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RELAÇÕES OBRIGACIONAIS

CONTRATUAIS E
EXTRACONTRATUAIS

Autoria: Amanda Muniz Oliveira

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Cristiane Lisandra Danna
Norberto Siegel
Camila Roczanski
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Bárbara Pricila Franz
Marcelo Bucci

Revisão de Conteúdo: Priscilla Camargo


Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais
Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Copyright © UNIASSELVI 2018
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

OL48r

Oliveira, Amanda Muniz


Relações obrigacionais contratuais e extracontratuais. / Amanda
Muniz Oliveira – Indaial: UNIASSELVI, 2018.

146 p.; il.


ISBN 978-85-53158-20-1

1.Obrigações – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 342.81085
Amanda Muniz Oliveira

Doutoranda em Direito pela Universidade


Federal de Santa Catarina - UFSC e Mestra em
Direito pela mesma Universidade. Natural de Montes
Claros – MG, obteve o bacharelado em Direito no ano
de 2013, pelas Faculdades Santo Agostinho (FADISA)
- MG. É pesquisadora do “Núcleo de Estudos Conhecer
Direito – NECODI” (UFSC) e do Grupo de Pesquisa
“Modelagem e Compreensão de Sistemas Sociais: Direito,
Estado, Sociedade e Política” (UFSC), no qual participa do
Projeto de Pesquisa “Lilith: Direito das Mulheres”. Dedica-
se a pesquisas interdisciplinares na área de Direito e Arte,
com ênfase em Rock, Literatura e Cultura Pop. Também
se dedica aos estudos de epistemologia jurídica,
sociologia do conhecimento, métodos e teorias das
ciências humanas, direitos das mulheres e direito
e gênero. Possui experiência nas áreas de Direito
Civil, Hermenêutica Jurídica, Ética Profissional e
Metodologia da Pesquisa.
Sumário

APRESENTAÇÃO.....................................................................07

CAPÍTULO 1
Teoria das Obrigações Contratuais...................................09

CAPÍTULO 2
Modalidades Contratuais.....................................................43

CAPÍTULO 3
Teoria das Obrigações Extracontratuais:
Obrigações por Declaração
Unilateral de Vontade.........................................................115
APRESENTAÇÃO
A presente obra dedica-se a um dos mais importantes temas do direito civil:
as relações obrigacionais contratuais e extracontratuais no mundo contemporâneo.
Tradicionalmente concebidas em contextos individualistas, nos quais o sujeito
de direito é um indivíduo metafísico e a igualdade meramente formal impera, tais
relações adquiriram novas nuances e, portanto, precisam ser analisadas a partir de
um outro viés.

Neste sentido, o civilista em geral e o contratualista, em especial, se veem diante


de um desafio integrador e interdisciplinar: perceber as normas deste ramo do direito
como parte de um ordenamento constitucional, sem dúvidas, mas mais que isso,
como importante componente das próprias relações sociais hoje existentes.

Diariamente celebramos contratos, ainda que de forma inconsciente. Os pães


comprados na padaria para o café da manhã são objetos de contrato compra e
venda, o combo de internet, celular e TV à cabo são fornecidos mediante contrato
de prestação de serviços e mesmo a carona a algum amigo ou colega de trabalho
pode configurar contrato de transporte. Neste sentido, é crucial tomar ciência das
implicações jurídicas destes atos cotidianos, seja para exigir direitos, seja para
cumprir corretamente as obrigações.

Iniciamos o tema a partir da teoria geral das obrigações contratuais, adotando


como objetos de estudo o conceito e finalidade do direito contratual, identificando suas
funções e características. Neste primeiro capítulo, estudamos ainda os requisitos de
validade do contrato, os princípios específicos do direito contratual, a formação de
contratos e seus efeitos e formas de extinção.

O segundo capítulo tem como tema central as diversas espécies de contrato


elencadas no Código Civil e em outras legislações esparsas. Aqui, estudamos as
características e particularidades concernentes a cada tipo contratual, a aplicação da
lei e dos princípios contratuais às espécies de pacto, e procuramos, ainda, fornecer
subsídios para que o leitor possa, por si só, analisar os ônus e bônus de cada contrato,
visando o melhor interesse das partes.

O terceiro e último capítulo aborda outros tipos de obrigação, originadas não pela
vontade individual (como no caso dos contratos), mas por força de dispositivos legais.
São as declarações unilaterais de vontade, taxativamente expressas em lei, gerando
consequências jurídicas que escapam ao poder decisório do sujeito. Apresentamos,
neste capítulo, as principais espécies de obrigações extracontratuais unilaterais,
procurando evidenciar suas diferenças e particularidades em relação aos contratos
já estudados.
Esta obra pretende, assim, facilitar o estudo das obrigações contratuais
e extracontratuais, temas de grande relevância no direito civil e no mundo
contemporâneo, a partir de um viés simples, objetivo e direto. O leitor encontrará
atividades de estudo, dicas de leituras complementares e algumas notícias atuais
relacionadas aos assuntos estudados, tudo isso visando uma interação didática e
acessível.

Amanda Muniz Oliveira.


C APÍTULO 1
Teoria das Obrigações
Contratuais
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes
objetivos de aprendizagem:

 Compreender a concepção do direito contratual e sua finalidade, identificando


suas funções e características.

 Os requisitos de validade do contrato, seus princípios fundamentais e sua


formação.

 Os efeitos oriundos da relação contratual e as formas de extinção de um


contrato.

 Contratos válidos e seguros às partes interessadas.


Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

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Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

ContextualiZação
Neste capítulo, passaremos ao estudo de um elemento central do Direito
Civil: o contrato. Compreendido como um acordo de vontades que irá criar
normas vinculantes entre seus celebrantes, a figura do contrato é tão antiga que
suas origens históricas são imprecisas. É possível encontrar sua presença em
textos cuneiformes mesopotâmicos e em documentos históricos do Egito antigo;
no medievo (século XV) circulou-se a lenda do Dr. Johann Georg Faust, que teria
celebrado um contrato com o próprio diabo, incutindo no imaginário social a ideia
de que os contratos são armadilhas sem escapatória.

No mundo contemporâneo, grande parte das relações jurídicas é estabelecida


por meio de contratos. Da simples compra para o café da tarde na padaria mais
próxima, à venda de um imóvel registrada em cartório, estamos em constante
interação com essa figura jurídica, ainda que não nos demos conta disso.

Desta forma, é de suma importância que o jurista compreenda a fundo a


teoria das obrigações contratuais, no intuito de aprimorar sua prática jurídica e
de prestar um melhor auxílio a seus eventuais clientes contratantes. Ter ciência
de seus requisitos de validade, seus princípios norteadores, suas hipóteses de
celebração e extinção, bem como seus efeitos, pode ser a diferença entre a
firmação de um negócio lucrativo e um que nada ofereça além de desastrosos
prejuízos. Este, portanto, será nosso foco de estudo no presente capítulo.

Conceitos e ReQuisitos de
Validade do Contrato
Juristas de diversas épocas têm se dedicado a conceituar o termo contrato.
Conforme Farias e Rosenvald (2012), é possível encontrar múltiplos significados
do vocábulo na história de Roma; o que mais se aproxima da ideia moderna de
contrato refere-se a um acordo de vontades a respeito de um assunto. Todavia,
para gerar obrigações, esse contrato deveria possuir existência física, material, ou
seja, um mero acordo verbal mostrava-se insuficiente. Talvez por isso ainda hoje
diversas pessoas ignorem a existência do contrato verbal, não se dando conta
de que a simples compra de uma fruta na quitanda mais próxima constitui um
contrato de compra e venda.

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Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

No século XIX, Farias e Rosenvald (2012) apontam os paradigmas do


liberalismo e individualismo como as bases das relações contratuais, o que na
prática significava uma liberdade absoluta de contratar. Na segunda metade do
século XIX e início do século XX, os abusos oriundos deste tipo de concepção
serão denunciados e, portando, uma nova forma de se conceber
O contrato é um
negócio jurídico por os contratos irá emergir. Limites legais serão impostos, visando
meio do qual as resguardar uma certa igualdade entre as partes, protegendo o indivíduo
partes declarantes, hipossuficiente.
limitadas pelos
princípios da
função social e da Neste sentido, atualmente podemos adotar o conceito cunhado
boa-fé objetiva,
autodisciplinam os por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2014, s.p.): “o
efeitos patrimoniais contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes,
que pretendem limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva,
atingir, segundo a
autonomia das suas autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo
próprias vontades a autonomia das suas próprias vontades”.

O contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes


declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-
fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem
atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades.

Compreendido o conceito jurídico de contrato, vejamos agora seus requisitos


de validade.

A natureza jurídica do contrato é de negócio jurídico, ou seja, um negócio


constituído a partir da manifestação da vontade das partes visando alcançar
efeitos específicos. Por essa razão, os contratos devem obedecer aos requisitos
gerais de validade do negócio jurídico.

Apesar de ser um tema exaustivamente trabalhado na Parte Geral do


Direito Civil, entendemos que é preciso relembrar, ainda que de forma genérica e
abrangente, os requisitos de validade do gênero negócios jurídicos, cujo contrato
é espécie.

Para ser válido e, portanto, gerar os efeitos pretendidos, o negócio jurídico


precisa ser analisado a partir de três planos principais:

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Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

• Plano da Existência.
• Plano da Validade.
• Plano da Eficácia.

