockchain
IV. Será, no entanto, a figura do blockchain segura? A resposta é sim, uma vez
que cada hash detêm uma chave única e ligam-se com os hash dos blocos anteriores,
criando uma cadeia (cadeia de blocos), de forma descentralizada através de diversos
computadores, chamados de nodes, estas características criam assim segurança ao próprio
blockchain uma vez que cada hash detém o histórico da transação qualquer hacker teria
de alterar o histórico de informação de todos os hash o que na realidade é modificar a
informação de milhares de hash transmitidos em milhares de nodes.
28
The New Networks
Centralized Decentralized
29
Como se demostra na figura 1.2.4. um sistema centralizado tem uma autoridade
que determina “the truth to the other participants in the network” 18. Nodes encontram -
se ligados a um único servidor responsável por toda a comunicação existente entre nodes
e guarda a informação, no entanto neste tipo de sistema apenas “privileged users”19
podem ter acesso ao historial das transações realizadas e apenas estes têm a possibilidade
de confirmação de novas transações.
O seu sistema decentralizado, leva a que nenhuma entidade por si só detenha toda
a informação das transações, todos os participantes detêm uma cópia dessa mesma
informação.
Uma vez que não existe uma terceira parte possuidora da informação o sistema
peer-to-peer permite que cada participante detenha a cópia da informação e que seja
transmitida entre os diversos nodes, uma vez que é possível criar novos hashes com o link
aos hash anteriores transmitindo-se assim, a informação em bloco.
VI. Tendo em conta que todos os participantes na blockchain possuem uma cópia
das transações, foi necessário criar um mecanismo que proibisse a realização de alterações
às informações, por parte dos seus participantes, daí sendo a imutabilidade uma das
principais características da blockchain pelo que, a informação criada em blockchain é
permanente caso seja necessário realizar alterações à informação a única forma de o fazer
é criar uma nova corrente de blocos de informação, criar uma nova rede de blockchain.
18
Gheorghe Matei, 2020: 18.
19
Idem.
30
Ora esta necessidade de criar a blockchain imutável, fez com que se tornasse quase
impossível a ocorrência de ataques por parte de hackers, uma vez que qualquer alteração
realizada à informação de bloco é imediatamente detetada e para além disso existem
várias cópias da mesma infirmação, pelo que as alterações feitas teriam de abranger todos
os hash e todos os blocos de informação o que é praticamente impossível, uma vez que
existem milhares se não milhões de nodes onde essa exata informação passa é guardada.
As transações em blockchain podem ser complexas, pelo que julgo ser necessário
apresentar um esquema alusivo que ajude a explicar de forma superficial como se
processa uma transição, a figura 1.2.5. retrata os passos a dar no momento da realização
de uma transição e que como se pode constatar pela sua análise o processo é quase
imediato, o vendedor recebe em questão de minutos o valor acordado em moeda
eletrónica, daí a popularidade crescente do uso da blockchain. A figura apresentada,
ilustra as fases existentes durante uma transição em Bitcoin dentro de um sistema
descentralizado como a blockchain.
31
The Steps of a Bitcoin Transaction
his wallet.
32
4. SMART CONTRACTS
"a computerized protocol that executes the terms of a contract” e tem como
objetivo “satisfy common contratual condictions (such as payment terms,
liens, confidentiality, and even enforcement), minimize exceptions both
malicius and acidental, and minimize the need for trusted intermidiaries,
(…) lowering fraud loss, arbitration and enforcement cost, and other
transactions cost”20.
Nick Szabo, reconheceu que smart contracts, não envolvem inteligência artificial,
mas o uso de algoritmos computacionais que eventualmente seriam usados na elaboração
de contratos.
II. Embora esta figura tenha surgido na década de 90, não era possível na altura
21
desenvolver esta nova tecnologia , pelo que apenas em 2008 com o surgimento de
Blockchain foi possível o desenvolvimento de smart contracts22.
20
Nick Szavo, 1994: 1.
21
Jorge Alberto Padilla Sánches, 2020: 180.
22
E. Mik, 2017: 273 "Given that Szabo's paper was written in the niid-1990s, it does not surprise
that it portrays courts and legal principles as inconvenient legacies to be made redundant by suitable
technologies. Other propositions made therein, such as the use of technology to secure contractual
performance or to ensure adherence to the law, have evolved into the theory that 'code is law' and that
technology has normative implications. Using technology to enforce the law or private agreement is thus
not a novel idea. What is new in the smart contract narrative, however, is the combination of an
indiscriminate trust in technology, especially blockchains, with an unparalleled misapprehension of basic
legal concepts", apud Jorge Alberto Padilla Sánches, 2020: 180.
33
“a collective of code (its functions) and data (its state) that resides at a
specific address on the Ethereum blockchain”.23
Mas a definição mais revolucionária tem origem no sistema jurídico de Malta onde
a definição de smart contracts se encontra em Malta Digital Innovation Authority Act.
Cujo artigo 2.º estipula o seguinte:
23
Pedro Ferreira Malaquias; Luís Alves Dias, 2019: 5.
24
Idem. Em tradução livre: “é um programa de computador que opera em tecnologias baseadas
em registos distribuídos e cuja execução vincula automaticamente duas ou mais partes com base nos efeitos
predefinidos por elas”.
25
Idem.
26
“Malta Digital Innovation Act”, 2018.
34
Esta definição apresentada por Malta é revolucionária, pois ao contrário das
anteriores, Malta prevê a possibilidade de os smart contracts revestirem a natureza
jurídica de contratos.
Apesar destas distintas definições é possível extrair pontos comuns que levam a
concluir que independentemente da definição escolhida smart contracts serão sempre
contratos descentralizados e imutáveis.
27
Marc Dimech, 2019: 22.
28
Idem p. 23.
35
automóvel, a marca, modelo, cor, ano, manutenção, o tipo de venda etc…, caso C queira
mais tarde comprar o mesmo automóvel, basta aceder à informação armazenada na
ledger, obtendo assim, toda a informação que necessita para tomar uma decisão. A
transparência permite assim, eliminar a possibilidade de fraude por parte dos sujeitos
envolvidos.
1 2 3 4a 4b
-As partes estabelecem Os termos do O valor é transferido para
- O evento desencadeia a Para ativos digitais
obrigações e instruções de contrato ditam o o destinatário indicado de
execução contratual; representados fora do
execução; movimento de acordo com os termos sistema (e.g. títulos de
- O evento pode referir-se valor em função contratuais. Para ativos ações, propriedade as contas
-Ativos são postos sob das condições
a: digitais no sistema (e.g. off-chain adaptam-se às
custódia do smart contract; verificadas. Bitcoin) as contas são instruções. As mudanças
Transação iniciada; liquidadas nas contas refletir-se-ão no
-Condições para execução
(“Se … então…”). automaticamente. nó
Informação recebida
29
Idem p. 24.
30
Exemplo retirado de, Marc E. Dimech, 2019: 24.
36
Adaptado de: Ribeiro de Faria, Joana, “O Regime jurídico da formação e do (in)cumprimento dos
“contratos onteligentes”(os smart contacts)”, Revista de Direito Civil, V, (2020), 3-4, (pp. 723-764), p. 732
31
Stephen Diehl, 2018: 1.
32
Jeceaca An, 2020: 544.
37
ocorridas por má codificação. Não esquecer que as partes contratantes podem não ter
conhecimento sobre codificação, pelo que o programador poderá manipular o contrato e
beneficiar da característica da imutabilidade. Esta preocupação é fundamental uma vez
que para além do problema de segurança, qualquer erro provocado pelo programador
poderá levar à invocação de perturbações de cumprimento.
Por outro lado, sendo smart contracts meios de execução de prestações acordadas
coloca-se a questão de saber que tipo de informação devem smart contracts conter, será
que devem apenas conter informações básicas relativas ao acordo entre as partes ou se
por outro lado se deva ter em conta o direito dos consumidores e garantir, que este último
realiza o ato de compra com toda a informação possível. No entanto questiona-se se será
este o papel dos smart contracts, ou se esta informação se deva elencar no contrato
celebrado entre as partes deixando assim para os smart contacts apenas a informação
essencial para a execução da prestação acordada.
Pelo que o papel de smart contracts deve ser ais do que estabelecer informações
básicas, deve haver a preocupação de garantir o cumprimento da prestação devida e que
existe um rigor na transposição do acordo das partes para o código matemático que na
sua íntegra corresponderá ao contrato final.
33
Pedro Ferreira Malaquias; Luís Alves Dias, 2019: 56.
38
4.2. A formação de smart contracts numa perspetiva informática
II. Uma das principais vantagens da utilização de smart contracts para regular a
relação jurídica entre as partes, é a da redução de custos, por não ser necessário uma
terceira parte intermediária, porém é necessário a utilização de software capazes de
formular um contrato, podendo haver falhas na redação e representação da vontade das
34
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 728.
