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MESTRADO EM DIREITO E PRÁTICA JURÍDICA

ESPECIALIDADE EM DIREITO DA EMPRESA

PERTURBAÇÕES NO CUMPRIMENTO DE SMART


CONTRACTS

SOFIA VIDEIRA GOMES

LISBOA

2022

1
SOFIA VIDEIRA GOMES

Dissertação apresentada à Universidade de Lisboa, como exigência parcial para


obtenção do título de Mestre em Direito da Empresa sob a orientação do Professor
Doutor Rui Soares Pereira.

LISBOA

2022

2
NOTA PRÉVIA

Na redação da presente dissertação, foram observadas as regras do novo Acordo


Ortográfico, no entanto as citações bibliográficas e transcrições foram reproduzidas com
respeito pela ortografia utilizada pelos autores aquando do momento da publicação das
suas obras.

3
AGRADECIMENTOS

Expressar em palavras o quanto és importante o quanto me significas não é uma


tarefa árdua, pelo que apenas irei expressar o meu grande obrigada, pela educação, pelo
carinho, pela dedicação e esforço feito para que a tua filha tenha um futuro, é a ti Mãe
que devo a minha gratidão e sem ti este percurso não teria sido possível.

Agradeço a todos que me apoiaram e que fizeram possível a elaboração deste


trabalho. Em especial à minha irmã que ajudou com a sua visão artística dar mais cor a
este projeto e ao namorado que esteve sempre presente com palavras apaziguadoras nos
momentos mais difíceis na redação da presente dissertação.

Agradeço ao Professor Rui Soares Pereira, pela orientação e acompanhamento


dado ao longo da elaboração desta dissertação.

4
RESUMO

Perante o desenvolvimento tecnológico, torna-se necessário ter em conta novas


formas contratuais. O legislador cada vez mais terá de ter em conta as novas tecnologias
e criar mecanismos legais que acompanhem este desenvolvimento.

Uma das formas contratuais cada vez mais marcante corresponde aos smart
contracts, os quais, com a criação de moedas digitais e principalmente de plataformas
blockchain, têm ganho cada vez mais interesse por parte dos seus utilizadores.

Contudo estão em causa mecanismos tecnológicos novos cujas implicações numa


perspetiva jurídica, são ainda desconhecidas.

O presente trabalho procura avaliar se _ e, em caso positivo, de que forma _ as


figuras relativas às perturbações no cumprimento, em especial à luz do sistema jurídico
português, poderão ser aplicadas à nova realidade dos smart contracts.

Tratando-se de uma realidade contratual nova e altamente tecnológica, o presente


trabalho inicia-se pela apresentação e explicação do que são e como funcionam os smart
contracts.

No entanto numa segunda parte procede-se à discussão sobre a aplicabilidade em


smart contracts das diversas figuras inseridas no conceito de perturbações no
cumprimento.

Em face da característica autoexecutável dos smart contracts parece ser necessário


proceder a uma adaptação das diversas figuras de perturbações no cumprimentos.

Apesar de ser possível a aplicação de determinadas figuras de perturbação no


cumprimento as mesmas não serão imputáveis às partes contratantes, sendo apenas
possível imputar a terceiros ações ou omissões geradoras da perturbação no cumprimento.
Ora, dado que nos smart contracts não se exige a interação com terceiros, a referida
imputação redunda numa esfera algo complexa de concretização.

Por outro lado, a figura da mora, tal como existe no ordenamento português não
parece que possa ser aplicada em smart contracts.

5
PALAVRAS-CHAVE: Smart Contracts. Blockchain. Perturbações no
cumprimento. Mora. Impossibilidade. Cumprimento defeituoso. Alteração das
circunstâncias.

ABSTRACT

Faced with technological development, it is necessary to take into account new


contractual forms. The legislator will increasingly have to take into account new
technologies and create legal mechanisms to accompany this development.

One of the increasingly striking contractual forms corresponds to smart contracts,


which, with the creation of digital currencies and especially blockchain platforms, have
gained more and more interest from their users.

However, new technological mechanisms are at stake, the implications of which


from a legal perspective are still unknown.

The present work seeks to assess whether _ and, if so, in what way _ the figures
relating to disturbances in compliance, especially in the light of the Portuguese legal
system, can be applied to the new reality of smart contracts.

As it is a new and highly technological contractual reality, the present work begins
with the presentation and explanation of what smart contracts are and how they work.

However, in a second part, there is a discussion about the applicability in smart


contracts of the various figures included in the concept of disturbances in compliance.

In view of the self-executing characteristic of smart contracts, it seems necessary


to adapt the different figures of disturbances in compliance.

Although it is possible to apply certain figures of disruption in compliance, they


will not be attributable to the contracting parties, being only possible to attribute to third
parties actions or omissions that generate the disruption in compliance. However, since
in smart contracts interaction with third parties is not required, the aforementioned
imputation results in a somewhat complex sphere of implementation.

6
On the other hand, the figure of arrears, as it exists in the Portuguese legal system,
does not seem to be applied in smart contracts.

KEYWORD: Smart Contracts. Blockchain. Disturbances. Cumpliance. Delay


in compliance. Impossibility. Faulty compliance. Changing circumstances.

7
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AAFDl: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa

Ac.: Acórdão

arts: Artigos

BGB: Bundesgerichtshot

BMJ: Boletim do Ministério da Justiça

cc: Código Civil

cf: Confira, Confronte

cit: Citado, Citada, etc.,

cits: Cita-se; Citação, Citações

CRP: Constituição da República Portuguesa

DLT: Distributed Ledger Tecnology

ed: Edição, Editora edições;

eds: Edições, Editoras

e. g.: exempli gratia (por exemplo)

et al.: et alii (e outros)

EOS: Entrepreneutrial Operating System

GPS: Global Positioning System

i. e.: id est (isto é)

n.: nota

n.º, n.os: número, números

org.: organizador, organização

p., pp.: página, páginas

Rel.: Relator
8
RT: Revista dos Tribunais

s., ss.: seguinte, seguintes

STJ: Supremo Tribunal de Justiça

TRC: Tribunal da Relação de Coimbra

vol., vols.: volume, volumes

9
ÍNDICE

RESUMO .............................................................................................................. 5

ABSTRACT ......................................................................................................... 6

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .......................................................... 8

ÍNDICE DE FIGURAS ...................................................................................... 13

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 14

1. NOVAS TECNOLOGIAS NO MUNDO CONTRATUAL .................... 17

1.1. Moeda digital/criptomoeda ................................................................... 17

1.1.1. Bitcoin ............................................................................................ 18

1.1.2. Transação....................................................................................... 20

1.1.3. Privacidade .................................................................................... 21

2. DISTRIBUTED LEDGER TECNOLOGY (DLT) ..................................... 23

3. BLOCKCHAIN ........................................................................................ 26

4. SMART CONTRACTS............................................................................ 33

4.1. Aspetos gerais ....................................................................................... 33

4.2. A formação de smart contracts numa perspetiva informática ............... 39

4.3. A legalidade dos smart contracts ...................................................... 45

5. FORMAÇÃO DE SMART CONTRACTS NUMA PERSPETIVA


JURÍDICA 48

6. PERTURBAÇÕES NO CUMPRIMENTO DE SMART CONTRACTS 52

6.1. Aspetos gerais sobre as perturbações no cumpriemnto ........................ 52

6.2. O incumprimento definitivo em smart contracts .................................. 52

6.2.1. Caraterização geral do incumprimento definitivo ......................... 52

6.2.2. Meios de reação possíveis.............................................................. 62

6.2.2.1. Cumprimento natural impossível ............................................ 62

6.2.2.2. Resolução e o problema da sua retroatividade ...................... 62

4.2.2.3. Indemnização como principal meio de defesa ........................... 65

10
6.3. Inaplicabilidade de mora em smart contracts ....................................... 70

6.3.1. Mora do devedor ............................................................................ 70

6.3.2. Mora do credor .............................................................................. 73

6.3.2.1. Meios de reação à mora.......................................................... 77

6.4. Impossibilidade superveniente definitiva em smart contracts ............. 77

6.4.1. Antecedentes................................................................................... 77

6.4.2. Impossibilidade absoluta e “relativa” ........................................... 82

6.4.3. Imputação de impossibilidade ao devedor..................................... 84

6.4.3.1. Inaplicabilidade de impossibilidade ....................................... 84

6.4.4. Imputação de impossibilidade ao credor ....................................... 87

6.4.4.1. Inaplicabilidade de impossibilidade ....................................... 87

6.4.5. Imputação de impossibilidade a terceiros ..................................... 90

6.4.6. Meios de reação na impossibilidade .............................................. 91

6.4.6.1. Imputável ao devedor .............................................................. 95

6.4.6.2. Imputável ao credor ................................................................ 97

6.4.7. Impossibilidade aos smart contracts.............................................. 97

6.4.8. Impossibilidade temporária não imputável ao devedor, nem ao


credor 101

6.5. Cumprimento defeituoso..................................................................... 104

6.5.1. Noções preliminares .................................................................... 104

6.5.2. Cumprimento defeituoso em smart contracts............................... 107

6.6. Alteração das circunstâncias ............................................................... 109

6.6.1. Contrato duradouro ..................................................................... 109

6.6.2. O risco como exigência ................................................................ 114

6.6.3. Meios de reação ........................................................................... 115

6.6.3.1. Resolução .............................................................................. 115

6.6.3.2. Modificação .......................................................................... 117

11
6.6.3.3. Hierarquia nos meios de reação? ......................................... 117

6.6.4. Mora do lesado ............................................................................ 118

7. RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS EM SMART CONTRACTS


120

CONCLUSÃO .................................................................................................. 123

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 125

JURISPRUDÊNCIA ......................................................................................... 138

12
ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1.1. Bitcoin Timeline ............................................................................... 18


Figura 1.2. Bitcoin Supply & Halvings .............................................................. 19
Figura 1.3. Transação em Bitcoin ....................................................................... 20
Figura 1.4. Privacy Model ................................................................................. 22
Figura 1.5. How Can Bitcoin Transactions Be Tracked? ................................... 23
Figura 1.2.1. Key Concepts ................................................................................ 25
Figura 1.2.2. From Transactions to Records....................................................... 26
Figura 1.2.3. A Simplified Merkle Tree Diagram .............................................. 28
Figura 1.2.4. The New Networks........................................................................ 29
Figura 1.2.5. The Steps of a Bitcoin Transaction ............................................... 32
Figura 1.3.1. Estrutura de um Smart Contract .................................................... 36
Figura 3.1. Exemplo de Smart Contract escrito em Código ............................... 99

13
INTRODUÇÃO

I. O desenvolvimento tecnológico é notório nos dias de hoje.

O domínio jurídico peca, no entanto, por nem sempre acompanhar este


desenvolvimento. Apesar disso, parece ser cada vez mais fulcral os profissionais do
direito não ignorarem os avanços tecnológicos e deixarem de permanecer presos a
práticas do passado.

II. O presente trabalho analisa as perturbações do cumprimento dos contratos


relativamente a uma figura altamente tecnológica, os smart contracts.

Através da presente dissertação pretende-se determinar se - e, em caso afirmativo,


de que forma - poderão ser aplicadas as diferentes modalidades de perturbações do
cumprimento de contratos no domínio dos smart contracts. Em especial, importa perceber
se as diversas modalidades de perturbações poderão ser aplicadas de igual modo, quer aos
contratos de redação tradicional quer aos smart contracts.

Considerando o ordenamento jurídico português e a forma como aí se encontram


previstas as perturbações de cumprimento, é possível concluir que existem, algumas
dificuldades de aplicação das diversas figuras aos smart contracts.

III. O presente trabalho divide-se em duas grandes partes.

Numa primeira parte, será realizada uma breve apresentação da figura dos smart
contracts, ao passo que na segunda parte se procurará apreciar as perturbações do
cumprimento de contratos (mais concretamente, o incumprimento definitivo, a mora, o
cumprimento defeituoso, a impossibilidade e a alteração de circunstâncias) e tentar
discutir a sua aplicação àquela nova figura contratual.

O fulcro da segunda parte será de determinar quais as perturbações que podem


ser aplicadas aos smart contracts e quando aplicadas saber se é ou não possível proceder
à imputação dos atos ou omissões às partes, atenta a característica de serem
autoexecutáveis.

IV. Smart contracts são contratos autoexecutáveis cujo contacto humano direto é
muito reduzido. Ora tratando-se de contrato autoexecutáveis, o contrato é aceite e produz
os seus efeitos de forma imediata. Esta característica é fundamental para determinar os

14
contornos de aplicação das diferentes figuras constantes das perturbações no
cumprimento.

V. Perturbações no cumprimento de smart contracts apresenta contornos únicos e


que carece de uma análise detalhada e individualizada de cada perturbação uma vez que
não existe uma resposta única e generalista para satisfazer a questão de saber se é possível
aplicar as várias perturbações ao cumprimento em smart contracts e quais os contornos
da sua aplicação. Podendo extrair a grande importância da possibilidade de imputação de
atos ou omissões às partes contratantes.

VI. A parte inicial é composta pelos três primeiros capítulos que se centram numa
apresentação da nova tecnologia, expondo, além do mais, as noções da moeda eletrónica,
Distributed Ledger Tecnology e smart contracts. Nestes capítulos procura-se fornecer
uma exposição simples da figura dos smart contract.

No capítulo segundo é apreciada a formação de smart contracts, segundo a


perspetiva legal, o presente capítulo tenta colmatar, a necessidade de apreciar a formação
de smart contracts sob a perspetiva legal, uma vez que se trata de uma figura de origem
tecnológica.

No capítulo sexto é exposto o problema jurídico, apresentando as perturbações ao


cumprimento de smart contracts ao longo dos seus diversos subtítulos, serão nestes
abordados temas como o cumprimento definitivo de smart contracts e as suas
consequências, é tratada a figura da mora e se a mesma é ou não aplicada nestes contratos,
a impossibilidade e a impossibilidade temporário não imputável nem ao devedor nem ao
credor é um dos subtemas a tratar no presente trabalho assim como o cumprimento
defeituoso e alteração das circunstâncias.

O capítulo relativo às diferentes perturbações em cumprimento será o núcleo


central do presente trabalho, pelo que surge a necessidade da sua subdivisão por diversos
subcapítulos.

Como capítulo final exponho a necessidade de abordar a responsabilidade de


terceiros, uma vez que em smart contracts as figuras de perturbações ao cumprimento
serão aplicadas quando a perturbação surja por imputação de atos ou omissões de
terceiros.

15
VII. Por fim são apresentadas as conclusões retiradas com a feitura do presente
trabalho.

VIII. Quanto à abordagem do método de pesquisa, realizei uma pesquisa


qualitativa e quantitativa, procurando artigos e obras especializados tendo sido a mesma
exploratória aquando do tratamento de informação relativa a smart contracts e conceitos
informáticos, uma vez que o tema é recente não existe uma base de informação vasta
quanto ao mesmo, tendo sido utilizados artigos nacionais e internacionais no entanto
relativamente ao tratamento de informação relativa às perturbação ao cumprimento a
pesquisa foi descritiva, apesar de existirem fontes relativamente ao tema das perturbações
no cumprimento, não existe bibliografia que retrate as perturbações num contexto de
smart contracts daí a existência de dificuldade de adaptação.

16
1. NOVAS TECNOLOGIAS NO MUNDO CONTRATUAL
1.1. Moeda digital/criptomoeda

I. Criptomoeda ou moeda digital foi uma das mais importantes inovações


tecnológicas a surgir nos mercados financeiros na viragem do século. Com a crise
financeira de 2007/2008 a popularidade da criptomoeda aumentou e o seu uso tornou-se
cada vez mais recorrente.

Neste momento foram várias as moedas digitais criadas, no entanto a moeda


Bitcoin foi sem dúvida a mais utilizada. Uma das principais razões para a popularidade
da moeda digital e em particular da Bitcoin, é o facto de a circulação desta moeda não
estar dependente de uma terceira pessoa, não sendo necessário a participação de uma
instituição financeira para que se realize a transação.

Não sendo necessária uma terceira pessoa os custos diminuem, pois, as partes
envolvidas no contrato não necessitam de acrescentar ao valor transacionado os custos
exigidos pela interferência das instituições financeiras.

Durante grande parte dos séculos XIX e XX, a moeda tinha um valor muito
diferente do que se pratica hoje em dia, o valor da moeda dependia do valor do próprio
metal em que a moeda era cunhada, a moeda cunhada em ouro valia mais do que qualquer
outra moeda cunhada num outro metal. O uso do ouro como medidor de riqueza foi
abandonado nos anos 1920-1971 1, o abandono do uso do metal precioso justificou-se
principalmente pela falta do metal precioso após as duas Grandes Guerras Mundiais 2.

II. Com a crise de 2007/2008, a confiança nos bancos e na moeda sofreu um


grande abalo, e estando ultrapassado o uso do metal como moeda, surgiu assim a moeda
digital, resolvendo à partida os problemas que as suas antecessoras despoletaram.

1
Janusz Brzeszczynski, Jerzy Gajdka, Tomasz Schabek, 2020: 51
2
Idem

17
1.1.1. Bitcoin

I. A moeda digital como a Bitcoin apresenta como grande vantagem o facto de


não depender de uma instituição que a controle ou que a administre, tornando-se aliciante
numa altura em que a crise financeira de origem na banca, tal como menciona Saleem,3 a
origem da Bitcoin num momento de crise financeira, não foi acidental.

Bitcoin Timeline

2005 2009 2011 214 2017 2020

2008 2010 2013 2015 2018

Figura 1.1. Bitcoin Timeline

Adaptado de: https://cryptomaniaks.com/what-is-bitcoin

 2005 _ Before Bitcoin, Bitgold Was Proposed;


 2008 _ Bitcoin´s Whitepaper Is Published;
 2009 _ Bitcoin is Launched;
 2010 _ 10,000 Bitcoin Buy 2 Pizzas;
 2011 _ U.S. Dollar Parity;
 2013 _ First Bitcoin Bubble, Bitcoin´s Price Reached $ 1,213;
 2014 _ Mt. Gox Suddenly got Shut Down and China Banned Bitcoin;
 2015 _ Etherum Is created and Competes With Bitcoin;

3
S.Z. Salem, 2008: 1.

18
 2017 _ The Biggest Bubble: Bitcoin´s Price Reached $19,787;
 2018 _ Bitcoin´s Low Point. Bitcoin´s Price Reached $ 3,300;
 2020 _ Covid-19 vs Bitcoin. Bitcoin´s Price Lost ~ 60% For a Few Hours.

II. Por outro lado, o sistema Bitcoin, não sendo controlado por uma instituição,
não existe uma política monetária, significa por isso que não existe arbitrariedade na
criação da Bitcoin, no entanto o número de Bitcoins em circulação não pode exceder
nunca os 21, 000, 000, sendo espectável que o seu número máximo seja atingido no ano
20404. A finalidade de controlo do número de Bitcoins produzidos é prevenir a
depreciação da própria moeda.

Bitcoin Supply & Halvings

New Bitcoin will enter


circulation until all 21 million
are mined.
Every 4 years the amount of
Bitcoin miners can mine gets
reduce by half.

Figura 1.2. Bitcoin Supply & Halvings

Adaptado de: https://cryptomaniaks.com/what-is-bitcoin

4
Janusz Brzeszczynski, Jerzy Gajdka, Tomasz Schabek, 2020: 51

19
1.1.2. Transação

I. O objetivo da criação da Bitcoin, tal como já mencionado seria o de permitir a


realização de transações, sem a necessidade de uma terceira parte, como por exemplo um
banco.

II. Numa transação dita convencional, o banco é parte num processo de compra e
venda, tanto como fiduciário como credor ou como intermediário da transferência
bancária. Neste processo são cobrados custos adicionais por prestação de serviços por
parte do banco custos estes não existentes numa transação no mundo digital.

As transações de Bitcoin, são entendidas como a transferência de moedas entre as


partes envolvidas, utilizando a chamada “public key”5 cada sujeito transfere a meada para
o próximo proprietário da moeda através do envio da chave pública, tal como
exemplificado na figura 1.3.

Transação em Bitcoin

Transaction Transaction Transaction

Owner 1’s Owner 2’s Owner 3’s


Public Key Public Key Public Key

Hash Hash Hash

Owner 0’s Owner 1’s Owner 2’s


Signature Signature Signature

Owner 1’s Owner 1’s Owner 1’s


Private Key Private Key Private Key

Figura 1.3. Transação em Bitcoin

Adaptado de: “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”

5
Satoshi Nakamoto, 2009: 2.

20
III. Como observado em cima Bitcoin é uma ferramenta de transferência de bens
sendo que esta moeda digital em muito se pareça com a moeda convencional, isto porque
a moeda Bitcoin possui três características que a permite comparar a uma moeda
convencional, uma vez que é possível estabelecer preços de bens e serviços em Bitcoin e
compara-los com outras unidades monetárias, é possível realizar a transferência de
Bitcoin, tal como demostrado na figura 1.3 e por fim é possível utilizar a moeda em causa
para pagamentos presentes e futuros. No entanto apesar de muitos utilizadores da moeda
Bitcoin defenderem que a mesma pode ser utilizada e comparada à moeda convencional,
no entanto existem autores6 reticentes em nomear a moeda Bitcoin como uma alternativa
à moeda convencional, em primeiro lugar a utilização de moedas digitais ainda não são
universalmente utilizadas como principal meio de pagamento, atualmente os utilizadores
de moedas digitais são na sua maioria empresas do setor que vendem e compram ações
de outras empresas utilizando moedas digitais como meio de troca, pelo que a utilização
de moedas digitais encontra-se ainda restrita a entidades com capacidade de entendimento
de informática avançada e possuidores de bons e equipamentos informáticos.

1.1.3. Privacidade

IV. As instituições financeiras garantem a privacidade de dados através da


limitação dos sujeitos envolvidos na transação, de informações que achem ser necessárias
proteger. As partes envolvidas confiam os seus dados pessoas a uma terceira pessoa, o
banco. No caso de transações em que a moeda de troca é a Bitcoin a confiança entre as
partes atinge-se pela transparência da própria transação, assim, numa transação em
Bitcoin as partes envolvidas têm acesso a toda a informação.

II. No entanto apesar do excesso de informação em circulação desprotegida,


continuam a existir meios de proteção da privacidade dos sujeitos.

6
Janusz Brzeszczynski, Jerzy Gajdka, Tomasz Schabek, 2020: 53.

21
Privacy Model

Traditional Privacy Model

Trusted
Identities Transactions Counterparty Public
Third Party

New Privacy Model

Identities Transactions Public

Figura 1.4. Privacy Model

Adaptado de: Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System

Na figura 1.4 é possível depreender o quão distinto são as abordagens quanto à


privacidade das partes envolventes na transação, por um lado detemos o modelo
tradicional em que as partes confiam numa terceira parte que protege toda a informação
seguindo um sistema centralizado de informação, por outro lado temos um modelo novo
em que a informação é pública.

III. Uma das preocupações levantadas por diversos autores como Sarukkai e Xia7
seria o da utilização de cripto moedas como a Bitcoin para a compra de substâncias
ilegais, isto porque apesar de existir uma maior transparência no que diz respeito às
transações em Bitcoin tal como mencionado anteriormente, a identidade das partes
envolvidas é sempre protegida, significa que durante uma transação as partes não são
identificadas, a verdadeira identidade encontra-se protegida por pseudónimos e códigos
matemáticos dificilmente decifráveis. Para evitar transações de substâncias ilegais a
própria rede cria mecanismos de controlo da atividade das partes envolvidas. Este
controlo pode demorar alguns minutos, tal como demonstrado na figura apresentada de
seguida.

7
Idem.

22
How Can Bitcoin Transactions Be
Tracked?

John Address: ABC Mike Address: XYZ

By inspecting the records


on the blockchain and
John sends Bitcoin to Mike. The transaction
proving that address ABC
between John´s address and Mike´s address
and XYZ belong to John
gests permanently recorded on the blockchain.
and Mike authorities can
track their activities.

Figura 1.5. How Can Bitcoin Transactions Be Tracked?

Adaptado de: https://cryptomaniaks.com/what-is-bitcoin

2. DISTRIBUTED LEDGER TECNOLOGY (DLT)

I. O surgimento das moedas digitais proporcionou o marco para um dos maiores


avanções tecnológicos as distributed ledger technology, (doravante DLT) plataformas de
informação descentralizadas, como por exemplo a Blockchain, matéria desenvolvida em
capítulo posterior.

II. É importante mencionar as plataformas DLT, pois são estas plataformas que
garantem o funcionamento de smart contracts, figura esta central no presente trabalho e
que irá ser desenvolvida mais à frente, porém antes de poder desenvolver e apresentar os
“contratos inteligentes”, cabe apresentar a tecnologia que permite a sua formação e
funcionamento. A definição de DLT, não é no entanto unanime, segundo o Banco
Mundial, define DLT partilha de informação entre as diferentes partes, permitindo
registar e sincronizar dados e transações em vários pontos de armazenamento,

23
denominados nodes8, por outro lado o Banco Europeu Central Europeu descreve DLT
como sendo uma tecnologia que permite os seus utilizadores guardar e aceder a
informação assim como realizar transferências de por exemplo títulos e dinheiro, sem a
necessidade de uma validação por parte de sistema central9. Para o Banco da Inglaterra
DLT é uma base de dados descentralizada, no sentido em que cada node se encontra
sincronizado e todos os utilizadores detêm uma cópia da informação, afastando-se assim,
do tradicional sistema de centralização da informação em três pontos fundamentais; i)
descentralização, ii) confiança, mesmo num ambiente de risco, iii) e o uso de
criptografia10.

III. É possível, no entanto apresentar algo em comum a todas as definições


apresentadas a tecnologia DLT, caracteriza-se por ser na sua raiz basilar um sistema de
armazenamento e distribuição de informação entre diversos nodes de forma
descentralizada através de protocolos de software 11 não sendo necessária a participação
de uma terceira pessoa ou instituição que garanta a distribuição da informação. Para
compreensão desta nova tecnologia é necessário estudar o conceito de ledger, uma vez
que este termo detém diferentes conotações e terminologias consoante a área científica,
no entanto é possível salientar duas interpretações do conceito de ledger, i) por um lado
pode ser apresentado como um conjunto de dados realizado por um node de rede
individual, ii) por outro lado pode ser interpretado como o conjunto de dados
armazenados pela maioria de nodes12.