Vejamos cada um deles.

a) O plano da existência
O plano da
O plano da existência refere-se aos elementos imprescindíveis para existência refere-
se aos elementos
a própria existência do contrato; ausente qualquer um deles, o contrato imprescindíveis para
sequer existe juridicamente. Tais elementos são: sujeitos, as partes a própria existência
do contrato; ausente
que celebrarão o contrato; vontade, ou seja, o desejo destes sujeitos qualquer um deles,
contratantes; forma, o meio pelo qual o contrato será materializado (de o contrato sequer
forma verbal, escrita, eletrônica, etc.); e objeto, o bem ou a obrigação existe juridicamente.
abordada no contrato.

b) O plano da validade

O plano da validade irá impor alguns limites ao plano da existência:


Caso algum dos
não é qualquer sujeito que pode contratar, assim como não é qualquer elementos do plano
vontade manifesta que dará validade ao contrato. Veja: caso algum da validade esteja
ausente, o contrato
dos elementos do plano da validade esteja ausente, o contrato até até poderá existir
poderá existir juridicamente, mas não produzirá efeitos, porque possui juridicamente,
algum tipo de invalidade. Os elementos de validade são: sujeito mas não produzirá
efeitos, porque
dotado de capacidade jurídica; vontade livre e sem qualquer vício de possui algum tipo de
consentimento; forma livre ou não proibida por lei; objeto lícito, possível, invalidade.
determinado ou ao menos determinável.

Em outras palavras, segundo os requisitos do plano da validade, o indivíduo


deve ser capaz (ver artigos 3º, 4º e 5º do Código Civil) e sua vontade não pode,
de forma alguma, ser dissimulada (ver artigos 138 ao 165 do Código Civil). A
exteriorização do contrato deve obedecer aos limites legais. Em regra, nosso
ordenamento adota a forma livre, permitindo que os indivíduos adotem as formas
que melhor lhe convirem (ver artigo 107 do Código Civil); em algumas situações,
entretanto, a lei estabelece a forma obrigatória a ser seguida, de maneira que se
um contrato for celebrado de forma diferente da estipulada, será inválido.

Por fim, o objeto deve ser lícito e possível e, se não determinado ao tempo
do contrato, deve ser determinável, pelo menos, até a data escolhida para o
cumprimento do acordo. É o caso de contratos de colheita; pode-se acordar que
no mês de julho serão vendidas 15 sacas de café, mas a espécie de café só será
determinada nesse mês, pois depende da safra.

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Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

c) O plano da eficácia

O último plano refere-se à eficácia, ou seja, ao momento a partir


Em geral, os
contratos produzem do qual o contrato estipulado produzirá seus efeitos. Em geral, os
efeitos imediatos, contratos produzem efeitos imediatos, podendo as partes, entretanto,
podendo as partes,
entretanto, optarem optarem pela produção de efeitos futuros a partir do termo, condição
pela produção de ou encargo. O termo é um evento futuro e certo, por exemplo, uma
efeitos futuros a data do ano; a condição é um evento futuro e incerto, como um
partir do termo,
condição ou casamento; o encargo é um ônus a ser cumprido para que os efeitos
encargo. sejam produzidos; como exemplo, doarei uma casa à minha irmã se
ela se comprometer a cuidar dos gatos que nela habitam.

Tendo em vista os planos abordados, podemos construir o seguinte quadro


geral:

Quadro 1 - Planos do Negócio Jurídico

Plano de Existência Plano de Validade Plano da Eficácia

Sujeito Capaz Eficácia imediata

Vontade Livre, sem vícios de consentimento Termo

Forma Livre, não proibida por lei Condição


Lícito, possível, determinável ou determi-
Objeto Encargo
nado
Fonte: A autora.

OBS: O plano da validade depende do plano da existência; se um


Elementos de
existência do dos elementos de existência não está presente no contrato, ele não
negócio jurídico: existe juridicamente, motivo pelo qual não há que se falar em invalidade,
um sujeito, que mas em inexistência. Pontes de Miranda (1900) coloca os três planos
manifesta vontade,
de alguma forma, distintos numa escada, como se fossem três degraus, quando se
sobre um objeto. sobe um deles, significa que o degrau debaixo foi cumprido, ou seja,
Este sujeito deve ser as regras foram cumpridas. Assim, quando os elementos do plano de
capaz; a vontade
deve ser livre e existência não são observados, o contrato será inexistente; quando os
sem defeitos, a pressupostos do plano de validade não forem observados, o contrato
forma livre ou não será inválido; e, finalmente, quando os fatores de eficácia não forem
proibida por lei e
o objeto precisa observados, o contrato será ineficaz.
ser lícito, possível,
determinado ou Para facilitar o estudo dos requisitos gerais de validade, sugerimos
determinável.
ao aluno lembrar-se dos elementos de existência do negócio jurídico:
um sujeito, que manifesta vontade, de alguma forma, sobre um objeto.

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Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

Este sujeito deve ser capaz; a vontade deve ser livre e sem defeitos, a forma
livre ou não proibida por lei e o objeto precisa ser lícito, possível, determinado ou
determinável.

Atividades de Estudos:

1) Levando em consideração que os contratos estão diretamente


relacionados à autonomia da vontade, como podemos conceituá-los?
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2) Quais são os requisitos de validade do contrato?


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PrincÍpios Fundamentais
do Direito Contratual
Conforme o jusfilósofo Guerra Filho (2002, p. 92), os princípios

[...] encontram-se em um nível superior de abstração, sendo


igual e hierarquicamente superiores, dentro da compreensão
do ordenamento jurídico como uma ‘pirâmide normativa’
(Stufenbau), e se eles não permitem uma subsunção direta de
fatos, isso se dá indiretamente, colocando regras sob o seu
‘raio de abrangência’.

Desta forma, é correto afirmar que cada ramo do direito deve ser aplicado e
interpretado de acordo com parâmetros basilares, os princípios, que lhes darão
certo direcionamento para a prática jurídica.

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Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

O direito contratual também possui seus princípios específicos,


O direito contratual
também possui que deverão reger todo o negócio, de sua celebração (e até antes dela)
seus princípios à sua extinção. São eles: 1) Autonomia da vontade; 2) Supremacia
específicos, que da ordem pública; 3) Consensualismo; 4) Relatividade dos efeitos; 5)
deverão reger
todo o negócio, de Obrigatoriedade; 6) Revisão ou onerosidade excessiva; 7) Boa-fé; 8)
sua celebração (e Função social dos contratos.
até antes dela) à
sua extinção. São
eles: 1) Autonomia Como bem destacam Gagliano e Pamplona Filho (2014), não se
da vontade; 2) pode esquecer, porém, que o direito dos contratos deve sempre ser
Supremacia da
ordem pública; 3) observado sob a luz do princípio basilar de nosso atual paradigma
Consensualismo; constitucional, ou seja, o princípio da dignidade da pessoa humana.
4) Relatividade
dos efeitos; 5) Desta forma, caso o contrato não seja cumprido, “o credor não pode
Obrigatoriedade; pretender lançar mão de mecanismos atentatórios à dignidade da
6) Revisão ou pessoa humana, senão quando a própria Constituição expressamente
onerosidade
excessiva; 7) Boa- admitir o sacrifício de um valor individual tendo em vista fins superiores”
fé; 8) Função social (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, s.p.).
dos contratos.

Feita essa ressalva, passemos ao estudo dos princípios do direito


contratual.

O princípio da a) Princípio da autonomia da vontade


autonomia da
vontade é o poder De acordo com este princípio, os indivíduos são livres para
dos indivíduos
constituírem contratarem se quiserem, com quem quiserem e sobre o que quiserem.
regras próprias, Assim, o princípio da autonomia da vontade é o poder dos indivíduos
válidas entre si, em
observância aos constituírem regras próprias, válidas entre si, em observância aos
limites estabelecidos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico. A liberdade contratual
pelo ordenamento encontra amparo nos artigos 421 e 425 do Código Civil, que concedem
jurídico.
essa prerrogativa máxima aos particulares.

Entretanto, como é de se supor, a liberdade contratual não é ilimitada; ela


deverá ser exercida dentro dos parâmetros legais e de forma a não ofender os
demais princípios elencados.

Além disso, em nossa sociedade atual, a autonomia da vontade encontra, cada


vez mais, limitações, como bem recorda Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 34):

[...] a faculdade de contratar e de não contratar (de contratar se


quiser) mostra-se, atualmente, relativa, pois a vida em sociedade
obriga as pessoas a realizar, frequentemente, contratos de
toda espécie, como o de transporte, de compra de alimentos,
de aquisição de jornais, de fornecimento de bens e serviços
públicos (energia elétrica, água, telefone etc.). [...] Também
a liberdade de escolha do outro contraente (de contratar
com quem quiser) sofre, hoje, restrições, como nos casos de

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Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

serviços públicos concedidos sob regime de monopólio e nos


contratos submetidos ao Código do Consumidor. E, em terceiro
lugar, o poder de estabelecer o conteúdo do contrato (de
contratar sobre o que quiser) sofre também, hodiernamente,
limitações determinadas pelas cláusulas gerais, especialmente
as que tratam da função social do contrato e da boa-fé objetiva,
do Código de Defesa do Consumidor e, principalmente, pelas
exigências e supremacia da ordem pública.

Esta última limitação mencionada pelo autor, a supremacia da ordem pública,


é justamente o segundo princípio a ser analisado.

b) Princípio da supremacia da ordem pública

O conceito de ordem pública é abstrato e difícil de ser delineado. Levando


em consideração que uma ampla e irrestrita liberdade de contratar poderia gerar
cenários injustos e esdrúxulos, tal princípio assegura a não exploração de uma
das partes contratantes.

Para Gagliano e Pamplona Filho (2014), a ordem pública nada mais é que
um conjunto de princípios jurídicos, políticos e econômicos a serem observados
pelo direito contratual. Neste sentido, segundo Sílvio Rodrigues (2002, p. 16), a
“ideia de ordem pública é constituída por aquele conjunto de interesses
A ordem pública
jurídicos e morais que incumbe à sociedade preservar. Por conseguinte, constitui um limite
os princípios de ordem pública não podem ser alterados por convenção principiológico aos
entre os particulares”. possíveis abusos
que possam ser
originados a partir
Em síntese, a ordem pública constitui um limite principiológico aos da constituição de
um contrato.
possíveis abusos que possam ser originados a partir da constituição de
um contrato.

c) Princípio do Consensualismo

O consensualismo refere-se ao necessário acordo de vontades O consensualismo


para efetuação de um contrato. Neste sentido, pode-se entender que o refere-se ao
necessário acordo
negócio se efetua a partir do consenso entre os contratantes e não da de vontades para
entrega do bem em si. efetuação de um
contrato. Neste
sentido, pode-
Imagine, por exemplo, que você se dirige a uma banca de jornal se entender que
em busca de uma revista. Desde que você esteja de acordo com o o negócio se
efetua a partir do
preço ofertado pelo jornaleiro e este esteja de acordo em lhe vender a consenso entre os
revista escolhida, o contrato de compra e venda já se estabeleceu, em contratantes e não
da entrega do bem
observância ao princípio do consensualismo, pois existe um acordo de em si.
vontades.