35
Sthéfano Bruno Santos Divino, 2018: 2794.
36
Idem p. 2795.
37
Cristhian D Clack, et. al. 2016: 12.
39
partes, a linguagem matemática utilizada por este tipo de software, por vezes não
acompanha a linguagem natural. Porém a poupança existente pode ser enganosa, tal como
exposto por Sthéfano Divino38, pode ser altamente dispendioso garantir que o contrato
expresse com exatidão a vontade das partes, o que pode ser necessário recorrer a
especialistas capazes de formular um contrato em código e que preveja todas as situações
que possam ocorrer, o que se poderá questionar se não será mais vantajoso recorrer a
contratos tradicionais.
38
Sthéfano Bruno Santos Divino, 2018: 2796.
39
Elza Mik. 2017: 290-293.
40
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 734.
41
Mateja Durovic; André Janssen, 2019; 68.
40
uma das características fundamentais de smart contracts, é sua execução automática tal
como expõe o Professor Diogo Pereira Duarte:
IV. Devendo fazer-se a destrinça entre smart contracts e smart legal contracts,
correspondendo os primeiros ao código matemático que cria o contrato e os segundos
correspondem ao contrato como um todo o somatório do código matemático e tudo aquilo
que é juridicamente relevante, tais como negociações, cláusulas contratuais, assim como
formalidades derivadas do próprio contrato. No entanto esta distinção não se encontra
uniformizada, e artigos que tratam o tema smart contract tendem a não realizar esta
distinção, mencionando apenas smart contracts, pelo que ao longo do trabalho irei
mencionar apenas smart contracts44.
42
Diogo Pereira Duarte, 2019: 173.
43
Pedro Ferreira Malaquias; Luís Alves Dias, 2019: 55.
44
John Stark 2016: 1.
41
devem estar preenchidos os requisitos necessários à formação de um contrato, capacidade
jurídica, proposta, aceitação, elementos essenciais do contrato.
Esta solução, apesar de se apresentar como uma solução válida é bastante precária
para satisfazer realmente o problema da falta de capacidade das partes, até porque tal
como mencionado a identidade das partes é altamente protegida através de pseudónimos,
a ação intentada em Tribunal seria penosa e demorada.
45
Mateja Durovic, André Jassen, 2018: 16.
46
Idem p.17.
47
Idem.
42
entanto, fácil a sua redação, pois a linguagem natural é complexa e ambígua. A redação
de smart contracts é altamente complexa, por um lado pela dificuldade de criação da
taxatividade das cláusulas, devido à imutabilidade característica destes contratos, será por
isso necessário prever e elencar todas as situações possíveis num só contrato, pois não
será possível alterar ou acrescentar cláusulas a esse mesmo contrato.
48
Sthéfano Bruno Santos Divino, 2018: 2797.
49
Idem: 2798.
50
Idem: 2799.
43
VII. Apesar de smart contracts conter características próprias de um contrato, tal
como apresentado ao longo do presente capítulo, os autores Pedro Malaquias e Luís Dias
detêm uma posição mais restrita quanto à ideia de um smart contract se materializar num
contrato:
51
Pedro Ferreira Malaquias; Luís Alves Dias, 2019: 56, ver nota de roda pé (17) do artigo em
causa.
52
Idem p. 57.
53
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 736.
44
IX. Por último os Autores Pedro Malaquias e Luís Dias, elencam de forma simples
pontos fundamentais aos quais as partes devem estar cientes:
54
Pedro Ferreira Malaquias; Luís Alves Dias, 2019: 57.
55
João Varela, 2000: 223.
45
tais como a celeridade, comodidade de poder efetuar um contrato de compra e venda no
conforto de casa. Serão necessariamente contratos eletrónicos, todos aqueles constituídos
através de meio eletrónico, porém Lorenzetti expecifica:
56
Lorenzetti, Ricardo Luiz, tradução, Fabiano Menke, 2004: 286 e 287.
57
Delber Pinto Gomes, 2018: 48.
46
associados incluem a diminuição dos prejuízos por fraude, custos com
litigâncias e execução coerciva e outro tipo de custos relacionados com as
transações.”58
58
Karine Gonçalves, 2020: 34.
47
2. O documento eletrónico vale como documento assinado quando satisfizer
os requisitos da legislação sobre assinatura eletrónica e certificação.
É importante refletir sobre a formação de smart contract, uma vez que este
contrato detém características próprias incomuns.
III. O negócio jurídico é assim formado, segundo uma sequência de atos que
permitem alcançar o objetivo último que será o acordo de vontades. Como primeiro ato
teremos a declaração, elemento fundamental para qualquer formação de negócio. Como
explica Larenz:
59
António Menezes Cordeiro, 1987: 101.
60
António Menezes Cordeiro, 1987:105.
48
O conceito de declaração apresentada por Larenz, é fundamental uma vez que a
lei portuguesa é omissa quanto a este tema. A declaração será a exteriorização da
comunicação de vontade da parte.
Por outro lado, há que distinguir entre declaração proferida num negócio unilateral
de uma declaração proferida num contrato bilateral, no primeiro caso a “declaração
negocial preenche a totalidade do acto jurídico”61, no segundo caso existe um encontro
de vontades expressas através das declarações negocias, uma do comprador e outra do
vendedor.
61
Pedro Pais Vasconcelos, 1999: 205.
62
Idem : 217.
49
A inexistências destes momentos distintos é a principal característica de smart
contracts, isto porque a parte formula a sua proposta e a aceitação realizada pela
contraparte ocorre em simultâneo ao cumprimento.
63
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 737.
64
Pedro Pais Vasconcelos, 1999: 223.
65
Idem : 224.
50
Como forma de clarificar o que foi dito segui o presente exemplo apresentado por
Joana Ribeiro de Faria:
VI. No entanto é possível concluir que smart contracts, são contratos vinculativos,
apesar de se tratar de um contrato atípico é necessário ter em conta as suas características
próprias.
Sendo smart contracts uma forma contratual apesar de complexa, válida, cabe
analisar a aplicação das diversas figuras da perturbação ao cumprimento em smart
contracts.
66
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 734.
67
João Varela, 2000: 212.
51
Uma vez que smart contracts detêm características, é necessários analisar figuras
clássicas do direito como o incumprimento definido, a mora, a impossibilidade, o
cumprimento defeituoso e por fim alterações das circunstâncias.
Contudo a análise das diversas perturbações é apenas possível pela extensa análise
feita a smart contracts e chegada à conclusão de que estes contratos são vinculativos, pelo
que é fundamental determinar quais as consequências a retirar pela perturbação de
cumprimento desta forma contratual.
II. A reforma das obrigações alemã de 2001/2002 adotou uma conceção ampla de
perturbações no cumprimento das prestações, sendo possivel elencar as seguintes
perturbações: i) incumprimento definitivo, ii) Mora iii) impossibilidade iv) cumprimento
defeituoso e v) alteração das circunstâncias.
68
António Menezes Cordeiro, 2017: 226.
52
I. Os sistemas romano-germânicos na sua generalidade, determinam a
vinculariedade das partes envolventes num contrato segundo o pacta sun servanda, assim
o consagra o direito francês no seu artigo 1103.º Código Civil francês, que dispões o
seguinte:
“Os contratos legalmente formados velem como lei entre aqueles que os
celebram”. 69
69
Dário Moura Vicente, 2017: 257.
70
Antunes Varela, 1999: 7.
53
cumprimento deve coincidir, ponto por ponto, em toda a linha, com a
prestação a que o devedor se encontra adstrito.”71
2). Por outro lado, o devedor não goza do beneficium competentiae72, o devedor
não pode exigir a redução do valor a prestar, com fundamento na sua precariedade
económica. Diferenciando-se do direito Francês, que no seu artigo 1343-5.º do Código
Civil francês “permite ao juiz reduzir ou escalonar o pagamento de uma divida, tendo em
conta a situação económica do devedor”. 73
3). Por último a prestação debitória deve ser realizada integralmente e não por
partes. Artigo 763.º n.º 1 do Código Civil:
Tal como expressa Diogo Pereira Duarte, um contrato sob a figura de smart
contract é um contracto cuja execução é total ou parcialmente automatizada, neste tipo
contractual não é necessário a intervenção humana, podendo existir apenas um algoritmo
que controle todo o processo contratual verificando e executando instruções pré-
definidas.74
71
Idem: 14 e 15.
72
Ver nota de rodapé n.º 3 de Antunes Varela, 1999: 15.
73
Dário Moura Vicente, 2017: 267.
74
Duarte, Diogo Pereira Duarte, 2019: 173.