8
World Bank Group, 2017: 1.
9
A Pinna, W. Ruttenberg 2016: 6.
10
Bank of England 2017: 1.
11
Primavera De Filippi, Aaron Wright, 2018: 34.
12
M Rauchs, A Glidden; et. al. 2018: 25.

24
Key Concepts

Transaction: any proposed change to the ledger, despite the connotation, a TXk Event
transaction need not be economic (value-transfering) in nature. description

Log: na unordered set of valid trnsaction held by a node, which have not yet been TXk+1

incorporated into a formal record subject to network consensos rules (i.e.


“unconfirmed” transactions).

Record: transaction data which been subject to network consensos rules. Note: A TX2 TXp+1
“candidate recor” is a record that has not yet neen propagated to the network.
TXp+k TXk+1
Journal: the set of records held by a node, although not necessarly consistente
with the consensos of other nodes. Journals are partial, provisional, and
heterogenous: they may or may not contain all the same records.

Ledger: the authoritative set of records collectively held by a significant


proportion of network participants at any point in time, such that records are
unlikely to be arased or amended (i.e. “final”).

Figura 2.1. Key Concepts

Adptado de: https://ssrn.com/abstract=3230013 p. 25

From Transactions to Records

1 2 3 4 5
Unconfirmed
Transactions Log (Mempool) Record Journal Ledger

End users creat Each fully-validating Each record producer now Each node will verify The ledger represents the
arbitrarly selects a set of the received candidate globally agreedupon
transactions and node stores
unconfirmed transactions record: if it complies authoritatative set of
broadcast them to the unconfirmed from its log and creats a records that constitutes the
network thhough transactions in its log with protocol rules,
candidate record. After state of the system. It
various means. These (“mempool”). Logs performing the necessary the node will add the
results from the
transactions are may differ from one steps spcefied by the record to its own convergence of
wainting for node to another. protocol to make the instance of the ledger synchronised individual
confirmation.
candidate record valid, it – the jornal. Journal journals.
broadcasts the record to states may differ from
connected nodes.
one node to another.

End users (via nodes, Individual node level Individual node level Individual node level Global system level
SPV, API)

Processing

25
Figura 2.2. From Transactions to Records

Adptado de: https://ssrn.com/abstract=3230013 p. 25

3. BLOCKCHAIN

IV. A tecnologia blockchain é uma das mais promissoras tecnologias da atualidade


e uma das principais plataformas tendo como base DLT.

Blockchain ganhou popularidade aquando do surgimento da bitcoin, uma vez que


através da utilização da tecnologia em blocos as transações por bitcoin foram feitas de
forma mais segura, transparente e célere.

II. A pergunta que se colca é como funciona na realidade a blockchain? E como é


que esta figura vai ser útil para o entendimento do nosso tema principal smart contracts?

III. A blockchain ou cadeia de blocos, na sua tradução literal, funciona de forma


complexa, principalmente para a mente de um jurista. É aceite que o conceito de
blockchain surgiu no ano de 1991 quando Stuart Haber e Scott Stornetta13 publicaram
“How to Time-Stamp a Digital Document” no jornal Cryptology, em 2005, Nick Szabo
apresentou a Bitgold que se baseava na ideia de descentralização de informação integrada
no sistema em blockchain. Bitgold baseava-se no proof-of-work 14 e no timestamping mas
15
infelizmente tinha um enorme defeito o chamado double-spending problem , os
detentores de Bitgold viam os seus gastos serem duplicados. Em 2008 Satoshi Nakamoto
publicou o artigo “Bitcooin: A Peer-to-peer Cash System”, neste artigo o autor propôs a
solução para o double-spending problem, apresentando assim a figura do peer-to-peer
capaz de realizar timestamp diretamente nas transações e a todas elas:

13
Gheorghe Matei, 2020: 15.
14
Primavera De Filippi, Aaron Wright, 2018: 7 “The Proof of Work consensus mechanism
requires that certain computers on the network (colloquially referred to as a “miners”) solve
computationally-intensive mathematical puzzles, while others verify that the solution to that puzzle does
not correspond to a previous transaction” apud Bruno Santos Divino Sthéfano 2018: 2777.
15
Gheorghe Matei, 2020: 15.

26
“by hashing them into an ongoing chain of hash-based proof-of-work,
forming a record that cannot be changed without redoing the proof-of-
work” 16.

O objetivo de Satoshi Nakamoto seria o de garantir as transações de bitcoin apenas através


de assinaturas digitais sem que fosse necessário a autorização de uma terceira parte, como
por exemplo uma instituição financeira, assim o pagamento eletrónico baseia-se no:

“cryptographic proof instead of trust, allowing two willing parties to


transact directly with each other without the need for a trusted third
party”17.

Blockchain funciona com o armazenamento de informação de transações


organizadas cronologicamente de forma descentralizada, de forma segura e transparente.
Numa análise esquemática o mundo do blockchain quando se forma um novo bloco de
informação é-lhe atribuído um hash com um código único criado matematicamente, este
hash é imutável, isto é, quando é atribuído um novo hash este apenas se pode aglomerar
a um novo, não podendo ser eliminado o velho hash é acrescentado ao novo e assim
sucessivamente, tal como demonstrado na figura 1.2.3.

16
Cf., Nakamoto, Satoshi Nakamoto, 2009: 1.
17
Idem.

27
A Simplified Merkle Tree Diagram

Transaction A Transaction B Transaction C Transaction D

Hash A Hash B Hash C Hash D

Hash AB Hash CD

Hash ABCD
Two hashes are combined to create
Key: a new hash, adding another layer
The Transaction of security

The 1st Hash The transaction data is


converted into a unique string
The 2nd hash of numbers and letters

The top Hash

Figura 3.1. A Simplified Merkle Tree Diagram

Adaptado de https://www.euromoney.com/learning/blockchain-explained/what-is-blockchain

IV. Será, no entanto, a figura do blockchain segura? A resposta é sim, uma vez
que cada hash detêm uma chave única e ligam-se com os hash dos blocos anteriores,
criando uma cadeia (cadeia de blocos), de forma descentralizada através de diversos
computadores, chamados de nodes, estas características criam assim segurança ao próprio
blockchain uma vez que cada hash detém o histórico da transação qualquer hacker teria
de alterar o histórico de informação de todos os hash o que na realidade é modificar a
informação de milhares de hash transmitidos em milhares de nodes.

28
The New Networks

Centralized Decentralized

Centralized systems have a core


authority that dictates the truth to Decentralized systems have no
the other participants in the core authority to dictate the truth
network. to other participants in the network.

Only priveleged users or Every participant in the network


institutions can access the history of can access the history of
transactions or conform new transactions or confirm new
transactions. transactions.

Figura 3.2. The New Networks

Adaptado de: https://cryptomaniaks.com/guides /blockchain-for-dummies-ultimate-blockchain-


101guide

29
Como se demostra na figura 1.2.4. um sistema centralizado tem uma autoridade
que determina “the truth to the other participants in the network” 18. Nodes encontram -
se ligados a um único servidor responsável por toda a comunicação existente entre nodes
e guarda a informação, no entanto neste tipo de sistema apenas “privileged users”19
podem ter acesso ao historial das transações realizadas e apenas estes têm a possibilidade
de confirmação de novas transações.

No sistema descentralizado como blockchain não existe um servidor que controle


a informação, não existe uma terceira parte detentora da informação das transações, o que
existe, tal como demonstrado na figura 1.2.4. é a comunicação direta entre os diversos
nodes, todos os participantes têm direito à informação e não apenas alguns como acontece
no sistema centralizado, todos eles autorizam novas transações, já que todos possuem
cópia de toda a informação existente no blockchain.

V. Em suma, blockchain tem como características: sistema descentralizado,


utilizada num sistema de peer-to-peer network, é imutável, é à prova de ataques por parte
de hackers, garante privacidade e ao mesmo tempo transparência e baseia-se no ideal de
consenso entre participantes.

O seu sistema decentralizado, leva a que nenhuma entidade por si só detenha toda
a informação das transações, todos os participantes detêm uma cópia dessa mesma
informação.

Uma vez que não existe uma terceira parte possuidora da informação o sistema
peer-to-peer permite que cada participante detenha a cópia da informação e que seja
transmitida entre os diversos nodes, uma vez que é possível criar novos hashes com o link
aos hash anteriores transmitindo-se assim, a informação em bloco.

VI. Tendo em conta que todos os participantes na blockchain possuem uma cópia
das transações, foi necessário criar um mecanismo que proibisse a realização de alterações
às informações, por parte dos seus participantes, daí sendo a imutabilidade uma das
principais características da blockchain pelo que, a informação criada em blockchain é
permanente caso seja necessário realizar alterações à informação a única forma de o fazer
é criar uma nova corrente de blocos de informação, criar uma nova rede de blockchain.

18
Gheorghe Matei, 2020: 18.
19
Idem.

30
Ora esta necessidade de criar a blockchain imutável, fez com que se tornasse quase
impossível a ocorrência de ataques por parte de hackers, uma vez que qualquer alteração
realizada à informação de bloco é imediatamente detetada e para além disso existem
várias cópias da mesma infirmação, pelo que as alterações feitas teriam de abranger todos
os hash e todos os blocos de informação o que é praticamente impossível, uma vez que
existem milhares se não milhões de nodes onde essa exata informação passa é guardada.

A informação mencionada já várias vezes neste texto não se refere, no entanto, à


informação de identificação das partes envolvidas na transição, apesar de o sistema
blockchain ser um sistema transparente, pois cada participante possui uma cópia dessa
mesma informação, no entanto, as partes envolvidas são identificadas pelo seu
pseudónimo, o nome real das pessoas envolvidas é altamente guardada através de códigos
matemáticos e cryptografia.

VII. Por fim a última característica a mencionar é a do consenso entre os


participantes, a adição de um novo bloco de informação tem de ser validade por todos.

As transações em blockchain podem ser complexas, pelo que julgo ser necessário
apresentar um esquema alusivo que ajude a explicar de forma superficial como se
processa uma transição, a figura 1.2.5. retrata os passos a dar no momento da realização
de uma transição e que como se pode constatar pela sua análise o processo é quase
imediato, o vendedor recebe em questão de minutos o valor acordado em moeda
eletrónica, daí a popularidade crescente do uso da blockchain. A figura apresentada,
ilustra as fases existentes durante uma transição em Bitcoin dentro de um sistema
descentralizado como a blockchain.

31
The Steps of a Bitcoin Transaction

The sender inputs the The sender imputs his

receiving address and private key to validate the

transactions amount into transaction.

his wallet.

A miner includes the


The nodes confirm that the
transaction into the next
transaction is valid.
block.

The receiver receives the transaction within minutes.

Figura 3.3. The Steps of a Bitcoin Transaction

Adaptado de: https://cryptomaniaks.com/guides /blockchain-for-dummies-ultimate-blockchain-101guide

32
4. SMART CONTRACTS

4.1. Aspetos gerais

I. Em 1996, Nick Szabo, advogado e criptógrafo, apresentou pela primeira vez o


conceito de smart contract:

"a computerized protocol that executes the terms of a contract” e tem como
objetivo “satisfy common contratual condictions (such as payment terms,
liens, confidentiality, and even enforcement), minimize exceptions both
malicius and acidental, and minimize the need for trusted intermidiaries,
(…) lowering fraud loss, arbitration and enforcement cost, and other
transactions cost”20.

Nick Szabo, reconheceu que smart contracts, não envolvem inteligência artificial,
mas o uso de algoritmos computacionais que eventualmente seriam usados na elaboração
de contratos.

II. Embora esta figura tenha surgido na década de 90, não era possível na altura
21
desenvolver esta nova tecnologia , pelo que apenas em 2008 com o surgimento de
Blockchain foi possível o desenvolvimento de smart contracts22.

III. Contudo é possível apresentar outras definições de smart contracts


dependendo se as mesmas são apresentadas por informáticos ou juristas, assim na
linguagem de programação, utilizada para criar smart contracts, “contract” significa:

20
Nick Szavo, 1994: 1.
21
Jorge Alberto Padilla Sánches, 2020: 180.
22
E. Mik, 2017: 273 "Given that Szabo's paper was written in the niid-1990s, it does not surprise
that it portrays courts and legal principles as inconvenient legacies to be made redundant by suitable
technologies. Other propositions made therein, such as the use of technology to secure contractual
performance or to ensure adherence to the law, have evolved into the theory that 'code is law' and that
technology has normative implications. Using technology to enforce the law or private agreement is thus
not a novel idea. What is new in the smart contract narrative, however, is the combination of an
indiscriminate trust in technology, especially blockchains, with an unparalleled misapprehension of basic
legal concepts", apud Jorge Alberto Padilla Sánches, 2020: 180.

33
“a collective of code (its functions) and data (its state) that resides at a
specific address on the Ethereum blockchain”.23

Há já, no entanto ordenamentos jurídicos que apresentam a sua própria definição


de smart contracts, assim temos como exemplos o de Itália que define smart contracts
como sendo:

“un programma per elaboratore che opera su Tecnologie basate su registri


distribuiti e la cui esecuzione vincola automaticamente due o più parti sulla
base di effetti predefiniti dalle stesse”. 24

No Estado do Arizona, nos Estados Unidos da América, smart contract é “an


event-driven program, with state, that runs on a distributed, decentralized, shared and
replicated ledger and that can take custody over and instruct transfer of assets on that
ledger”. 25

Mas a definição mais revolucionária tem origem no sistema jurídico de Malta onde
a definição de smart contracts se encontra em Malta Digital Innovation Authority Act.
Cujo artigo 2.º estipula o seguinte:

“smart contract means a form of innovative technology arrangement


cosisting of:

A computer ptotocol; and, or

An agreement concluded wholly or partly in an electronic form wich is


automatable and enforceable by execution of computer code, although
some parts may require human input and control and which may be also
enforceable by ordinary legal methods or by a mixture of both” 26

23
Pedro Ferreira Malaquias; Luís Alves Dias, 2019: 5.
24
Idem. Em tradução livre: “é um programa de computador que opera em tecnologias baseadas
em registos distribuídos e cuja execução vincula automaticamente duas ou mais partes com base nos efeitos
predefinidos por elas”.
25
Idem.
26
“Malta Digital Innovation Act”, 2018.

34
Esta definição apresentada por Malta é revolucionária, pois ao contrário das
anteriores, Malta prevê a possibilidade de os smart contracts revestirem a natureza
jurídica de contratos.

Apesar destas distintas definições é possível extrair pontos comuns que levam a
concluir que independentemente da definição escolhida smart contracts serão sempre
contratos descentralizados e imutáveis.

IV. Uma das principais características de smart contracts é a inexistência de um


intermediário, tornado esta figura apetecível pela possibilidade da redução de custos por
não ser necessário um intermediário, sendo possível apresentar o seguinte exemplo, um
smart contract detém um acordo entre duas ou mais partes e esse contrato irá ser
constituído pelas cláusulas que as partes acordarem e nesse acordo será determinado que
A recebe o pagamento realizado por B, e só após o pagamento é que B será proprietário
do objeto de venda, um relógio por exemplo. Tratando-se de um contrato inserido em
smart contract A irá deixar de ser o proprietário do relógio imediatamente a seguir ao
cumprimento da obrigação de B _ “Smart contracts are automatically executed once the
conditions of the agreement are met”. 27

Como se pode denotar no exemplo exposto, não existiu nenhum intermediário


zelador pela venda do relógio ou de um banco responsável pelo crédito que possibilitou
a compra do relógio.

V. Perguntar-se-á se há mais alguma vantagem na utilização de smart contracts


para além da já mencionada inexistência de um intermediário, e a resposta é afirmativa,
existem várias vantagens para a utilização de smart contracts tais como a transparência,
a eficiência e a imutabilidade.

A transparência é essencial, para a criação de confiança, uma das principais


preocupações das partes é saber se pode confiar na outra, smart contracts garantem a
criação de confiança garantindo a transparência da informação contratual à qual as partes
do contrato têm acesso total, a informação é então colocada “in a public ledger”28, sendo
armazenada toda a informação relativa ao objeto contratual, como por exemplo, A vende
o seu carro a B sendo a venda registada na ledger assim como as características do

27
Marc Dimech, 2019: 22.
28
Idem p. 23.

35
automóvel, a marca, modelo, cor, ano, manutenção, o tipo de venda etc…, caso C queira
mais tarde comprar o mesmo automóvel, basta aceder à informação armazenada na
ledger, obtendo assim, toda a informação que necessita para tomar uma decisão. A
transparência permite assim, eliminar a possibilidade de fraude por parte dos sujeitos
envolvidos.

A eficiência está interligada com a inexistência de intermediário, as transações


são mais céleres, “(…) you no longer need a trusted third party when you make a
transaction”. 29

Segue um mero exemplo de como é explicada a eficiência na utilização de smart


contracts, imagine-se que um agricultor pede apoio financeiro ao Estado pela escassez de
produtos agrícolas devido à seca. O agricultor argumenta que a falta de bens agrícolas irá
provocar uma substancial quebra de rendimento pelo que pede ajuda ao Estado. Num caso
normal a situação do agricultor seria analisada por um intermediário do Estado para
garantir que de facto o agricultor necessita desse apoio financeiro, processo esse
demorado e dispendioso para o Estado que terá de remunerar o intermediário. Se fosse
utilizado smart contract, o intermediário seria desnecessário, uma vez que o contrato
estaria programado para poder calcular o valor de precipitação do ano em causa e avaliar
se o agricultor teria direito ou não a receber apoio financeiro do Estado. 30

Estrutura de um smart contract

1 2 3 4a 4b
-As partes estabelecem Os termos do O valor é transferido para
- O evento desencadeia a Para ativos digitais
obrigações e instruções de contrato ditam o o destinatário indicado de
execução contratual; representados fora do
execução; movimento de acordo com os termos sistema (e.g. títulos de
- O evento pode referir-se valor em função contratuais. Para ativos ações, propriedade as contas
-Ativos são postos sob das condições
a: digitais no sistema (e.g. off-chain adaptam-se às
custódia do smart contract; verificadas. Bitcoin) as contas são instruções. As mudanças
Transação iniciada; liquidadas nas contas refletir-se-ão no
-Condições para execução
(“Se … então…”). automaticamente. nó
Informação recebida

Figura 4.1. Estrutura de um Smart Contract

29
Idem p. 24.
30
Exemplo retirado de, Marc E. Dimech, 2019: 24.

36
Adaptado de: Ribeiro de Faria, Joana, “O Regime jurídico da formação e do (in)cumprimento dos
“contratos onteligentes”(os smart contacts)”, Revista de Direito Civil, V, (2020), 3-4, (pp. 723-764), p. 732

A última vantagem e uma das grandes características de smart contracts é a sua


imutabilidade, isto é, assim que existe registo da informação na ledger a mesma não pode
ser alterada ou anulada por nenhuma das partes. A imutabilidade é necessária para
garantir a segurança das partes contratantes, impedindo que uma das partes altere o
contrato unilateralmente, isto é, sem o consentimento da outra parte.

VI. Contudo é possível apresentar o reverso da medalha e expor algumas das


desvantagens da utilização de smart contracts. Sendo a principal a preocupação pela
proteção de dados e privacidade das partes. A informação do contrato é colocada e
distribuída pela ledger passando de computador em computador, daí ser possível declarar
“maintaining privacy is the most difficult technical issue with any distributed ledger”. 31

No caso de smart contracts em blockchain as informações das partes vão


circulando por várias ledgers pelo que não existe uma só entidade ou autoridade
responsável pela proteção da informação.

Por outro lado é possível discutir o problema da própria natureza do smart


contract que ao ser criado em código, podem ocorrer erros de codificação que prejudicam
as partes no sentido que após a criação do smart contract o mesmo não pode ser alterado,
ora apesar de esta figura deter ao mínimo o contacto humano na sua criação não a elimina
por completo, pelo que é necessário ter em conta erros de software como por exemplo o
erro de software, ocorrido em fevereiro de 2019, em que o EOS system (Entrepreneutrial
Operating System) falhou a sua atualização o que permitiu que um hacker desconhecido,
conseguiu retirar 2.09 milhões de EOS o equivalente a 7.7 milhões de dólares. 32

Na minha opinião as partes devem sentir-se confiantes no trabalho de codificação


da pessoa que irá criar o smart contract, pois um pequeno erro pode levar a que hackers
consigam provocar danos às partes envolvidas, a meu ver, os mesmos devem ter em conta
na elaboração do contrato cláusulas que prevejam quais as consequências de falhas

31
Stephen Diehl, 2018: 1.
32
Jeceaca An, 2020: 544.

37
ocorridas por má codificação. Não esquecer que as partes contratantes podem não ter
conhecimento sobre codificação, pelo que o programador poderá manipular o contrato e
beneficiar da característica da imutabilidade. Esta preocupação é fundamental uma vez
que para além do problema de segurança, qualquer erro provocado pelo programador
poderá levar à invocação de perturbações de cumprimento.

Qualquer erro provocado pelo programador poderá levar ao incumprimento do


contrato por uma das partes, tal como irá ser exposto no capítulo relativo à perturbação
de incumprimento definitivo.

VII. A nível jurídico poderá surgir a preocupação de classificação de smart


contracts, isto porque smart contracts serão “meios de execução das prestações acordadas
pelas partes” 33

Por outro lado, sendo smart contracts meios de execução de prestações acordadas
coloca-se a questão de saber que tipo de informação devem smart contracts conter, será
que devem apenas conter informações básicas relativas ao acordo entre as partes ou se
por outro lado se deva ter em conta o direito dos consumidores e garantir, que este último
realiza o ato de compra com toda a informação possível. No entanto questiona-se se será
este o papel dos smart contracts, ou se esta informação se deva elencar no contrato
celebrado entre as partes deixando assim para os smart contacts apenas a informação
essencial para a execução da prestação acordada.

Como será determinado em capítulos subsequentes, é importante determinar qual


a informação a ser vertida em smart contracts e o quão importante é a interpretação das
cláusulas aquando da sua transposição para formulas matemáticas.

A interpretação que o programador fizer das cláusulas acordadas pelas partes é


determinante, pois qualquer falha de interpretação poderá resultar numa perturbação ao
cumprimento, tanto a nível de incumprimento definitivo como de impossibilidade.

Pelo que o papel de smart contracts deve ser ais do que estabelecer informações
básicas, deve haver a preocupação de garantir o cumprimento da prestação devida e que
existe um rigor na transposição do acordo das partes para o código matemático que na
sua íntegra corresponderá ao contrato final.

33
Pedro Ferreira Malaquias; Luís Alves Dias, 2019: 56.

38
4.2. A formação de smart contracts numa perspetiva informática

I. Como anteriormente referido smart contracts detêm a natureza jurídica de


negócio jurídico contratual, sendo que os elementos identificadores das partes são
fundamentais, esta informação é assegurada, uma vez que são expostas como “entidades
criptográficas, representadas por uma chave pública (public key), semelhante a um e-
mail”.34 Porém ao contrário de um contrato tradicional, neste tipo de contratos, a aceitação
de criação de relação jurídica, é “acompanhado do início do cumprimento
obrigacional”35, para além disso smart contracts caracterizam-se pela sua formação em
códigos matemáticos, pelo que Clack et. al., elencam cinco pressupostos que ajudam a
“redigir e materializar a vontade das partes”36.

1. Methods to create and edit smart legal agreements, include-ing


legal prose and parameters;

2. Standard formats for storage, retrieval and transmission of


smart legal agreements;

3. Protocols for legally executing smart legal agreements (with or


without signatures);

4. Methods to bind a smart legal agreement and its corre-sponding


smart contract code to create a legally-enforceable smart contract;

5. Methods to make smart legal agreements available in forms


acceptable according to laws and regulations in the appropriate
jurisdiction.37

II. Uma das principais vantagens da utilização de smart contracts para regular a
relação jurídica entre as partes, é a da redução de custos, por não ser necessário uma
terceira parte intermediária, porém é necessário a utilização de software capazes de
formular um contrato, podendo haver falhas na redação e representação da vontade das

34
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 728.
35
Sthéfano Bruno Santos Divino, 2018: 2794.
36
Idem p. 2795.
37
Cristhian D Clack, et. al. 2016: 12.

39
partes, a linguagem matemática utilizada por este tipo de software, por vezes não
acompanha a linguagem natural. Porém a poupança existente pode ser enganosa, tal como
exposto por Sthéfano Divino38, pode ser altamente dispendioso garantir que o contrato
expresse com exatidão a vontade das partes, o que pode ser necessário recorrer a
especialistas capazes de formular um contrato em código e que preveja todas as situações
que possam ocorrer, o que se poderá questionar se não será mais vantajoso recorrer a
contratos tradicionais.

“The main problem, however, is that the translation of natural language


into code does not constitute a straightforward pro-cess of converting
legal prose into computer-readable in-structions but requires the prior
interpretation of the legal prose. Interpretation is not an academic
exercise but serves to establish the exact scope of the parties’ obligations,
the result to be achieved under the contract or the level of effort to be
expounded in performing a particular obligation […]

[…] Many contractual obligations are, however, based on reasonable


care, where the parties must undertake, or refrain from, certain actions
without having to produce a measurable outcome. It may be difficult to
reduce them to sequences of steps and to provide objective benchmarks
against which they can be evaluated. Obligations based on care are, after
all, frequently qualified by concepts such as “reasonableness” or “best
efforts39”.

Caso as partes decidam prosseguir com a formação de smart contracts, é necessário


introduzir no sistema por uma das partes uma conta autónoma, com o contrato em código,
este procedimento “configura-se como uma proposta contratual”40, a outra parte aceita o
contrato ao prosseguir com o pagamento do valor estabelecido em contrato, aplicando-se
assim, o regime da aceitação tácita41, artigo 217.º do Código Civil. Após a aceitação da
contraparte o contrato auto executa-se, pois tal como mencionado no capítulo anterior

38
Sthéfano Bruno Santos Divino, 2018: 2796.
39
Elza Mik. 2017: 290-293.
40
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 734.
41
Mateja Durovic; André Janssen, 2019; 68.