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Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Caso você saia da banca com a revista sem efetuar o pagamento, ou caso
o jornaleiro se recuse a entregar o objeto comprado, estaremos diante da fase de
execução contratual, uma vez que o negócio já foi fechado, mas não devidamente
cumprido.

d) Princípio da relatividade dos efeitos do contrato

Suponha que você realize uma compra grandiosa na Polishop mais próxima,
mas se torne inadimplente. A loja, cansada de lhe procurar para cobrar o que
é devido, decide procurar o seu melhor amigo para que ele pague todos os
cinco conjuntos de panelas antiaderentes que você adquiriu. Essa situação é
juridicamente possível?

Princípio da Por certo que não. E a resposta negativa decorre, especialmente,


relatividade dos do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, segundo o qual os
efeitos do contrato,
segundo o qual os negócios firmados só terão validade entre as partes contratantes. Não
negócios firmados é possível que a relação alcance terceiro e seu patrimônio, que nada
só terão validade tem a ver com o convencionado.
entre as partes
contratantes. Não
é possível que a Certamente, este princípio possui algumas exceções, como o da
relação alcance estipulação em favor de terceiro e o contrato com pessoa a declarar,
terceiro e seu
patrimônio, que brevemente explanados por Gagliano e Pamplona Filho (2014, s.p.):
nada tem a ver com
o convencionado. Por meio da primeira previsão, [estipulação em favor de
terceiro] uma parte convenciona com o devedor que este
deverá realizar determinada prestação em benefício de
outrem, alheio à relação jurídica obrigacional original. Na
mesma linha, o contrato com pessoa a declarar é uma figura
contratual consagrada expressamente pelo novo Código Civil,
consistindo, em verdade, em uma promessa de prestação de
fato de terceiro, que também titularizará os direitos e obrigações
decorrentes do negócio, caso aceite a indicação realizada.

Este princípio também é limitado nos casos em que há violação da ordem


pública; caso uma empresa ofereça contrato com cláusula abusiva ao consumidor,
a cláusula será considerada nula para toda a coletividade e não apenas
Caso não haja para o consumidor efetivo de determinado produto.
nenhum tipo de
invalidade, nenhuma
afronta a algum e) Princípio da obrigatoriedade dos contratos
dos princípios
gerais do direito
ou aos princípios Pode parecer simplista à primeira leitura, mas, segundo tal
próprios do direito princípio, os contratos existem para serem cumpridos. Em outras
contratual, o pacto palavras, caso não haja nenhum tipo de invalidade, nenhuma afronta
deverá ser cumprido
exatamente nos a algum dos princípios gerais do direito ou aos princípios próprios do
termos em que foi direito contratual, o pacto deverá ser cumprido exatamente nos termos
convencionado.
em que foi convencionado.

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Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

Este princípio origina-se da necessidade de segurança jurídica nas relações


contratuais e da ideia de que o contrato faz lei entre as partes (que irá originar o
brocado pacta sunt servanda), não podendo ser alterado nem mesmo pelo poder
público, caso válido e não abusivo.

Algumas exceções a este princípio são: um novo acordo entre as partes, no


qual todos decidem alterar ou mesmo abolir contrato já pactuado, caso fortuito ou
força maior.

f) Princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva

Ancorado na teoria da imprevisão, também conhecida como rebus


Este princípio visa a
sic stantibus, este princípio visa a proteger as partes caso ocorra alguma proteger as partes
situação inusitada, imprevisível, que torne o contrato demasiadamente caso ocorra alguma
situação inusitada,
oneroso. Conforme Gonçalves (2014, p. 98): “É por essa razão que imprevisível, que
os tribunais não aceitam a inflação e alterações na economia como torne o contrato
causa para a revisão dos contratos. Tais fenômenos são considerados demasiadamente
oneroso.
previsíveis entre nós”.

Os artigos 478, 479 e 480 do Código Civil positivaram o referido princípio,


estabelecendo que, caso um acontecimento extraordinário e imprevisível torne
as prestações onerosas, as partes podem recorrer ao Judiciário ou para findar o
contrato ou para modificá-lo, afastando o excesso da forma que for possível.

g) Princípio da boa-fé Compreende-se


como princípio da
boa-fé a norma
O artigo 422 do Código Civil assim preceitua: “Os contratantes segundo a qual
são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em as partes devem
se comportar de
sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Neste sentido, maneira ética
compreende-se como princípio da boa-fé a norma segundo a qual e leal durante
as partes devem se comportar de maneira ética e leal durante todo o todo o processo
de formação do
processo de formação do contrato. Pode ser dividida em duas espécies: contrato.

• Boa-fé subjetiva: referente às regras de comportamento e eticidade nas


relações sociais, abrange das negociações iniciais ao fim do contrato.
• Boa-fé objetiva: desempenha uma função interpretativa, criadora de deveres
jurídicos anexos ou de proteção que irão limitar, por exemplo, a existência
de cláusulas abusivas. Uma colocação exemplar diz respeito a uma cláusula
contratual cujo conteúdo impedisse a aplicação da teoria da imprevisão, tem-
se, neste sentido, um dispositivo contratual que atenta contra a boa-fé objetiva,
já que viola princípio juridicamente positivado.

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Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

h) Princípio da função social dos contratos

O artigo 421 do Código Civil assim dispõe: “A liberdade de contratar será


exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”.

Porém, conforme Gagliano e Pamplona Filho (2014), o princípio da função


social dos contratos abrange um conceito aberto e indeterminado, de forma que é
preciso explorar suas nuances para então compreendê-lo.

Conforme Paulo Nalin (2002), o aludido princípio precisa ser analisado a


partir de duas perspectivas:

• Intrínseca: ou seja, entre as partes contratantes. Nesta perspectiva, os


indivíduos devem atuar conforme o princípio da boa-fé, respeitando os limites
éticos e a lealdade negocial.
• Extrínseca: ou seja, entre a relação contratual firmada e a coletividade. O
contrato deve ser observado também a partir do impacto que causará na
sociedade onde for firmado.

Desta forma, depreende-se que a função social do contrato diz respeito à


relação existente entre o contrato e a coletividade, como um todo, apesar de
gerar efeitos diretos apenas para as partes contratantes, em algumas situações
o contrato poderá causar impactos no social, positivos ou negativos. Conforme
Gagliano e Pamplona Filho (2014, s.p.):

[...] o contrato é considerado não só como um instrumento de


circulação de riquezas, mas, também, de desenvolvimento social.
Isso mesmo: desenvolvimento social. Sem o contrato, a economia
e a sociedade se estagnariam por completo, fazendo com que
retornássemos a estágios menos evoluídos da civilização
humana. Ocorre que todo desenvolvimento deve ser sustentado,
racionalizado e equilibrado. Por isso, ao concebermos a figura
do contrato – quer seja o firmado entre particulares, quer seja o
pactuado com a própria Administração Pública – não poderíamos
deslocá-lo da conjuntura social que lhe dá ambiência. Consoante
inferimos linhas acima, como chancelar como válido, por exemplo,
um negócio que, posto atenda aos seus pressupostos formais
Segundo o princípio de validade, desrespeite leis ambientais ou pretenda fraudar leis
da função social trabalhistas? Na mesma linha, não se pode admitir contratos que
dos contratos, os violem a livre concorrência, as leis de mercado ou os postulados
negócios firmados de defesa do consumidor, sob o pretexto de se estar incentivando
entre as partes a livre-iniciativa.
não podem ser
celebrados no intuito
de gerar impactos Desta forma, segundo o princípio da função social dos contratos,
socialmente
negativos, como o os negócios firmados entre as partes não podem ser celebrados no
desrespeito às leis intuito de gerar impactos socialmente negativos, como o desrespeito às
ambientais e/ou leis ambientais e/ou trabalhistas.
trabalhistas.

20
Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

Passamos, agora, ao estudo da formação dos contratos.

Formação dos Contratos


Visto que a autonomia da vontade é um elemento crucial para É possível falar em
celebração de contratos, passaremos agora ao estudo da formação três etapas gerais
para formação
dos contratos. Isto porque não basta que um indivíduo exteriorize sua contratual: 1)
vontade de contratar, é necessário que a outra parte esteja de acordo Negociações
preliminares; 2)
com a proposta oferecida. Neste sentido, é possível falar em três Proposta; e 3)
etapas gerais para formação contratual: 1) Negociações preliminares; Aceitação.
2) Proposta; e 3) Aceitação. Vejamos cada uma delas.

a) Negociações preliminares

Também conhecida como fase de puntuação, esta refere-se ao período inicial


de acordo, discussões e minutas a respeito do contrato. É neste momento que
reflexões, pesquisas de preço, cálculos e exposição de interesses antagônicos
devem ser realizados, pois ainda estamos falando de um contrato a ser efetuado
futuramente. É exatamente por isso que não há que se falar em obrigações
firmadas nesta etapa – as partes ainda estão discutindo os termos do contrato.

Imaginemos que irei efetuar a compra de um carro. Em um primeiro


momento, é necessário verificar o estado de conservação do automóvel, checar
sua regularização junto ao Detran, negociar com o vendedor as condições de
pagamento e possível desconto etc. Se a qualquer momento eu me desinteressar
pelo veículo, não há qualquer consequência jurídica, pois ainda estávamos na
fase de negociações preliminares.