54
IV. Dada a característica da autoexecutividade, muitos autores defendem a
75
inevitabilidade do cumprimento dos smart contracts, tema a desenvolver de seguida,
aquando do tratamento do incumprimento definitivo dos smart contracts.
Brandão Proença por outro lado apresenta a figura do incumprimento como uma
figura heterogénea, na qual prevalece a insatisfação do interesse do credor. 77
A violação do dever é uma figura prostrada na versão velha do § 241 do BGB, o qual
dispunha:
Apesar de o preceito em cima transcrito não ter sofrido alteração, passou a n.º 1
sendo aditado:
75
Kevin Werbach, Nicolas Cornell, 2017: 160.
76
Jorge Ribeiro De Faria, 2020: 337.
77
José Carlos Brandão Proença, 2019: 170 ss.
78
Pires, Catarina Monteiro Pires, 2019: 72.
55
“(2) A relação obrigacional pode obrigar, conforme o seu conteúdo,
qualquer parte com referência aos direitos, aos bens jurídicos e aos
interesses da outra”.79
79
António Menezes Cordeiro, 2017: 228), de notar que a totalidade da transcrição do §241 do
BGB, foi retirado da mesma fonte.
80
A listagem de figuras com as quais o incumprimento definitivo se contrapõe serão extraídas da
obra de Catarina Monteiro Pires, Catarina Monteiro Pires, 2019: 72 e 73.
81
Idem.
82
Idem.
56
regra não se aplica quando a violação do dever não seja imputável ao
devedor83.”
Raskin tal como anuncia Joana Ribeiro de Faria, defende a “execução de não
cumprimento preemptiva”. 84
Este autor tenta assim, aplicar aos smart contracts a exceção de não cumprimento,
figura essa retratada no nosso ordenamento jurídico, pelo artigo 428.º, n.º 1 do Código
Civil:
VI. Esta posição é criticada por Joana Ribeiro de Faria, pois segundo a autora,
sendo smart contracts dependentes de softwares para a sua execução e estes não deterem
capacidade valorativa para decodificar todas as circunstâncias envolventes no processo
de cumprimento do próprio contrato, até porque se o software não detetar o cumprimento
do contrato, mesmo que o mesmo tenha sido cumprida, o contrato é reconhecido como
incumprido, não é possível, assim aplicar a exceção de não cumprimento.
Significa por isso que o incumprimento dos smart contracts, apenas surge pelo
não pagamento por parte do devedor?
83
António Menezes Cordeiro, 2017: 229.
84
Joana Faria De Ribeiro, 2020: 753.
57
Parece-me, no entanto, que a matéria do incumprimento dos smart contracts não
é tão simplória como aparenta ser.
“(…) se o oráculo 85
verifica erroneamente as taxas de câmbio por
referência às quais o preço contratual é definido, e o pagamento se
processa por um preço inferior ao correto, tem lugar a um não
cumprimento parcial”.86
85
Os smart contracts, são contratos inseridos na tecnologia blockchain, pelo que é necessário
agentes externos à própria blockchain que extraia informações externas ao contrato inserido na blockchain.
86
Joana Faria De Ribeiro, 2020: 754 e 755.
87
José de Oliveira Ascensão, 2003: 65.
88
Catarina Monteiro Pires, 2019: 74.
58
o prazo admonitório tem como função “o equilíbrio entre o interesse do credor no
cumprimento do programa obrigacional, o princípio pacta sunt servanda”.89
VIII. Na posição apresentada, caso o smart contract não seja cumprido, a parte
infiel, continua obrigada a cumprir a prestação, independentemente da ação ou omissão
que levou ao incumprimento lhe seja ou não imputável.
No exemplo apresentado em que o smart contract não fora cumprido por erro do
oráculo, aplicando-se a posição adotada por Catarina Monteiro Pires, o devedor continua
adstrito no cumprimento da prestação, uma vez que a mesma é ainda possível. No entanto
sendo smart contracts autoexecutáveis, as partes serão obrigadas a formular um novo
contrato, pois smart contracts, tal como analisado em capítulos anteriores, são imutáveis,
as partes não poderão editar ou aditar novas informações ao próprio contrato. Não sendo
possível no mesmo contrato formular o cumprimento da prestação.
Assim, como apresenta Joana Ribeiro de Faria, o devedor não será responsável
pelo incumprimento, quando o cumprimento deixa de estar na “sua efetiva
disponibilidade”, isto porque a responsabilidade assenta na figura da culpa.90
89
Idem.
90
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 755.
59
2. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil”.
91
Sthéfano Bruno Santos Divino, 2018: 2796.
92
Antunes Varela, 2000: 63.
60
Quanto à matéria da impossibilidade, julgo ser necessário recorrer a um capítulo
próprio, pelo que de momento irei apenas dissecar o incumprimento definitivo por perda
de interesse por parte do credor.
X. É necessário assim analisar, por isso a base do próprio smart contract. De facto
por regra smart contracts tem por base uma obrigação pecuniária, apesar de a transição
monetária se referir a Bitcoins, ou outras moedas eletrónicas. A posição apresentada não
é aplicada em casos em que a prestação se vence por pagamento em coisas, como por
exemplo a entrega de uma pintura.
Diz-nos o artigo 808.º do Código Civil, que o credor pode, por perda de interesse
na prestação da obrigação por decurso do prazo admonitório, declarar incumprimento
definitivo.
93
Catarina Monteiro Pires, 2019: 73.
61
6.2.2. Meios de reação possíveis
6.2.2.1. Cumprimento natural impossível
Assim, o credor terá de provar o seu direito como credor, artigo 342.º n.º 1 do
Código Civil, por outro lado cabe ao devedor provar que o impedimento de prestar, não
lhe é imputável. Caso o devedor consiga provar que, o incumprimento definitivo por
impedimento, não lhe é imputável, a figura do cumprimento natural é excluída.
94
Catarina Monteiro Pires, 2019: 77.
62
“(…) trata-se de uma consequência natural (embora optativa) da crise no
cumprimento, definitiva, que pressupõe uma opção de desvinculação das
prestações primárias, reativa, embora sem revestir uma natureza
globalmente sancionatória”.95
A figura exposta apresenta base legal nos artigos 801.º, n.º 2, 802.º e 432.º a 436.º
do Código Civil, no entanto a resolução não se restringe ao que se encontra regulado pelos
artigos mencionados, através da liberdade contratual as partes são livres de regularem no
contrato que celebrem cláusulas resolutivas.
a) Incumprimento definitivo;
b) A gravidade do incumprimento.
95
Idem: 88.
96
Idem: 89.
97
Dário Moura Vicente, 2017: 319.
63
matéria de resolução cabe determinar se a cláusula incumprida é condition, isto é, uma
cláusula essencial, dando poder à parte lesada, de resolver o contrato “sem necessidade
de conceder ao devedor qualquer prazo adicional para o efeito”98.
Não irei aprofundar a análise dos pressupostos transcritos pelo que apelo à leitura
da obra da qual é retirado o excerto, no entanto irei apenas realizar um apanhado da
98
Idem: 320.
99
António Menezes Cordeiro, 2020: 450.
100
Idem.
101
António Menezes Cordeiro, 2020: 450.
64
informação que julgo ser necessária. A primeira elação possível de apresentar é a não
obrigatoriedade de bilateralidade, a resolução por incumprimento é possível
relativamente a contratos unilaterais. Quanto ao âmbito da violação, cabe distinguir se a
mesma deriva de inexecução ou má execução da prestação principal, inexecução de
prestações secundárias ou execução defeituosa e por fim a violação de deveres acessórios.
Quanto à culpa, a mesma é dispensável, desde logo a, (…) não-exigência de culpa resulta
do art. 793.º, que permite a resolução em face de impossibilidade parcial não-imputável
ao devedor (…)”. 102
De notar que o preceito exposto não é aplicado quando a violação do contrato não
seja imputável ao devedor, completando-se o exposto com a aplicação do § 281 (1) do
102
Idem: 460
103
Dário Moura Vicente, 2017: 324.
104
Idem: 283.
65
BGB, que faculta o direito de o credor reclamar “uma indemnização em lugar da
prestação”105.
O facto ilícito tal como identifica Catarina Monteiro Pires, irá corresponder à
inexecução da prestação, sendo uma violação do tão importante dever de prestar. 107
“ (…) revela o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente
diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas
as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário”.108
105
Idem.
106
Idem: 285.
107
Catarina Monteiro Pires, 2019: 87.
108
Carlos Mota Pinto, 2012: 444.
66
“ (…) boa ordenação do tráfego jurídico-negocial – com a implicada tutela
da confiança dos destinatários das declarações negociais e da segurança
jurídica, com como a desejável redução dos custos de transação”. 109
109
Evaristo Mendes, 2012: 1.