40
uma das características fundamentais de smart contracts, é sua execução automática tal
como expõe o Professor Diogo Pereira Duarte:

“Um smart contract é um contrato cuja execução é total ou parcialmente


automatizada, ou seja, um contrato em que a execução das condições
contratuais ocorre automaticamente, sem necessidade de intervenção
humana, por força de um protocolo para computador – um algoritmo – que
pode verificar condições pré-definidas e executar algo que está estipulado
nessas instruções.”42

III. Na formação deste tipo de contratos coloca-se a questão de saber se existe de


facto um acordo entre as partes, uma vez que o contrato em si é na sua totalidade escrito
em código. Para Pedro Malaquias e Luís Dias:

“Smart contracts são linhas de código (linguagem informática), que


empregam uma lógica condicional (if/then) e que executam prestações de
forma tipicamente automatizada (a verificação do if desencadeia
automaticamente o then) e automatizada (face a input humano,
nomeadamente das partes) 43”.

IV. Devendo fazer-se a destrinça entre smart contracts e smart legal contracts,
correspondendo os primeiros ao código matemático que cria o contrato e os segundos
correspondem ao contrato como um todo o somatório do código matemático e tudo aquilo
que é juridicamente relevante, tais como negociações, cláusulas contratuais, assim como
formalidades derivadas do próprio contrato. No entanto esta distinção não se encontra
uniformizada, e artigos que tratam o tema smart contract tendem a não realizar esta
distinção, mencionando apenas smart contracts, pelo que ao longo do trabalho irei
mencionar apenas smart contracts44.

V. A definição de smart contracts apresentada em cima é importante, pois ajuda


no processo de exposição de formação destes contratos, uma vez que nem todos os
contratos denominados smart contracts, são de facto contratos à luz do Direito, pelo que

42
Diogo Pereira Duarte, 2019: 173.
43
Pedro Ferreira Malaquias; Luís Alves Dias, 2019: 55.
44
John Stark 2016: 1.

41
devem estar preenchidos os requisitos necessários à formação de um contrato, capacidade
jurídica, proposta, aceitação, elementos essenciais do contrato.

Tal como já apresentado, a proposta corresponde ao momento em que uma das


partes introduz no sistema uma conta automática, numa plataforma blockchain como a
Ethereum, e a aceitação corresponde à ordem de pagamento efetuada pela contraparte.

Quanto à capacidade jurídica, as várias plataformas em blockachain, como a


Ethereum, por exemplo, não executam uma análise às partes, pelo que não existe
confirmação se as mesmas são ou não capazes legalmente para celebrarem o contrato em
causa, na prática isto traduz-se na possibilidade de um menor celebrar um smart contract.
No entanto, caso uma das partes não seja capaz, a contraparte pode pedir a invalidade da
transferência do dinheiro ex post podendo também intentar uma ação em Tribunal por
enriquecimento sem causa45.

Esta solução, apesar de se apresentar como uma solução válida é bastante precária
para satisfazer realmente o problema da falta de capacidade das partes, até porque tal
como mencionado a identidade das partes é altamente protegida através de pseudónimos,
a ação intentada em Tribunal seria penosa e demorada.

VI. Na prática, as partes contratantes de um smart contract são apenas chaves


matemáticas criadas informaticamente46. Nas palavras de Mateja e André:

“Could there even be a discusion of capacity since the parties are


technically not human?”47

Seguindo a posição apresentada pelos mesmos autores, na verdade as chaves


matemáticas, não são automatizadas, necessitam de controlo humano, as partes fazem
parte do contrato na medida em que manipulam as chaves consoante o seu desejo,
expondo assim o acordo de vontades.

Os elementos essenciais do contrato encontram-se descritos por códigos


matemáticos no próprio contrato. O contrato em si é apenas linguagem matemática,
linguagem essa que tem de expressar a vontade e o acorda das partes, não sendo, no

45
Mateja Durovic, André Jassen, 2018: 16.
46
Idem p.17.
47
Idem.

42
entanto, fácil a sua redação, pois a linguagem natural é complexa e ambígua. A redação
de smart contracts é altamente complexa, por um lado pela dificuldade de criação da
taxatividade das cláusulas, devido à imutabilidade característica destes contratos, será por
isso necessário prever e elencar todas as situações possíveis num só contrato, pois não
será possível alterar ou acrescentar cláusulas a esse mesmo contrato.

Por outro lado, a linguagem matemática falha na concretização de conceitos e


termos jurídicos, como por exemplo a boa-fé48.

Uma das grandes preocupações, ao longo da redação de um contrato tradicional é


a ambiguidade que a própria linguagem natural apresenta. Nos smart contracts, sendo
estes escritos em código, muitos programadores garantem a possibilidade de eliminação
da ambiguidade com a utilização de códigos matemáticos, no entanto a linguagem
ambígua não existe só na linguagem natural, como por exemplo:

“Imagine perguntar a um computador quanto é 1 e 1, aleatoriamente ele


responderá 2 ou 11.”49

Mik defende a necessidade da existência de ambiguidade nos smart contracts:

“Developers fail to recognize that in contract law, ambiguity is a feature


not a bug. Apart from the natural ambiguity accom-panying all human
languages and the ambiguity that results from sloppy drafting, many
contractual provisions are delib-erately written in a broad, slightly
imprecise manner to en-sure a certain degree of leeway. The ambiguity of
certain provisions may also reflect the stronger bargaining position of one
party, who drafts the contract in a manner enabling it to deliver the
absolute minimum without being accused of breach. Terms may also be
left vague because of an unwill-ingness to invest resources in extended
negotiations or draft-ing, or due to the widespread approach that the
contract is only a formality while the “real” agreement is reflected in the
ongoing commercial relationship”.50

48
Sthéfano Bruno Santos Divino, 2018: 2797.
49
Idem: 2798.
50
Idem: 2799.

43
VII. Apesar de smart contracts conter características próprias de um contrato, tal
como apresentado ao longo do presente capítulo, os autores Pedro Malaquias e Luís Dias
detêm uma posição mais restrita quanto à ideia de um smart contract se materializar num
contrato:

“Parece-nos que a grande maioria das vezes os smart contracts serão


aquilo para que foram pensados: meios de execução das prestações
acordadas pelas partes”.51

Julgo que a posição apresentada se coaduna com a origem de smart contracts e


com a sua equiparação a máquinas de venda automática, no sentido em que se trata de
algo maquinizado, não existindo a necessidade de elaboração de cláusulas contratuais
para que as partes satisfação as suas necessidades.

VIII. Na prática é necessário distinguir entre o back-end e o front-end, o primeiro


diz respeito à máquina, os servidores e os dados, o segundo diz respeito ao utilizador e a
interface com que ele interage (exemplo, browser, o website de uma loja).52 Os smart
contracts inserem-se no back-end, as partes são obrigadas a efetuar um leque de ações
prévias nas plataformas inseridas no front-end. O contrato propriamente dito fica
finalizado após elaboração dos passos descritos, as partes emitem as declarações de
vontades através de website ou app, por exemplo, sendo as declarações negociais,
codificadas, após este passo o contrato em si é “ativado”, estando já na fase de back-end,
o contrato poderá ser executado, neste processo é o próprio software que processa o
contrato codificado, executando-o, de forma imediata.

No entanto Joana Ribeiro de Faria faz a seguinte esquematização de ideias:

“a propósito da distinção entre front-end e back-end, e que é fundamental


para que se compreenda o raciocínio desenvolvido neste artigo, é relativa
ao plano do cumprimento, e já não à fase da formação contratual”. No
cenário a que nos referimos, as partes chegam a um acordo (que, como
sabemos, tem por referência o front-end).” 53

51
Pedro Ferreira Malaquias; Luís Alves Dias, 2019: 56, ver nota de roda pé (17) do artigo em
causa.
52
Idem p. 57.
53
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 736.

44
IX. Por último os Autores Pedro Malaquias e Luís Dias, elencam de forma simples
pontos fundamentais aos quais as partes devem estar cientes:

1. “Definam quais as prestações do contrato que pretendem ver executadas


através da utilização de smart contract;
2. Estejam conscientes do que significa executar essas prestações através de
smart contracts, nomeadamente no contexto da DLT concreta que as partes
pretendem usar (e o impacto de possíveis forks);
3. Percebam de que forma, verificadas que condições e em que momento é
que os smart contracts serão desencadeados e executados e executarão de
forma tipicamente autorizada e autonomizada as prestações definidas
pelas partes;
4. Estejam devidamente assessoradas por advogados e técnicos
especializados que consigam validar o smart contract que se pretende
utilizar no caso concreto, isto é, se os efeitos (nomeadamente patrimoniais)
da sua ativação correspondem ao que as partes efetivamente pretendem e
acordaram”. 54

4.3. A legalidade dos smart contracts

I. Antunes Varela define contrato como:

“um acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de


vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro),
contraproposta, mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visa,
estabelecer uma composição unitária de interesses”. 55

II. Porém com o desenvolvimento da tecnologia, principalmente com a criação da


internet, foi possível apresentar uma nova figura enquadrada dentro dos contratos, os
chamados contratos eletrónicos. Na atualidade a popularidade destes contratos é cada vez
mais notória, já antes da conjuntura atual de pandemia, era notório o aumento de contratos
realizados por meios eletrónicos. O uso de contratos eletrónicos tem várias vantagens,

54
Pedro Ferreira Malaquias; Luís Alves Dias, 2019: 57.
55
João Varela, 2000: 223.

45
tais como a celeridade, comodidade de poder efetuar um contrato de compra e venda no
conforto de casa. Serão necessariamente contratos eletrónicos, todos aqueles constituídos
através de meio eletrónico, porém Lorenzetti expecifica:

“(…) O contrato pode ser celebrado digitalmente, de forma total ou parcial.


No primeiro caso, as partes elaboram e enviam as suas declarações de
vontade (intercambio eletrónico de dados ou comunicação digital
interativa); no segundo, apenas um dos aspetos é digital: uma parte pode
formular sua declaração e a seguir utilizar o meio digital para enviá-la;
pode enviar um email e receber um documento por escrito”.56

Os contratos em análise possuem os mesmos direitos, reconhecimento e validade


jurídica que um contrato tradicional, apenas variam pela forma pela qual são redigidos,
os quais se constituem por meios eletrónicos.

III. No caso dos smart contracts, estes, são fundamentalmente um instrumento ou


documento no qual as partes vertem as suas declarações negociais, tal como mencionado
nos capítulos anteriores, sendo a principal diferença entre smart contracts e os contractos
tradicionais e mesmo entre contratos eletrónicos, é que os primeiros se executam de forma
automática, “de acordo com o(s) algoritmo(s) contido(s) no contrato(s)”. 57

Como visto anteriormente smart contracts preenchem os requisitos constitutivos


de um contrato eletrónico, pois é possível distinguir a proposta a aceitação, os elementos
essenciais do contrato e por fim a capacidade jurídica. Estando perante a autonomia
privada e liberdade contratual, smart contracts são vinculativos do ponto de vista legal.

Assim confirma, o criador de smart contracts:

“(…) um protocolo de transação computadorizado que executa os termos


de um contrato. Os objetivos gerais são os de satisfazer as condições
contratuais gerais (como são os termos do pagamento, as garantias, a
confidencialidade e, inclusivamente, a sua execução), minimizando
incumprimentos tanto intencionais como acidentais e minimizar a
necessidade de intermediários de confiança. Os ganhos económicos

56
Lorenzetti, Ricardo Luiz, tradução, Fabiano Menke, 2004: 286 e 287.
57
Delber Pinto Gomes, 2018: 48.

46
associados incluem a diminuição dos prejuízos por fraude, custos com
litigâncias e execução coerciva e outro tipo de custos relacionados com as
transações.”58

IV. No nosso ordenamento há que ter presente o Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de


janeiro, relativo ao comércio eletrónico no mercado interno e tratamento de dados
pessoais, resultante da transposição para o ordenamento português a Diretiva
2000/31/CE, de 8 de junho de 2000, expondo:

“é livre a celebração de contratos por via eletrónica, sem que a validade ou


eficácia destes seja prejudicada pela utilização deste meio”

V. Até agora o principal obstáculo à celebração de smart contracts concentra-se


nos impedimentos formais, como por exemplos contratos cuja validade a Lei faz depender
a sua celebração por escritura pública, de documento autêntico ou de documento
particular autenticado (por exemplo artigo 364.º e 413.º do Código Civil). A
inobservância da forma legal implica em regra a nulidade da declaração negocial (artigo
220.º do Código Civil).

Outra questão relevante é a de saber se o smart contract poderá ser considerado


um documento escrito, para cumprimento do requisito exigido por algumas formas
contratuais como por exemplo o contrato promessa de compra e venda, contrato de mútuo
em valor superior a € 2.500,00, e muitos outros.

Como apreciado anteriormente smart contracts encontra-se escrito em código,


pelo que à partida não seria considerado um documento escrito, no entanto as partes
necessitam de conhecer as cláusulas plasmadas no próprio contrato, nesse sentido o
próprio código no qual se encontra redigido o contrato, baseia-se num texto escrito em
linguagem natural, pelo que as partes submetem o texto escrito no front-end, sendo a
codificação feita por software no back-end, podendo assim, aplicar-se o artigo 26.º do
Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de janeiro:

1. As declarações emitidas por via eletrónica satisfazem a exigência legal de


forma escrita quando contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias
de fidedignidade, inteligibilidade e conservação.

58
Karine Gonçalves, 2020: 34.

47
2. O documento eletrónico vale como documento assinado quando satisfizer
os requisitos da legislação sobre assinatura eletrónica e certificação.

5. FORMAÇÃO DE SMART CONTRACTS NUMA PERSPETIVA


JURÍDICA

I. No presente capítulo será analisada a formação do contrato smart contract,


segundo uma perspetiva legal. É verdade que já anteriormente a formação de smart
contracts, fora tratada anteriormente neste trabalho, no entanto o foco dessa análise
centrou-se em aspetos informáticos.

É importante refletir sobre a formação de smart contract, uma vez que este
contrato detém características próprias incomuns.

II. No entanto a complexidade de formação do negócio jurídico, é já há muito


tempo analisada, como indica Menezes Cordeiro, o negócio jurídico pode implicar vários
níveis de complexidade altamente variáveis, o negócio jurídico pode constituir-se por um
simples sinal de assentimento ou, em oposição implicar um elenco complexo de
59
atividades preparatórias que resultem na sua formação.

Apesar da complexidade existente, as operações realizadas para a formação do


negócio jurídico têm como objetivo final o de chegar a acordo tendo em consideração as
vontades das partes.

III. O negócio jurídico é assim formado, segundo uma sequência de atos que
permitem alcançar o objetivo último que será o acordo de vontades. Como primeiro ato
teremos a declaração, elemento fundamental para qualquer formação de negócio. Como
explica Larenz:

“(…) uma declaração é, antes de mais, uma ação (humana) pressupondo,


nessa medida, uma atuação ou uma omissão controlável pela vontade”. 60

59
António Menezes Cordeiro, 1987: 101.
60
António Menezes Cordeiro, 1987:105.

48
O conceito de declaração apresentada por Larenz, é fundamental uma vez que a
lei portuguesa é omissa quanto a este tema. A declaração será a exteriorização da
comunicação de vontade da parte.

A relevância da declaração, não é, no entanto, esquecida pelo ordenamento


jurídico português, como por exemplo o artigo 247.º do Código Civil, que determina a
anulação de todos os negócios baseados em erro, isto é, a todos os negócios jurídicos
baseados em declarações que não correspondam à realidade serão anuladas.

Outros casos representativos da importância da declaração real da vontade,


encontram-se expressos nos artigos 257.º, n.º 1 e 244.º ambos do Código Civil.

Por outro lado, há que distinguir entre declaração proferida num negócio unilateral
de uma declaração proferida num contrato bilateral, no primeiro caso a “declaração
negocial preenche a totalidade do acto jurídico”61, no segundo caso existe um encontro
de vontades expressas através das declarações negocias, uma do comprador e outra do
vendedor.

Estas declarações feitas num contrato bilateral ou plurilateral em que as partes se


encontrem ausentes é necessário ter em conta os ensinamentos de Pedro Pais de
Vasconcelos, em que expõe a necessidade de existir dois momentos distintos compostos
por duas declarações de vontade, a proposta e a aceitação, assim para o presente autor a
proposta segue o presente processo:

“uma das partes, o proponente, formula uma oferta de contrato – completa,


firme e formalmente suficiente -, cuja conclusão seja suficiente a simples
aceitação pela pessoa a quem é feita. A proposta tem uma peculiar
natureza, que é a de constituir um projecto completo de contrato, (…),
mediante a sua simples aceitação pela pessoa a quem for dirigida, sem
necessidade de qualquer outra formalidade ou manifestação de vontade”.
62

61
Pedro Pais Vasconcelos, 1999: 205.
62
Idem : 217.

49
A inexistências destes momentos distintos é a principal característica de smart
contracts, isto porque a parte formula a sua proposta e a aceitação realizada pela
contraparte ocorre em simultâneo ao cumprimento.

No entanto a fase negocial, poderá ocorrer num período anterior à colocação do


contrato em código na plataforma em blockchain. Assim segundo o apresentado por Joana
Ribeiro de Faria:

“o contrato inteligente seria concebido como um mero instrumento de


execução de uma relação jurídica contratual previamente definida, e não
regularia ele próprio qualquer tipo de interesses”. 63

A verdade é que apesar de as partes num momento anterior formularem o acordo,


esse mesmo acordo não é na prática um contrato, pois as partes apenas definem os seus
interesses, a aceitação do que é definido neste acordo é realizado no momento em que a
contraparte o cumpre estando já o contrato inserido sob a forma de código matemático
numa plataforma blockchain.

O devedor aceita a proposta de contratar completa, firme e formalmente


suficiente, no momento em que cumpre a prestação vertida no contrato inserido em
plataformas blockchain. Segundo Pedro Pais de Vasconcelos a aceitação deve preencher
três requisitos: “a conformidade, a tempestividade e a suficiência formal”.64

IV. Estes três requisitos são automaticamente preenchidos aquando da utilização


de smart contracts, uma vez que o devedor cumpre a prestação, pelo que existe adesão
completa à proposta, a aceitação é imediata e sem dúvida que o devedor dá resposta
positiva à proposta realizada pelo credor, quanto ao requisito da tempestividade, o
devedor fica de imediato vinculado ao cumprimento da prestação assim que acede ao
contrato apresentado na plataforma blockchain, por último a aceitação é realizada através
de “uma conduta que mostre a intenção de aceitar a proposta”, previsto no artigo 234.º do
Código Civil, “a execução, nestas circunstâncias, constitui aceitação tácita da proposta”.65

63
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 737.
64
Pedro Pais Vasconcelos, 1999: 223.
65
Idem : 224.

50
Como forma de clarificar o que foi dito segui o presente exemplo apresentado por
Joana Ribeiro de Faria:

“(…) pontos de venda descentralizados em que os vendedores incluem na


conta autónoma descritiva dos produtos e indicam o respetivo preço.
Quando os compradores transferem a quantia, conclui-se o contrato
inteligente, que está programado para enviar o dinheiro para o vendedor se
e quando o comprador receber a encomenda”. 66

V. Será, assim possível determinar smart contract como um “verdadeiro”


contrato, questão que deverá ser analisada partindo do conceito de contrato apresentado
por Antunes Varela, conceito esse que determina a necessidade do acordo seja vinculativo
após declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), com o
objetivo de composição de uma declaração que transmita o interesse unitário.67

Em smart contracts, as partes chegam a acordo no momento anterior à publicação


do contrato em código em plataformas blockchain. Existe por isso um contrato na sua
essência, uma vez que reúne a declaração de vontade das partes contratantes. O que
poderá ocorrer será uma má transposição da declaração de vontades aquando da
elaboração do código, pois tal como já mencionado neste trabalho, poderá ser complexo
a transposição de conceitos indeterminados em código matemático, pelo que poderá
surgir incumprimento, se por exemplo, existir uma má transposição da declaração de
vontades em código matemático.

VI. No entanto é possível concluir que smart contracts, são contratos vinculativos,
apesar de se tratar de um contrato atípico é necessário ter em conta as suas características
próprias.

Esta conclusão é fundamental para se poder avançar com o tema principal do


presente trabalho.

Sendo smart contracts uma forma contratual apesar de complexa, válida, cabe
analisar a aplicação das diversas figuras da perturbação ao cumprimento em smart
contracts.

66
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 734.
67
João Varela, 2000: 212.

51
Uma vez que smart contracts detêm características, é necessários analisar figuras
clássicas do direito como o incumprimento definido, a mora, a impossibilidade, o
cumprimento defeituoso e por fim alterações das circunstâncias.

Contudo a análise das diversas perturbações é apenas possível pela extensa análise
feita a smart contracts e chegada à conclusão de que estes contratos são vinculativos, pelo
que é fundamental determinar quais as consequências a retirar pela perturbação de
cumprimento desta forma contratual.

6. PERTURBAÇÕES NO CUMPRIMENTO DE SMART CONTRACTS

6.1. Aspetos gerais sobre as perturbações no cumpriemnto

I. As perturbações no cumprimento integram, nas palavras de Menezes Cordeiro,


o direito do não-cumprimento, sendo a expressão “perturbações das prestações”, tradução
literal de Recht der Leistungsstörungen68.

Segundo o mesmo autor neste conceito não se inclui apenas o incumprimento


definitivo, a mora e o cumprimento defeituoso: tal conceito e abrangerá também a
impossibilidade e a alteração das circunstâncias.

II. A reforma das obrigações alemã de 2001/2002 adotou uma conceção ampla de
perturbações no cumprimento das prestações, sendo possivel elencar as seguintes
perturbações: i) incumprimento definitivo, ii) Mora iii) impossibilidade iv) cumprimento
defeituoso e v) alteração das circunstâncias.

6.2. O incumprimento definitivo em smart contracts


6.2.1. Caraterização geral do incumprimento definitivo

68
António Menezes Cordeiro, 2017: 226.

52
I. Os sistemas romano-germânicos na sua generalidade, determinam a
vinculariedade das partes envolventes num contrato segundo o pacta sun servanda, assim
o consagra o direito francês no seu artigo 1103.º Código Civil francês, que dispões o
seguinte:

“Os contratos legalmente formados velem como lei entre aqueles que os
celebram”. 69

II. O ordenamento jurídico português segue, ao contrário do direito Alemão a


vinculação das partes ao cumprimento do contrato onde o mesmo deve ser cumprido
“pontualmente”, artigo 406.º do Código Civil. No direito alemão o legislador conclui pela
evidente importância da vinculação ao contrato pelo que determinou não ser necessário
mencioná-lo expressamente.

Segundo Antunes Varela, “O cumprimento da obrigação é a realização voluntária


da prestação debitória”,70 indo de encontro com o disposto no artigo 762.º do Código
Civil:

“O devedor cumpre a obrigação, quando realiza a prestação a que está


vinculado”

O momento do cumprimento corresponde assim, ao fim da relação contratual, o


devedor cumpre com o seu dever de prestar a obrigação determinada no momento da
celebração contratual, no momento em que o vínculo entre as partes é criado.

III. Nos smart contracts, sendo contratos autoexecutáveis, o momento do


cumprimento do contrato corresponderá ao momento em que a contraparte devedora
aceita o contrato que corresponde por sua vez ao pagamento do que é devido.

Por outro lado, o devedor encontra-se adstrito de cumprir a prestação segundo a


regra da pontualidade segundo o artigo 406.º n.º 1 do Código Civil. A pontualidade como
menciona Antunes Varela na sua obra “Das Obrigações em Geral”:

“O advérbio pontualmente é aqui usado, não no sentido restrito de


cumprimento a tempo e horas, mas no sentido amplo de que o

69
Dário Moura Vicente, 2017: 257.
70
Antunes Varela, 1999: 7.

53
cumprimento deve coincidir, ponto por ponto, em toda a linha, com a
prestação a que o devedor se encontra adstrito.”71

O presente autor vai mais longe ao densificar o conceito de pontualidade


destacando:

1). O devedor não se pode desonerar da obrigação sem o consentimento do credor,


não podendo por isso liquidar a sua divida com entrega de coisa idêntica mesmo de valor
superior à coisa obrigada. Aplicando-se o artigo 837.º do Código Civil:

“A prestação de coisa diversa da que for devida, embora de valor superior,


só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento.”

2). Por outro lado, o devedor não goza do beneficium competentiae72, o devedor
não pode exigir a redução do valor a prestar, com fundamento na sua precariedade
económica. Diferenciando-se do direito Francês, que no seu artigo 1343-5.º do Código
Civil francês “permite ao juiz reduzir ou escalonar o pagamento de uma divida, tendo em
conta a situação económica do devedor”. 73

3). Por último a prestação debitória deve ser realizada integralmente e não por
partes. Artigo 763.º n.º 1 do Código Civil:

“A prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, exceto se


outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos.”

Tal como expressa Diogo Pereira Duarte, um contrato sob a figura de smart
contract é um contracto cuja execução é total ou parcialmente automatizada, neste tipo
contractual não é necessário a intervenção humana, podendo existir apenas um algoritmo
que controle todo o processo contratual verificando e executando instruções pré-
definidas.74

71
Idem: 14 e 15.
72
Ver nota de rodapé n.º 3 de Antunes Varela, 1999: 15.
73
Dário Moura Vicente, 2017: 267.
74
Duarte, Diogo Pereira Duarte, 2019: 173.

54
IV. Dada a característica da autoexecutividade, muitos autores defendem a
75
inevitabilidade do cumprimento dos smart contracts, tema a desenvolver de seguida,
aquando do tratamento do incumprimento definitivo dos smart contracts.

Como sabido no código civil português não existe um conceito de incumprimento


no entanto Ribeiro de Faria define incumprimento como a, “não realização da prestação
debitória (…) sem que tenha, todavia, intervindo qualquer forma extintiva da relação
obrigacional complexa”.76

Brandão Proença por outro lado apresenta a figura do incumprimento como uma
figura heterogénea, na qual prevalece a insatisfação do interesse do credor. 77

Há autores como Catarina Monteiro Pires que na sua obra, delimita


incumprimento definitivo sob uma perspetiva positiva e perspetiva negativa.