Entretanto, é preciso lembrar que neste momento o princípio da boa-fé deve


ser observado, sob pena de gerar indenização por perdas e danos àquele que
agir de má-fé nesta etapa. Conforme Gonçalves (2014, p. 56):

Embora as negociações preliminares não gerem, por si mesmas,


obrigações para qualquer dos participantes, elas fazem surgir,
entretanto, deveres jurídicos para os contraentes, decorrentes
da incidência do princípio da boa-fé, sendo os principais os
deveres de lealdade e correção, de informação, de proteção
e cuidado e de sigilo. A violação desses deveres durante o
transcurso das negociações é que gera a responsabilidade
do contraente, tenha sido ou não celebrado o contrato.
Essa responsabilidade ocorre, pois, não no campo da culpa
contratual, mas da aquiliana, somente no caso de um deles
induzir no outro a crença de que o contrato será celebrado,
levando-o a despesas ou a não contratar com terceiro etc. e
depois recuar, causando-lhe dano.

21
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Observe, neste sentido, a seguinte ementa sobre o dever de indenizar em


caso de negociações preliminares:

EMENTA 04: REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS.


RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. PRINCÍPIO DA BOA-
FÉ OBJETIVA DOS CONTRATOS

Negociações preliminares a induzir os autores a deslocarem-se


até o Rio de Janeiro para a aquisição de veículo “seminovo” da ré, na
companhia de seu filho ainda bebê, gerando despesas. Deslealdade
nas informações prestadas, pois oferecido como “uma joia de carro”,
“impecável”, gerando falsas expectativas, pois na verdade o veículo
apresentava pintura mal feita, a revelar envolvimento em acidente
de trânsito. Omissão no fornecimento do histórico do veículo que
poderia confirmar as suspeitas de tratar-se de veículo batido. Danos
materiais, relativos às passagens aéreas e estadia e danos morais
decorrentes do sentimento de desamparo, frustração e revolta diante
da proposta enganosa formulada. Sentença confirmada por seus
próprios fundamentos. (Recurso Cível Nº 71000531376, Segunda
Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres
Hermann, Julgado em 08/09/2004).

Passadas as negociações preliminares, teremos, em seguida, a proposta.

b) Proposta de contratar

Positivada nos artigos 427 e nos seguintes do Código Civil, a proposta


consiste em uma oferta de contratar que uma parte faz a outra, de forma séria,
concreta e com real intenção de firmar contrato. Poderá ser feita de maneira
escrita ou verbal, desde que transmita a real intenção do proponente.

Nesta etapa, já se tem o início de um vínculo obrigacional, pois aquele que


faz a proposta não pode voltar atrás em sua palavra. Esta vinculação comporta,
porém, algumas exceções legais, a saber:

• Se a não obrigatoriedade é prevista na proposta, ou seja, quando o proponente


expressamente declarar que reserva seu direito de arrependimento.

22
Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

• Se a não obrigatoriedade resultar da própria natureza do negócio. Tem-se,


como exemplo, as queimas de estoque realizadas por lojas, a oferta é válida
enquanto durar o estoque, visto que findo o produto, é extinta também a
possibilidade de vendê-lo.
• Se a não obrigatoriedade resultar das circunstâncias do caso. Desta forma,
o juiz possui liberdade para auferir no caso concreto situações nas quais a
proposta não poderia ser considerada obrigatória.

Há que se falar, ainda, no prazo de validade das propostas. Seriam elas


ilimitadas temporalmente?

A resposta é não. O artigo 429 do Código Civil estabelece os prazos de


validade aplicáveis à proposta, diferenciando, porém, pessoas presentes de
pessoas ausentes. Assim, para melhor compreender o assunto, é preciso
diferenciar essas duas categorias.

Pessoas presentes são aquelas que mantêm um contato direto e ininterrupto,


tanto ao vivo quanto virtualmente (chats, messenger, whatsapp, desde que haja
resposta imediata etc.). O importante nessa situação é que o indivíduo tome
conhecimento da proposta assim que ela for realizada.

No caso das pessoas ausentes, isso não ocorre porque o meio de


comunicação utilizado não é imediato. Tem-se, por exemplo, propostas firmadas
por e-mail e as propostas de renegociação de dívidas enviadas por correio para a
casa do devedor.

Assim, dispõe o Código Civil que a proposta perde seu prazo de validade
quando:

Art. 428. [...] I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não
foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a
pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação
semelhante;
II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido
tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do
proponente;
III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a
resposta dentro do prazo dado;
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao
conhecimento da outra parte a retratação do proponente.

É importante destacar que no caso de pessoas ausentes, o contrato será


considerado formado a partir do momento em que a aceitação for enviada,
conforme artigo 434 do Código Civil. Todavia, a lei estabelece três exceções a
essa regra, a saber: 1) Se antes ou junto da aceitação chegar a desistência do

23
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

aceitante; 2) Se quem fez a proposta se comprometer a aguardar a chegada da


aceitação (forma-se o contrato, então, com a chegada e não com a expedição do
ato); 3) Se a aceitação não chegar no prazo combinado entre as partes.

EMENTA: BEM MÓVEL. COMPRA E VENDA. AÇÃO DE


REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. IMPROCEDÊNCIA.
DESCUMPRIMENTO DO PRAZO CERTO DE ENTREGA DA
MERCADORIA ADQUIRIDA. RECUSA DA MERCADORIA. CONTRATO
ENTRE AUSENTES. ART. 434 DO CC. CORREIO ELETRÔNICO.
PREVALECE A TEORIA DA EXPEDIÇÃO. EXISTÊNCIA DE PRAZO
LIMITE DECLARADO NA ACEITAÇÃO EXPEDIDA. ENTREGA
POSTERIOR. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL QUE PERMITIA A
RECUSA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

No caso de contrato entre ausentes aplica-se a regra do art. 434


do CC. Para a aceitação feita mediante correio eletrônico prevalece
a data da expedição, com o envio da mensagem. De qualquer modo,
na mensagem virtual expedida pelo aceitante constou o prazo final
estabelecido para a entrega, sem contrariedade do proponente. Daí
porque, descumprido o termo, a recusa está justificada e não há direito à
reparação de danos. (Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação:
APL 10372187820148260576 SP 1037218-78.2014.8.26.0576)

Vejamos, agora, a fase de aceitação.

c) Aceitação

A aceitação é a manifestação da vontade do indivíduo no sentido de


concordar com a proposta realizada. Conforme o artigo 431 do Código Civil, se
essa aceitação não for integral, teremos uma contraproposta, neste caso, a outra
parte deverá informar se aceita as mudanças sugeridas para que só então o
contrato se firme.

Caso a proposta seja feita entre ausentes, caso haja algum imprevisto que
faça com que a aceitação chegue tarde ao conhecimento do proponente, este
deve comunicar ao aceitante imediatamente sob pena de responder por perdas e
danos. Gagliano e Pamplona Filho (2014, s.p.) apontam o seguinte exemplo:

24
Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

Imagine-se, por exemplo, que Souza houvesse enviado a Frim


uma proposta para a venda de uma tonelada de bananas-
da-terra. Frim, então, dentro do prazo assinado, responde,
aquiescendo com a oferta. Ocorre que, por circunstância
imprevista, a carta é extraviada e somente chega às mãos do
proponente/vendedor (Souza) sete dias após o final do prazo
de resposta, já tendo o mesmo, inclusive, se comprometido a
vender as bananas a um terceiro, Geraldo. Deverá, pois, neste
caso, comunicar imediatamente a Frim o recebimento tardio
da sua resposta, sob pena de ser civilmente responsabilizado
pelos danos daí resultantes.

Além disso, a aceitação pode se dar de forma expressa ou tácita, conforme


artigo 432 do Código Civil: “Se o negócio for daqueles em que não seja costume a
aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o
contrato, não chegando a tempo a recusa”.

Assim, temos duas hipóteses. Imagine um comerciante que sempre


recebe em sua loja tecidos de algodão fiados por moradores locais, sem dizer
expressamente que aceita a mercadoria, realizando pagamento após cinco dias,
os tecidos sempre são deixados na loja e cinco dias depois o comerciante procura
os tecelões para fazer o pagamento. Há, aqui, uma aceitação tácita por costume,
já que nenhuma das partes exige a aceitação expressa, mas ainda assim firmam
contrato.

Um outro exemplo decorre de quando o próprio ofertante dispensa a aceitação


expressa. Imaginemos uma reserva de hotel não negada pelo estabelecimento.
Não há aceitação expressa do cliente que reservou o quarto, mas ainda assim o
contrato está celebrado.

Por fim, cumpre lembrar que o local de celebração do contrato é aquele


no qual foi realizada a proposta, conforme artigo 435 do Código Civil. Caso a
proposta tenha sido feita em local indeterminado, como em um voo ou em águas
internacionais, será considerado o lugar de domicílio do proponente.

ClassiFicação Geral dos Contratos


A classificação geral dos contratos nada mais é que um recurso A classificação geral
dos contratos nada
pedagógico utilizado para facilitar a compreensão das particularidades mais é que um
de cada contrato. Diferentes autores utilizarão diferentes classificações, recurso pedagógico
utilizado para facilitar
o que não prejudica o aprendizado da matéria justamente porque não a compreensão das
se trata de uma verdade universal, mas de um recurso utilizado para particularidades de
viabilizar o entendimento das características de cada contrato. cada contrato.

25
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

É importante mencionar que neste momento iremos apresentar uma


classificação genérica, sem nos ater a fundo a cada tipo contratual. Os contratos
em espécie serão estudados no capítulo 2.

No capítulo 2, você encontra um estudo aprofundado sobre as


espécies de contrato.

Tomaremos por base, aqui, a classificação adotada por Gagliano e Pamplona


Filho (2014), que assim classificam os contratos:

• Classificação dos Contratos quanto à Natureza da Obrigação


- Contratos Unilaterais, Bilaterais ou Plurilaterais.
- Contratos Onerosos ou Gratuitos.
- Contratos Comutativos ou Aleatórios.
- Contratos Paritários ou por Adesão.
- Contratos Evolutivos.

• Classificação dos Contratos quanto à Forma


- Solenes ou Não Solenes.
- Consensuais ou Reais.