110
António Menezes Cordeiro, 2021: 718.
111
José de Oliveira Ascensão, 2010: 149.
112
Idem.
113
Diogo Pereira Duarte, 2019: 195.
67
Segundo esta distinção é nos smart contract legal que se poderá encontrar o
encontro de vontades das partes podendo existir um acordo escrito em linguagem natural
ou hibrido em que se combina linguagem natural com a linguagem informática. No
entanto a interpretação de declarações contratuais pode ser um desafio no que trata a
natureza dos smart contracts, smart contracts aqui mencionado como figura geral de
identificação desta nova forma contratual.
Desde logo se o contrato for construído através de uma situação híbrida haverá
dificuldades na interpretação da linguagem informática, por outro lado neste tipo
contratual não existe uma relação pré-existente entre as partes, as mesmas poderão
realizar a fase negocial do contrato por meios eletrónicos através de plataformas próprias
para o efeito. Não existe por isso um ambiente negocial a ser estudado e auxiliar da
interpretação das declarações negociais.
III. Pode ser discutido se a ilicitude poder ser presumida, como argumento
apresentando o artigo 799.º do Código Civil, destinado à presunção de culpa do devedor
pelo incumprimento da prestação.
Esta posição ainda se encontra em discussão na doutrina portuguesa, uma vez que
é necessário distinguir a ilicitude da culpa. A ilicitude traduz-se no incumprimento dos
termos acordados a culpa implica um juízo ético praticado pelo individuo. Inocêncio
Galvão Telles distingue a ilicitude e culpa alegando:
114
Inocêncio Galvão Telles, 2010: 333.
115
António Menezes Cordeiro, 2016: 446 ss.
68
sistema monista de considerar apenas a ilicitude da culpa na responsabilidade
obrigacional.
V. Para além dos requisitos da culpa que como se viu é presumida, e da ilicitude,
é necessário a existência de um dano indemnizável.
116
Ac. S.T.J., de 13/07/2010, processo n.º 5492/04.6TVLSB.L1.S1, relator Hélder Roque
117
Antunes Varela, 2000: 543.
118
Manuel Carneiro da Frada, 1994: 191 e 192.
69
O dano terá, no entanto, de derivar de um facto gerador do mesmo, tratando-se
assim, do nexo de causalidade o dano existente será originário de uma ação ou omissão
por parte do promitente infiel. O nexo de causalidade encontra-se previsto no artigo 563.º
do Código Civil, no qual a maioria da doutrina aplica a teoria da causalidade adequada,
caracterizada por Antunes Varela como sendo uma teoria:
119
Antunes Varela, 2000: 889.
70
I. A mora trata-se de uma figura de contornos específicos, sendo retratada pelo
ordenamento jurídico português e brasileiro como um atraso no cumprimento de uma
prestação, atraso esse imputável ao devedor.
III. No caso apresentado e agora revisto, não se poderá aplicar a figura da mora
do devedor, mas sim da impossibilidade temporária não imputável ao devedor (ver artigo
792.º do Código Civil).
120
Catarina Monteiro Pires, 2019: 133.
121
Idem: 135.
71
disponibiliza o bem em transação assim que o pagamento se encontre efetuado, daí a
equiparação a uma máquina de venda automática.
No caso apresentado poderá ocorrer, por exemplo problemas de sinal de GPS que
impeçam a localização exata da embarcação, no entanto o problema levantado não seria
imputável ao devedor, uma vez que as torres de transmissão do sinal GPS não são
controladas pelo devedor.
122
Sobre este assunto, site: https://insurwave.com/.
123
Idem.
72
VII. A verdade é que nos contratos smart contracts é altamente improvável
aplicar-se a figura da mora do devedor, por não ser possível imputar o atraso do
cumprimento ao devedor.
Isto porque caso não seja possível transmitir o sinal GPS a verdade é que a
prestação devida pelo próprio devedor não é auto executada no momento, pois em smart
contract a contraprestação ocorre assim que a prestação é realizada, se a prestação do
devedor não é cumprida o contrato não se concretiza. Pelo que não seria mora uma vez
que o próprio contrato não seria celebrado tendo em conta que em smart contracts, a
aceitação do contrato é feita no momento em que a contraparte cumpre a obrigação.
VIII. Em suma e após esta breve exposição de direito comparado, a mora não será
aplicada em smart contracts em ordenamentos jurídicos como o português ou o brasileiro,
uma vez que dependem da imputação do atraso de incumprimento a atos ou omissões de
uma das partes, contudo será aplicada a mora em sistemas regidos segundo sistemas de
Comman Law, em que a mora será observada sob um princípio objetivista, pelo que
existindo atraso no cumprimento da prestação será considerado como incumprimento.
124
Dário Moura Vicente, 2017: 275.
73
atos necessários ao cumprimento da obrigação”. Quanto à mora do credor diz-nos Larenz
que a figura da mora surge quando por conduta do credor a prestação é executada ou não
é concretizada no tempo devido e acordado pelas partes contratantes. 125
Uma vez apreciado o requisito negativo previsto no artigo 813.º do Código Civil,
cabe apreciar o primeiro requisito positivo previsto no articulado apresentado. É exigida
como condição de mora a não aceitação por parte do credor da prestação devida pelo
devedor, sendo este ato de não aceitação um ato traduzido numa ação clara de rejeição ou
por outro lado uma omissão em que o credor não pratica determinados comportamentos
necessários à aceitação da prestação devida. No entanto é necessário fazer uma ressalva
importante a mesma prevista no § 297 BGB, que é a determinação de que a não aceitação
por parte do credor é ou não justificada, por outras palavras, o credor não incorre em mora
sempre que “o devedor não oferecer a prestação conforme devida”127.
125
Karl Larenz, 1979: 389.
126
Catarina Monteiro Pires, 2019: 160.
127
Idem: 192.
74
interpretação do próprio contrato para descortinio de quais os comportamentos essenciais
ao cumprimento da prestação.
“(…) para haver mora do credor _ art. 813.º do Código Civil _ não basta
qualquer recusa de colaboração deste, quando exigível, para que o devedor
execute proficientemente a sua prestação, sendo antes de exigir que essa
recusa se relacione com atos de cooperação da prestação pelo devedor; não
estando provado, in casu, que a desmontagem do vínculo era essencial à
realização da vistoria pelo perito da Ré, como esta alegara, não houve
injustificada, e, como tal, não existiu mora credenti”.128
VI. Num contrato típico seria necessário apreciar a mora do credor quando este se
recusa a aceitar a prestação devida por parte do devedor, e se essa recusa se deverá
assentar num motivo justificado. Tal como apresenta Catarina Monteiro Pires, “ (…) o
motivo justificado se prende com razões relativas ao credor ou com circunstâncias
atinentes ao oferecimento (irregular) da prestação”. 129
128
Ac. S.T.J. de 14/01/2014, processo n.º 511/11.TBPVL.G1.S1, Relator Fonseca Ramos.
129
Catarina Monteiro Pires, 2019: 165.
75
“(…) merece um tratamento distinto o caso em que o credor se abstém de
receber a coisa e de providenciar o destino dela e aquele em que o mesmo
credor, por contingência imprevisível e súbita, está momentaneamente ou
transitoriamente impedido de a receber e de tomar providências” 130.
A posição do autor depende por isso de uma graduação de atos praticados pelo
próprio credor, em casos em que este, recusa a prestação por motivos não justificados. A
explicação da posição defendida por Baptista Machado, tem por base a necessidade de
distribuição do risco, em que o devedor deve suportar o risco quando por culpa leve,
resulte no cumprimento irregular da prestação.
VIII. A conclusão possível a retirar, será de que num contrato smart contract a
mora é uma figura de difícil aplicação através do regime hoje conhecido, uma vez que
todo plano aplicativo da mora depende de atos praticados pelo credor, no entanto smart
contracts, tal como já mencionada afasta a atuação humana.
Contudo é possível apresentar ações que dependem de atos das partes, como por
exemplo autorizar a movimentação de criptomoedas. Neste sentido seria possível apreciar
a mora do credor se o mesmo não atua de forma a garantir o cumprimento da prestação
no prazo devido. Quanto à presente posição aprecia Menezes Cordeiro:
130
João Baptista Machado, 1991: 317 e ss.
131
António Menezes Cordeiro, 1999: 132.
76
A posição apresentada pelo autor, reflete a ideia principal de mora, indicando que
o devedor deverá recorrer a todos os atos necessários para cumprimento da prestação.
Pelo que em caso de ausência de atos praticados pelo credor, não existirá mora do
credor, existirá sim impossibilidade sendo, por isso aplicados os meios de reação
previstos na impossibilidade superveniente, a seguir estudada.