V. Na análise deste tema é possível extrair a delimitação positiva, na qual assenta


na ideia de que a prestação primária devida é possível, mas, e nas palavras de Catarina
Monteiro Pires:

“o devedor, violando o dever a que estava adstrito, falta definitivamente


ao prometido, não havendo de todo prestação ou sendo a prestação um
verdadeiro aluid em relação ao que era devido”. 78

A violação do dever é uma figura prostrada na versão velha do § 241 do BGB, o qual
dispunha:

“Por força da relação obrigacional, o credor tem o direito de exigir uma


prestação ao devedor. A prestação pode também consistir numa omissão”.

Apesar de o preceito em cima transcrito não ter sofrido alteração, passou a n.º 1
sendo aditado:

75
Kevin Werbach, Nicolas Cornell, 2017: 160.
76
Jorge Ribeiro De Faria, 2020: 337.
77
José Carlos Brandão Proença, 2019: 170 ss.
78
Pires, Catarina Monteiro Pires, 2019: 72.

55
“(2) A relação obrigacional pode obrigar, conforme o seu conteúdo,
qualquer parte com referência aos direitos, aos bens jurídicos e aos
interesses da outra”.79

Quanto à delimitação negativa, o incumprimento definitivo é confrontado com


outras figuras.80

Em primeiro lugar, o incumprimento definitivo pressupõe a possibilidade da


prestação, pelo que a prestação sendo possível não estamos perante uma situação de
impossibilidade da prestação.

Em segundo lugar, no incumprimento definitivo, o que se verifica é o não


“oferecimento da prestação devida ou há oferecimento de um aliud”81, e existindo
incumprimento definitivo não poderá existir cumprimento defeituoso.

Em terceiro lugar, no incumprimento definitivo, a falta da prestação devida surge


seja por perda do interesse do credor, seja por decurso do prazo admonitório previsto no
artigo 808.º do Código Civil.

Em quarto lugar, existindo violação do dever de prestar, o incumprimento


definitivo pressupõe uma conduta comissiva ou omissiva, imputável ao devedor.
Concluindo assim Catarina Monteiro Pires:

“pelo que, sendo o ato causador da falta ao prometido imputável ao credor,


imputável a um terceiro ou não imputável a qualquer uma das partes, não
haverá incumprimento definitivo”. 82

V. A este respeito a legislação alemã é mais rica e desenvolvida, tal como


verificado pelo § 280 BGB:

“(1) Quando o devedor viole um dever proveniente de uma relação


jurídica, pode o credor exigir a indemnização do dano daí resultante. Esta

79
António Menezes Cordeiro, 2017: 228), de notar que a totalidade da transcrição do §241 do
BGB, foi retirado da mesma fonte.
80
A listagem de figuras com as quais o incumprimento definitivo se contrapõe serão extraídas da
obra de Catarina Monteiro Pires, Catarina Monteiro Pires, 2019: 72 e 73.
81
Idem.
82
Idem.

56
regra não se aplica quando a violação do dever não seja imputável ao
devedor83.”

Nos smart contracts a execução é automática, o próprio software reconhece o


cumprimento do contrato aquando do pagamento por parte do devedor do montante
devido.

Raskin tal como anuncia Joana Ribeiro de Faria, defende a “execução de não
cumprimento preemptiva”. 84

Este autor tenta assim, aplicar aos smart contracts a exceção de não cumprimento,
figura essa retratada no nosso ordenamento jurídico, pelo artigo 428.º, n.º 1 do Código
Civil:

“Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o


cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de
recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não
oferecer o seu cumprimento simultâneo”.

VI. Esta posição é criticada por Joana Ribeiro de Faria, pois segundo a autora,
sendo smart contracts dependentes de softwares para a sua execução e estes não deterem
capacidade valorativa para decodificar todas as circunstâncias envolventes no processo
de cumprimento do próprio contrato, até porque se o software não detetar o cumprimento
do contrato, mesmo que o mesmo tenha sido cumprida, o contrato é reconhecido como
incumprido, não é possível, assim aplicar a exceção de não cumprimento.

Sendo estes contratos autoexecutáveis, o não pagamento do valor devido leva a


que o programa de software considere como existindo a não aceitação pela contraparte e
seu incumprimento, não dando azo a uma possível discussão debruçada na aplicabilidade
da exceção de não cumprimento.

Significa por isso que o incumprimento dos smart contracts, apenas surge pelo
não pagamento por parte do devedor?

83
António Menezes Cordeiro, 2017: 229.
84
Joana Faria De Ribeiro, 2020: 753.

57
Parece-me, no entanto, que a matéria do incumprimento dos smart contracts não
é tão simplória como aparenta ser.

VII. Apesar de os smart contracts, dependerem de agentes eletrónicos de


execução, não significa que não ocorram erros, estas plataformas não são infalíveis, tal
como exemplifica Joana Ribeiro de Faria:

“(…) se o oráculo 85
verifica erroneamente as taxas de câmbio por
referência às quais o preço contratual é definido, e o pagamento se
processa por um preço inferior ao correto, tem lugar a um não
cumprimento parcial”.86

Existe no caso apresentado incumprimento por parte do contraente infiel, que


segundo Oliveira de Ascensão:

“(…) cria uma situação de impossibilidade de fato, já que a falta do bem,


ou a incapacidade do ofertante de prestar os serviços, se não forem
imputáveis a quem colocou a máquina, não criam responsabilidade deste
perante uma não efetivação, porque ninguém espera capacidades
ilimitadas.”87

Na posição apresentada, a prestação é ainda possível de ser cumprida no sentido


em que o valor fora erroneamente facultado, pelo que o devedor permanece adstrito no
cumprimento da prestação em causa.

No caso comum o credor interpelaria o devedor apresentando assim, um prazo


razoável para que o devedor possa cumprir com a obrigação, prazo esse designado por
prazo admonitório.

No entendimento de Catarina Monteiro Pires o prazo admonitório não é, no


entanto, um “direito subjetivo”88, para cumprir a obrigação em dívida. Segundo a autora,

85
Os smart contracts, são contratos inseridos na tecnologia blockchain, pelo que é necessário
agentes externos à própria blockchain que extraia informações externas ao contrato inserido na blockchain.
86
Joana Faria De Ribeiro, 2020: 754 e 755.
87
José de Oliveira Ascensão, 2003: 65.
88
Catarina Monteiro Pires, 2019: 74.

58
o prazo admonitório tem como função “o equilíbrio entre o interesse do credor no
cumprimento do programa obrigacional, o princípio pacta sunt servanda”.89

A posição adotada pela autora é a de na falta de fixação contratual de um critério


distinto, o devedor deverá atuar com a diligência de um bom pai de família. Estando
obrigado a superar qualquer obstáculo dentro do limite estabelecido pela figura do bom
pai de família, independentemente de o impedimento observado lhe seja ou não
imputável.

VIII. Na posição apresentada, caso o smart contract não seja cumprido, a parte
infiel, continua obrigada a cumprir a prestação, independentemente da ação ou omissão
que levou ao incumprimento lhe seja ou não imputável.

No exemplo apresentado em que o smart contract não fora cumprido por erro do
oráculo, aplicando-se a posição adotada por Catarina Monteiro Pires, o devedor continua
adstrito no cumprimento da prestação, uma vez que a mesma é ainda possível. No entanto
sendo smart contracts autoexecutáveis, as partes serão obrigadas a formular um novo
contrato, pois smart contracts, tal como analisado em capítulos anteriores, são imutáveis,
as partes não poderão editar ou aditar novas informações ao próprio contrato. Não sendo
possível no mesmo contrato formular o cumprimento da prestação.

De facto, tendo em conta as características próprias de smart contracts a posição


apresentada por Oliveira de Ascensão, seria à primeira vista, aplicada a smart contracts,
uma vez que os mesmo estando inseridos em plataformas DLT, não serão as partes à
partida os programadores das plataformas, não estando no seu controlo o funcionamento
das mesmas.

Assim, como apresenta Joana Ribeiro de Faria, o devedor não será responsável
pelo incumprimento, quando o cumprimento deixa de estar na “sua efetiva
disponibilidade”, isto porque a responsabilidade assenta na figura da culpa.90

Aplicando-se o disposto do artigo 799.º do Código Civil.

“1. Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou


cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.

89
Idem.
90
Joana Ribeiro de Faria, 2020: 755.

59
2. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil”.

No exemplo apresentado é fácil a aplicação da posição defendida por Oliveira


Ascensão, pois os oráculos fogem do controlo das partes envolvidas no contrato
eletrónico.

IX. No entanto há exemplos mais complexos, como apresenta Sthéfano Bruno


Santos Divino,

“Existem diversas situações jurídicas e económicas que poderão


influenciar no cumprimento da obrigação que estão aquém da
possibilidade de prevê-las e elencá-las em um programa de computador.
No mais, o sistema de software representa uma limitação em razão de sua
natureza condicional. Após o adimplemento ou inadimplemento de um
determinado número de condições postas para selecionar a próxima ação,
poderá o correr erros e bugs, tornando seu cumprimento inviável.
Situações envolvas de uma ação omissiva de uma parte, como por exemplo
o sigilo profissional, seria extremamente trabalhoso, quiçá, impossível,
codificar essas possibilidades.”91

A posição apresentada pelo autor baseia-se principalmente na complexidade de


codificação de smart contracts de situações e posições jurídicas. No caso apresentado,
poder-se-á discutir se a prestação é ainda possível de se realizar e se o incumprimento
desta será ou não imputável diretamente ao devedor.

Segundo Antunes Varela:

“Há casos em que a prestação, não sendo efetuada, já não é realizável no


contexto da obrigação, porque se tornou impossível ou o credor perdeu o
direito à sua realização, ou porque, sendo ainda materialmente possível,
perdeu o seu interesse para o credor, se tornou praticamente inútil para
ele.”92

91
Sthéfano Bruno Santos Divino, 2018: 2796.
92
Antunes Varela, 2000: 63.

60
Quanto à matéria da impossibilidade, julgo ser necessário recorrer a um capítulo
próprio, pelo que de momento irei apenas dissecar o incumprimento definitivo por perda
de interesse por parte do credor.

Quanto à figura da perda de interesse por parte do credor, diz-nos Catarina


Monteiro Pires, que a perda do interesse por parte do credor é relevante, exceto nas
obrigações pecuniárias, pois segundo a autora o credor não deverá apresentar motivos que
revelem perda de interesse em receber a prestação devida. 93

X. É necessário assim analisar, por isso a base do próprio smart contract. De facto
por regra smart contracts tem por base uma obrigação pecuniária, apesar de a transição
monetária se referir a Bitcoins, ou outras moedas eletrónicas. A posição apresentada não
é aplicada em casos em que a prestação se vence por pagamento em coisas, como por
exemplo a entrega de uma pintura.

Diz-nos o artigo 808.º do Código Civil, que o credor pode, por perda de interesse
na prestação da obrigação por decurso do prazo admonitório, declarar incumprimento
definitivo.

XI. Em conclusão é possível aplicar a figura do incumprimento mesmo num


contrato com características tão próprias como smart contracts. No entanto o
incumprimento não será diretamente imputável nem ao credor nem ao devedor, uma vez
que tal como já verificado em smart contracts, a aceitação e cumprimento do contrato é
imediato, assim, caso o devedor não realize a prestação devida não existe contrato, pois
este não aceitou o mesmo. É possível, no entanto apresentar exemplos em que o
incumprimento é possível, contudo em todos eles o incumprimento se deveu por falhas
de terceiros, como por exemplo os oráculos e programadores responsáveis pela
codificação matemática do contrato.

Dada a importância da responsabilidade de terceiros, julgo ser fundamental tratar


esta matéria em capítulo autónomo.

93
Catarina Monteiro Pires, 2019: 73.

61
6.2.2. Meios de reação possíveis
6.2.2.1. Cumprimento natural impossível

I. Como primeiro passo a ter em conta, caso exista incumprimento definitivo, é o


pedido de cumprimento, designado como o princípio do cumprimento natural, artigos
817.º e ss e 827.º e ss. Assim, como explica Catarina Monteiro Pires:

“(…) o credor tem direito, em caso de não realização da prestação


debitória, a exigir judicialmente o cumprimento e a executar o património
do devedor (cf. artigo 817.º). Quer isto dizer que pode intentar uma ação
declarativa, tendo em vista a condenação do devedor no cumprimento e
uma ação executiva, tendo em vista a realização coativa do direito, caso o
incumprimento persista”. 94

II. Nos smart contracts, as partes não se encontram identificadas como se de um


contrato comum se tratasse, nestes contratos a identificação das partes encontra-se
encriptada, no entanto é possível obter a identificação das partes por meio judicial, o
credor poderá sempre intentar uma ação contra a parte infiel.

Com o desenvolvimento tecnológico a assinatura eletrónica encontra-se cada vez


mais usual e como tal, torna-se necessário os meios judiciais acompanharem a evolução
a que se assiste.

Assim, o credor terá de provar o seu direito como credor, artigo 342.º n.º 1 do
Código Civil, por outro lado cabe ao devedor provar que o impedimento de prestar, não
lhe é imputável. Caso o devedor consiga provar que, o incumprimento definitivo por
impedimento, não lhe é imputável, a figura do cumprimento natural é excluída.

6.2.2.2. Resolução e o problema da sua retroatividade

I. Uma outra reação perante o incumprimento definitivo, corresponde à resolução


do contrato que segundo Catarina Monteiro Pires:

94
Catarina Monteiro Pires, 2019: 77.

62
“(…) trata-se de uma consequência natural (embora optativa) da crise no
cumprimento, definitiva, que pressupõe uma opção de desvinculação das
prestações primárias, reativa, embora sem revestir uma natureza
globalmente sancionatória”.95

A figura exposta apresenta base legal nos artigos 801.º, n.º 2, 802.º e 432.º a 436.º
do Código Civil, no entanto a resolução não se restringe ao que se encontra regulado pelos
artigos mencionados, através da liberdade contratual as partes são livres de regularem no
contrato que celebrem cláusulas resolutivas.

Na sua essência Catarina Monteiro Pires desenvolve a ideia de que a resolução


corresponde a uma forma de extinção do contrato, sendo necessário determinar se se
encontram preenchidos os respetivos requisitos materiais. Ressalvando que em caso de
litígio será da responsabilidade do contraente fiel o ónus de alegar e provar o fundamento
ou os fundamentos resolutivos que o levou a requerer a resolução do contrato (artigos
801.º, n.º 2 e 802.º n.º 1 do Código Civil português) ”.96

Sendo os fundamentos os seguintes:

a) Incumprimento definitivo;
b) A gravidade do incumprimento.

II. No direito alemão é também possível a resolução unilateral se o devedor não


cumprir a prestação no prazo devido. Na Holanda a resolução é possível salvo se:

“(…) se o incumprimento, pela sua natureza especifica ou pelo seu caracter


trivial, não justificar a resolução; mas se o incumprimento não for
temporário ou permanente impossível o direito à resolução só existe a
partir da constituição de devedor em mora (a qual pressupõe, nas
obrigações sem prazo certo, a fixação de um prazo razoável para o
cumprimento) ”. 97

III. A necessidade de apreciação da importância da prestação incumprida foi


desenvolvida pelo direito inglês, pelo que no ordenamento jurídico em análise, em

95
Idem: 88.
96
Idem: 89.
97
Dário Moura Vicente, 2017: 319.

63
matéria de resolução cabe determinar se a cláusula incumprida é condition, isto é, uma
cláusula essencial, dando poder à parte lesada, de resolver o contrato “sem necessidade
de conceder ao devedor qualquer prazo adicional para o efeito”98.

IV. Poderá questionar-se se a resolução é aplicada aos smart contracts, o que


parece ser uma questão pertinente que carece de ponderação. Os smart contracts são
contratos imutáveis registados em plataformas blockchain, cuja aceitação da contraparte
ocorre ao mesmo tempo que a obrigação é cumprida pela parte devedora. Um dos efeitos
da resolução é o efeito liberatório que dele resulta a extinção das vinculações futuras das
partes, por outro lado e nas palavras de Menezes Cordeiro, a resolução:

“(a) dispõe de um regime geral (432.º a 436.º) e diversas concretizações


esparsas; (b) é unilateral; (c) apresenta-se retroativa; (d) exige uma permissão
específica, legal ou contratual; (e) requer, dentro dessa premissa, uma
justificação: é vinculada”. 99

V. Notando que a figura apresentada corresponde à resolução como figura geral,


não existindo até ao momento uma figura de resolução por incumprimento, sendo esta a
que nos interessa. Segundo a exposição de Menezes Cordeiro100, irá aplicar-se a resolução
através da impossibilidade aplicando-se assim o artigo 808.º n.º 1 do Código Civil, neste
caso a perda de interesse por parte do credor por consequência da mora ou o não
cumprimento da prestação no prazo razoável fixado pelo credor. No entanto a
jurisprudência e a doutrina portuguesa admitem a aplicação da figura da resolução
aquando do incumprimento definitivo da prestação. Menezes Cordeiro vai mais longe na
densificação desta figura apresentando para tal a necessidade de preenchimento de
pressupostos tais como:

“(1) o tipo de contrato em causa; (2) o âmbito da violação; (3) a eventual


necessidade de culpa”. 101

Não irei aprofundar a análise dos pressupostos transcritos pelo que apelo à leitura
da obra da qual é retirado o excerto, no entanto irei apenas realizar um apanhado da

98
Idem: 320.
99
António Menezes Cordeiro, 2020: 450.
100
Idem.
101
António Menezes Cordeiro, 2020: 450.

64
informação que julgo ser necessária. A primeira elação possível de apresentar é a não
obrigatoriedade de bilateralidade, a resolução por incumprimento é possível
relativamente a contratos unilaterais. Quanto ao âmbito da violação, cabe distinguir se a
mesma deriva de inexecução ou má execução da prestação principal, inexecução de
prestações secundárias ou execução defeituosa e por fim a violação de deveres acessórios.
Quanto à culpa, a mesma é dispensável, desde logo a, (…) não-exigência de culpa resulta
do art. 793.º, que permite a resolução em face de impossibilidade parcial não-imputável
ao devedor (…)”. 102

VI. Tendo em conta o exposto, penso poder-se concluir a não aplicação da


resolução a contratos smart contracts, pois não é possível, por um lado, aplicar-se a
retroatividade e por outro não é possível unilateralmente editar o próprio contrato.

V. No entanto a presente conclusão é possível por análise da resolução no sistema


jurídico português que atribui como efeito essencial à resolução a eficácia retroativa da
mesma, contudo existem sistemas jurídicos como o alemão e inglês cuja figura da
resolução prevê efeitos apenas para o futuro “ainda que impondo às partes a obrigação de
restituir as prestações recebidas em execução do contrato”103.

4.2.2.3. Indemnização como principal meio de defesa

I. Em caso de incumprimento definitivo, a parte fiel detém o direito a ser


indemnizado, o devedor deverá assim, ser responsabilizado pelos danos causados, nos
termos do artigo 798.º do Código Civil. Comparativamente temos o § 280 (1) do BGB,
que estabelece:

“(…) se o devedor violar um dever emergente de uma relação obrigacional,


pode o credor exigir a indemnização do dano aí resultante”. 104

De notar que o preceito exposto não é aplicado quando a violação do contrato não
seja imputável ao devedor, completando-se o exposto com a aplicação do § 281 (1) do

102
Idem: 460
103
Dário Moura Vicente, 2017: 324.
104
Idem: 283.

65
BGB, que faculta o direito de o credor reclamar “uma indemnização em lugar da
prestação”105.

II. No ordenamento português o devedor deve reparar os danos causados e


reconstituir a situação que existiria se não tivesse incumprido a prestação, por aplicação
do artigo 562.º do Código Civil. Esta reparação pode ser realizada através de pagamento
de uma indemnização, indemnização essa que poderá refletir-se sobre danos morais ou
materiais e abarcando não só os danos emergentes como também os lucros cessantes. De
ressalvar que a indemnização aqui identificada não se baseia “nos ganhos obtidos pelo
devedor inadimplente (por exemplo, através da celebração de um contrato mais lucrativo
com um concorrente do credor) ”.106

No entanto a responsabilidade civil contratual faz depender a sua aplicação o


preenchimento de vários requisitos, i) facto ilícito, ii) culpa iii) a existência de um dano
v) nexo de causalidade.

O facto ilícito tal como identifica Catarina Monteiro Pires, irá corresponder à
inexecução da prestação, sendo uma violação do tão importante dever de prestar. 107

Tal como menciona a presente autora, a determinação da ilicitude poderá depender


da interpretação da prestação (ver artigo 398.º do Código Civil), esta interpretação poderá
ser feita segundo um modelo objetivista com o qual:

“ (…) revela o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente
diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas
as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário”.108

Segundo Evaristo Mendes a razão de ser da aplicação do moledo objetivista,


deriva de:

105
Idem.
106
Idem: 285.
107
Catarina Monteiro Pires, 2019: 87.
108
Carlos Mota Pinto, 2012: 444.

66
“ (…) boa ordenação do tráfego jurídico-negocial – com a implicada tutela
da confiança dos destinatários das declarações negociais e da segurança
jurídica, com como a desejável redução dos custos de transação”. 109

No entanto António Menezes Cordeiro refuta alegando que é necessário ir mais


longe do que o critério objetivista é por isso importante ter em conta a própria letra do
negocio, ora para o presente autor cabe analisar todo o meio envolvente que resultou da
negociação e celebração do negócio. 110

Também Oliveira Ascensão, menciona a necessidade de

“(…) perscrutar a vontade real, pois o resultado da interpretação pode


basear-se na prevalência da vontade real como juridicamente relevante”.111

Assim, os presentes autores sublinham a necessidade de uma análise circundada a


toda a atividade e diálogo existente entre as partes momentos antes da redação das
declarações negociais.

Acrescentando que se deve ter em conta o comportamento das partes na execução


do negócio112. Surgindo por consequente a posição de uma corrente subjetivista de
interpretação das declarações negociais contrapondo a corrente objetivista prevista no
artigo 236.º do Código Civil.

II. Em smart contracts, como sabido o próprio contrato é redigido em código e


inserido em plataformas blockchain, no entanto não deixa de existir um contrato que verta
a vontade das partes neste sentido Diogo Pereira Duarte diferencia assim entre smart
contract e smart contract legal, os primeiros correspondem à figura informática sem
conteúdo legal, sendo contruído apenas em linguagem informática, os segundos
correspondem a contratos com vínculo legal sendo apreciada nestes contratos o encontro
de vontades.113

109
Evaristo Mendes, 2012: 1.
110
António Menezes Cordeiro, 2021: 718.
111
José de Oliveira Ascensão, 2010: 149.
112
Idem.
113
Diogo Pereira Duarte, 2019: 195.

67
Segundo esta distinção é nos smart contract legal que se poderá encontrar o
encontro de vontades das partes podendo existir um acordo escrito em linguagem natural
ou hibrido em que se combina linguagem natural com a linguagem informática. No
entanto a interpretação de declarações contratuais pode ser um desafio no que trata a
natureza dos smart contracts, smart contracts aqui mencionado como figura geral de
identificação desta nova forma contratual.

Desde logo se o contrato for construído através de uma situação híbrida haverá
dificuldades na interpretação da linguagem informática, por outro lado neste tipo
contratual não existe uma relação pré-existente entre as partes, as mesmas poderão
realizar a fase negocial do contrato por meios eletrónicos através de plataformas próprias
para o efeito. Não existe por isso um ambiente negocial a ser estudado e auxiliar da
interpretação das declarações negociais.

III. Pode ser discutido se a ilicitude poder ser presumida, como argumento
apresentando o artigo 799.º do Código Civil, destinado à presunção de culpa do devedor
pelo incumprimento da prestação.

Esta posição ainda se encontra em discussão na doutrina portuguesa, uma vez que
é necessário distinguir a ilicitude da culpa. A ilicitude traduz-se no incumprimento dos
termos acordados a culpa implica um juízo ético praticado pelo individuo. Inocêncio
Galvão Telles distingue a ilicitude e culpa alegando:

“(…) a inexecução da obrigação, em si mesma, é em princípio um ato


ilícito porque se traduz, objetivamente, na violação ou ofensa do direito do
credor (…) não se confundiria como o nexo de imputação ético-jurídica
em que se traduz a culpa”.114

No entanto António Menezes Cordeiro, apresentou recentemente uma posição


defendendo a presunção não só da culpa como também da ilicitude como presunção de
faute115.

Segundo o autor o sistema português terá adotado um sistema dualista de


presunção de culpa e ilicitude na responsabilidade aquiliana, no entanto manteve um

114
Inocêncio Galvão Telles, 2010: 333.
115
António Menezes Cordeiro, 2016: 446 ss.

68
sistema monista de considerar apenas a ilicitude da culpa na responsabilidade
obrigacional.

A jurisprudência portuguesa é unanime quanto à aplicação apenas da figura da


culpa presumida não incluindo assim a ilicitude, como se extrai, por exemplo do acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de julho de 2010, no qual se extrai:

“I- A lei só presume a culpa do devedor depois de demonstrado o não


cumprimento da prestação a que estava vinculado, competindo-lhe, então,
o ónus da prova que esse incumprimento objetivo não derivou de culpa sua
(…)”. 116

A ilicitude traduz-se segundo Antunes Varela numa reprovação da conduta do


agente num “plano geral e abstrato em que a lei se coloca”.117

Num outro sentido expressa Manuel Carneiro da Fraga a presunção de ilicitude:

“(…) para além da censurabilidade da conduta do devedor, ela estende-se


também à existência de um comportamento faltoso do devedor ou dos seus
auxiliares e à causalidade entre esse mesmo comportamento e a falta de
cumprimento ou o cumprimento defeituoso verificado (…) provada a falta
ou a deficiência da prestação realizada, presume a lei também que elas
repousam numa conduta ilícita do devedor (uma presunção de ilicitude!),
desonerando o credor da respetiva prova”. 118

IV. Este enunciado é de complexa análise aquando do tratamento de smart


contracts, pois tal como apresentado em capítulo anterior a parte infiel poderá incumprir
o contrato ao incumprir com o seu dever de sigilo profissional, no entanto é de alta
dificuldade provar tal facto, por parte do credor, pois intuitivamente num smart contract
não existirá qualquer contacto entre as partes o contrato será assim, celebrado apenas com
recurso a meios informáticos.