• Classificação dos Contratos quanto à Designação

• Classificação dos Contratos quanto à Pessoa do Contratante


- Pessoais ou Impessoais.
- Individuais ou Coletivos.
- Autocontrato

• Classificação dos Contratos quanto ao Tempo

Comecemos, pois, a partir dos contratos classificados quanto à natureza da


obrigação.

a) Contratos classificados quanto à natureza da obrigação

Nesta classificação, é importante observar o tipo de obrigação a ser acordada


entre as partes: se apenas uma das partes receberá algum benefício, se há
prestação pecuniária para todas as partes etc.

26
Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

Inicialmente, há que se falar em contratos unilaterais e bilaterais


(plurilaterais). O contrato unilateral é aquele no qual apenas uma das partes
realiza prestação pecuniária, como exemplo, na doação pura: caso um pai queira
doar um carro ao filho, apenas o pai irá arcar com algum tipo de prestação. Ao
filho caberá apenas aceitar ou recusar o presente, não é necessário que efetue
pagamento algum ao pai.

Entretanto, se o pai estivesse vendendo o carro ao filho, estaríamos diante


de um contrato bilateral, pois a ambos caberia prestação pecuniária. Se a venda
fosse do pai ao filho e sua nora, teríamos um contrato plurilateral: produção
simultânea de prestações pecuniárias para os três envolvidos. Logo, bilateral
quando há apenas duas partes arcando com prestações pecuniárias, e plurilateral
quando existem mais de três indivíduos na mesma situação.

O contrato também poderá ser oneroso ou gratuito. No contrato oneroso,


todas as partes experimentam benefícios e deveres, como é o caso da compra
e venda. Já no contrato gratuito, apenas uma das partes receberá benefícios,
enquanto a outra arcará com o ônus, como é o caso da doação pura.

Entende-se contrato comutativo aquele no qual as obrigações se equivalem


e são conhecidas de início. Você entra em uma loja para comprar uma bela roupa
exposta na vitrine, desde já você conhece o produto, o valor a ser pago por ele
e, em regra, imediatamente o leva para casa. Porém, existem os contratos
aleatórios, nos quais a prestação só pode ser exigida por uma das partes em
razão de evento futuro. É o caso do contrato de seguro, a cobertura só pode ser
exigida da agência caso haja algum tipo de acidente.

Por fim, há que se falar ainda em contratos paritários e contratos de


adesão. Nos primeiros, há uma igualdade de condições de negociação entre as
partes: em ambos pode-se discutir valores, prazos, formas de pagamento etc. O
mesmo não ocorre nos contratos de adesão, uma das partes impõe cláusulas a
serem cumpridas e cabe a outra aceitar ou não, nem possibilidade de discussões.
Tem-se como exemplo os contratos de planos de telefone, internet e TV à cabo.

b) Contratos classificados quanto à forma

Em regra, nosso ordenamento jurídico não exige uma forma específica a ser
adotada (art. 107 do CC-02), motivo pelo qual o contrato verbal é perfeitamente
válido e eficaz, desde que celebrado mediante os requisitos já estudados. Tais
contratos são classificados como não solenes, já que dispensam formalidades
legais. Porém, em alguns casos, a lei estipula determinadas formalidades a
serem seguidas. Estes são os contratos solenes, como exemplo, os contratos
constitutivos translativos de direitos reais sobre imóveis acima do valor consignado
em lei, uma vez que o código exige a forma pública para a validade do ato.

27
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

O contrato poderá, ainda, ser consensual ou real, quanto à forma. O contrato


consensual é aquele que se concretiza com a mera declaração de vontade, e,
dado o aceite, firmado o acordo. Já os contratos reais exigem a entrega da coisa
para sua concretização, neste sentido, temos como exemplo os contratos de
mútuo, depósito e penhor.

c) Contratos classificados quanto à designação

Algumas espécies contratuais são designadas por lei, outras não, o que não
influencia na sua validade e eficácia. Desta forma, tem-se por nominados os
contratos especificamente tratados no Código Civil, como a compra e venda, e
inominados aqueles que não o são.

d) Contratos classificados quanto à pessoa do contratante

Segundo esta classificação, os contratos podem ser pessoais, impessoais,


individuais ou coletivos.

O contrato pessoal é aquele personalíssimo – celebrado unicamente em


função de uma pessoa. Considere, por exemplo, que você é um grande fã de
Pabllo Vittar e a tenha contratado para cantar em sua festa de aniversário. Veja:
não é possível que Anitta, Valesca ou Alcione cantem no lugar da artista, pois o
contrato é pessoal – você a contratou pelo seu talento específico.

Já o contrato impessoal visa apenas a realização do trabalho,


independentemente de quem o faça. Temos, como exemplo, o contrato de
prestação de serviços de limpeza para com uma empresa: não importa se Pablo,
Anitta, Valesca ou Alcione façam a limpeza, desde que o serviço em si seja
efetuado.

O contrato individual é o celebrado por pessoas determinadas,


individualmente consideradas: Anitta faz um contrato de compra e venda com
Alcione, estabelecendo o acordo entre elas. Já o contrato coletivo é aquele
celebrado por grupos não individualizados, reunidos por uma relação jurídica,
como no caso das convenções coletivas no direito trabalhista. O sindicato realiza
o acordo com a empresa, não Pablo ou Valesca.

Por fim, é importante mencionar a figura do autocontrato, que, apesar do


nome, não se trata de um contrato consigo mesmo. Suponhamos que você more
em Curitiba-PR e esteja vendendo um imóvel à sua amiga Yasmim, que mora
em Belém-PA. Como o preço das passagens é alto, Yasmim o nomeia como
seu representante legal, por meio de procuração, para que você resolva todos
os trâmites do negócio em nome dela. Veja: você é a parte contratual que está

28
Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

vendendo o imóvel e está atuando como representante legal da Yasmim, que está
comprando este mesmo imóvel – seu nome aparecerá duas vezes no contrato,
nos dois polos, mas com uma grande diferença: em um deles você age em nome
próprio, no outro, em nome alheio. A este fenômeno, chamamos autocontrato.

e) Contratos classificados quanto ao tempo de execução

De acordo com esta classificação, pode-se falar em contratos


instantâneos, como exemplo, a compra e venda à vista, ou de duração, como é o
caso da compra e venda a prazo.

EFeitos do Contrato
Em geral, é possível elencar quatro efeitos gerais oriundos dos Em geral, é possível
elencar quatro efeitos
contratos. O primeiro deles é a obrigatoriedade; uma vez firmado o gerais oriundos
pacto, ele se torna lei absoluta entre as partes, devendo ser cumprido dos contratos. O
conforme o combinado, se nele não há qualquer invalidade. O segundo primeiro deles é a
obrigatoriedade; O
refere-se à irretratabilidade; isto significa que o contrato previamente segundo refere-se à
estabelecido só poderá ser desfeito por outro contrato, chamado irretratabilidade; O
terceiro efeito é o da
de distrato (art. 472 CC). O terceiro efeito é o da intangibilidade; o intangibilidade; Por
contrato não poderá ser alterado por vontade única de uma das partes, fim, não custa lembrar
dependendo de um consenso mútuo para que haja a efetivação de que o contrato
possui um efeito
qualquer mudança. Por fim, não custa lembrar que o contrato possui pessoal, pois vincula
um efeito pessoal, pois vincula apenas as partes contratantes, não apenas as partes
contratantes.
podendo, em regra, atingir terceiro desinteressado.

Existem, porém, dois elementos oriundos dos efeitos contratuais que


merecem ser estudados com maior atenção. Tratam-se do vício redibitório e da
evicção. Vejamos cada um deles.

a) Vícios redibitórios

Conforme o artigo 441 do Código Civil, os vícios redibitórios são defeitos


ocultos que diminuem o valor ou prejudicam a utilização da coisa recebida.
Segundo Farias e Rosenvald (2012, p. 469):

[...] o vício redibitório consiste no vício oculto que acomete


a coisa transferida em contratos comutativos, tornando-a
imprópria ao uso a que se destina ou lhe reduzindo o valor.
Sendo inerente à essência do produto, o vício é capaz de
torná-lo imprestável ao seu fim natural ou reduzir a capacidade
do bem por ocasião de sua utilização.

29
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

É importante mencionar que em qualquer tipo de contrato no qual haja


transmissão de propriedade, a teoria do vício redibitório poderá ser aplicada.

Segundo Farias e Rosenvald (2012, p. 469): o vício redibitório


consiste no vício oculto que acomete a coisa transferida em contratos
comutativos, tornando-a imprópria ao uso a que se destina ou lhe
reduzindo o valor. Sendo inerente à essência do produto, o vício é capaz
de torná-lo imprestável ao seu fim natural ou reduzir a capacidade do
bem por ocasião de sua utilização.

Para que se caracterize o vício redibitório, alguns requisitos são


Para que se
caracterize o vício necessários. O primeiro deles é o de que o contrato seja comutativo, ou
redibitório, alguns seja, tenha obrigações equivalentes para ambas as partes, exigíveis de
requisitos são
necessários. O imediato. Nos contratos de doação, o doador não é obrigado a suportar
primeiro deles é o as consequências dos vícios redibitórios, embora possa fazê-lo se
de que o contrato assim quiser (art. 552 CC). Além disso, é necessário que o defeito seja
seja comutativo.
oculto e exista antes da tradição, ou seja, da entrega do bem e que
acarrete em diminuição de valor econômico ou prejuízo à adequada
Além disso, é
necessário que o utilização da coisa.
defeito seja oculto
e exista antes da
tradição, ou seja, O referido instituto encontra fundamentação jurídica na garantia
da entrega do bem contratual, segundo a qual, quem adquire um bem por meio de
e que acarrete contraprestação, tem total direito de usufruí-lo segundo sua utilidade
em diminuição de
valor econômico ou natural. Imagine um indivíduo que adquire um Iphone 7, de última
prejuízo à adequada geração, mas em razão de um vício oculto, precisa utilizá-lo como um
utilização da coisa.
simples peso de papel. Não faria o menor sentido.

Por essa razão, é preciso que o adquirente tenha algum tipo de garantia
contra o vendedor, caso o bem venha eivado por algum tipo de defeito. Assim,
a garantia contratual está diretamente relacionada ao princípio da boa-fé, uma
vez que cabe ao vendedor informar ao comprador todos os detalhes relativos
ao negócio a ser firmado. É importante destacar que, mesmo que o vendedor
desconheça o vício no bem a ser vendido, ainda será responsável por reparar o
dano ao comprador.