77
II. A figura da impossibilidade superveniente definitiva encontra-se prevista nos
artigos 790.º e seguintes do Código Civil. Como nota introdutória cabe distinguir a
impossibilidade originária da prestação da impossibilidade superveniente, na primeira a
impossibilidade “impede a obrigação de nascer”132 surgindo a segunda por causa
imputável ao devedor, “dá lugar a que a obrigação se perpetue”133, o que na sua
consequência levantará meios de defesa por parte do contratante fiel, tema que irá ser
abordado adiante.
132
Adriano Pães Da Silva Vaz Serra, 1955: 6.
133
Idem.
134
João Baptista Machado, 1991: 270.
135
Idem: 271.
78
apresentando assim, a figura da impossibilidade temporária que será desenvolvida num
capítulo subsequente.
V. No entanto, tal proposta não vingou na versão final do Código Civil. Pelo que
é necessário aprofundar o estudo relativo ao conceito de prestação enquanto resultado.
136
Adriano Pães Da Silva Vaz Serra, 1955: 9.
137
Idem: 135.
138
Catarina Monteiro Pires, 2019: 16.
139
Idem.
79
Podendo-se extrair a conclusão de que a impossibilidade nasce quando o
resultado é frustrado e o mesmo seja “elemento, estrutural e/ou funcional da prestação”140,
regressando a este ponto, a necessidade de interpretação do próprio contrato que, como
visto anteriormente pode causar dificuldade quando o contrato tem por base um contracto
smart contract escrito em código matemático, no entanto, repetindo o que fora
mencionado anteriormente pode suceder que haja uma situação mista em que o contrato
fora primeiramente redigido em linguagem natural e que as partes detiveram acesso a essa
mesma versão, aceitando as cláusulas aí previstas, pelo que se poderá realizar a análise e
interpretação de qual será o elemento essencial no cumprimento do contrato.
140
Idem: 17.
141
Helmut Köhler, 1971: 77 ss.
142
Dietmar Willoweit, 1988: 833.
143
Catarina Monteiro Pires, 2019: 19.
80
Note que a autora acrescenta a inexistência de impossibilidade nos casos em que
o “resultado da prestação é alcançado por via diversa do cumprimento” 144. Ou seja, o
resultado é alcançado apesar de o devedor ter incumprindo. Segundo a presente exposição
o interesse do credor ao ser concretizado exonera o devedor no cumprimento da
obrigação.
“(…) pode ainda acontecer que o mesmo resultado não seja possível
porque o objeto da prestação, quando concretamente individualizado,
ainda que existente e sem quaisquer vícios que sejam inerentes, é
insusceptível de proporcionar a utilidade que lhe é própria (…)”. 145
144
Sobre este assunto, nota de roda pé 27 de Catarina Monteiro Pires, 2019: 20
145
João Baptista Machado, 1991: 267.
146
Karl Larenz, 1979: 257.
147
João Baptista Machado, 1991: 270.
81
6.4.2. Impossibilidade absoluta e “relativa”
148
Adriano Pães Da Silva Vaz Serra, 1955: 19.
149
Idem: 19 e 20.
150
Manuel A. Domingues De Andrade, 1958: 410.
151
Antunes Varela, 1999: 72.
82
Segundo Catarina Monteiro Pires a onerosidade ou a dificuldade em cumprir com
a prestação não é “um problema do quadrante da impossibilidade do cumprimento”152.
Assim, segundo a doutrina maioritária, a impossibilidade absoluta será a única
“verdadeira impossibilidade”153, sendo a mesma definida por Paulo Cunha como, “ (…)
um impedimento que qualquer pessoa colocada na situação do devedor também não
conseguiria cumprir”. 154
III. Tal como expõe Catarina Monteiro Pires existe uma vasta discussão
relativamente à determinação da existência de impossibilidade nos casos em que o próprio
cumprimento acarreta elevados custos ao devedor. Segundo uma posição mais restrita o
devedor é obrigado a cumprir com a obrigação mesmo que se traduza num elevado
esforço para o devedor, por outro lado a posição de conceção mais ampla admite a
152
Catarina Monteiro Pires, 2019: 26.
153
Joana Leal de Macedo Vitorino, 2018: 395.
154
Acórdão do Tribunal Arbitral de 30/05/1944 relatado por Paulo Cunha, p. 251.
155
Francisco Mendes Correia, 2020: 218.
156
Idem: 219.
83
possibilidade de alargamento da figura da impossibilidade a situações de impossibilidade
relativa.
V. Na verdade, talvez fosse possível mencionara figura da mora como meio de dar
resposta à questão levantada, contudo é necessário mencionar um grande entrave à
aplicação da figura agora mencionada. A mora depende sempre da imputação do não
cumprimento no prazo estabelecido, ao devedor, ao contrário da impossibilidade que
como analisarei de seguida, poderá ser ou não imputada ao devedor.
157
Catarina Monteiro Pires, 2017: 438.
158
Catarina Monteiro Pires, 2019: 27.
84
II. Quanto à imputação contratual, Catarina Monteiro Pires, apresenta o presente
conceito, é possível determinar a aplicabilidade de culpa tendo em conta se a imputação
contratual é ou não objetiva, em caso afirmativo, a culpa é prescindida, caso a imputação
contratual é subjetiva não se poderá prescindir da culpa. Sendo a medida da diligência
terminada por acordo das partes.159
III. Reproduzo aqui a questão colocada por Catarina Monteiro Pires que poderá
ser pertinente e de necessária análise,
159
Idem.
160
Ac. TRC, de 28/10/2008, processo n.º 364/04.7TBFND.C1, relator Teles Pereira.
161
Catarina Monteiro Pires, 2019: 28.
162
Catarina Monteiro Pires, 2016: 106.
85
A verdade é que o devedor ao aceitar a obrigação se compromete realiza-la
seguindo padrões de diligência legalmente exigíveis. No entanto cabe delimitar o padrão
de diligência que o devedor é obrigado a seguir, ora numa primeira abordagem do padrão
do homem médio traduzido na seguinte premissa a medida da diligência poderá ser
analisada segundo o conceito diligentia quam in suis, isto é a medida da diligencia será
determinada segundo a diligencia que o devedor põe habitualmente nos seus próprios
negócios.163
III. Em suma no direito português a regra legal é de que o devedor deve suprir de
acordo com diligências exigidas segundo o critério densificado do bonus pater familias,
previsto no artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil aplicável também à culpa contratual, ver
artigo 799.º, n.º 2 do Código Civil. Podendo assim retirar que caso “o devedor, para
cumprir, desenvolver esforços superiores aos que lhes são exigíveis segundo o critério do
bom pai de família, a falta de cumprimento não poderá ser culposa”164
V. A conclusão apresentada pelo autor Vaz Serra, de que nas obrigações genéricas
o devedor não poderá invocar a impossibilidade pessoal para se exonerar das
consequências da mora mesmo que em caso de falta de meios pecuniários, é seguida por
Catarina Monteiro Pires. No entanto e com o surgimento da crise de saúde pública
provocada pela COVID-19, colocar-se-á a questão de saber se não será excessivo exigir
163
Idem: 108-109.
164
Idem.
165
Adriano Paes da Silva Vaz Serra, 1957: 141.
86
ao devedor o cumprimento da obrigação para satisfação do interesse do credor. Neste
sentido expões Francisco Mendes Correia:
166
Francisco Mendes Correia, 2020: 220.
87
o ordenamento português não fornece uma resposta clara ao problema na lei, pelo que
será necessário recorrer às posições doutrinárias.
Como ponto de partida poderá ser possível distinguir posições do foro subjetivo
em que utilizam critérios baseados num ato de vontade do credor, e posições objetivas
que por seu turno utilizam critérios independestes da conduta do credor.
A posição apresentada pelo autor baseia-se em casos previstos no artigo 795.º, n.º
2 do Código Civil, sendo casos que tem como fundamento a necessidade de na
responsabilidade ser exigida a existência de culpa. Querendo assim, aproximar a
imputação da impossibilidade à clássica figura da responsabilidade civil.
167
António Menezes Cordeiro, 2017: 378.
168
Catarina Monteiro Pires, 2019: 32.
169
Antunes Varela, 2000: 74 e 75.
170
Cordeiro, António Menezes, 2017: 381.
88
Tendo em consideração os deveres acessórios Menezes Cordeiro, defende a teoria
mais estrita, expondo:
Existe na exposição apresentada, o artigo 795.º, n.º 2 do Código Civil, o qual não
se aplica nas situações de impossibilidade provocadas pela falta de cooperação por parte
do credor. O preceito invocado seria aplicado segundo a posição de Baptista Machado,
quando o credor provocasse a impossibilidade, por distribuição do risco, aplicando para
tal critérios objetivos.