V. Para além dos requisitos da culpa que como se viu é presumida, e da ilicitude,
é necessário a existência de um dano indemnizável.

116
Ac. S.T.J., de 13/07/2010, processo n.º 5492/04.6TVLSB.L1.S1, relator Hélder Roque
117
Antunes Varela, 2000: 543.
118
Manuel Carneiro da Frada, 1994: 191 e 192.

69
O dano terá, no entanto, de derivar de um facto gerador do mesmo, tratando-se
assim, do nexo de causalidade o dano existente será originário de uma ação ou omissão
por parte do promitente infiel. O nexo de causalidade encontra-se previsto no artigo 563.º
do Código Civil, no qual a maioria da doutrina aplica a teoria da causalidade adequada,
caracterizada por Antunes Varela como sendo uma teoria:

“(…) para impor a alguém a obrigação de reparar o dano sofrido por


outrem não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso
concreto, condição (s.q.n.) do dano; é necessário ainda que, em abstrato ou
em geral, o facto seja uma causa adequada do dano”. 119

Um primeiro meio compensatório pela existência de dano consta do artigo 562.º


do Código Civil, no qual estabelece a obrigação de reconstituir a situação que existiria,
se não se tivesse verificado o dano. Nos smart contracts não é possível, no entanto repor
a situação anterior, pois não é possível modificar ou eliminar o próprio contrato, tal como
mencionado nos capítulos introdutórios ao tema de smart contracts, os mesmos são
equiparados a máquinas de venda automática em que o devedor coloca uma moeda e
obtém de imediato o bem adquirido, ora nos contratos em análise, a moeda eletrónica é
logo disponibilizada, caso haja incumprimento este processo não poderá ser resposto ao
seu ponto inicial, o devedor não poderá restituir o bem adquirido.

VI. No entanto a restituição da situação que existiria se não se tivesse verificado


o facto que resultou em dano, não é o único mecanismo compensatório pelo dano é
possível o pagamento de indemnização em dinheiro (ver artigo 566.º do Código Civil),
tratando-se de smart contracts, o Tribunal pode identificar as partes e obrigar o sujeito
infiel a realizar o pagamento do valor a indemnizar, pois tal como mencionado
anteriormente apesar de a identificação das partes se encontrar encriptada, é sempre
possível realizar a sua identificação através de ferramentas informáticas.

6.3. Inaplicabilidade de mora em smart contracts


6.3.1. Mora do devedor

119
Antunes Varela, 2000: 889.

70
I. A mora trata-se de uma figura de contornos específicos, sendo retratada pelo
ordenamento jurídico português e brasileiro como um atraso no cumprimento de uma
prestação, atraso esse imputável ao devedor.

II. Assim como refere Catarina Monteiro Pires:

“Na doutrina portuguesa, estas características são geralmente aceites,


sendo frequente referir a mora do devedor como uma situação em que
existe um atraso ou retardamento na prestação, isto é, que a prestação é
ainda possível, mas não foi feita a tempo, em que o devedor “ (…) por
causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido,
continuando a prestação a ser ainda possível”. 120

Segundo a presente autora é possível por análise legislativa e tendo em conta os


artigos 804.º e seguintes do Código Civil, determinar a existência de três requisitos para
a determinação de mora por parte do devedor, sendo eles os seguintes: i) a possibilidade
da prestação, ii) o retardamento ou atraso no cumprimento de uma prestação certa,
vencida e exigível, iii) a liquidez do crédito e por fim iv) a imputação ao devedor121.

Pegando no exemplo apresentado no capítulo referente ao incumprimento


definitivo, em que a parte infiel incumpre por erro do oráculo, pois realizou erroneamente
os valores de câmbio, podia-se questionar a mora por parte do devedor, a prestação é
ainda possível e o seu cumprimento fora retardado, no entanto frustra-se o requisito da
imputabilidade do atraso do cumprimento devido ao devedor, uma vez que o mesmo não
cumpriu por erro de auxiliares.

III. No caso apresentado e agora revisto, não se poderá aplicar a figura da mora
do devedor, mas sim da impossibilidade temporária não imputável ao devedor (ver artigo
792.º do Código Civil).

V. Nos smart contracts, a celebração do contrato ocorre no momento em que a


contraparte aceita o contrato, aquando do pagamento do valor. Na prática isto traduz-se
num ato único o credor insere em plataformas blockchain o contrato redigido em código
e o devedor por sua vez paga o valor acordado. A plataforma blockchain apenas

120
Catarina Monteiro Pires, 2019: 133.
121
Idem: 135.

71
disponibiliza o bem em transação assim que o pagamento se encontre efetuado, daí a
equiparação a uma máquina de venda automática.

À partida numa análise superficial de smart contracts, concluir-se-ia que aos


mesmos não se aplicaria a figura da mora.

VI. No entanto o tema é mais complexo, na medida, em que os próprios smart


contracts poderão ter por base tanto contratos típicos como contratos atípicos, com mais
ou menos cláusulas negociais.

Para exemplificar a possibilidade de existência de mora por parte do devedor irei


apoiar-me num exemplo prático em que o uso de smart contracts e de tecnologias
blockchaisn é cada vez mais notório, como é o caso do ramo das seguradoras.

A insurwave 122, inovou na forma como apresenta o seu produto, apresentando um


contrato de seguro em que o risco é atualizado em tempo real, através da utilização de
smart contracts e blockchain, que permite a localização do bem segurado, assim
insurwave é na sua essência:

“(…) a software platform that connects insure buyers, brokers and


re/insures and suports the placement, administration and servicing of
specialty insurance contracts. Our aim is to streamline the insurance-
buying process, increasing transparency and efficiency for all involves, as
well as substantially reducing admin costs”. 123

Na prática a seguradora que tenha realizado um contrato de seguro com um barco


petroleiro, por exemplo, poderá sempre atualizar a informação relativamente à sua
localização e calcular as zonas de risco que por sua vez irá atualizar o valor do prémio.

No caso apresentado poderá ocorrer, por exemplo problemas de sinal de GPS que
impeçam a localização exata da embarcação, no entanto o problema levantado não seria
imputável ao devedor, uma vez que as torres de transmissão do sinal GPS não são
controladas pelo devedor.

122
Sobre este assunto, site: https://insurwave.com/.
123
Idem.

72
VII. A verdade é que nos contratos smart contracts é altamente improvável
aplicar-se a figura da mora do devedor, por não ser possível imputar o atraso do
cumprimento ao devedor.

Isto porque caso não seja possível transmitir o sinal GPS a verdade é que a
prestação devida pelo próprio devedor não é auto executada no momento, pois em smart
contract a contraprestação ocorre assim que a prestação é realizada, se a prestação do
devedor não é cumprida o contrato não se concretiza. Pelo que não seria mora uma vez
que o próprio contrato não seria celebrado tendo em conta que em smart contracts, a
aceitação do contrato é feita no momento em que a contraparte cumpre a obrigação.

Poder-se-á aqui aludir o direito em sistemas de Common Law que utilizam em


casos de mora o conceito de violação do contrato, esta ocorre “quando uma parte deixa
de cumprir ou se recusa a cumprir sem justificação o que deve ao abrigo do contrato,
124
quando o cumpre defeituosamente ou se incapacita para cumpri-lo”.

Tratando-se a mora de um não cumprimento no prazo devido, será possível


argumentar que se trata de uma violação ao contrato, pelo que segundo a posição
defendida por sistemas de Comman Law, o contrato será incumprido sendo necessário a
utilização de meios de reação próprios do incumprimento definitivo.

VIII. Em suma e após esta breve exposição de direito comparado, a mora não será
aplicada em smart contracts em ordenamentos jurídicos como o português ou o brasileiro,
uma vez que dependem da imputação do atraso de incumprimento a atos ou omissões de
uma das partes, contudo será aplicada a mora em sistemas regidos segundo sistemas de
Comman Law, em que a mora será observada sob um princípio objetivista, pelo que
existindo atraso no cumprimento da prestação será considerado como incumprimento.

6.3.2. Mora do credor

I. A mora do credor encontra-se prevista no artigo 813.º do Código Civil, expondo


os requisitos de mora do credor “o credor incorre em mora quando, sem motivo
justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os

124
Dário Moura Vicente, 2017: 275.

73
atos necessários ao cumprimento da obrigação”. Quanto à mora do credor diz-nos Larenz
que a figura da mora surge quando por conduta do credor a prestação é executada ou não
é concretizada no tempo devido e acordado pelas partes contratantes. 125

II. Como forma de esquematização Catarina Monteiro Pires expõe a figura da


mora do credor diferenciando o requisito negativo do requisito positivo sendo este último
composto por duas posições assim representadas:

“_de um requisito negativo, traduzido na falta de verificação de


impossibilidade definitiva e

_ de dois requisitos positivos, a saber: (i) a não aceitação, pelo credor, da


prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou a omissão pelo credor
dos atos necessários ao cumprimento da obrigação e (ii) a falta de um
motivo justificado para a conduta do credor”. 126

III. De realçar a necessidade de correlacionar a figura da mora do credor com a


impossibilidade definitiva, uma vez que estando perante o requisito negativo a prestação
é ainda possível, sendo a principal destrinça entre mora e impossibilidade o facto de a
prestação ser possível de recuperar.

Uma vez apreciado o requisito negativo previsto no artigo 813.º do Código Civil,
cabe apreciar o primeiro requisito positivo previsto no articulado apresentado. É exigida
como condição de mora a não aceitação por parte do credor da prestação devida pelo
devedor, sendo este ato de não aceitação um ato traduzido numa ação clara de rejeição ou
por outro lado uma omissão em que o credor não pratica determinados comportamentos
necessários à aceitação da prestação devida. No entanto é necessário fazer uma ressalva
importante a mesma prevista no § 297 BGB, que é a determinação de que a não aceitação
por parte do credor é ou não justificada, por outras palavras, o credor não incorre em mora
sempre que “o devedor não oferecer a prestação conforme devida”127.

IV. Quanto à possibilidade de o credor incorrer em mora por omissão de


comportamento necessários para cumprimento da prestação é determinante a

125
Karl Larenz, 1979: 389.
126
Catarina Monteiro Pires, 2019: 160.
127
Idem: 192.

74
interpretação do próprio contrato para descortinio de quais os comportamentos essenciais
ao cumprimento da prestação.

Para tal, e apoiando a exposição com a apresentação do acórdão do Supremo


Tribunal de Justiça de 14 de janeiro de 2014 que decidiu o seguinte:

“(…) para haver mora do credor _ art. 813.º do Código Civil _ não basta
qualquer recusa de colaboração deste, quando exigível, para que o devedor
execute proficientemente a sua prestação, sendo antes de exigir que essa
recusa se relacione com atos de cooperação da prestação pelo devedor; não
estando provado, in casu, que a desmontagem do vínculo era essencial à
realização da vistoria pelo perito da Ré, como esta alegara, não houve
injustificada, e, como tal, não existiu mora credenti”.128

V. Em smart contracts, o próprio contrato é apenas celebrado quando o credor


insere em plataformas blockchain e o devedor aceita o contrato inserido. Existindo pouca
interação humana, pelo que, assim que o devedor efetue o ato que leva à celebração do
contato o mesmo é automaticamente executado, não existindo lugar para apreciar a
possível recusa da prestação oferecida. Não sendo por isso necessário apreciar a aplicação
do artigo 813.º do Código Civil.

VI. Num contrato típico seria necessário apreciar a mora do credor quando este se
recusa a aceitar a prestação devida por parte do devedor, e se essa recusa se deverá
assentar num motivo justificado. Tal como apresenta Catarina Monteiro Pires, “ (…) o
motivo justificado se prende com razões relativas ao credor ou com circunstâncias
atinentes ao oferecimento (irregular) da prestação”. 129

A doutrina portuguesa quanto à presente matéria aprecia a mora do credor como


independente de culpa opondo-se, assim, à posição defendida quanto à mora do devedor.

Criando assim, a ideia de unificação do tratamento da figura, determinando que a


mesma se aplicaria em situações em que o credor recusasse a prestação sem justificação
aparente e situações de recusa aquando de prestação irregular. No entanto esta posição
unitária foi criticada por Baptista Machado, uma vez que o presente autor defende:

128
Ac. S.T.J. de 14/01/2014, processo n.º 511/11.TBPVL.G1.S1, Relator Fonseca Ramos.
129
Catarina Monteiro Pires, 2019: 165.

75
“(…) merece um tratamento distinto o caso em que o credor se abstém de
receber a coisa e de providenciar o destino dela e aquele em que o mesmo
credor, por contingência imprevisível e súbita, está momentaneamente ou
transitoriamente impedido de a receber e de tomar providências” 130.

A posição do autor depende por isso de uma graduação de atos praticados pelo
próprio credor, em casos em que este, recusa a prestação por motivos não justificados. A
explicação da posição defendida por Baptista Machado, tem por base a necessidade de
distribuição do risco, em que o devedor deve suportar o risco quando por culpa leve,
resulte no cumprimento irregular da prestação.

VII. Em princípio um contrato celebrado segundo o desígnio de smart contract, a


prestação devida pelo credor, não será nunca considerada irregular, pois as próprias
ferramentas elencadas numa plataforma blockchain apenas permite celebrar o contrato se
a prestação fora corretamente cumprida.

VIII. A conclusão possível a retirar, será de que num contrato smart contract a
mora é uma figura de difícil aplicação através do regime hoje conhecido, uma vez que
todo plano aplicativo da mora depende de atos praticados pelo credor, no entanto smart
contracts, tal como já mencionada afasta a atuação humana.

Contudo é possível apresentar ações que dependem de atos das partes, como por
exemplo autorizar a movimentação de criptomoedas. Neste sentido seria possível apreciar
a mora do credor se o mesmo não atua de forma a garantir o cumprimento da prestação
no prazo devido. Quanto à presente posição aprecia Menezes Cordeiro:

“O credor está, assim, obrigado a cooperar no cumprimento; se não o fizer,


atua ilicitamente. Quando, sem ilicitude, por parte do credor, mas por causa
que lhe seja relativa, a obrigação não possa ser cumprida, o credo tenderá,
normalmente, a suportar também, os efeitos dessa situação, por força das
regras gerais do risco nas obrigações, o qual corre contra ele.
Dogmaticamente, no entanto, é diferente. Nesse caso, alias, o credor nunca
responderia por danos exteriores à própria obrigação.”131

130
João Baptista Machado, 1991: 317 e ss.
131
António Menezes Cordeiro, 1999: 132.

76
A posição apresentada pelo autor, reflete a ideia principal de mora, indicando que
o devedor deverá recorrer a todos os atos necessários para cumprimento da prestação.

IX. Contudo, tratando-se de smart contracts, um contrato autoexecutável,


existindo qualquer atraso de cumprimento, mesmo que imputável ao credor, não é
possível aplicar a figura da mora do credor, uma vez que não é possível provocar o efeito
suspensivo, característico da perturbação ao cumprimento a ser tratada. Em suma, a figura
da mora em geral, englobando a mora do devedor e do credor não será aplicada a smart
contracts.

6.3.2.1. Meios de reação à mora

I. A mora do credor não extingue o dever de prestar por parte do devedor. No


entanto em smart contracts não me parece que seja possível apreciar a mora do credor,
uma vez que estes são contratos autoexecutáveis, quer isto dizer, que a mora criada pelo
credor, resultará de um não cumprimento não apenas de um atraso no cumprimento. Nos
casos descritos em que o credor não pratica ações que permitem o cumprimento da
prestação, estaremos perante impossibilidade superveniente, uma vez que o contrato não
se suspende.

Pelo que em caso de ausência de atos praticados pelo credor, não existirá mora do
credor, existirá sim impossibilidade sendo, por isso aplicados os meios de reação
previstos na impossibilidade superveniente, a seguir estudada.

6.4. Impossibilidade superveniente definitiva em smart contracts


6.4.1. Antecedentes

I. No presente subcapítulo a impossibilidade superveniente absoluta, as


conclusões serão semelhantes, reiterando o facto de esta figura assim como no
incumprimento definitivo, serem aplicadas quando o ato que levou ao incumprimento ou
à impossibilidade não seja imputável às partes contratantes. No presente subcapítulo
também será apreciado os meios de reação possíveis.

77
II. A figura da impossibilidade superveniente definitiva encontra-se prevista nos
artigos 790.º e seguintes do Código Civil. Como nota introdutória cabe distinguir a
impossibilidade originária da prestação da impossibilidade superveniente, na primeira a
impossibilidade “impede a obrigação de nascer”132 surgindo a segunda por causa
imputável ao devedor, “dá lugar a que a obrigação se perpetue”133, o que na sua
consequência levantará meios de defesa por parte do contratante fiel, tema que irá ser
abordado adiante.

III. Cabe no presente capítulo desenvolver a figura da impossibilidade


superveniente definitiva, pois a impossibilidade originária, origina a nulidade da
obrigação, não levantando questões de maior complexidade. Por outro lado, a
impossibilidade superveniente levanta várias questões sendo importante aprofundar o seu
estudo.

Como mencionado a figura em análise reporta-se à impossibilidade da prestação,


cabe, no entanto, determinar o conceito de prestação, ora o artigo 762.º n.º 1 do Código
Civil não apresenta qualquer tentativa de concretização do conceito de prestação.

Segundo Baptista Machado:

“(…) não se deve falar de impossibilidade da prestação, já tem sentido


falar de impossibilidade de efetivação do resultado da prestação (ou
impossibilidade de cumprimento), quando a prestação deva ser entendida
como um resultado a proporcionar ao credor.”134

Cabe assim, segundo o autor apresentado, determinar a utilidade da prestação.


Segundo Baptista Machado os critérios de determinação baseiam-se no “prazo objectivo
e absolutamente fixo se torna impossível uma vez transcorrido esse prazo”135.

Segundo o presente autor o interesse do credor é fundamental para determinar se


a prestação é ou não possível, aludindo assim o n.º 2 do artigo 792.º do Código Civil,

132
Adriano Pães Da Silva Vaz Serra, 1955: 6.
133
Idem.
134
João Baptista Machado, 1991: 270.
135
Idem: 271.

78
apresentando assim, a figura da impossibilidade temporária que será desenvolvida num
capítulo subsequente.

Já Vaz Serra questiona a existência da figura da impossibilidade superveniente


tendo em conta a dificuldade extrema na realização da prestação assim:

“Pode suceder que a prestação, originariamente possível, venha mais tarde


a tornar-se extremamente difícil, em consequência de eventos
extraordinários, a ponto de só poder fazer-se com sacrifícios
absolutamente desproporcionados ou com graves riscos ou com violação
de deveres de maior importância.” 136

IV. No entanto será segundo o ponto de vista apresentado uma verdadeira


impossibilidade?

Para responder à questão Vaz Serra propõe a necessidade legislativa de


fundamentar a impossibilidade através do interesse do credor propondo para tal a extinção
da obrigação quando desaparece o interesse do credor que a justificava. Ora a perda de
interesse é determinado segundo o autor, quando o fim da obrigação não possa ser
alcançada ou “quando é obtido por meio não conexo com a obrigação e o credor não tem
o direito de indemnizar”. 137

V. No entanto, tal proposta não vingou na versão final do Código Civil. Pelo que
é necessário aprofundar o estudo relativo ao conceito de prestação enquanto resultado.

VI. Catarina Monteiro Pires apresenta a distinção entre “perda do substrato da


prestação” e de “frustração do fim”138, para facilitar na aprendizagem e destrinça entre
prestações de fim e resultado. Assim para a autora “perda do substrato”, pode-se
concretizar, na ideia que “(…) além da perda do resultado, há também perda da
possibilidade de realizar a prestação enquanto mera atividade (…)”139

136
Adriano Pães Da Silva Vaz Serra, 1955: 9.
137
Idem: 135.
138
Catarina Monteiro Pires, 2019: 16.
139
Idem.

79
Podendo-se extrair a conclusão de que a impossibilidade nasce quando o
resultado é frustrado e o mesmo seja “elemento, estrutural e/ou funcional da prestação”140,
regressando a este ponto, a necessidade de interpretação do próprio contrato que, como
visto anteriormente pode causar dificuldade quando o contrato tem por base um contracto
smart contract escrito em código matemático, no entanto, repetindo o que fora
mencionado anteriormente pode suceder que haja uma situação mista em que o contrato
fora primeiramente redigido em linguagem natural e que as partes detiveram acesso a essa
mesma versão, aceitando as cláusulas aí previstas, pelo que se poderá realizar a análise e
interpretação de qual será o elemento essencial no cumprimento do contrato.

Também Helmut Köhler defende a necessidade de distinção entre fins e resultados


acrescentando duas categorias de fins, “fins primários” e “fins de emprego” sendo os
primeiros destinados à persecução do interesse do credor na prestação, os segundos
traduzem-se “na finalidade que o credor visa alcançar com a satisfação do fim
primário”141.

VII. Novamente a interpretação do contrato é fundamental para determinação da


finalidade que a prestação representa para o devedor.

O autor Dietmar Willoweit142, vai mais longe apresentando o conceito de fim


secundário ou fim de emprego, alegando que o fim de emprego pode ou não se encontrar
representado no próprio contrato. Assim, a destrinça entre os diversos fins dependem da
análise caso a caso, pelo que não é possível agregar a figura da impossibilidade ao
conceito de fim de emprego, pois tal como menciona Catarina Monteiro Pires:

“Se aceitarmos esta coordenada, pode ainda perguntar-se qual o


enquadramento da mera frustração do interesse do credor numa prestação
não finalizada. Em princípio, estará em causa o fim de emprego do credor,
o qual, não sendo da prestação, dificilmente permitirá a conclusão de que
a prestação se tornou impossível”. 143

140
Idem: 17.
141
Helmut Köhler, 1971: 77 ss.
142
Dietmar Willoweit, 1988: 833.
143
Catarina Monteiro Pires, 2019: 19.

80
Note que a autora acrescenta a inexistência de impossibilidade nos casos em que
o “resultado da prestação é alcançado por via diversa do cumprimento” 144. Ou seja, o
resultado é alcançado apesar de o devedor ter incumprindo. Segundo a presente exposição
o interesse do credor ao ser concretizado exonera o devedor no cumprimento da
obrigação.

Baptista Machado acrescenta a ideia de que existe impossibilidade quando por


razões não controláveis pelo próprio devedor e o bem apesar de se encontrar sem vícios
inerentes:

“(…) pode ainda acontecer que o mesmo resultado não seja possível
porque o objeto da prestação, quando concretamente individualizado,
ainda que existente e sem quaisquer vícios que sejam inerentes, é
insusceptível de proporcionar a utilidade que lhe é própria (…)”. 145

O conceito de prestação deve assim ser interpretado como não se restringindo


apenas pela ação de prestação sendo necessário ter em atenção o resultado, para tal Karl
Larenz concretiza alegando, “ (…) não podendo a prestação produzir o resultado, ela se
torna impossível”. 146

Assumindo a interpretação alargada de prestação, conclui-se que nas hipóteses em


que a impossibilidade definitiva da prestação resultado encontra-se abrangida pela norma
já apresentada para a impossibilidade da prestação, prevista no artigo 790.º do Código
Civil, o devedor fica assim exonerado, ficando extinta a obrigação.

O presente autor defende a terminologia impossibilidade de “efetivação do


resultado da prestação” ou “impossibilidade de cumprimento” 147
em vez de
impossibilidade da prestação.

Contrapondo-se com a posição apresentada anteriormente por Catarina Monteiro


Pires em que sendo o resultado atingido o cumprimento por parte do devedor deixaria de
ser fundamental.

144
Sobre este assunto, nota de roda pé 27 de Catarina Monteiro Pires, 2019: 20
145
João Baptista Machado, 1991: 267.
146
Karl Larenz, 1979: 257.
147
João Baptista Machado, 1991: 270.

81
6.4.2. Impossibilidade absoluta e “relativa”

I. É possível detetar na doutrina portuguesa a distinção entre impossibilidade


absoluta e relativa ou objetiva e subjetiva segundo Vaz Serra148. A impossibilidade é
objetiva quando a própria prestação não pode ser concretizada por ninguém, explicando
o autor que no presente caso, existe “impossibilidade inerente à prestação”, ocorrendo
quando por exemplo da perda do bem a que a prestação correspondia a impossibilidade é
subjetiva quando, “a prestação não pode ser feita pelo devedor, mas poderia sê-lo por
outrem”149

No entanto as duas ideias não se sobrepões, assim defende Manuel de Andrande:

“(…) a impossibilidade subjetiva pode ser absoluta (o devedor não pode


prestar, podendo, todavia, a prestação ser feita por outrem) ou relativa para
outra ou outras pessoas); assim como pode a impossibilidade objetiva ser
também absoluta (ninguém pode prestar) ou relativa (existe difficultas para
toda a gente)”.150

Também Antunes Varela defende a diferenciação dos dois conceitos expondo:

“(…) a impossibilidade subjetiva (atinente apenas ao devedor) tanto pode


ser absoluta (caso de o devedor da prestação de facto não fungível cair em
estado de coma, com perda absoluta de consciência, por exemplo) como
relativa (caso do artista cuja vida corre grave risco com o cumprimento da
obrigação). E outro tanto pode afirmar-se em relação à impossibilidade
objetiva, que também será absoluta quando ninguém pode prestar, e
relativa quando a prestação para todos seja excessivamente onerosa ou
difícil”. 151

148
Adriano Pães Da Silva Vaz Serra, 1955: 19.
149
Idem: 19 e 20.
150
Manuel A. Domingues De Andrade, 1958: 410.
151
Antunes Varela, 1999: 72.

82
Segundo Catarina Monteiro Pires a onerosidade ou a dificuldade em cumprir com
a prestação não é “um problema do quadrante da impossibilidade do cumprimento”152.
Assim, segundo a doutrina maioritária, a impossibilidade absoluta será a única
“verdadeira impossibilidade”153, sendo a mesma definida por Paulo Cunha como, “ (…)
um impedimento que qualquer pessoa colocada na situação do devedor também não
conseguiria cumprir”. 154

Ainda dentro da temática da impossibilidade objetiva ser considerada a


“verdadeira” impossibilidade seria possível afirmar que as prestações pecuniárias seriam
sempre prestações, possíveis uma vez que uma obrigação pecuniária é de “género
ilimitado”155.