E quais são as consequências jurídicas do vício redibitório?

30
Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

Vejamos o que diz o Código Civil, em seu artigo 442: “Em vez de rejeitar a
coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no
preço”. Assim, é possível inferir que, caso o dilema não seja resolvido de forma
amigável, por meio de rescisão ou abatimento no preço, o adquirente terá duas
opções na esfera judicial: redibir o negócio ou obter judicialmente o abatimento
no preço por meio de ação estimatória. São o que chamamos de ações edilícias.

Assim, nas ações estimatórias, o adquirente visa ao abatimento na prestação


já paga. Já nas ações redibitórias, o objetivo é devolver a coisa com a restituição
da quantia ou prestação paga ao comprador adquirente.

Veja o esquema a seguir. Assim, temos:

Ação Redibitória: rejeitar a coisa, redibindo o contrato

Ações Edilícias

Ação Estimatória: reclamar abatimento na prestação

No entanto, o adquirente deve estar atento aos prazos para propositura das
ações edilícias. Se estivermos falando de bens móveis, o prazo será de 30 dias,
para bens imóveis, o prazo será de um ano, sempre contados a partir da efetiva
entrega do bem. É importante, sobretudo, compreender o que diz a segunda parte
do art. 445 do Código Civil: “O adquirente decai do direito de obter a redibição ou
abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se
for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da
alienação, reduzido à metade.”

De acordo com o dispositivo mencionado, se o indivíduo já estava na posse


do bem no momento da efetivação do contrato, seus prazos irão cair para metade.
Claro, se a pessoa já usufruía da coisa, seria de se esperar que ela mesma
notasse os vícios presentes no bem.

Imaginemos duas situações.

Na primeira delas, Ana Paula mora de aluguel na casa de Fabiana há dois


anos, quando finalmente decidiu comprar o imóvel. Realizada a compra, Ana
Paula descobriu que em razão de desmoronamentos na região, o piso do imóvel
tende a inclinar dois centímetros por ano, sendo que com o passar do tempo sua
moradia ali seria inviável. Fabiana não quer conversa, obrigando Ana Paula a
tomar as medidas legais cabíveis.

31
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Qual o prazo para Ana Paula ajuizar ação edilícia?

O prazo será de seis meses e não de um ano, pois Ana Paula já residia
no imóvel quando fez a compra, ou seja, já estava na posse do bem objeto do
contrato.

Em situação semelhante, imaginemos que Nathália possui um belo carro


Ford KA em sua garagem, presente de seus pais, mas não saiba dirigir. Ela e
sua prima Andressa, que já possui carteira de motorista, combinam que apesar
do carro ser de Nathália, é Andressa quem irá dirigi-lo, tanto para levar e buscar
Nathália em qualquer lugar que ela deseje, quanto para seu uso próprio, para sair
com seus amigos e realizar atividades cotidianas. Andressa gosta tanto de dirigir
o carro que, após seis meses do acordo, fez uma oferta irrecusável a Nathália,
que o vendeu. Todavia, na primeira tempestade que desaba na cidade, o carro,
guardado em garagem aberta, sofre inundação em razão de um pequeno furo
embaixo do volante.

Qual o prazo para Andressa ajuizar a ação edilícia de sua preferência?

Como se trata de bem móvel que já estava na posse da adquirente, o prazo


será de quinze dias (metade do que seria se ela não estivesse na posse do bem).

EMENTA: COBRANÇA. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO.


VÍCIOS REDIBITÓRIOS. O objeto da compra e venda, à época do
negócio, contava com cerca de sete anos. Assim, e tendo a venda
se realizado entre particulares, cumpria ao adquirente verificar o
estado do bem, a fim de evitar a despesa reclamada. Isso porque,
considerando o rol de peças dos orçamentos acostados, observa-se
se tratar muito mais de desgaste por decurso do tempo e de uso do
que por defeito no motor. Dessa forma, não responde o vendedor
pelos problemas manifestados no funcionamento do carro. Esse,
inclusive, é o entendimento predominante nestas Turmas Recursais.
SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004278974, Terceira
Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Carlos Eduardo
Richinitti, Julgado em 27/06/2013)

32
Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

b) Eviccção

Conforme já mencionado, nas relações contratuais não basta que as partes


cumpram a obrigação acordada. É necessário, ainda, que ajam de acordo
com o princípio da boa-fé, atuando conforme os deveres anexos de proteção,
cooperação e informação. Neste sentido, trataremos de mais uma figura que se
origina a partir dos efeitos do contrato: a evicção.

Conforme Farias e Rosenvald (2012, p. 493), a evicção é “a perda da coisa em


virtude de decisão judicial ou administrativa que conceda o direito – total ou parcial
– sobre ela a um terceiro estranho à relação contratual em que se deu a aquisição”.

Imaginemos que Silvana compre o computador usado de Joel, por meio de


contrato válido de compra e venda. O computador funciona normalmente, não há
nenhum vício redibitório e atende perfeitamente às necessidades de
Silvana. Acontece que, meses depois, ela é surpreendida por Nívea, que Eis a evicção:
perda da posse ou
comprova em juízo que o computador, na verdade, era seu – e não de Joel, propriedade de um
motivo pelo qual ele não poderia tê-lo vendido. Silvana, assim, torna-se bem em razão do
reconhecimento de
evicta (excluída) e deve procurar Joel para obter a devida indenização. que este bem, na
verdade, pertencia
Eis a evicção: perda da posse ou propriedade de um bem em razão a terceiro antes
da celebração
do reconhecimento de que este bem, na verdade, pertencia a terceiro do contrato em
antes da celebração do contrato em questão. questão.

Conforme Farias e Rosenvald (2012, p. 493), a evicção é “a


perda da coisa em virtude de decisão judicial ou administrativa que
conceda o direito – total ou parcial – sobre ela a um terceiro estranho
à relação contratual em que se deu a aquisição”.

Assim como no caso dos vícios redibitórios, a evicção só atinge os contratos


onerosos comutativos, ou seja, no qual ambas as partes têm encargos e
vantagens. No caso da doação, Farias e Rosenvald (2012, p. 494-495) afirmam:

33
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Não se olvide ainda da possibilidade de o doador suportar


a evicção quando dolosamente transfere a propriedade do
bem, sabendo ser ela portadora de vício jurídico. Cuida-
se do “presente de grego”. A especificidade da hipótese
reside no fundamento diferenciado da demanda: não será o
alienante responsabilizado pela evicção por ser ela estranha
aos contratos gratuitos, mas por eventuais perdas e danos
decorrentes do ato ilícito.

Desta forma, ainda que a evicção em si não possua incidência obrigatória


sobre os contratos de doação, alienar bem que não lhe pertence configura ato
ilícito e, como tal, gera indenização.

Outros elementos constituintes da evicção são: privação do direito do


adquirente, que apesar de já ter firmado o negócio não poderá usufruir do bem
que adquiriu; preexistência do direito de terceiro, em razão da ilegitimidade do
alienante vendedor para dispor sobre a coisa, já que esta, na verdade, pertencia
a terceiro; e privação judicial ou extrajudicial, ou seja, a evicção poderá ocorrer
tanto por força de uma sentença quanto por reconhecimento espontâneo do
adquirente, ou mesmo mediante apreensão por autoridade administrativa. Basta
lembrar de casos de apreensão de veículos furtados, a simples atuação da polícia
já é suficiente para ocorrência da evicção.

Assim como os vícios redibitórios, a evicção tem por fundamentação a


garantia contratual. Conforme Farias e Rosenvald (2012, p. 496):

A função prático-social da garantia da evicção nos contratos


onerosos é a de recompor o equilíbrio contratual, abalado
pelo rompimento da correspectividade das prestações. Com
a provação do bem, experimenta o evicto uma mitigação
patrimonial que rompe o sinalagma genético, pois o seu
sacrifício financeiro já não mais será compensado por qualquer
vantagem econômica.

Assim, a evicção é uma forma de restabelecer o equilíbrio na relação


contratual firmada, já que nos contratos onerosos comutativos há deveres e
obrigações para ambos.

Quanto aos direitos do evicto, além da restituição integral da prestação paga,


ele terá direito a indenização por perdas e danos decorrentes do ato, ainda que
o bem esteja de alguma forma deteriorado. A responsabilidade será do alienante,
exceto quando o adquirente estiver de má-fé (saber que o bem pertencia a
terceiro, por exemplo).

Ainda há que se falar em duas espécies de evicção, a total e a parcial. A


primeira ocorre quando há perda completa da posse ou propriedade do bem, como
mencionado no exemplo do computador. A evicção parcial ocorre quando apenas
parte da posse ou propriedade da coisa é perdida. Como exemplo, imaginemos

34
Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

que Beatriz compre a biblioteca completa de seu primo Igor, pelo seu amor à
leitura e à erudição. Satisfeita com a compra, Beatriz é surpreendida por Douglas
que afirma que, dos 890 livros constantes no acervo, 300 são seus, e não de Igor.
Neste caso, conforme artigo 455 do Código Civil, Beatriz poderá optar entre a
extinção do contrato com Igor ou a restituição do preço pelo prejuízo sofrido.

Por fim, é preciso ressaltar que o Código Civil em seu artigo 448 permite
expressamente que as partes diminuam, aumentem ou excluam completamente
a hipótese de evicção. Essas convenções, entretanto, devem estar expressas no
contrato, não podendo nunca serem implícitas. Desta forma, segundo Gagliano e
Pamplona Filho (2014, s.p.):

Se as partes resolverem aumentar (extensão da garantia)


o direito do adquirente – estabelecendo uma multa caso
se consume a perda, por exemplo -, abater a garantia de
indenização pelos eventuais frutos restituídos (diminuição
da garantia), ou, bem assim, excluírem totalmente a
responsabilidade pela evicção, somente poderão fazê-lo por
cláusula expressa constante do contrato firmado.