171
Idem.
172
João Baptista Machado, 1991: 289.
173
Idem: 291.
174
Idem: 292.
89
que o credor não poderá realizar no futuro atos que permitem a “implementação do
programa obrigacional”. 175
A posição apresentada pela autora distancia-se do que foi dito até ao momento,
uma vez que a imputação da impossibilidade ao credor não é tratada segundo distribuição
de risco, nem fórmulas objetivas de imputação.
VI. Também aqui, e sobre uma perspetiva conclusiva, será possível extrair a não
aplicação da figura da impossibilidade imputável ao credor, isto porque, assim que o
mesmo realize a importação do contrato em plataformas blockchain, o mesmo deixa de
depender de atos ou omissões para que se possa concretizar. Quer isto dizer que assim
que o contrato surja na plataforma blockchain, o credor deixa de deter controlo sobre o
mesmo, não podendo impedir o seu cumprimento. Num exemplo de compra e venda de
um relógio, assim que o contrato seja inserido em blockchain, o relógio é armazenado e
o mesmo será disponibilizado ao devedor, assim que verificadas as exigências previstas
no contrato, tal como ocorre numa venda através de uma máquina de vendas automática.
175
Catarina Monteiro Pires, 2001: 229.
176
António Menezes Cordeiro, 2017: 383.
90
já mencionado, smart contracts são autoexecutáveis, pelo que qualquer perturbação que
prejudique o cumprimento da prestação, deverá ser imputável a terceiros. Caso surja a
impossibilidade superveniente absoluta por atos ou omissões imputáveis às partes
contratantes, não existe contrato, as plataformas blockachain encontram-se criadas para
reconhecer o momento em que a prestação é cumprida. Como verificado o contrato é
aceite no momento do cumprimento da prestação, pelo que a impossibilidade existe tal
como observado pelos exemplos já expostos, no entanto será concretizada apenas quando
for imputada a terceiros.
II. Em primeiro lugar cabe realçar que num contrato existem prestações
secundárias e deveres acessórios inerentes à prestação central, ora neste sentido a
interpretação a ser feita do artigo 790.º, n.º 1 do Código Civil, é de que, o mesmo se aplica
por incumprimento da prestação devida deixando de fora os deveres acessórios inerentes
à figura da boa-fé.
177
Catarina Monteiro Pires, 2019: 46.
91
III. Há, no entanto, que fazer a seguinte ressalva, nas obrigações genéricas existe
a necessidade de abordar o dever de diligência. O dever de diligência faz com que, o
devedor tenha de agir de forma a garantir a satisfação do interesse do credor.
Para tal Menezes Cordeiro apresenta três deveres que o devedor deve cumprir
aquando da presença de uma obrigação genérica.
Caso o credor decida não aplicar commodum, cabe segundo Catarina Monteiro
Pires, apreciar o “domínio central” 180 do regime dos artigos 195.º e seguintes do Código
Civil. E ainda dentro do domínio central a autora distingue regras gerais e regras
178
António Menezes Cordeiro, 2017: 342.
179
Catarina Monteiro Pires, 2019: 48.
180
Idem.
92
especiais. Por miúdos, a regra geral prevista no artigo 795.º, n.º 1 do Código Civil sendo
necessário distinguir consoante a realização ou não da contraprestação:
181
Idem.
182
António Menezes Cordeiro, 2017: 351.
183
Idem.
184
Catarina Monteiro Pires, 2019: 49.
93
V. O risco representa a ideia de flutuações do próprio comportamento humano,
sendo estas flutuações importantes juridicamente, existe a necessidade de disciplinar tais
comportamentos, pelo que cabe ao próprio Direito determinar as posições favoráveis de
cada parte. Tendo em conta a necessidade de regulamentar tais comportamentos surgiram
as regras da repartição do risco prevista no artigo 796.º do Código Civil. No entanto a
aplicação do artigo 796.º do Código Civil, implica o respeito de três regras:
185
António Menezes Cordeiro, 2017: 371.
186
Catarina Monteiro Pires, 2019: 52.
94
(b) pelo facto da impossibilidade, o devedor tem um direito sobre uma
coisa ou contra um terceiro;
VIII. Esta posição foi criticada por Nuno Pinto Oliveira, que defende a aplicação
do preceito em análise a ambas prestações tanto de facere e de non facere188, no entanto
Catarina Monteiro Pires esclarece, ao relembrar que a letra da lei não afasta a aplicação
de commodum representationis no que diz respeito a prestações facere ou non facere. No
entanto parece-me que o preceito do artigo 794.º do Código Civil, tem como principal
função evitar o enriquecimento sem causa, pelo que parece ser possível a invocação do
presente artigo a todo o momento em que possa existir enriquecimento sem causa
independentemente do tipo de prestação a que se reporte.
187
António Menezes Cordeiro, 2017: 369.
188
Nuno Pinto Oliveira, 2011: 743 ss.
189
António Menezes Cordeiro, 2017: 373.
95
Segundo Menezes Cordeiro:
III. Após o exposto o credor terá como meio de reação pelo não-cumprimento a
indemnização, assim como prevê o artigo 798.º do Código Civil, no entanto será este o
único meio de reação possível?
IV. Quanto à figura da resolução, cabe mencionar que a sua aplicação é apenas
permitida tratando-se de uma impossibilidade imputável ao devedor, ver artigos 432.º a
436.º e 801.º, n.º 2 do Código Civil, no entanto a impossibilidade deverá ser apenas parcial
e não total.
190
Idem: 375.
191
Catarina Monteiro Pires, 2019: 57.
96
6.4.6.2. Imputável ao credor
192
Idem: 59.
193
Idem.
194
Hugo Ramos Alves, 2019: 213.
97
figura contratual de smart contracts pelo que o diploma em si limita-se a reconhecer a
validade desta figura.195
II. No ordenamento jurídico português, não existe ainda uma legislação própria
que regule smart contracts, pelo que continua a ser necessário analisar o direito existente
e aplicá-lo aos smart contracts, contudo o Código Civil, “não se encontra pensado para a
realidade da contratação eletrónica”196, sendo assim, o aplicador terá uma tarefa árdua de
interpretação e análise concreta de cada caso concreto.
IV. Como será analisado no capítulo seguinte é possível apresentar exemplos que
permitem concluir que a impossibilidade temporária não imputável às partes poderá ser
apreciada à luz do que representa um smart contract. No entanto tema distinto é o de
saber se a impossibilidade superveniente absoluta é ou não aplicada ao tipo contratual em
análise.
195
Idem.
196
Idem.
197
Diogo Pereira Duarte, 2019: 175.
98
Tendo em conta o que foi dito, é necessário realizar uma ressalva, e reintroduzir
conhecimentos apreendidos anteriormente.
VI. Smart contracts são contratos redigidos em código matemático, esse código
baseia-se na linguagem natural em que as partes expressaram as suas vontades e como tal
redigiram as cláusulas contratuais, no entanto não deixa de ser uma interpretação e
exportação da linguagem natural em código.
Adaptado de
https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13600834.2017.1301036?casa_token=V92ljVEzgjQAAAAA%3Arm0Ty
DWT912YUpYNZuJYxZ5bCXnuObPYe3On8cc35mgSaJMwnnz15DiDvC28E7t-MvhuwYVp1887
99
“A smart contract cannot be breached by a party to it. This follows from
its self-enforceability feature and is a logical consequence of its code law
nature”.198
198
Alexander Alexander Savelyev Savelyev, 2017: 130.
199
Exemplo retirado de Alexander Savelyev 2017: 130.
200
Idem: 134.
100
impossibilidade esta não é imputável às partes, uma vez que em smart contracts a
impossibilidade é apenas aplicada aquando da imputação de atos ou omissões que dão
origem à impossibilidade, forem imputados a terceiros.
Colocando novamente em causa a resolução contratual que como vimos não será
aplicada a um smart contract segundo o ordenamento português pela exigência de
retroatividade.
101
do credor, caso haja perda do interesse do credor deixa de se considerar como
impossibilidade temporária, mas sim como impossibilidade definitiva.
IV. Esta posição é contraposta com a ideia de que a existir um prazo fixo, o atraso
por muito mínimo, causará perda de interesse ao credor, pois para este apenas faria
sentido a prestação ser cumprida naquele prazo, sendo para Inocêncio Galvão o que o
autor define como o prazo absolutamente fixo, pelo que caso o credor não detenha
interesse pelo cumprimento da prestação como consequência do não cumprimento no
prazo devido, dita assim o autor em apresso na impossibilidade da prestação. 202
“(a) há, apenas, uma representação legal (logo: não voluntária) ou uma
qualquer situação que mereça o epíteto de “auxiliar”;
201
Maria de Lurdes Pereira, 2001: 193 e 194.