II. Em smart contracts a moeda utilizada como pagamento do bem é como já


analisado anteriormente, a moeda eletrónica, pelo que pergunto se será possível realizar
o mesmo raciocínio analítico. Ora como mencionado nos capítulos iniciais do presente
trabalho a verdade é que a moeda eletrónica Bitcoin, é produzida e colocada à disposição
dos seus utilizadores em quantidades controladas, pelo que afirmar que Bitcoin é de
género ilimitado parece-me ser exagerado e falacioso. É necessário ser mais cauteloso na
análise desta matéria e considerar a possibilidade de impossibilidade de uma prestação
cujo cumprimento é realizado pela entrega de Bitcoins. Caso se tratasse de uma prestação
pecuniária pura e típica, apresenta Francisco Mendes Correia a necessidade de ter em
conta o esforço do devedor no cumprimento da sua obrigação,“(…) os esforços exigidos
ao devedor para cumprir assumam uma dimensão desproporcional, face ao interesse do
credor”. 156

III. Tal como expõe Catarina Monteiro Pires existe uma vasta discussão
relativamente à determinação da existência de impossibilidade nos casos em que o próprio
cumprimento acarreta elevados custos ao devedor. Segundo uma posição mais restrita o
devedor é obrigado a cumprir com a obrigação mesmo que se traduza num elevado
esforço para o devedor, por outro lado a posição de conceção mais ampla admite a

152
Catarina Monteiro Pires, 2019: 26.
153
Joana Leal de Macedo Vitorino, 2018: 395.
154
Acórdão do Tribunal Arbitral de 30/05/1944 relatado por Paulo Cunha, p. 251.
155
Francisco Mendes Correia, 2020: 218.
156
Idem: 219.

83
possibilidade de alargamento da figura da impossibilidade a situações de impossibilidade
relativa.

IV. Esta discussão intensificou-se com a reforma alemã de 2001/2002, assim


expões a autora mencionada:

“Esta discussão toma por base um conceito de prestação enquanto conduta


ou comportamento do devedor. O problema está em saber se, assim
entendida, a prestação pode tornar-se impossível por terem sido excedidos
certos limites quanto aos dispêndios envolvidos pela conduta do devedor,
tendo em vista o cumprimento.”157

No entanto e tal como conclui a autora, a onerosidade da prestação devida pelo


devedor terá de ser analisada pelo interesse do próprio credor em ver cumprida a
obrigação, sob uma análise objetiva do problema. Será, pergunto, a figura da
impossibilidade a melhor resposta para a questão levantada?

V. Na verdade, talvez fosse possível mencionara figura da mora como meio de dar
resposta à questão levantada, contudo é necessário mencionar um grande entrave à
aplicação da figura agora mencionada. A mora depende sempre da imputação do não
cumprimento no prazo estabelecido, ao devedor, ao contrário da impossibilidade que
como analisarei de seguida, poderá ser ou não imputada ao devedor.

6.4.3. Imputação de impossibilidade ao devedor


6.4.3.1. Inaplicabilidade de impossibilidade

I. A imputação na impossibilidade superveniente como mencionado


anteriormente, diferencia-se da mora, pelo que cabe desenvolver a matéria apresentada
no presente subcapítulo. Começarei assim a apresentar a imputação ao devedor sendo
necessário dentro desta diferenciar “consoante o contrato estabeleça um critério, ou seja,
omisso, devendo nesse caso seguir-se o critério legal”158.

157
Catarina Monteiro Pires, 2017: 438.
158
Catarina Monteiro Pires, 2019: 27.

84
II. Quanto à imputação contratual, Catarina Monteiro Pires, apresenta o presente
conceito, é possível determinar a aplicabilidade de culpa tendo em conta se a imputação
contratual é ou não objetiva, em caso afirmativo, a culpa é prescindida, caso a imputação
contratual é subjetiva não se poderá prescindir da culpa. Sendo a medida da diligência
terminada por acordo das partes.159

No caso em que não seja prescindindo de culpa o ónus da prova da ausência de


culpa da impossibilidade recai sobre o devedor, tal como refere Teles Pereira160.

Quanto à imputação legal, é apresentado o presente conceito:

“(…) o critério geral é essencialmente subjetivo: a impossibilidade é


imputável ao devedor quando sobre este impede um juízo de censura ética,
resultante do facto de ter agido aquém do devido, de ter dispêndio esforços
e dispêndios aquém dos que lhe eram exigidos (cf. artigos 487.º, n.º 2 e
799.º, n.º 2).”161

O devedor poderá incorrer em dispêndios graves na tentativa de cumprimento da


obrigação, pois tem de garantir a satisfação do interesse do credor, agindo assim de acordo
com a disposição prevista no artigo 762.º, n.º 1 do Código Civil. No entanto no
cumprimento da sua obrigação o devedor deverá ocorrer num esforço que se caracteriza
como meio para alcançar o resultado.

III. Reproduzo aqui a questão colocada por Catarina Monteiro Pires que poderá
ser pertinente e de necessária análise,

“até onde será o devedor obrigado a despender gastos e esforços, materiais


e imateriais, tendo em vista o cumprimento, o resultado a que a prestação
se dirige?”162

Esta questão é fundamental uma vez que o ordenamento português determina o


cumprimento da obrigação com a realização da prestação devida, não dando soluções
alternativas como por exemplo o pagamento de indemnização pecuniária.

159
Idem.
160
Ac. TRC, de 28/10/2008, processo n.º 364/04.7TBFND.C1, relator Teles Pereira.
161
Catarina Monteiro Pires, 2019: 28.
162
Catarina Monteiro Pires, 2016: 106.

85
A verdade é que o devedor ao aceitar a obrigação se compromete realiza-la
seguindo padrões de diligência legalmente exigíveis. No entanto cabe delimitar o padrão
de diligência que o devedor é obrigado a seguir, ora numa primeira abordagem do padrão
do homem médio traduzido na seguinte premissa a medida da diligência poderá ser
analisada segundo o conceito diligentia quam in suis, isto é a medida da diligencia será
determinada segundo a diligencia que o devedor põe habitualmente nos seus próprios
negócios.163

III. Em suma no direito português a regra legal é de que o devedor deve suprir de
acordo com diligências exigidas segundo o critério densificado do bonus pater familias,
previsto no artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil aplicável também à culpa contratual, ver
artigo 799.º, n.º 2 do Código Civil. Podendo assim retirar que caso “o devedor, para
cumprir, desenvolver esforços superiores aos que lhes são exigíveis segundo o critério do
bom pai de família, a falta de cumprimento não poderá ser culposa”164

IV. Não existindo culpa não é possível imputar a impossibilidade ao devedor. No


entanto o padrão segundo o Código Civil se baseia poderá ser na realidade um critério de
elencado esforço para o devedor, pois realiza na teoria uma concretização em função das
circunstâncias, pelo que julgo ser pertinente apresentar a posição de Vaz Serra, uma vez
que o texto normativo apresentado pelo autor se prolongava quanto à matéria em análise,
sendo pertinente a sua exposição:

“(…) o tipo do bom pai de família é um tipo adaptável às várias situações,


devendo ter-se em conta a relação em causa, a categoria do devedor, o seu
estado ocasional e as demais circunstâncias”. 165

V. A conclusão apresentada pelo autor Vaz Serra, de que nas obrigações genéricas
o devedor não poderá invocar a impossibilidade pessoal para se exonerar das
consequências da mora mesmo que em caso de falta de meios pecuniários, é seguida por
Catarina Monteiro Pires. No entanto e com o surgimento da crise de saúde pública
provocada pela COVID-19, colocar-se-á a questão de saber se não será excessivo exigir

163
Idem: 108-109.
164
Idem.
165
Adriano Paes da Silva Vaz Serra, 1957: 141.

86
ao devedor o cumprimento da obrigação para satisfação do interesse do credor. Neste
sentido expões Francisco Mendes Correia:

“(…)poderá revelar-se excessivamente onerosa para um devedor


pecuniário a venda com perdas muito significativas de bens do seu
património, para satisfação de um interesse do credor pecuniário, que não
tenha sofrido um impacto especialmente relevante (pense-se, por exemplo,
que o credor com a crise e que, perante a falta temporária de liquidez do
devedor pecuniário, exige a venda imediata de grande parte dos seus
ativos, que acarretará inevitavelmente perdas muito significativas).” 166

É nesta condição que o devedor poderá invocar a figura da alteração das


circunstâncias (ver artigo 437.º do Código Civil) como motivo de imputabilidade. A
figura da alteração das circunstâncias será desenvolvida em capítulo próprio pelo que não
me irei alongar sobre o tema.

VI. A perturbação em análise segundo uma perspetiva de imputação ao devedor,


é de facto pertinente principalmente na atualidade, em que a sociedade vive confrontada
com dificuldade de cumprimento das suas obrigações, tendo em conta a pandemia
COVID-19. Contudo, tratando o presente trabalho smart contracts, é necessário
mencionar que a impossibilidade imputável ao devedor não lhe é aplicada, uma vez que
assim que o credor realize a importação do contrato em plataforma blockchain, o devedor
aceita e cumpre o contrato de forma automatizada, o contrato é assim, autoexecutável.

Existe apenas abertura à discussão da aplicação da figura da impossibilidade


quando esta seja não imputável às partes.

6.4.4. Imputação de impossibilidade ao credor


6.4.4.1. Inaplicabilidade de impossibilidade

I. Passemos agora à análise da imputação da impossibilidade por parte do credor,


o que não será tão evidente como a imputação prevista à figura do devedor, uma vez que

166
Francisco Mendes Correia, 2020: 220.

87
o ordenamento português não fornece uma resposta clara ao problema na lei, pelo que
será necessário recorrer às posições doutrinárias.

II. Segundo a posição apresentada por Menezes Cordeiro, existe impossibilidade


imputável ao credor quando é próprio credor que inviabiliza a possibilidade de
cumprimento da prestação por parte do devedor, podendo até causar a destruição do bem
objeto da prestação.167

Como ponto de partida poderá ser possível distinguir posições do foro subjetivo
em que utilizam critérios baseados num ato de vontade do credor, e posições objetivas
que por seu turno utilizam critérios independestes da conduta do credor.

Para além desta distinção é necessário acrescentar que dentro da posição


subjetivista é possível ainda apresentar a teoria restrita e a teoria lata.

A teoria restrita “exige, além de um ato de vontade do credor, alguma espécie de


reprovação ético-jurídica. A teoria lata prescinde de qualquer ideia de culpa, típica ou
atípica, bastando-se com um ato de vontade do credor, e permite, por isso, uma imputação
mais intensa.”168

Como defensor da posição de uma imputação subjetiva, temos Antunes Varela


que expõe a impossibilidade da prestação debitória através da censurabilidade de ato ou
atos praticados pelo credor, sendo necessário analisar a o ato culposo que concretiza a
figura da impossibilidade.169

A posição apresentada pelo autor baseia-se em casos previstos no artigo 795.º, n.º
2 do Código Civil, sendo casos que tem como fundamento a necessidade de na
responsabilidade ser exigida a existência de culpa. Querendo assim, aproximar a
imputação da impossibilidade à clássica figura da responsabilidade civil.

III. Sendo uma obrigação sinalagmática existem deveres acessórios aderentes à


obrigação criada pelas partes, e ambas as partes se encontram obrigadas no cumprimento
dos deveres acessórios, “por via da segurança, da lealdade e da informação”170.

167
António Menezes Cordeiro, 2017: 378.
168
Catarina Monteiro Pires, 2019: 32.
169
Antunes Varela, 2000: 74 e 75.
170
Cordeiro, António Menezes, 2017: 381.

88
Tendo em consideração os deveres acessórios Menezes Cordeiro, defende a teoria
mais estrita, expondo:

“A supressão da prestação, por impossibilidade superveniente, pode bulir


com tais deveres. Não sendo casual, ela pode, por via normativa, ser
imputável a alguma das partes e, designadamente, ao credor. Em suma:
apenas um juízo normativo permite considerar uma impossibilidade
imputável ao credor.”171

IV. Apresentado uma posição diversa Baptista Machado, aquando da má


utilização da prestação por parte do credor apresenta o “risco de utilização” 172
que na
verdade é o “risco do credor”. Assim segundo esta apresentação recai sobre o credor as
consequências por não ter sido diligente não permitindo o cumprimento da prestação no
prazo devido, para tal o autor apresentado dá o exemplo de quando o credor não recebe a
prestação no tempo devido pelo que perdeu o “valor-utilidade” 173
com o decurso do
tempo. O autor conclui dizendo o seguinte:

“(…) o percalço que é a perturbação ou malogro do plano contratual gizado


pode envolver perdas e aumentos de custos. Aquelas e estes, devem por
uma forma ou por outra, ser suportados por aquela das partes de cuja esfera
de vida ou de cuja empresa procede a contingência que perturbou o dito
plano”. 174

Existe na exposição apresentada, o artigo 795.º, n.º 2 do Código Civil, o qual não
se aplica nas situações de impossibilidade provocadas pela falta de cooperação por parte
do credor. O preceito invocado seria aplicado segundo a posição de Baptista Machado,
quando o credor provocasse a impossibilidade, por distribuição do risco, aplicando para
tal critérios objetivos.

V. Opondo-se à posição apresentada, é possível invocar Maria de Lurdes Pereira,


que defende a aplicação do artigo 795.º, n.º 2 do Código Civil, que por sua vez depende
da verificação de duas condições i) ação ou omissão praticada pelo credor; ii) a certeza

171
Idem.
172
João Baptista Machado, 1991: 289.
173
Idem: 291.
174
Idem: 292.

89
que o credor não poderá realizar no futuro atos que permitem a “implementação do
programa obrigacional”. 175

A posição apresentada pela autora distancia-se do que foi dito até ao momento,
uma vez que a imputação da impossibilidade ao credor não é tratada segundo distribuição
de risco, nem fórmulas objetivas de imputação.

VI. Também aqui, e sobre uma perspetiva conclusiva, será possível extrair a não
aplicação da figura da impossibilidade imputável ao credor, isto porque, assim que o
mesmo realize a importação do contrato em plataformas blockchain, o mesmo deixa de
depender de atos ou omissões para que se possa concretizar. Quer isto dizer que assim
que o contrato surja na plataforma blockchain, o credor deixa de deter controlo sobre o
mesmo, não podendo impedir o seu cumprimento. Num exemplo de compra e venda de
um relógio, assim que o contrato seja inserido em blockchain, o relógio é armazenado e
o mesmo será disponibilizado ao devedor, assim que verificadas as exigências previstas
no contrato, tal como ocorre numa venda através de uma máquina de vendas automática.

6.4.5. Imputação de impossibilidade a terceiros

I. Após a enunciação relativamente à imputação da impossibilidade, resta concluir


a imputação a terceiros. Perante uma impossibilidade imputável a terceiros, serão
aplicados os artigos 790.º, n.º 1 e 795.º, n.º 1 do Código Civil. Quanto à presente
exposição enuncio a posição de Menezes Cordeiro:

“O terceiro pode ser envolvido nas malhas da impossibilidade que causou


através do commodum de prestação: artigos 794.º e 803.º. A obrigação e
que ele incorra perante a parte diretamente atingida é apropriável pela
outra parte, verificados os requisitos previstos.”176

II. Quanto à impossibilidade superveniente absoluta imputável a terceiros, há que


ter presente que ao contrário da impossibilidade superveniente imputável às partes
contratantes, a primeira é suscetível de aplicação em smart contracts, uma vez, e tal como

175
Catarina Monteiro Pires, 2001: 229.
176
António Menezes Cordeiro, 2017: 383.

90
já mencionado, smart contracts são autoexecutáveis, pelo que qualquer perturbação que
prejudique o cumprimento da prestação, deverá ser imputável a terceiros. Caso surja a
impossibilidade superveniente absoluta por atos ou omissões imputáveis às partes
contratantes, não existe contrato, as plataformas blockachain encontram-se criadas para
reconhecer o momento em que a prestação é cumprida. Como verificado o contrato é
aceite no momento do cumprimento da prestação, pelo que a impossibilidade existe tal
como observado pelos exemplos já expostos, no entanto será concretizada apenas quando
for imputada a terceiros.

6.4.6. Meios de reação na impossibilidade

I. No que diz respeito aos meios de defesa na impossibilidade total, é necessário


sublinhar a importância de saber se se trata de um contrato sinalagmático. Isto porque em
caso de contrato sinalagmático, existirão meios de reação distintos.

II. Em primeiro lugar cabe realçar que num contrato existem prestações
secundárias e deveres acessórios inerentes à prestação central, ora neste sentido a
interpretação a ser feita do artigo 790.º, n.º 1 do Código Civil, é de que, o mesmo se aplica
por incumprimento da prestação devida deixando de fora os deveres acessórios inerentes
à figura da boa-fé.

Assim conclui Catarina Monteiro Pires relativamente à aplicação do artigo 790.º,


n.º 1 do Código Civil:

“(…)havendo impossibilidade, produz-se um efeito sobre o dever de


prestar do devedor e a pretensão creditória ao cumprimento in natura. Em
termos simplificados, a impossibilidade determina o bloqueio da pretensão
primária ao cumprimento in natura da prestação debitória.”177

O bloqueio mencionado surge de forma automática não sendo necessário qualquer


ação por parte das partes.

177
Catarina Monteiro Pires, 2019: 46.

91
III. Há, no entanto, que fazer a seguinte ressalva, nas obrigações genéricas existe
a necessidade de abordar o dever de diligência. O dever de diligência faz com que, o
devedor tenha de agir de forma a garantir a satisfação do interesse do credor.

Para tal Menezes Cordeiro apresenta três deveres que o devedor deve cumprir
aquando da presença de uma obrigação genérica.

“_ um dever de obtenção comum: o devedor assume uma prestação de


género, sem mais especificações; dependendo da situação concreta, ele
fica adstrito a um esforço normal, exigível ao bonus pater famílias (…);

_ um dever de obtenção reforçado: uma prestação, ainda que de género,


cuja obrigação comporte um concreto escopo surge com mais intensidade
(…); apenas situações extremas poderiam libertar o devedor, em nome do
artigo 790.º, n.º1 do Código Civil;

_ um dever de garantia: o devedor assumiu total responsabilidade pela


obtenção do resultado; não sendo este alcançado, ele é responsável pelo
sucedido, seja como inadimplente, seja como garante.”178

A apresentação de Catarina Monteiro Pires é mais concreta alegando que nas


obrigações genéricas não existe impossibilidade enquanto for possível dentro do género
cumprir a prestação devida (ver artigo 540.º do Código Civil), assim o devedor não fica
exonerado do seu dever de cumprir.

IV. Tratamos de seguida da problemática da contraprestação, uma vez que nos


debruçamos sobre contratos sinalagmáticos. E continuando a expor a posição da autora
em causa, cabe determinar se ainda é possível o exercício do commodum pelo credor.
Caso haja ainda possibilidade de exercer commodum, o credor deve escolher exercer o
commodum e por sua vez realizar a prestação, ou não exercer o commodum179.

Caso o credor decida não aplicar commodum, cabe segundo Catarina Monteiro
Pires, apreciar o “domínio central” 180 do regime dos artigos 195.º e seguintes do Código
Civil. E ainda dentro do domínio central a autora distingue regras gerais e regras

178
António Menezes Cordeiro, 2017: 342.
179
Catarina Monteiro Pires, 2019: 48.
180
Idem.

92
especiais. Por miúdos, a regra geral prevista no artigo 795.º, n.º 1 do Código Civil sendo
necessário distinguir consoante a realização ou não da contraprestação:

“Se a contraprestação não tiver sido realizada, a mesma é automaticamente


excluída (artigo 795.º, n.º 1). De novo, também aqui podem sobreviver
deveres laterais independentes da prestação, pelo que expressões como a
de Ernst, referindo-se a um Vertragsstornierung podem induzir a erros.

Se contraprestação já tiver sido realizada, a impossibilidade total não


imputável a qualquer das partes impõe que a mesma seja restituída,
determinando o artigo 795.º, n.º 1, in fine, que esta restituição opere de
acordo com as regras do enriquecimento sem causa e não de acordo com
as regras da resolução, como sucede nos casos de impossibilidade
superveniente imputável ao credor (cf. artigo 801.º, n.º 2).”181

V. No entanto, a posição apresentada por Menezes Cordeiro, é que na


impossibilidade superveniente o credor não irá receber a prestação pelo que ao aplicar-se
o artigo 795.º, n.º 1 do Código Civil, provocará as seguintes consequências, i) exoneração
de efetuar a contraprestação; ii) em caso de cumprimento antecipado, poderá ser exigido
a sua restituição, aplicando-se a figura do enriquecimento sem causa. 182

A consequência última da impossibilidade superveniente é automática pelo que


estamos perante a figura da caducidade183.

VI. No entanto é necessário analisar ainda dentro do domínio central algumas


regras especiais apresentadas por Catarina Monteiro Pires. Em primeiro lugar é possível
acrescentar a norma do artigo 796.º do Código Civil, que consagra a regra:

“(…) segundo a qual o risco de contraprestação cabe ao adquirente (ao


credor da prestação da coisa), sempre que o perecimento ou deterioração
da coisa não se deva a causa imputável ao alienante (devedor da prestação
de coisa)”.184

181
Idem.
182
António Menezes Cordeiro, 2017: 351.
183
Idem.
184
Catarina Monteiro Pires, 2019: 49.

93
V. O risco representa a ideia de flutuações do próprio comportamento humano,
sendo estas flutuações importantes juridicamente, existe a necessidade de disciplinar tais
comportamentos, pelo que cabe ao próprio Direito determinar as posições favoráveis de
cada parte. Tendo em conta a necessidade de regulamentar tais comportamentos surgiram
as regras da repartição do risco prevista no artigo 796.º do Código Civil. No entanto a
aplicação do artigo 796.º do Código Civil, implica o respeito de três regras:

“_nos contratos com eficácia real, o risco do perecimento ou da


deterioração da coisa não imputável ao alienante corre por conta do
aquirente (n.º 1); (…);

_ não obstante, se a coisa alienada continuar em poder do alienante em


consequência do termo constituído em seu favor, o risco só se transfere
com o vencimento do termo ou a entrega da coisa, salvo o 807.º (inversão
do risco, havendo mora) (n.º2); (…);

_ no contrato sob condição resolutiva, o risco na pendencia corre pelo


adquirente, se a coisa lhe tiver sido entregue; sendo a condição suspensiva,
o risco corre pelo alienante, na pendencia da condição (n.º 3).” 185

VI. Até ao momento concretizamos a possibilidade de aplicação do commodum,


por parte do credor em contratos sinalagmáticos. E como visto existindo contraprestação
cabe diferenciar as diferentes ações que o credor poderá realizar.

VII. No entanto toda a exposição feita até ao momento não concretiza a


commodum representationis, previsto no artigo 974.º do Código Civil, pelo que será o
problema a desenvolver dora avante.

Na sua essência, o credor pode exigir o “objeto adquirido pelo devedor em


substituição do objeto da prestação ou substituir-se aí devedor”186, no entanto para que
tal seja possível o preceito do artigo 794.º do Código Civil exige o preenchimento de três
requisitos:

“(a) uma situação de impossibilidade da prestação: não se especifica o tipo


de impossibilidade pelo que, em princípio, poderá ser qualquer um;

185
António Menezes Cordeiro, 2017: 371.
186
Catarina Monteiro Pires, 2019: 52.

94
(b) pelo facto da impossibilidade, o devedor tem um direito sobre uma
coisa ou contra um terceiro;

(c) esse direito vem substituir o objeto da prestação.”187

Há que fazer a ressalva de que no ordenamento português a doutrina dominante


parece afastar as prestações de facere e de non facere da esfera de aplicação do artigo
794.º do Código Civil.

VIII. Esta posição foi criticada por Nuno Pinto Oliveira, que defende a aplicação
do preceito em análise a ambas prestações tanto de facere e de non facere188, no entanto
Catarina Monteiro Pires esclarece, ao relembrar que a letra da lei não afasta a aplicação
de commodum representationis no que diz respeito a prestações facere ou non facere. No
entanto parece-me que o preceito do artigo 794.º do Código Civil, tem como principal
função evitar o enriquecimento sem causa, pelo que parece ser possível a invocação do
presente artigo a todo o momento em que possa existir enriquecimento sem causa
independentemente do tipo de prestação a que se reporte.

6.4.6.1. Imputável ao devedor

I. Partindo da versão original do § 280/1 do BGB:

“Caso a prestação, em consequência de circunstâncias imputáveis ao


devedor, se torne impossível, deve este indemnizar o credor pelos danos
derivados do não-cumprimento.”189

II. Cabe novamente apreciar a imputação da impossibilidade ao devedor, segundo


as disposições previstas nos artigos 801.º a 803.º do Código Civil. Existindo necessidade
da apreciação da culpa, pelo que existindo culpa será sem dúvida exigida a indemnização
que no caso, o devedor deverá cumprir. Uma questão mais controversa é saber se a
ilicitude será ou não presumida.

187
António Menezes Cordeiro, 2017: 369.
188
Nuno Pinto Oliveira, 2011: 743 ss.
189
António Menezes Cordeiro, 2017: 373.

95
Segundo Menezes Cordeiro:

“Bastará ao credor demonstrar a obrigação e a falta de cumprimento para


se presumir o não-cumprimento culposo, normalmente sob a forma de
mora (804.º): ao devedor caberá demonstrar uma causa de justificação ou
uma causa de escusa. Se o credor for mais longe e provar que o devedor
não só não cumpriu como, também, impossibilitou qualquer cumprimento
ulterior, conserva-se a presunção de culpa-ilicitude. Mas vai-se mais
longe, poupando uma etapa: não há mora, antes se passando logo ao
incumprimento definitivo.”190

III. Após o exposto o credor terá como meio de reação pelo não-cumprimento a
indemnização, assim como prevê o artigo 798.º do Código Civil, no entanto será este o
único meio de reação possível?