Vistos os efeitos decorrentes das relações contratuais, passaremos agora ao


estudo das hipóteses de extinção do contrato.

c) Extinção contratual

Neste tópico, abordaremos as hipóteses de extinção contratual. Também


trataremos de algumas questões relacionadas à extinção dos contratos, como a
exceção de contrato não cumprido e a resolução por onerosidade excessiva.

Tomando por base a classificação proposta por Gagliano e Pamplona Filho


(2014), estudaremos as formas de extinção do contrato conforme o seguinte
resumo esquemático:

Cumprimento do pacto
Natural
Verificação de fator eficacial
Extinção
Causa anterior ao contrato: invalidade, cláusula
resolutória, direito de
arrependimento, redibição.
Posterior

Causa posterior ao contrato: resilição, resolução,


rescisão, morte, caso
fortuito ou força maior

35
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Vejamos primeiro as causas naturais de extinção do contrato.

• Extinção natural do contrato

Primeira hipótese Os contratos existem para serem cumpridos, certo? Neste sentido,
de extinção natural
seja o cumprimento nada mais lógico que a primeira hipótese de extinção natural seja o
integral do contrato. cumprimento integral do contrato. As partes cumpriram as obrigações
As partes cumpriram acordadas, usufruíram dos bônus ofertados e o contrato chegou ao fim
as obrigações
acordadas, de seu ciclo sem maiores problemas.
usufruíram dos
bônus ofertados e o
contrato chegou ao A segunda causa de extinção natural refere-se ao plano da
fim de seu ciclo sem eficácia, já estudado neste capítulo. Como faláramos, em regra, os
maiores problemas. contratos são celebrados de forma que o acordado seja efetivado
imediatamente. A critério das partes, porém, é possível suspender a
É possível que eficácia do acordo para um momento futuro.
as partes tenham
estabelecido um
termo, um evento Assim, é possível que as partes tenham estabelecido um termo,
futuro e certo para
só então o contrato um evento futuro e certo para só então o contrato se efetivar. Por
se efetivar. exemplo, Fabíola encomenda um belo vestido no ateliê de Núbia, que
só ficará pronto em 30 dias. Desta forma, ambas se comprometem a
realizar as devidas prestações 30 dias após a encomenda, ou seja, no dia 09
de abril. Até lá, o contrato existe e é válido, mas é ineficaz em razão do termo
estabelecido, apenas no dia 09 de abril o vestido será entregue, o valor será
recebido e, assim, o contrato terá fim.

Outra possibilidade é que as partes tenham estabelecido uma condição,


um termo futuro e incerto para a efetivação do contrato. Assim, Conceição se
compromete, mediante contrato, a doar um imóvel a seu neto Mateus no dia
de seu casamento. Podem se passar 10, 15, 20 anos, caso o casamento não
aconteça, o contrato jamais terá eficácia, pois está vinculado a esta condição.

Vistas as hipóteses naturais de extinção, passamos às outras hipóteses de


extinção.

Caso as obrigações • Causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato


pactuadas não
tenham sido
cumpridas, Caso as obrigações pactuadas não tenham sido cumpridas,
estaremos diante estaremos diante de causas não naturais de extinção contratual,
de causas não
naturais de extinção que podem ocorrer antes, durante e após a celebração do pacto.
contratual, que Trataremos das hipóteses ocorridas antes ou durante a firmação do
podem ocorrer antes, contrato.
durante e após a
celebração do pacto.

36
Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

A primeira delas diz respeito ao plano da validade, conforme já estudado


neste capítulo. Lembre-se de que para um contrato ser válido, ele deve ter sujeito
capaz, vontade livre e sem defeitos, forma livre ou não proibida por lei, objeto
lícito, possível, determinado ou determinável. Assim, imagine o seguinte caso:
José Herrera, uruguaio, firma um contrato de compra e venda de cannabis sativa
com João Pedro, brasileiro, no Brasil, sem saber da ilicitude deste objeto em
solo brasileiro. José Herrera, esperto, recebe o bem, mas se recusa a pagar sua
prestação. O que resta a João Pedro? Sentar e chorar, já que o contrato é inválido
em função da ilicitude do objeto e, portanto, será considerado extinto.

A segunda hipótese refere-se à cláusula resolutória constante no artigo 474


do Código Civil, sendo uma cláusula que contém um evento futuro e incerto e que,
ocorrendo, acarretará a extinção do contrato.

A terceira hipótese refere-se aos vícios redibitórios, aqueles defeitos ocultos


no bem pactuado. Nathália vende a Andressa um carro Ford KA que, ao enfrentar
sua primeira tempestade em local aberto, inunda. Andressa pode tanto extinguir o
contrato, obtendo seu dinheiro de volta, ou optar por manter o contrato e solicitar
abatimento no preço.

A quarta e última hipótese de extinção contratual em razão de causas


anteriores ou contemporâneas à formação do contrato é o direito de
arrependimento. As partes podem pactuar expressamente no contrato que, dentro
de um determinado período de tempo, reservam-se ao direito de se arrepender
do negócio firmado. Caso este arrependimento realmente ocorra, findo está o
contrato, sem que sua finalidade original tenha sido cumprida.

• Causas supervenientes à formação do contrato

A partir de agora, estudaremos as causas de extinção contratual que são


posteriores à formação do pacto entre as partes.

A primeira delas é a resilição, oriunda de uma vontade que poderá ser


bilateral (querida por todas as partes) ou unilateral (desejada por apenas uma
das partes). A primeira, também conhecida como distrato, é um novo contrato
cujo objeto é a extinção de contrato anteriormente firmado. A segunda tem sua
incidência reduzida, podendo incidir em apenas alguns tipos contratuais, em
razão do princípio da obrigatoriedade dos contratos.

A respeito do distrato, o artigo 472 do Código Civil assim preceitua: “O distrato


faz-se pela mesma forma exigida para o contrato”, ou seja, se a lei exige alguma
forma específica para o contrato original, o distrato também deverá obedecê-la.
Conforme Gonçalves (2014, p. 143-144):

37
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

A exigência de observância da mesma forma exigida para o


contrato, feita no citado art. 472, não deve ser interpretada,
contudo, de forma literal, mas com temperamento: o distrato deve
obedecer à mesma forma do contrato a ser desfeito quando este
tiver forma especial, mas não quando esta for livre. Desse modo,
a compra e venda de imóvel de valor superior à taxa legal, que
exige escritura pública, só pode ser desfeita, de comum acordo,
por outra escritura pública. Mas o contrato de locação, que tem
forma livre, pode ser objeto de distrato verbal, mesmo tendo sido
constituído mediante contrato escrito, por exemplo.

É importante mencionar que o distrato pode findar qualquer tipo de contrato


ainda não cumprido, bastando, para tanto, a vontade das duas partes em realizá-
lo e seus efeitos não são retroativos, valendo apenas para o futuro.

A respeito da resilição unilateral, ela poderá ocorrer apenas nos contratos


que tenham por objeto obrigações duradouras, impedindo sua renovação
ou continuação, independentemente do inadimplemento de uma das partes.
Um bom exemplo é o contrato de renovação de aluguel; em regra, ele irá se
renovando automaticamente até que uma das partes opte por findá-lo, sem que
haja inadimplemento de qualquer dos lados. Trata-se do meio adequado para
extinguir contratos que não tenham prazo determinado, pois, se não houvesse tal
possibilidade, o contrato seria eterno.

Ademais, como preceitua Gonçalves (2014, p. 144):

A resilição unilateral independe de pronunciamento judicial e


produz efeitos ex nunc, não retroagindo. Para valer, deve ser
notificada a outra parte, produzindo efeitos a partir do momento
em que chega a seu conhecimento. É, destarte, declaração
receptícia da vontade. Em princípio, não precisa ser justificada,
mas em certos contratos exige-se que obedeça à justa causa.
Nestas hipóteses a inexistência de justa causa não impede a
resilição do contrato, mas a parte que o resiliu injustamente fica
obrigada a pagar, à outra, perdas e danos.

A segunda causa é a resolução, segundo a qual o contrato se extingue em


virtude do descumprimento do que fora pactuado. A resolução pode ocorrer de duas
formas: por inexecução voluntária ou por exceção de contrato não cumprido.

Na inexecução voluntária, um dos contratantes deixa de cumprir a obrigação


pactuada, gerando um desequilíbrio na relação contratual que acarretará em
danos para a outra parte. Resolvido o contrato por esta razão, as partes devem
realizar restituições recíprocas, estando o indivíduo inadimplente sujeito à
indenização por perdas e danos. Caso a obrigação pactuada seja passível de
realização imediata, os efeitos dessa extinção serão retroativos, caso seja de trato
sucessivo, como a compra e venda a prazo, as prestações já pagas permanecem
inalteradas, gerando efeito não retroativo.

38
Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

Na exceção de contrato não cumprido, enfrentamos situação um pouco


diferenciada: o contrato será extinto porque nenhuma das partes cumpriu aquilo
que fora pactuado. Geralmente é utilizada como instrumento de defesa na
inexecução voluntária, já que a parte inadimplente pode argumentar que não
cumpriu com sua obrigação porque o outro indivíduo também não cumpriu com
a sua. Disciplinada no artigo 476 do Código Civil, a exceção de contrato não
cumprido tem como um de seus requisitos a existência de um contrato bilateral;
a demanda de uma das partes pelo cumprimento daquilo que fora pactuado e um
prévio descumprimento da prestação pela parte demandante.

Desta forma, imagine que Sofia realiza a compra de uma geladeira usada
com Raíssa. Fica pactuado que a geladeira deverá ser entregue no dia 02 de
março, ao passo que Raíssa deverá depositar o dinheiro no dia 03 de março. No
dia 04, Sofia reclama em juízo que não recebeu a prestação combinada, exigindo,
portanto, a resolução do contrato. Em sua defesa, porém, Raíssa afirma que
não realizou o pagamento porque não recebeu a geladeira, utilizando, assim, a
exceção de contrato não cumprido como forma de defesa processual.