202
Inocêncio Galvão Telles, 2010: 311.
102
(b) uma responsabilidade obrigacional, resultante do não-cumprimento;
V. Os auxiliares são assim agentes com determinado vínculo contratual a uma das
partes, ora em smart contracts, os oráculos são agentes externos que permitem a execução
do contrato auxiliando as plataformas blockchain, pelo que me parece discutível
apresentar um vínculo contratual com as partes envolvidas no contrato. Porém se existir
vínculo contratual o devedor é responsabilizado mesmo que por atos praticados pelo
auxiliar pois pretende-se que o credor não seja prejudicado pelo facto de o devedor ser
legalmente representado. Contudo e voltando a frisar a ideia de que julgo ser necessário
apreciar a figura dos oráculos como uma figura autónoma da vontade das partes, pelo que
caso haja incumprimento da prestação por atos imputáveis aos oráculos, se deva aplicar
aqui a responsabilidade objetiva.
Sendo atos praticados por oráculos, a prestação pode, no entanto, ainda ser
possível, pois a parte infiel poderá colmatar as consequências traduzidas pelos atos
praticados pelos oráculos. Regressando ao exemplo apresentado, caso o oráculo realize
erroneamente a transição de câmbio de uma determinada moeda, a prestação devida
poderá ser ainda possível. Dai Catarina Monteiro Pires mencionar, a necessidade de
cautela quanto às dúvidas que poderão ser levantadas relativamente à figura da
impossibilidade temporárias, pois esta figura é distinta da impossibilidade objetiva e
205
parcial, pois em princípio a prestação natural não é excluida.
203
António Menezes Cordeiro, 2017: 404.
204
Idem: 404 e 405.
205
Catarina Monteiro Pires, 2019: 173 e 174.
103
VI. Como consequência da aplicação da impossibilidade temporária não
imputável nem ao credor nem ao devedor, temos o efeito suspensivo de posições jurídicas,
que ficam num estado de “quiscência”206.
V. A figura aqui apresentada, será aplicada em smart contracts, uma vez que se
trata de impossibilidade não imputável nem ao credor nem ao devedor, contudo o efeito
suspensivo não será possível de concretizar pela característica auto executável. Como
mencionado anteriormente, a impossibilidade é apenas aplicada quando a mesma não
surja por atos ou omissões provenientes do credor ou devedor, uma vez que smart
contracts, detém como principal característica a autoexecutabilidade do contrato. O
contrato smart contract apenas será impossível de concretizar a sua prestação por
influência de terceiros, como por exemplo a incorreta transposição do acordo realizado
pelas partes, para código matemático.
206
Idem: 175.
207
Idem.
104
I. A figura do cumprimento defeituoso será apreciada, tento em mente o facto de
smart contract poder revestir a forma de contrato de compra e venda de um qualquer
objeto, pelo que a parte fiel poderá ver o seu bem ser entregue com características erradas,
podendo ou não, usufruir dos meios de reação inerentes ao cumprimento defeituoso.
Também a legislação portuguesa não é clara quanto à posição a adotar, pois por
um lado temos os artigos 905.º e 913.º do Código Civil em que o vendedor transmite ao
comprador uma coisa já defeituosa e por outro lado temos o regime do artigo 908.º do
Código Civil, para os casos de defeito superveniente.
208
Fernando Pessoa Jorge, 1999: 25 e 26.
209
António Menezes Cordeiro, 2017: 420.
210
Pedro Romano Martinez, 2015: 31.
211
Catarina Monteiro Pires, 2019: 124.
105
Assim, por remissão do artigo 913.º do Código Civil, aplica-se o disposto do artigo
905.º do Código Civil que determina:
212
Pedro Romano Martinez, 2015: 31.
213
Idem: 32.
214
António Menezes Cordeiro, 2017: 262.
106
V. O autor acrescenta a admissibilidade de convolação da anulação em resolução,
traduzindo-se na validade do contrato, pelo que teria como consequência a
desconsideração do erro e do próprio artigo 913.º do Código Civil.
I. A primeira questão que deve ser analisada no que diz respeito à aplicação da
figura do cumprimento defeituoso em smart contracts, é a de saber se de facto em smart
contracts é possível o devedor cumprir defeituosamente a prestação devida.
II. Há que ter em conta que Catarina Monteiro Pires defende a aplicação do regime
da inexecução da empreitada a contratos sem regulação especial ou legalmente atípico. O
acolhimento do regime da empreitada surge pelo mesmo ser considerado como o que
apresenta de forma mais clara e hierarquizada os mecanismos de defesa disponíveis à
parte fiel.
107
lado se irá aplicar por analogia mecanismos de defesa previstos na inexecução da
empreitada por se tratar de contratos não tipificados.
“(…) o contrato não priva as partes da proteção geral, pois pela celebração
de um negócio jurídico não se renuncia à defesa que se teria
independentemente dele.” 215
Assim, apesar de não se aplicar a figura da resolução a parte fiel poderá invocar a
responsabilidade obrigacional ou até mesmo a aquiliana como meio de defesa.
215
Pedro Romano Martinez, 2015: 230.
216
Catarina Monteiro Pires, 2019: 129.
108
anteriormente, a resolução não é aplicada a smart contracts e a redução do preço não é
possível de concretizar num modelo contratual de auto exequibilidade. Pelo que no caso
apreciado é minha opinião aplicar-se a responsabilidade obrigacional seguida de
indemnização, não esquecendo, no entanto, a matéria da defesa do consumidor que não
será densificada neste trabalho, mas que seria sempre um meio de defesa por parte do
consumidor. Aplicando-se, assim, o meio de defesa menos oneroso para as partes, que
julgo ser a indemnização. Contudo o meio de defesa indemnização não se encontra
previsto no grupo hierárquico do regime da inexecução da empreitada. Pelo que quanto
ao meio de defesa perante o cumprimento defeituoso, será necessário ou as partes
estipularem livremente o meio de defesa aquando da redação do próprio contrato, ou será
necessário a criação legislativa de meios adequados de defesa em smart contracts.
Tal como muitos autores portugueses, também aqui irei iniciar a exposição da
figura alteração das circunstâncias, com a apresentação da ideia base de Flume217, que faz
realçar a relação existente entre o negócio jurídico e a realidade envolvente.
Tendo em conta este ponto de partida, cabe ao intérprete ter em conta o facto de o
negócio jurídico ser influenciado pela realidade envolvente, dependendo do interesse das
partes e qual o fim útil do próprio negócio celebrado.
217
Werner Flume, 1992: 398 e ss.
109
Apesar da menção do erro, será a figura da alteração das circunstâncias, o foco
da minha exposição no presente capítulo, tendo esta base legal no artigo 437.º, n.º 1 do
Código Civil. No entanto o preceito invocado, contempla um sistema complexo, assente
segundo Menezes Cordeiro em cinco variáveis:
No entanto tal como menciona Catarina Monteiro Pires, será altamente difícil a
contraparte conhecer as razões que levaram à celebração do contrato, conhecer toda a
realidade evolvente.
218
António Menezes Cordeiro, 2017: 554.
219
Idem: 555.
220
Sobre este assunto Catarina Monteiro Pires, 2019: 180, é da opinião que “temos, por isso, que
o problema da alteração das circunstâncias é, em primeira linha (mas não exclusivamente), um problema
de risco e de interpretação do negócio jurídico (artigo 236.º ss)”.
110
problemas aquando da possível aplicação da figura da alteração das circunstâncias ao
plano de smart contracts.
Há, no entanto, que distinguir a posição objetivista que utiliza elementos objetivos
para restringir a realidade envolvente, da posição subjetivista que no seu núcleo defendem
a importância de conhecer a motivações dos contraentes.
A posição objetivista foi apresentada por Locher, que defende que a base de
negócio corresponde ao:
221
Para tal ver nota de roda pé (700),Catarina Monteiro Pires: 2019: 180.
222
Eugen Locher, 1923: 71.
111
“_ não relevam superveniência a nível de aspirações subjetivas
extracontratuais das partes; deve haver uma afetação do próprio contrato
e, nessa medida, ambos os contraentes ficam implicados;
Segundo a posição apresentada por Menezes Cordeiro, será assim possível discutir
a possível aplicação de alteração das circunstâncias em smart contracts, uma vez que
como já discutido anteriormente, é possível que as partes contraentes em samrt contrcats
realizem a negociação negocial através de linguagem natural, sendo no fim celebrado o
contrato final em código. Assim, caso o contrato no qual ambas as partes estabelecem o
clausulado, e o contrato final se limite apenas a traduzir o clausulado em código
matemático, julgo assim, possível analisar as “aspirações subjetivas das partes”, uma vez
que no caso, ambas as partes têm e conhecem o que cada parte pretende alcançar com a
celebração do contrato e apenas nesse caso, se pode aplicar alteração das circunstâncias
quanto à primeira variável. Sendo necessário analisar as restantes variáveis tentado
responder à questão de saber se a alteração das circunstâncias é ou não aplicável a smart
contracts.