A autora Catarina Monteiro Pires defende a aplicação analógica do artigo 790.º,


n.º 1 do Código Civil, aquando da impossibilidade imputável ao devedor, assim a
consequência máxima do que foi exposto será, assim como prevê o artigo 790.º, n.º 1 a
extinção da obrigação. Extinção esta que se poderá explicar da seguinte forma aquando
da impossibilidade imputável ao devedor, o credor fica privado do direito de exigir o
cumprimento in natura da prestação debitória, pelo que deverá recorrer à determinação e
verificação dos requisitos constitutivos da responsabilidade civil, e poder assim exigir
indemnização pelo danos causados pelo não cumprimento. 191

IV. Quanto à figura da resolução, cabe mencionar que a sua aplicação é apenas
permitida tratando-se de uma impossibilidade imputável ao devedor, ver artigos 432.º a
436.º e 801.º, n.º 2 do Código Civil, no entanto a impossibilidade deverá ser apenas parcial
e não total.

Quanto às hipóteses de contratos sinalagmáticos, a contraprestação fica


dependente do interesse do credor em exercer o commodum, pelo que até ao momento da
decisão a contraprestação fica suspensa.

190
Idem: 375.
191
Catarina Monteiro Pires, 2019: 57.

96
6.4.6.2. Imputável ao credor

I. Por maioria de razão aquando da existência de impossibilidade imputável ao


credor é também aqui aplicada analogicamente o artigo 790.º, n.º 1 do Código Civil.

II. A grande diferença de meios de defesa plasmados aquando da impossibilidade


imputável ao credor debruça-se, com existência de contraprestação. Uma vez que o artigo
795.º, n.º 2 do Código Civil, impõe a manutenção do dever de contraprestar, pelo que
acrescenta Catarina Monteiro Pires, o credor suporta o risco desta desvantagem, surgindo
um desvio ao que seria normal num contrato sinalagmático. Por outro lado o credor perde
também a pretensão ao cumprimento natural da prestação debitória.192

Após a exigência de manutenção do dever de contraprestar, o credor poderá


ordenar o “desconto do benefício que o devedor obtém com a exoneração no valor da
contraprestação devida pelo credor”193.

6.4.7. Impossibilidade aos smart contracts

I. A figura da impossibilidade é uma das principais figuras das perturbações ao


cumprimento de um qualquer contrato. Pelo que será de maior importância questionar se
a presente figura jurídica é aplicada a smart contracts. Como ponto de partido será
necessário questionar se não será fundamental a criação de normas capazes de
regulamentar a realidade originada pelos smart contracts, assim foi feito por exemplo no
Estado do Arizona nos Estados Unidos da América, onde se encontram aprovados vários
diplomas, como por exemplo o Diploma de 29 de Março de 2017 cujo objetivo se centra
na terminação dos conceitos de “tecnologia blockchain” e “smart Contracts”194.

No entanto e tal como menciona Hugo Alves, critica o diploma apresentado,


reconhecendo o seu conteúdo sintético não apresentando um conceito inovador para a

192
Idem: 59.
193
Idem.
194
Hugo Ramos Alves, 2019: 213.

97
figura contratual de smart contracts pelo que o diploma em si limita-se a reconhecer a
validade desta figura.195

II. No ordenamento jurídico português, não existe ainda uma legislação própria
que regule smart contracts, pelo que continua a ser necessário analisar o direito existente
e aplicá-lo aos smart contracts, contudo o Código Civil, “não se encontra pensado para a
realidade da contratação eletrónica”196, sendo assim, o aplicador terá uma tarefa árdua de
interpretação e análise concreta de cada caso concreto.

III. No presente capítulo cabe assim, analisar a figura da impossibilidade


superveniente absoluta num contrato formulado eletronicamente sob códigos
matemáticos, isto é, smart contracts.

Como característica principal deste tipo contratual, centra-se no desencadeamento


da execução automática do contrato pelo que se pretende reduzir ao máximo a
discricionariedade “que numa obrigação se coloca ao devedor, quando este pode escolher
se cumpre ou não cumpre a referida obrigação”197

Tendo em conta a auto executabilidade de smart contracts, poderá colocar-se em


causa a possível aplicação da figura da impossibilidade superveniente em smart contracts.

IV. Como será analisado no capítulo seguinte é possível apresentar exemplos que
permitem concluir que a impossibilidade temporária não imputável às partes poderá ser
apreciada à luz do que representa um smart contract. No entanto tema distinto é o de
saber se a impossibilidade superveniente absoluta é ou não aplicada ao tipo contratual em
análise.

V. À partida a resposta é negativa, uma vez que o contrato é executado


imediatamente, tal como ocorre numa venda através se máquina de venda automática,
analogia introduzida por Nick Szabo (ver capítulo 1). A conclusão será assim clara, uma
vez disponibilizados os bens e o seu pagamento o contrato é cumprido não sendo por isso
possível apreciar a figura da impossibilidade superveniente absoluta.

195
Idem.
196
Idem.
197
Diogo Pereira Duarte, 2019: 175.

98
Tendo em conta o que foi dito, é necessário realizar uma ressalva, e reintroduzir
conhecimentos apreendidos anteriormente.

VI. Smart contracts são contratos redigidos em código matemático, esse código
baseia-se na linguagem natural em que as partes expressaram as suas vontades e como tal
redigiram as cláusulas contratuais, no entanto não deixa de ser uma interpretação e
exportação da linguagem natural em código.

Sendo possível apresentar o seguinte exemplo de smart contract inserido na


plataforma Ethereum:

Exemplo de smart contract escrito em código

Figura 6.1. Exemplo de Smart Contract escrito em Código

Adaptado de
https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13600834.2017.1301036?casa_token=V92ljVEzgjQAAAAA%3Arm0Ty
DWT912YUpYNZuJYxZ5bCXnuObPYe3On8cc35mgSaJMwnnz15DiDvC28E7t-MvhuwYVp1887

VII. Existindo o afastamento de discricionariedade das partes no envolvimento do


contrato, é defendido por Alexander Savelyev:

99
“A smart contract cannot be breached by a party to it. This follows from
its self-enforceability feature and is a logical consequence of its code law
nature”.198

Segundo a posição do autor apresentado, não existe a necessidade de mecanismos


legais de garantia de cumprimento pelas partes. No entanto é necessário ter em atenção
que apesar de smart contracts afastarem o fator humano na formação dos contratos, a
verdade é que o afastamento não é total, é fundamental ter em atenção que existem atos
dependentes de ações humanas tais como: quando um determinado valor de criptmoedas
não depositada numa determinada conta se encontra dependente de um eventual evento,
podendo ocorrer o cenário em que após a realização do evento, a parte não deter crédito
suficiente, pelo que perante o exposto será formalizado o incumprimento do contrato199.

VIII. Outra questão colocada à colação será a de saber quais as consequências


derivadas de problemas informáticos, como por exemplo ataque de hacker, pelo que
imaginemos que um ataque informático provoca alterações consideráveis ao código do
próprio contrato, estarão as partes obrigadas a cumpri-lo?

Segundo o autor em causa, a resposta à questão levantada depende do


entendimento do conceito de smart contract, pelo que seguindo a sua opinião smart
contract é um contrato autoexecutável dependente da confiança podendo concluir e passo
a citar:

“In that case, a technical malfunction preventing the computer code of


Smart contract from executing will mean the impossibility of its
performance for each party. It will be impossible to execute it on other
platforms, since the database of electronic assets subject to transfer under
Smart contracts (…)”. 200

IX. Após o exposto poderá ser possível concluir a possibilidade de aplicação da


figura da impossibilidade superveniente absoluta, sendo a distribuição do risco realizado
entre as partes de igual forma, uma vez que no caso apresentado a impossibilidade poderá
cair tanto ao devedor como ao credor, sendo necessário mencionar que existindo

198
Alexander Alexander Savelyev Savelyev, 2017: 130.
199
Exemplo retirado de Alexander Savelyev 2017: 130.
200
Idem: 134.

100
impossibilidade esta não é imputável às partes, uma vez que em smart contracts a
impossibilidade é apenas aplicada aquando da imputação de atos ou omissões que dão
origem à impossibilidade, forem imputados a terceiros.

X. Chegando à conclusão de que a impossibilidade não é imputável às partes fica


a questão de saber qual a consequência da mesma, uma vez que não se encontra
dependente da culpa. Ora o artigo 790.º do Código Civil, é omisso quanto a esta questão,
pelo que será questionável a possibilidade de a parte fiel exigir indemnização.

Colocando novamente em causa a resolução contratual que como vimos não será
aplicada a um smart contract segundo o ordenamento português pela exigência de
retroatividade.

O tema da responsabilidade de terceiros será debatido em capítulo independente,


por se tratar de um tema importante.

6.4.8. Impossibilidade temporária não imputável ao devedor, nem ao


credor

I. No ordenamento português a figura da impossibilidade temporária não


imputável nem ao devedor nem ao credor encontra-se prevista no artigo 792.º do Código
Civil, sendo necessário o preenchimento de dois requisitos para que a mesma seja
aplicada. Os requisitos são i) impossibilidade ou recuperabilidade da prestação, ii) da falta
de imputação ao devedor e credor.

II. Expondo novamente o exemplo apresentado no capítulo relativo ao


incumprimento definitivo, em que o devedor não cumpre com o devido, pois os oráculos
não efetuaram corretamente o câmbio da moeda. No caso apresentado é aplicado o
disposto do artigo 792.º do Código Civil, pois é possível recuperar a prestação em causa,
o devedor pode ainda realizar a prestação devida e como visto no exemplo a falta de
prestação inicial não é imputada nem ao devedor nem ao credor. No presente exemplo é
notório o afastamento da mora, pois a mora exige a imputação do atraso do cumprimento
ao próprio devedor ou credor, no entanto no exemplo facultado o incumprimento deveu-
se a atos de oráculos. A impossibilidade temporária depende ainda do interesse por parte

101
do credor, caso haja perda do interesse do credor deixa de se considerar como
impossibilidade temporária, mas sim como impossibilidade definitiva.

O interesse do credor deve ser, segundo a doutrina maioritária, apreciada


objetivamente, tal como acontece no artigo 808.º n.º 2 do Código Civil.

III. Segundo Maria de Lurdes Pereira o interesse objetivamente caracterizado


traduz-se na seguinte premissa:

“é (…) insuficiente que a prestação, por força da demora, se torne inapta


para satisfazer uma qualquer necessidade do credor, cuja prossecução este
teria tido em mente ao contratar; mostrando-se antes indispensável que,
alem disso, essa necessidade ou interesse se tenha de alguma forma
objectivado, que tenha superado o limbo dos simples motivos, em
princípio juridicamente irrelevantes, para se transmutar na finalidade da
obrigação a que a lei se reporta”. 201

IV. Esta posição é contraposta com a ideia de que a existir um prazo fixo, o atraso
por muito mínimo, causará perda de interesse ao credor, pois para este apenas faria
sentido a prestação ser cumprida naquele prazo, sendo para Inocêncio Galvão o que o
autor define como o prazo absolutamente fixo, pelo que caso o credor não detenha
interesse pelo cumprimento da prestação como consequência do não cumprimento no
prazo devido, dita assim o autor em apresso na impossibilidade da prestação. 202

Podia-se discutir a aplicação de responsabilidade por atos de representantes ou


auxiliares, previsto no artigo 800.º do Código Civil, se se for discutida a determinação de
oráculos como sendo auxiliares.

A figura agora apresentada corresponde a uma responsabilidade obrigacional que


caso haja representantes legais ou auxiliares é necessário segundo Menezes Cordeiro,
para o caso de auxiliares preencher os seguintes pressupostos de aplicação do artigo 800.º
do Código Civil:

“(a) há, apenas, uma representação legal (logo: não voluntária) ou uma
qualquer situação que mereça o epíteto de “auxiliar”;

201
Maria de Lurdes Pereira, 2001: 193 e 194.
202
Inocêncio Galvão Telles, 2010: 311.

102
(b) uma responsabilidade obrigacional, resultante do não-cumprimento;

(c) relativa ao vínculo existente entre os credores e devedores


considerados”. 203

No entanto o vocábulo auxiliar a que refere o presente autor correspondem a:

“(…) atos dos representantes legais e dos auxiliares. Os primeiros são,


essencialmente, os pais (124.º) ou tutores (124.º, 139.º) (…). Quanto a
auxiliares: ficam abrangidos os representantes voluntários, os mandatários,
os subcontratantes ou executantes contratados para certas tarefas”. 204

V. Os auxiliares são assim agentes com determinado vínculo contratual a uma das
partes, ora em smart contracts, os oráculos são agentes externos que permitem a execução
do contrato auxiliando as plataformas blockchain, pelo que me parece discutível
apresentar um vínculo contratual com as partes envolvidas no contrato. Porém se existir
vínculo contratual o devedor é responsabilizado mesmo que por atos praticados pelo
auxiliar pois pretende-se que o credor não seja prejudicado pelo facto de o devedor ser
legalmente representado. Contudo e voltando a frisar a ideia de que julgo ser necessário
apreciar a figura dos oráculos como uma figura autónoma da vontade das partes, pelo que
caso haja incumprimento da prestação por atos imputáveis aos oráculos, se deva aplicar
aqui a responsabilidade objetiva.

Sendo atos praticados por oráculos, a prestação pode, no entanto, ainda ser
possível, pois a parte infiel poderá colmatar as consequências traduzidas pelos atos
praticados pelos oráculos. Regressando ao exemplo apresentado, caso o oráculo realize
erroneamente a transição de câmbio de uma determinada moeda, a prestação devida
poderá ser ainda possível. Dai Catarina Monteiro Pires mencionar, a necessidade de
cautela quanto às dúvidas que poderão ser levantadas relativamente à figura da
impossibilidade temporárias, pois esta figura é distinta da impossibilidade objetiva e
205
parcial, pois em princípio a prestação natural não é excluida.

203
António Menezes Cordeiro, 2017: 404.
204
Idem: 404 e 405.
205
Catarina Monteiro Pires, 2019: 173 e 174.

103
VI. Como consequência da aplicação da impossibilidade temporária não
imputável nem ao credor nem ao devedor, temos o efeito suspensivo de posições jurídicas,
que ficam num estado de “quiscência”206.

Catarina Monteiro Pires traduz este estado:

“(…) o dever de prestar fica temporariamente suspenso. O dever de


contraprestar fica também, no caso dos contratos sinalagmáticos,
temporariamente bloqueado”. 207

Para além da consequência da suspensão temporária da posição jurídica a autora


mencionada, admite ainda a possibilidade de aplicação da resolução, pois caso haja perda
do interesse por parte do credor, passará de impossibilidade temporária a impossibilidade
definitiva, porém tal como já foi dito no capítulo relativo a meios de defesa por
incumprimento definitivo da prestação, no que diz respeito a smart contracts a resolução
não lhes é aplicada. Caso haja impossibilidade definitiva o meio de defesa possível por
parte do credor, será tal como o é no incumprimento definitivo a indeminização.

V. A figura aqui apresentada, será aplicada em smart contracts, uma vez que se
trata de impossibilidade não imputável nem ao credor nem ao devedor, contudo o efeito
suspensivo não será possível de concretizar pela característica auto executável. Como
mencionado anteriormente, a impossibilidade é apenas aplicada quando a mesma não
surja por atos ou omissões provenientes do credor ou devedor, uma vez que smart
contracts, detém como principal característica a autoexecutabilidade do contrato. O
contrato smart contract apenas será impossível de concretizar a sua prestação por
influência de terceiros, como por exemplo a incorreta transposição do acordo realizado
pelas partes, para código matemático.

6.5. Cumprimento defeituoso


6.5.1. Noções preliminares

206
Idem: 175.
207
Idem.

104
I. A figura do cumprimento defeituoso será apreciada, tento em mente o facto de
smart contract poder revestir a forma de contrato de compra e venda de um qualquer
objeto, pelo que a parte fiel poderá ver o seu bem ser entregue com características erradas,
podendo ou não, usufruir dos meios de reação inerentes ao cumprimento defeituoso.

O conceito de cumprimento defeituoso apresenta algumas questões, pois não


existe unanimidade quanto à sua explicação. Assim partirei da delimitação feita por
Catarina Monteiro Pires, a qual aprecia o cumprimento defeituoso distinguindo a figura
positivamente e negativamente.

II. Segundo a análise positiva de cumprimento defeituoso e partindo da definição


apresentada por Pessoa Jorge, na qual existe cumprimento defeituoso quando o devedor
realiza totalmente ou parcialmente a prestação, contudo esta prestação não corresponde
ao que fora acordado, existindo um cumprimento errado da prestação.208

Também Menezes Cordeiro aprecia o cumprimento defeituoso como uma


violação positiva do contrato, preferindo, no entanto, utilizar a terminologia
“cumprimento imperfeito”.209 Defendendo, porém, a ideia que o cumprimento imperfeito
é um incumprimento, pelo que se deverá aplicar os meios de defesa adjacentes ao
incumprimento definitivo.

Para Romano Martinez existe cumprimento defeituoso sempre que o devedor ao


realizar a prestação devida esta não corresponde, contudo totalmente ao que fora pedido,
alegando assim, existir “violação contratual”. 210

III. Na análise negativa de cumprimento defeituoso, implica que não haja


incumprimento definitivo ou mora, mas sim uma tentativa de prestação.211

Também a legislação portuguesa não é clara quanto à posição a adotar, pois por
um lado temos os artigos 905.º e 913.º do Código Civil em que o vendedor transmite ao
comprador uma coisa já defeituosa e por outro lado temos o regime do artigo 908.º do
Código Civil, para os casos de defeito superveniente.

208
Fernando Pessoa Jorge, 1999: 25 e 26.
209
António Menezes Cordeiro, 2017: 420.
210
Pedro Romano Martinez, 2015: 31.
211
Catarina Monteiro Pires, 2019: 124.

105
Assim, por remissão do artigo 913.º do Código Civil, aplica-se o disposto do artigo
905.º do Código Civil que determina:

“(…) o contrato é anulável por erro ou dolo (…)”.

IV. No entanto Romano Martinez critica o tratamento do cumprimento defeituoso


dentro do prisma do erro, pois segundo este:

“ (…) o requisito fundamental do erro é a essencialidade e, com respeito


ao cumprimento defeituoso, só o direito de resolver o contrato carece de
uma violação essencial do dever obrigacional, mas tal não é exigido para
os restantes meios (eliminação dos defeitos, entrega de prestação
substitutiva, redução do preço e indemnização)”. 212

A principal diferença apresentada pelo presente autor, entre a figura do erro e do


cumprimento defeituoso encontra-se no facto de na primeira a consequência inerente é a
anulabilidade do contrato, no entanto no cumprimento defeituoso é possível a resolução
do contrato assim como exigir o cumprimento devido, exigir a redução do preço e de
indemnização pelos danos existentes. Para além das diferenças apresentadas Romano
Martinez, acrescenta:

“(…) há ainda a ter em conta que o erro e o cumprimento defeituoso, não


só têm origem e regulamentação separadas, como também têm por base
situações distintas. Assim, o erro diz respeito à formação da vontade, à
representação da realidade no momento da celebração do negócio jurídico;
enquanto o cumprimento defeituoso é posterior, verifica-se na fase de
execução do contrato.”213

Para Menezes Cordeiro, é necessário ter em conta os vícios ou falta de qualidade


do bem a que corresponda a prestação debitória estabelecida no contrato. Em caso de
defeito. Caso o defeito seja originária, poderá ser possível presumir o conhecimento de
tais desconformidades por parte do vendedor.214

212
Pedro Romano Martinez, 2015: 31.
213
Idem: 32.
214
António Menezes Cordeiro, 2017: 262.

106
V. O autor acrescenta a admissibilidade de convolação da anulação em resolução,
traduzindo-se na validade do contrato, pelo que teria como consequência a
desconsideração do erro e do próprio artigo 913.º do Código Civil.

6.5.2. Cumprimento defeituoso em smart contracts

I. A primeira questão que deve ser analisada no que diz respeito à aplicação da
figura do cumprimento defeituoso em smart contracts, é a de saber se de facto em smart
contracts é possível o devedor cumprir defeituosamente a prestação devida.

Como apreendido anteriormente, smart contracts são equiparados a máquinas de


venda automática, pelo que o produto estará disponível quando o devedor cumprir a sua
obrigação.

Assim se A pretender vender um automóvel a B através de smart contracts o


mesmo ficará na posse do devedor assim que o mesmo cumprir com a entrega do
montante acordado. O automóvel será identificado e descrito no smart contract
garantindo assim a concretização do princípio da transparência essencial nos smart
contracts como forma de garantir a confiança entre as partes. No entanto poderá acontecer
a parte vendedora descrever erroneamente características do automóvel, pelo que o
presente contrato segundo os artigos 905.º e 913.º ambos do Código Civil, seria anulável,
no entanto como referido no ponto 3.5.1., Menezes Cordeiro admite a convolação da
anulação em resolução, no entanto e voltado a reforçar, em smart contracts não é possível
aplicar a figura da resolução, pelo que julgo ser necessário apreciar outros meios de defesa
possíveis em caso de cumprimento defeituoso.

II. Há que ter em conta que Catarina Monteiro Pires defende a aplicação do regime
da inexecução da empreitada a contratos sem regulação especial ou legalmente atípico. O
acolhimento do regime da empreitada surge pelo mesmo ser considerado como o que
apresenta de forma mais clara e hierarquizada os mecanismos de defesa disponíveis à
parte fiel.

No exemplo aqui dado A vende um automóvel a B através de smart contracts


levanta duas questões importantes a primeira é a de saber se se aplica os mecanismos de
defesa previstos no caso de cumprimento defeituoso na compra e venda ou se por outro

107
lado se irá aplicar por analogia mecanismos de defesa previstos na inexecução da
empreitada por se tratar de contratos não tipificados.

III. Irei assim analisar ambas as hipóteses. Tratando-se de cumprimento defeituoso


num contrato de compra e venda irá aplicar-se o regime particular destinado a regular a
presente perturbação, assim a resposta mais simples e a que vai de encontro à letra da lei
e o contrato é anulável, por erro ou dolo. No caso de aceitação das posições de Menezes
Cordeiro e Romano Martinez, o contrato não é anulável, sendo possível a aplicação da
resolução. No entanto como mencionado, em smart contracts não é possível aplicar a
figura da resolução, no entanto como menciona Romano Martinez:

“(…) o contrato não priva as partes da proteção geral, pois pela celebração
de um negócio jurídico não se renuncia à defesa que se teria
independentemente dele.” 215

Assim, apesar de não se aplicar a figura da resolução a parte fiel poderá invocar a
responsabilidade obrigacional ou até mesmo a aquiliana como meio de defesa.

IV. No entanto se a compra e venda em smart contract for considerada como um


contrato não regulado e atípico e seguindo a posição defendida por Catarina Monteiro
Pires, será aplicado por analogia o regime da inexecução da empreitada por se considerar
o regime com demostração da existência de uma hierarquia de medidas de proteção à
parte fiel do contrato.

Hierarquia defendida por Romano Martinez que alega existir:

“(…) a prevalência de um primeiro grupo de pretensões, de eliminação dos


defeitos ou substituição do bem, em relação a um segundo grupo,
composto pela resolução do contrato ou pela redução do preço e
considerando ainda, dentro do primeiro grupo, a possibilidade de o
devedor escolher o meio menos oneroso, se ambos satisfazerem o interesse
do credor”. 216

V. Tratando-se de smart contracts, julgo a indemnização ser o meio de defesa


mais célere e de menor complexidade de aplicação, uma vez que como já analisado

215
Pedro Romano Martinez, 2015: 230.
216
Catarina Monteiro Pires, 2019: 129.

108
anteriormente, a resolução não é aplicada a smart contracts e a redução do preço não é
possível de concretizar num modelo contratual de auto exequibilidade. Pelo que no caso
apreciado é minha opinião aplicar-se a responsabilidade obrigacional seguida de
indemnização, não esquecendo, no entanto, a matéria da defesa do consumidor que não
será densificada neste trabalho, mas que seria sempre um meio de defesa por parte do
consumidor. Aplicando-se, assim, o meio de defesa menos oneroso para as partes, que
julgo ser a indemnização. Contudo o meio de defesa indemnização não se encontra
previsto no grupo hierárquico do regime da inexecução da empreitada. Pelo que quanto
ao meio de defesa perante o cumprimento defeituoso, será necessário ou as partes
estipularem livremente o meio de defesa aquando da redação do próprio contrato, ou será
necessário a criação legislativa de meios adequados de defesa em smart contracts.

6.6. Alteração das circunstâncias


6.6.1. Contrato duradouro

I. A possibilidade de aplicação da figura da alteração das circunstâncias em smart


contracts é concretizada analisando esta figura através de uma nova abordagem. Ora
sendo smart contracts contratos autoexecutáveis, seria há partida impossível a aplicação
de alteração das circunstâncias, uma vez que à partida não haveria uma relação duradoura.
Contudo tal como observado, tal suposição poderá ser errónea.

Tal como muitos autores portugueses, também aqui irei iniciar a exposição da
figura alteração das circunstâncias, com a apresentação da ideia base de Flume217, que faz
realçar a relação existente entre o negócio jurídico e a realidade envolvente.

Tendo em conta este ponto de partida, cabe ao intérprete ter em conta o facto de o
negócio jurídico ser influenciado pela realidade envolvente, dependendo do interesse das
partes e qual o fim útil do próprio negócio celebrado.

II. Surge assim, a necessidade de discutir o erro e a alteração das circunstâncias,


uma vez que as duas figuras mencionadas surgem aquando de uma modificação da
realidade envolvente.

217
Werner Flume, 1992: 398 e ss.

109
Apesar da menção do erro, será a figura da alteração das circunstâncias, o foco
da minha exposição no presente capítulo, tendo esta base legal no artigo 437.º, n.º 1 do
Código Civil. No entanto o preceito invocado, contempla um sistema complexo, assente
segundo Menezes Cordeiro em cinco variáveis:

“(a) as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar;

(b) tiverem sofrido uma alteração anormal;

(c) tem a parte lesada direito à resolução ou à modificação do contrato;

(d) desde que a exigência das obrigações assumidas afete gravemente os


princípios da boa-fé;

(e) e não esteja coberta pelos riscos do contrato”. 218

A primeira variável diz respeito à base do negócio, significa por isso, as


“circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar”219. Será importante
determinar o que se entende por circunstâncias. A jurisprudência portuguesa tem
defendido que, as circunstâncias surgem quando ambas as partes fundaram a decisão de
contratar, para tal cabe realizar a interpretação do contrato e determinar quais os
fundamentos utilizados pelas partes para contratar.