A alteração invocada atinge por isso a base do negócio, pelo que cabe densificar
o que a letra do artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil, qualifica como sendo uma alteração
anormal. Segundo Oliveira Ascensão, ocorre alteração anormal quando:
223
António Menezes Cordeiro, 2017: 555.
112
considerada anormal. Só o que ultrapassar os riscos que foram assumidos
representa para o art. 437 uma alteração anormal”. 224
V. Há, no entanto, uma ressalva importante a fazer no que diz respeito à aplicação
da figura da alteração das circunstâncias, é que a mesma é apenas aplicada a contratos
duradouros. O que provocará assim, à partida, o afastamento da presente figura em
análise, a smart contracts. No entanto, e apresentando aqui o exemplo já anteriormente
exposto, relativamente a contratos de seguro cujo objeto se reporta a embarcações de
224
José de Oliveira Ascensão, 2007: 523.
225
Catarina Monteiro Pires, 2019:189.
226
Idem.
227
José de Oliveira Ascensão, 2007: 532.
113
guerra ou de transporte de mercadorias perigosas, poderá discutir-se se no presente
exemplo é possível afirmar que existe de facto um contrato duradouro. Ora relembrando
noções de smart contracts já tratadas no presente trabalho, é de salientar que os mesmos
são equiparados a máquinas de vendas automáticas, pois são autoexecutáveis.
II. Há, no entanto, contratos que se designam contratos de risco como por exemplo
swap que segundo Menezes Cordeiro são contratos:
228
António Menezes Cordeiro, 2017: 590.
114
No exemplo apresentado o risco é de fácil deteção, uma vez que o mesmo faz parte
integral do contrato, no entanto, há contratos em que a determinação de atribuição do
risco a uma das partes não é imediata e clara.
Nestes casos Carlos Ferreira de Almeida, defende que nos casos omissos, a
atribuição do risco poderia ser realizada através de critérios vários tais como:
III. Nos contratos cabe analisar se o problema causado pela alteração não será
respondido pelo erro, ou até mesmo pelo próprio risco, sendo por isso a figura da alteração
das circunstâncias previsto no artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil, a figura de último
recurso.
229
Catarina Monteiro Pires, 2019: 190.
230
José de Oliveira Ascensão, 2007: 528.
115
Assim demonstra o exemplo apresentado pelo autor mencionado:
III. Concluindo-se que as partes sofrem alterações anómalas que provocam uma
irreversível crise contratual, cabe às partes invocar o seu direito resolutivo, no entanto
como indica Catarina Monteiro Pires, é necessário explorar a vertente liberatória desta
figura diferenciando a vertente liberatória necessária e vertente liberatória eventual.
Como identificador destas duas vertentes temos: “i) modo de exercício ii) efeitos
temporais iii) efeitos restitutórios e iv) pedido de modificação”232.
IV. Quanto aos critérios restitutório, diz-nos a figura da resolução, que se deve
restituir tudo o que tiver sido recebido até ao momento da efetividade da alteração das
circunstâncias, caso não seja possível devolver cabe realizar a entrega do “valor
231
Idem.
232
Catarina Monteiro Pires, 2019: 192.
233
Idem: 193.
116
correspondente” que segunda Paulo Mota Pinto essa mesma restituição deva ser realizada
segundo critérios objetivos234.
6.6.3.2. Modificação
234
Paulo Mota Pinto, 2008: 998.
235
Catarina Monteiro Pires, 2019: 194.
236
José de Oliveira Ascensão, 2007: 531.
117
“(…) o lesado é livre de solicitar a resolução ou modificação equitativa
das suas clausulas”.237
A autora Catarina Monteiro Pires vai mais longe ao explicar o porquê de ser
necessário escolher qual o meio de defesa mais adequado defendendo:
II. No entanto em smart contracts a escolha poderá não ser de fácil concretização,
uma vez que, tendo em conta o ordenamento português e antendendo às regras da
resolução ainda aplicadas no nosso ordenamento, poderá não ser possível a resolução do
contrato, uma vez que, não se poderá concretizar a retroatividade nesta categoria de
contratos.
III. Por outro lado, também a modificação do contrato será um obstáculo difícil
de contornar, uma vez que, como característica principal de smart contract é que o mesmo
é imutável, não podendo as partes realizar qualquer alteração ao contrato original assim
que o mesmo seja celebrado e inserido em blockchain.
237
Mário Júlio de Almeida Costa, 2010: 347 e 348.
238
Catarina Monteiro Pires, 2018: 191.
118
assim não aconteceu em consequência da mora de quem agora invoca a
lesão, a transgressão praticada exclui que possa beneficiar do instituto”. 239
II. Quanto à prestação já em mora defende o autor mencionado que, a mesma não
se encontra sujeita às consequências da resolução ou modificação por invocação da
alteração anormal, conclui-se que apenas as prestações futuras beneficiariam da figura da
alteração das circunstâncias.
239
José de Oliveira Ascensão, 2007: 533.
240
Catarina Monteiro Pires, 2019: 395.
119
IV. Cabe, no entanto, densificar o que se entende por força maior, e para tal Ana
Perestrelo de Oliveira indica:
Pergunto por isso se, não estaremos perante uma impossibilidade temporária
quando o devedor não cumpre em tempo devido, mas que esse atraso não lhe seja
imputável.
241
Ana Perestrelo Oliveira, 2020: 70.
120
II. A impossibilidade superveniente absoluta extingue o dever de prestar, tal como
resulta dos artigos 790.º e seguintes do Código Civil. No entanto, o preceito citado prevê
a extinção da obrigação desde que o terceiro não seja auxiliar do devedor. Cabendo quanto
ao tema apresentar a distinção apresentada por Fernando Pessoa Jorge:
Relembro aqui mais uma vez, dois exemplos já apresentados que julgo serem
importantes para concretização da distinção apresentada.
O auxiliar pode ser chamado a colaborar, tanto pelo credor como pelo devedor, no
entanto para que o devedor possa invocar a impossibilidade superveniente, é necessário
que o auxiliar seja estranho à sua pessoa, isto é, o facto do terceiro não poder ser imputável
ao próprio devedor. É o que sucede, quando o credor pede auxílio de um programador
242
Cláudia Alexandra dos Santos Madaleno, 2014: 478.
121
para transposição do acordo acordado pelas partes, em código matemático. O
programador poderá realizar uma incorreta transcrição que levará ao incumprimento por
parte do devedor. Ora no exemplo exposto, é necessário tal como expõe Fernando Pessoa
Jorge, distinguir entre a relação existente entre o devedor e o auxiliar, da relação existente
entre o credor e o auxiliar. Assim, a relação entre devedor e auxiliar corresponde a uma
situação de:
III. O devedor será responsável por atos praticados pelo auxiliar, quando tenha
sido este a introduzir de forma voluntária o auxiliar, aplicando-se o disposto do artigo
800.º do Código Civil.
Caso o auxiliar tenha sido invocado de forma voluntária pela parte credora, o
devedor não responde por atos deste, concretizando-se aqui a figura da impossibilidade
superveniente liberando-se o devedor do cumprimento da prestação.
243
Cláudia Alexandra dos Santos Madaleno, 2014: 481.
122
CONCLUSÃO
Dada esta característica, tão própria e única, existem autores que defendem a
inevitabilidade do cumprimento dos smart contracts, isto porque, o próprio software
reconhece o cumprimento do contrato.
Contudo as plataformas blockchain não são infalíveis, pelo que é possível surgir
situações em que de facto existe incumprimento da prestação, tal como expõe o exemplo
apresentado anteriormente, em que as taxas de câmbio foram realizadas erroneamente
pelos oráculos. Neste exemplo existe incumprimento do valor devido, por ato imputável
aos oráculos.
123
A figura da mora, após a sua análise, é possível concluir que a mesma não é
aplicada em smart contracts. É possível chegar à presente conclusão, tendo em conta o
ordenamento jurídico português o qual determina a necessidade de imputação ao credor
ou devedor os atos ou omissões que levaram à aplicação da figura da mora. Sendo smart
contracts autoexecutáveis, o atraso do cumprimento não poderá ser imputável às partes
contratantes.
Pelo que a indemnização será o meio de defesa mais adequado, podendo concluir-
se pela aplicação da figura do cumprimento defeituoso previsto para a compra e venda,
nos artigos 905.º e seguintes do Código Civil.
124
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