No entanto tal como menciona Catarina Monteiro Pires, será altamente difícil a
contraparte conhecer as razões que levaram à celebração do contrato, conhecer toda a
realidade evolvente.

Esta dificuldade é acrescida quando se trata de conhecer a base do negócio, na


categoria de smart contracts, uma vez que as partes não se conhecem e em princípio o
contacto entre ambas as partes para além de limitado, poderá ser feito através de
linguagem informática.

III. Assim, se a determinação da alteração das circunstâncias depender da


interpretação do contracto, tal como dá a entender a autora mencionada 220 causará graves

218
António Menezes Cordeiro, 2017: 554.
219
Idem: 555.
220
Sobre este assunto Catarina Monteiro Pires, 2019: 180, é da opinião que “temos, por isso, que
o problema da alteração das circunstâncias é, em primeira linha (mas não exclusivamente), um problema
de risco e de interpretação do negócio jurídico (artigo 236.º ss)”.

110
problemas aquando da possível aplicação da figura da alteração das circunstâncias ao
plano de smart contracts.

Há, no entanto, que distinguir a posição objetivista que utiliza elementos objetivos
para restringir a realidade envolvente, da posição subjetivista que no seu núcleo defendem
a importância de conhecer a motivações dos contraentes.

A doutrina Alemã, apresentou a seguinte formulação:

“(…) a base de negócio é construída através das representações conhecidas


de ambas as partes na conclusão do negócio ou conhecidas de uma das
partes, mas cognoscíveis e incontestadas pela outra parte, sobre a
existência, presente ou futura, de circunstâncias que formam a base da
vontade de contratar”.221

Num outro prima, defende Oertman, a alteração das circunstâncias baseia-se em


circunstâncias não presentadas pelo contraente. Esta posição naturalmente revela o
problema de obrigar o contraente a declarar todas as circunstâncias possíveis decorrentes
do contrato e proteger-se de todas elas. Sendo irrealista o contraente prever num ato
contratual todas as variáveis possíveis.

A posição objetivista foi apresentada por Locher, que defende que a base de
negócio corresponde ao:

“(…) complexo de circunstâncias, sem cuja existência, perduração ou


aparecimento, o efeito negocial visado, de acordo com o conteúdo negocial
(o fim do negócio), não pode ser atingido, apesar da regular conclusão do
negócio e dos esforços exigíveis às partes, em conformidade com o
conteúdo negocial”. 222

Entre nós, Menezes Cordeiro defende a posição objetivista, apoiando a sua


posição na lei:

221
Para tal ver nota de roda pé (700),Catarina Monteiro Pires: 2019: 180.
222
Eugen Locher, 1923: 71.

111
“_ não relevam superveniência a nível de aspirações subjetivas
extracontratuais das partes; deve haver uma afetação do próprio contrato
e, nessa medida, ambos os contraentes ficam implicados;

_ não interessam modificações no campo das aspirações


contratuais de apenas uma das partes; é o contrato que está em causa (logo:
os contratantes) e não as esperanças de lucro (ou de não-perda) de somente
um dos intervenientes, quando a lógica do negócio não esteja em causa”.
223

Segundo a posição apresentada por Menezes Cordeiro, será assim possível discutir
a possível aplicação de alteração das circunstâncias em smart contracts, uma vez que
como já discutido anteriormente, é possível que as partes contraentes em samrt contrcats
realizem a negociação negocial através de linguagem natural, sendo no fim celebrado o
contrato final em código. Assim, caso o contrato no qual ambas as partes estabelecem o
clausulado, e o contrato final se limite apenas a traduzir o clausulado em código
matemático, julgo assim, possível analisar as “aspirações subjetivas das partes”, uma vez
que no caso, ambas as partes têm e conhecem o que cada parte pretende alcançar com a
celebração do contrato e apenas nesse caso, se pode aplicar alteração das circunstâncias
quanto à primeira variável. Sendo necessário analisar as restantes variáveis tentado
responder à questão de saber se a alteração das circunstâncias é ou não aplicável a smart
contracts.

A segunda variável corresponde à anormalidade da alteração, que é ainda


apresentada por diversos autores como a imprevisibilidade. Como ponto de partida, é de
notar que a alteração das circunstâncias se transcreve a um resultado de factos
supervenientes.

A alteração invocada atinge por isso a base do negócio, pelo que cabe densificar
o que a letra do artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil, qualifica como sendo uma alteração
anormal. Segundo Oliveira Ascensão, ocorre alteração anormal quando:

“(…) provoque uma alteração extraordinária das circunstâncias. Qualquer


outro tipo de alteração que não mereça a mesma qualificação não pode ser

223
António Menezes Cordeiro, 2017: 555.

112
considerada anormal. Só o que ultrapassar os riscos que foram assumidos
representa para o art. 437 uma alteração anormal”. 224

IV. O fundamental a retirar quanto à alteração anormal, prende-se com o facto de


determinar se o risco existente é ou não inerente à atividade prestada pelo contraente, dito
de outro modo “o risco de um agente comercial é algo inerente à sua atividade”225,
servindo de exemplo, “um contraente do ramo da construção e imobiliário não pode
invocar a crise económica e financeira (…) para se desvincular de um contrato-
promessa”226.

A anormalidade não se poderá apresentar sem apreciar a relação existente entre


este conceito e o princípio da boa-fé. O princípio da boa-fé é utilizado como critério
identificador do que é exigível ou não exigível ao contraente declarar como alteração
significativa, ao caso concreto.

Para além do exposto Oliveira Ascensão acrescenta como critério de determinação


da alteração anómala, a onerosidade excessiva:

“É que não basta qualquer alteração extraordinária para desencadear a


aplicação do instituto. Pode uma alteração ser extraordinária e não revestir
gravidade que o justifique. Um facto superveniente (como um sismo)
representa uma alteração extraordinária, mas pode, para a concreta relação,
não revestir particular gravidade”. 227

No entanto julgo que através de aplicação dos princípios da boa-fé e da


proporcionalidade, também assim, se poderia concluir se as alterações anormais são ou
não relevantes.

V. Há, no entanto, uma ressalva importante a fazer no que diz respeito à aplicação
da figura da alteração das circunstâncias, é que a mesma é apenas aplicada a contratos
duradouros. O que provocará assim, à partida, o afastamento da presente figura em
análise, a smart contracts. No entanto, e apresentando aqui o exemplo já anteriormente
exposto, relativamente a contratos de seguro cujo objeto se reporta a embarcações de

224
José de Oliveira Ascensão, 2007: 523.
225
Catarina Monteiro Pires, 2019:189.
226
Idem.
227
José de Oliveira Ascensão, 2007: 532.

113
guerra ou de transporte de mercadorias perigosas, poderá discutir-se se no presente
exemplo é possível afirmar que existe de facto um contrato duradouro. Ora relembrando
noções de smart contracts já tratadas no presente trabalho, é de salientar que os mesmos
são equiparados a máquinas de vendas automáticas, pois são autoexecutáveis.

No exemplo disponibilizado, a verdade é que apesar de se manter as características


principais de um smart contract, uma vez que a seguradora retira de forma automática o
valor do prémio tento em conta a localização da embarcação. Se a embarcação
permanecer numa localização considerada de risco (red zone) a seguradora aumenta o
valor a pagar e o pagamento é feito de forma automática, contudo se analisarmos a relação
existente entre as partes seria possível afirmar que de facto a relação é duradoura.

VI. Sublinho que no exemplo dado a aplicação da alteração das circunstâncias é


proposta não por se tratar de um contrato de seguro, mas por ser um exemplo de relações
duradoura no regime de smart contracts.

6.6.2. O risco como exigência

I. O risco é essencial para determinar se existe ou não alteração das circunstâncias,


uma vez que é através da determinação do risco que se poderá determinar se o contraente
poderá ou não invocar a alteração anormal. O risco será determinado através da
interpretação do próprio contrato que como mencionado anteriormente, a contraparte
encontra-se impedida de invocar a alteração das circunstâncias se o risco for inerente à
sua atividade.

II. Há, no entanto, contratos que se designam contratos de risco como por exemplo
swap que segundo Menezes Cordeiro são contratos:

“(…) um swap de taxas de juro equivale a um contrato de risco. Mas risco


em sentido técnico: incide sobre a eventualidade da supressão de uma
vantagem assegurada pelo Direito”. 228

228
António Menezes Cordeiro, 2017: 590.

114
No exemplo apresentado o risco é de fácil deteção, uma vez que o mesmo faz parte
integral do contrato, no entanto, há contratos em que a determinação de atribuição do
risco a uma das partes não é imediata e clara.

Nestes casos Carlos Ferreira de Almeida, defende que nos casos omissos, a
atribuição do risco poderia ser realizada através de critérios vários tais como:

“a imputação à parte que controla o fator alterado, imputação à parte a


quem compete a prestação característica, imputação à parte que atua com
motivação especulativa, atribuição à parte mais forte, pelo nível de
conhecimento ou pelo poder económico-financeiro e, finalmente,
repartição equitativa, através de modificação”.229

III. Nos contratos cabe analisar se o problema causado pela alteração não será
respondido pelo erro, ou até mesmo pelo próprio risco, sendo por isso a figura da alteração
das circunstâncias previsto no artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil, a figura de último
recurso.

6.6.3. Meios de reação


6.6.3.1. Resolução

I. O artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil, prevê o direito à resolução ou


modificação do contrato. Começarei pela apreciação da resolução que segundo Oliveira
Ascensão, esta é a “única saída possível”230.

II. Existindo alteração anormal (e onerosidade excessiva segundo a posição de


Oliveira Ascensão), poderá a parte requerer a resolução do contrato. No entanto poderá
acontecer que a alteração anormal, afete ambas as partes e não apenas uma, a figura da
alteração das circunstâncias não se vincula apenas quando uma das partes é considerada
prejudicada pela alteração anormal, pelo que a resolução poderá ser invocada por
qualquer das partes.

229
Catarina Monteiro Pires, 2019: 190.
230
José de Oliveira Ascensão, 2007: 528.

115
Assim demonstra o exemplo apresentado pelo autor mencionado:

“Pactua-se a prestação de um transporte. Afinal a estrada a que as partes


implicitamente associaram a execução vem a ficar bloqueada por
desabamento de terras. O serviço só pode fazer por estradas secundárias,
com grandes desvios e maiores despesas. Ambas as partes são atingidas
nos seus cálculos”. 231

III. Concluindo-se que as partes sofrem alterações anómalas que provocam uma
irreversível crise contratual, cabe às partes invocar o seu direito resolutivo, no entanto
como indica Catarina Monteiro Pires, é necessário explorar a vertente liberatória desta
figura diferenciando a vertente liberatória necessária e vertente liberatória eventual.
Como identificador destas duas vertentes temos: “i) modo de exercício ii) efeitos
temporais iii) efeitos restitutórios e iv) pedido de modificação”232.

O modo de exercício corresponde à necessidade de a resolução ser feita


judicialmente, uma vez que o artigo 436.º, n.º 1 do Código Civil, não se encontrar
abrangido pela remissão feita pelo artigo 439.º do Código Civil. No entanto a regra é de
que a resolução é feita extrajudicialmente, permitindo assim, agilizar todo o processo e
impedir que as partes continuem vinculadas a uma relação contratual indesejada.

Quanto aos efeitos, diz-nos Catarina Monteiro Pires:

“a resolução visa neutralizar as consequências de uma superveniência


contratual que distorceu o sentido da execução do contrato pelo que, logo
ao abrigo da ressalva fixada pala parte final do artigo 434.º, n.º 1, será
possível salvaguardar os atos de cumprimento já verificados até ao
momento em que a alteração das circunstâncias se torna eficaz”. 233

IV. Quanto aos critérios restitutório, diz-nos a figura da resolução, que se deve
restituir tudo o que tiver sido recebido até ao momento da efetividade da alteração das
circunstâncias, caso não seja possível devolver cabe realizar a entrega do “valor

231
Idem.
232
Catarina Monteiro Pires, 2019: 192.
233
Idem: 193.

116
correspondente” que segunda Paulo Mota Pinto essa mesma restituição deva ser realizada
segundo critérios objetivos234.

Quanto ao pedido de modificação, a lei portuguesa faculta a opção de escolha


entre a figura da resolução e a modificação do contrato, no entanto poder-se-á questionar
se existe hierarquia entre as duas figuras, pelo que me parece aconselhável responder num
subcapítulo próprio.

6.6.3.2. Modificação

I. A primeira ressalva a realizar quanto à modificação é que, a mesma só se


concretiza por acordo de ambas as partes e tal como menciona Catarina Monteiro Pires:

“A adaptação deve ser exigível para ambas as partes e deve orientar-se


pelo sentido e pelo fim do contrato em causa e pela distribuição do
risco”.235

Como ponderação acrescento a posição de Oliveiras Ascensão:

“O equilíbrio visado não representa necessariamente uma repartição


igualitária de vantagens e encargos. Isto porque o negócio pode ter
elementos de liberdade”. 236

6.6.3.3. Hierarquia nos meios de reação?

I. Como já mencionado o artigo 437.º do Código Civil, permite a escolha entre


resolução e modificação do contrato, pelo que Catarina Monteiro Pires questionou se se
poderia abordar a possibilidade de existência de uma hierarquia entre os dois meios de
defesa apresentados. Para tal há que primeiro expor a posição de Almeida Costa:

234
Paulo Mota Pinto, 2008: 998.
235
Catarina Monteiro Pires, 2019: 194.
236
José de Oliveira Ascensão, 2007: 531.

117
“(…) o lesado é livre de solicitar a resolução ou modificação equitativa
das suas clausulas”.237

A autora Catarina Monteiro Pires vai mais longe ao explicar o porquê de ser
necessário escolher qual o meio de defesa mais adequado defendendo:

“A determinação de reação adequado e proporcional só pode realizar-se


perante o circunstancialismo concreto e aquilo que, in casu, seja exigível
a cada uma das partes”. 238

II. No entanto em smart contracts a escolha poderá não ser de fácil concretização,
uma vez que, tendo em conta o ordenamento português e antendendo às regras da
resolução ainda aplicadas no nosso ordenamento, poderá não ser possível a resolução do
contrato, uma vez que, não se poderá concretizar a retroatividade nesta categoria de
contratos.

III. Por outro lado, também a modificação do contrato será um obstáculo difícil
de contornar, uma vez que, como característica principal de smart contract é que o mesmo
é imutável, não podendo as partes realizar qualquer alteração ao contrato original assim
que o mesmo seja celebrado e inserido em blockchain.

6.6.4. Mora do lesado

I. Após análise do preceito postulado no artigo 437.º do Código Civil, cabe de


seguida analisar a figura da mora do lesado estabelecida no artigo 438.º do Código Civil
que afasta a modificação ou a resolução quando a parte lesada se encontrava já em mora.

O preceito justifica-se assim, como anuncia Oliveira Ascensão, evitar injustiças:

“Há que procurar a ratio do preceito. Esta é clara: se nenhuma anomalia


teria surgido caso o contrato tivesse sido pontualmente cumprido e só

237
Mário Júlio de Almeida Costa, 2010: 347 e 348.
238
Catarina Monteiro Pires, 2018: 191.

118
assim não aconteceu em consequência da mora de quem agora invoca a
lesão, a transgressão praticada exclui que possa beneficiar do instituto”. 239

II. Quanto à prestação já em mora defende o autor mencionado que, a mesma não
se encontra sujeita às consequências da resolução ou modificação por invocação da
alteração anormal, conclui-se que apenas as prestações futuras beneficiariam da figura da
alteração das circunstâncias.

O presente preceito é altamente problemático quando se trata da sua possível


aplicação a smart contracts, uma vez que, tal como analisado anteriormente quando se
tratou da mora em smart contracts é que esta figura não é aplicada em smart contracts,
pelo que levanta questões complexas.

Utilizando o exemplo do contrato de seguro de navios de guerra, caso haja alguma


falha que impeça a transmissão da localização da embarcação, de facto poderia falar-se
em mora, no entanto não é nunca possível imputar a falha reportada ao devedor, pelo que
a mora e por isso afastada.

III. Existe assim a necessidade de apreciar a distribuição do risco, o que será


aconselhado estabelecer cláusulas de distribuição do risco aquando da celebração do
contrato, uma vez que como já tratado inúmeras vezes ao longo do presente trabalho,
existem situações em que aprestação não é imediatamente cumprida, contrariando
ligeiramente a ideia de execução imediata em smart contracts.

Como exemplo de cláusulas de distribuição do risco é possível apresentar a


cláusulas de hardship e cláusulas de força maior que correspondem à:

“(…) utilização do contrato como forma de controlo e mitigação do risco


de superveniências contratuais”240

As cláusulas mencionadas permitem assim, às partes determinarem


antecipadamente a distribuição do risco permitindo, não só afastar a distribuição do risco
imposta pelo ordenamento português, como também no caso de lacuna as partes ficam
salvaguardas pelo resultado previsto no próprio contrato.

239
José de Oliveira Ascensão, 2007: 533.
240
Catarina Monteiro Pires, 2019: 395.

119
IV. Cabe, no entanto, densificar o que se entende por força maior, e para tal Ana
Perestrelo de Oliveira indica:

“A qualificação de um evento como força maior para efeitos da cláusula


contratual depende, exclusivamente, da interpretação do contrato e não de
um exercício de correspondência com o conceito legal de impossibilidade.
Os contratos variam nas técnicas utilizadas: podem conter uma cláusula
geral de força maior, elencar eventos específicos ou recorrer a uma
conjugação de ambas as técnicas”. 241

No ordenamento português, as cláusulas de força maior têm uma correspondência


a casos de impossibilidade podendo as mesmas serem temporárias ou definitivas.

Pergunto por isso se, não estaremos perante uma impossibilidade temporária
quando o devedor não cumpre em tempo devido, mas que esse atraso não lhe seja
imputável.

Sendo aplicado o disposto do artigo 792.º do Código Civil, suspendendo-se


temporariamente o dever de prestar, não se falando na verdade de mora. Pelo que não se
poderia aplicar por lógica de razão, o disposto do artigo 438.º do Código Civil.

V. A solução apresentada baseia-se na falta de imputabilidade da falha de


cumprimento no prazo devido, que por seu turno se poderá referir a falta de atribuição de
culpa à parte fiel.

7. RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS EM SMART CONTRACTS

I. Como concluído anteriormente a impossibilidade superveniente absoluta poderá


ser aplicada em smart contract sempre que resulte de atos ou omissões imputáveis a
terceiros.

Importa, por isso, apreciar a responsabilidade de terceiros.

241
Ana Perestrelo Oliveira, 2020: 70.

120
II. A impossibilidade superveniente absoluta extingue o dever de prestar, tal como
resulta dos artigos 790.º e seguintes do Código Civil. No entanto, o preceito citado prevê
a extinção da obrigação desde que o terceiro não seja auxiliar do devedor. Cabendo quanto
ao tema apresentar a distinção apresentada por Fernando Pessoa Jorge:

“(…) há a distinguir os terceiros que nada têm a ver com a obrigação,


daqueles que são chamados a colaborar no cumprimento, quer como
auxiliares do devedor, quer como auxiliar do credor”242

A distinção é fundamental, pois o devedor é responsável pelo incumprimento


causado por auxiliares aos quais recorreu para cumprimento da obrigação.

Relembro aqui mais uma vez, dois exemplos já apresentados que julgo serem
importantes para concretização da distinção apresentada.

O primeiro exemplo corresponde à impossibilidade superveniente temporária, do


pagamento devido, por erro provocado por oráculos. Contudo e reiterando o que já fora
dito, julgo o trabalho realizado pelos oráculos, beneficiar o contrato celebrado e não se
encontrarem dependentes das partes, auxiliando a concretização do contrato uma vez que
as plataformas blockchain detêm limitações, como a obtenção de informação atualizada
externa à própria plataforma.

No exemplo apresentado será por isso aplicado o disposto no artigo 792.º do


Código Civil, por se considerada uma impossibilidade temporária, pelo que apenas será
aplicado o artigo 780.º do Código Civil a exemplos em que o auxiliar provocar a
impossibilidade superveniente absoluta, criando como consequência a extinção da
obrigação de cumprimento da prestação.

O segundo exemplo aqui chamado à colação corresponde à necessidade das partes,


recorrerem a uma terceira parte para redação do contrato em código matemático, aqui o
programador é auxiliar da parte existindo uma relação especial.

O auxiliar pode ser chamado a colaborar, tanto pelo credor como pelo devedor, no
entanto para que o devedor possa invocar a impossibilidade superveniente, é necessário
que o auxiliar seja estranho à sua pessoa, isto é, o facto do terceiro não poder ser imputável
ao próprio devedor. É o que sucede, quando o credor pede auxílio de um programador

242
Cláudia Alexandra dos Santos Madaleno, 2014: 478.

121
para transposição do acordo acordado pelas partes, em código matemático. O
programador poderá realizar uma incorreta transcrição que levará ao incumprimento por
parte do devedor. Ora no exemplo exposto, é necessário tal como expõe Fernando Pessoa
Jorge, distinguir entre a relação existente entre o devedor e o auxiliar, da relação existente
entre o credor e o auxiliar. Assim, a relação entre devedor e auxiliar corresponde a uma
situação de:

“(…)dependência em relação ao devedor não era referente ao


cumprimento da obrigação em causa das situações em que o era”.243

III. O devedor será responsável por atos praticados pelo auxiliar, quando tenha
sido este a introduzir de forma voluntária o auxiliar, aplicando-se o disposto do artigo
800.º do Código Civil.

Caso o auxiliar tenha sido invocado de forma voluntária pela parte credora, o
devedor não responde por atos deste, concretizando-se aqui a figura da impossibilidade
superveniente liberando-se o devedor do cumprimento da prestação.

IV. Podendo concluir-se que no exemplo apresentado o credor ao pedir ao


programador que realize a transcrição em código do acordo estabelecido pelas partes, e
este realize incorretamente a transcrição, resulta numa libertação para o devedor do seu
dever de cumprir.

243
Cláudia Alexandra dos Santos Madaleno, 2014: 481.

122
CONCLUSÃO

O objetivo do presente trabalho foi analisar a aplicabilidade das diversas


modalidades de perturbações no cumprimento aos smart contracts.

As figuras pertencentes às perturbações no cumprimento, poderão ser aplicadas


aos smart contracts, sempre que as tais perturbações não sejam imputáveis a atuações ou
omissões das partes contratantes.

Ora como analisado no capítulo correspondente, o ordenamento jurídico


português determina o dever de cumprir pontualmente o contrato (ver artigo 406.º do
Código Civil), e tal como mencionado aos smart contracts o momento do contrato ocorre
no momento da aceitação do mesmo, uma vez que este tipo contratual é autoexecutável.

Dada esta característica, tão própria e única, existem autores que defendem a
inevitabilidade do cumprimento dos smart contracts, isto porque, o próprio software
reconhece o cumprimento do contrato.

Contudo as plataformas blockchain não são infalíveis, pelo que é possível surgir
situações em que de facto existe incumprimento da prestação, tal como expõe o exemplo
apresentado anteriormente, em que as taxas de câmbio foram realizadas erroneamente
pelos oráculos. Neste exemplo existe incumprimento do valor devido, por ato imputável
aos oráculos.

Os atos e omissões que levam à aplicação das figuras do incumprimento definitivo


e impossibilidade superveniente, nos smart contracts, deverão ser imputáveis a terceiros
e não às partes contratantes, tendo em conta a característica autoexecutável dos smart
contrcts.

Como meios de reação após aplicação da figura do incumprimento, cabe apreciar


em pormenor a figura da resolução, uma vez que o ordenamento português ao contrário
de diversos outros, tais como o alemão e o inglês, prevê o efeito retroativo da figura da
resolução. Não sendo aplicado o meio de defesa resolução nos smart contracts, pois estes
são imutáveis, surgindo a indemnização como meio de defesa mais apropriado em caso
de incumprimento. Pode o Tribunal identificar as partes e obrigar o sujeito infiel a realizar
o pagamento da indemnização.

123
A figura da mora, após a sua análise, é possível concluir que a mesma não é
aplicada em smart contracts. É possível chegar à presente conclusão, tendo em conta o
ordenamento jurídico português o qual determina a necessidade de imputação ao credor
ou devedor os atos ou omissões que levaram à aplicação da figura da mora. Sendo smart
contracts autoexecutáveis, o atraso do cumprimento não poderá ser imputável às partes
contratantes.

No entanto é de salientar que em sistemas de Comman Law, a mora surge quando


uma parte deixa de cumprir, não exigindo que o incumprimento seja imputável às partes.

Quanto ao cumprimento defeituoso, é necessário analisar a figura tendo presente


duas questões importantes, se serão aplicados os mecanismos de defesa previstos em
casos de cumprimento defeituoso na compra e venda ou se será aplicada por analogia
mecanismos de defesa previstos na inexecução da empreitada, uma vez que smart
contracts se categorizam como contratos atípicos.

Ora, como mencionado o meio de defesa da resolução não é aplicado em smart


contracts, uma vez que não é possível a retroatividade em smart contracts, assim como
não é possível efetuar a redução de preço previsto nos mecanismos de defesa da
inexecução da empreitada, tendo em conta a imutabilidade do tipo contratual em causa.

Pelo que a indemnização será o meio de defesa mais adequado, podendo concluir-
se pela aplicação da figura do cumprimento defeituoso previsto para a compra e venda,
nos artigos 905.º e seguintes do Código Civil.

Como última figura relativa às perturbações ao cumprimento analisado, temos por


fim a figura da alteração das circunstâncias.

Esta figura é altamente questionável e a sua aplicabilidade em smart contracts,


tendo em conta que estes em princípio serão contratos de regulação de relações
instantâneas e não duradouras. Contudo, e tendo como auxiliar a apresentação do exemplo
de uma companhia de seguros que realiza contratos de seguro através de smart contracts
é possível apreciar a figura da alteração das circunstancias no caso apresentado, pois neste
exemplo a segurado retira o valor do prémio tendo em conta a localização do navio, ora
apesar de o cumprimento do contrato ser considerado automático a verdade é que a
seguradora permanece em contacto com o segurado, pelo que se poderá considerar uma
relação duradoura.

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