Apesar de ser utilizado de forma indiscriminada, o termo rescisão, em seu


significado técnico, refere-se à invalidade dos contratos em razão de dois vícios
do consentimento: lesão ou estado de perigo.

A lesão, prevista no artigo 157 do Código Civil, caracteriza-se quando um


indivíduo se aproveita da necessidade ou inexperiência de outrem para celebrar
com ele um negócio extremamente desvantajoso. Já o estado de perigo, elencado
no artigo 156 do mesmo diploma legal, configura-se quando um indivíduo celebra
contrato desvantajoso para salvar a si próprio ou alguém de sua família em razão
de perigo conhecido pela outra parte. Nas duas hipóteses o contrato é inválido,
em razão de vício na vontade emanada e, portanto, poderá ser judicialmente
rescindido (extinto).

No caso da morte de um dos contratantes, o contrato só será extinto caso


a obrigação pactuada seja personalíssima, de forma que apenas o falecido
poderia cumpri-la. Caso contrário, ela será transmitida aos herdeiros que
deverão fazê-la se cumprir.

Uma outra hipótese refere-se à extinção contratual em virtude de caso


fortuito ou força maior, cumprimento do contrato torna-se impossível em
razão de acontecimentos alheios à vontade dos contratantes. No entanto, este
ocorrido deve ser objetivo, ou seja, não ser criado ou influenciado pelo devedor;
impossibilitar totalmente o cumprimento do pacto, pois o credor pode ainda
ter interesse na prestação mesmo que parcial; e definitiva, pois, se temporária,
gerará apenas a suspensão momentânea do contrato.

Neste caso, o inadimplente não é responsável por perdas e danos, a não ser
que no contrato haja previsão expressa de que ele arcará com os danos em situação

39
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

de caso fortuito ou força maior ou, ainda, se estiver em mora para com o adquirente
(arts. 393 e 399, CC). A extinção do contrato será imediata, com efeito retroativo, ou
seja, a parte inadimplente deve devolver eventual prestação que já tenha recebido
sem, entretanto, estar obrigado a pagar indenização por perdas e danos.

Por fim, é importante tecer algumas considerações a respeito da teoria


da imprevisão e a extinção contratual por onerosidade excessiva. Como já
mencionado anteriormente neste capítulo, embora a regra seja a não alteração
arbitrária dos contratos, em razão de sua obrigatoriedade, algumas circunstâncias
supervenientes podem tornar a prestação excessivamente onerosa. Por tal
motivo, temos o princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva,
também conhecido como rebus sic stantibus.

De acordo com tal princípio, entende-se que nos contratos comutativos


existe uma cláusula implícita segundo a qual o contrato só será completamente
obrigatório se as situações fáticas que o circundam na origem permanecerem
inalteradas, sem modificações extraordinárias que tornem o contrato excessivo,
por exemplo, na ocorrência de uma guerra.

No ordenamento jurídico brasileiro, para que o devedor se livre da obrigação


tornada demasiadamente excessiva em razão de fato extraordinário, este
acontecimento deve ser, também, imprevisível. Alterações econômicas como
a inflação, por exemplo, não podem ser evocadas como desculpas para o
inadimplemento contratual.

Uma de suas características é a de que a onerosidade excessiva pode ser


alegada tanto pelo devedor quanto pelo credor. Qualquer uma das partes atingida
por uma mudança imprevisível e fora do comum terá o direito de recorrer a essa
cláusula implícita. Além disso, caso ainda haja algum interesse no cumprimento
da obrigação acordada, é possível realizar alterações no contrato para que, ao
invés de extinto, ele adeque-se às circunstâncias.

A matéria é tratada no Código Civil de 2002, nos artigos 478, 479 e 480.
Conforme o referido diploma legal, a extinção contratual com base na onerosidade
excessiva só pode se efetivar na ocorrência dos seguintes elementos:
acontecimento extraordinário, imprevisível e excessivamente oneroso para uma
das partes que acarretará em extrema vantagem para a outra.

Atividades de Estudo:

1) A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário


não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das
circunstâncias do caso. Deixa, entretanto, de ser obrigatória a
proposta.

40
Capítulo 1 TEORIA DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS

a) se, com prazo, por telefone, não foi imediatamente aceita.


b) se, feita com prazo a pessoa ausente, tiver decorrido
tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do
proponente, independentemente do termo final.
c) se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação
expressa e chegar a tempo a recusa.
d) se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento
da outra parte a confirmação do proponente.

2) Assinale a opção correta a respeito dos vícios redibitórios e


da evicção:

a) Não há responsabilidade por evicção caso a aquisição do bem


tenha sido efetivada por meio de hasta pública.
b) Se o alienante não conhecia, à época da alienação, o vício
ou defeito da coisa, haverá exclusão da sua responsabilidade por
vício redibitório.
c) As partes podem inserir no contrato cláusula que exclua a
responsabilidade do alienante pela evicção.
d) O adquirente, ante o vício redibitório da coisa, somente poderá
reclamar o abatimento do preço.

3) O vício redibitório, previsto nas disposições gerais sobre os


contratos, diz respeito:

a) à manifestação de vontade.
b) ao dolo do vendedor.
c) à coisa.
d) à capacidade das partes.
e) ao preço contratado.

Algumas Considerações
Neste capítulo procuramos tecer algumas considerações gerais a respeito
do direito contratual, como: o conceito técnico de contrato, seus requisitos de
validade, seus princípios, as etapas de formação contratual, a classificação geral
dos contratos, seus efeitos e suas formas de extinção.

Para o jurista, a figura dos contratos é central para a atuação profissional


e para a orientação a futuros e potenciais clientes. Visto como o pilar do direito
civil, as relações contratuais são dotadas de características e elementos
peculiares que, ao serem bem manuseados, dão ensejo a satisfatórios e profícuos

41
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

negócios jurídicos. É a partir dos contratos que as obrigações se exteriorizam,


gerando garantia e segurança nas relações firmadas. Portanto, explore todas as
possibilidades de estudo a respeito do tema.

No próximo capítulo, abordaremos os contratos em espécie, conforme


elencados no Código Civil. É fundamental, a partir de agora, você reconhecer a
importância da leitura tanto do material de apoio quanto do Código Civil (seco:
sem comentários), uma vez que eventuais dúvidas ou esclarecimentos são
respondidos no próprio texto legal, portanto, faça dele seu aliado.

ReFerÊncias
BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da União. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
CCivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 fev. 2018.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil:


contratos, teoria geral e contratos em espécie. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2012. v. 4

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


civil: contratos, teoria geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 4. Edição não
paginada. (Ebook).

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos


unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 3. (Ebook).

GUERRA FILHO, Willis Santiago. A Filosofia do Direito: aplicada ao Direito


Processual e à Teoria da Constituição, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

NALIN, Paulo. Do Contrato: conceito pós-moderno, em busca de sua formulação


na perspectiva civil-constitucional. Pensamento Jurídico, Curitiba: Juruá, 2002.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. São


Paulo: Bookseller, 1900.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2002.

42
C APÍTULO 2
Modalidades Contratuais
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes
objetivos de aprendizagem:

 As características e particularidades das diferentes espécies contratuais.

 A aplicação da lei civil e dos princípios gerais do direito contratual às espécies


estudadas.

 A análise dos contratos estudados, visando garantir o interesse das partes


Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

44
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

ContextualiZação
No capítulo anterior foi estudada a teoria geral das obrigações contratuais
e analisados os elementos genéricos e aplicáveis para todas as espécies de
contrato, como: princípios, requisitos de validade, formas de extinção, dentre
outros. Neste capítulo, passaremos ao estudo dos contratos em espécie,
realçando suas características próprias, suas semelhanças e diferenças.

O Código Civil brasileiro, em seu Título VI, trata das várias espécies de
contratos. Nesta parte estão disciplinados os contratos de compra e venda,
doação, locação, empréstimo, depósito, apenas para mencionar alguns.
Como abordado no capítulo anterior, são os contratos nominais ou típicos, que
possuem regras legais próprias, já tratados na letra da lei. Isto não significa,
porém, que sejam as únicas espécies contratuais existentes, sendo, na verdade,
um rol exemplificativo e não taxativo: é permitido às partes que se criem novos
tipos contratuais (contratos inominados ou atípicos), desde que respeitadas as
condições gerais já estudadas.

Assim, apesar de parâmetros genéricos a serem respeitados por todas


as relações contratuais, alguns contratos possuem certas peculiaridades já
disciplinadas em lei, motivo pelo qual as partes, ainda que desejando, não podem
alterá-las. Compreender tais detalhes contribui, certamente, para que o pacto seja
firmado em observância aos princípios da boa-fé, supremacia da ordem pública e
da função social do contrato. Vejamos, pois, o estudo das diversas modalidades
contratuais.

Contrato de Compra e Venda


A compra e venda é a primeira espécie de contrato disciplinada no Código
Civil, sobre a qual se dispõe dos artigos 481 a 532. Fundamentado na ideia de
troca de bens, o contrato de compra e venda não possui origem histórica bem
definida, sendo possível localizá-lo em diversas civilizações antigas.

Conforme Gonçalves (2014, p. 152): “Denomina-se compra e O contrato de


venda o contrato bilateral pelo qual uma das partes (vendedor) se obriga compra e venda
tem por objetivo
a transferir o domínio de uma coisa a outra (comprador), mediante a a aquisição de
contraprestação de certo preço em dinheiro”. Em outras palavras, o um bem mediante
o pagamento de
contrato de compra e venda tem por objetivo a aquisição de um bem um preço, uma
mediante o pagamento de um preço, uma contraprestação. contraprestação.

45
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Conforme Gonçalves (2014, p. 152): “Denomina-se compra e


venda o contrato bilateral pelo qual uma das partes (vendedor) se
obriga a transferir o domínio de uma coisa a outra (comprador),
mediante a contraprestação de certo preço em dinheiro”.

Desta forma, podemos dizer que se trata de um negócio jurídico bilateral,


visto a necessidade da existência de duas partes para sua realização: quem
compra e quem vende. Uma vez realizado o pacto, as partes ficam obrigadas a
cumpri-lo, sendo que a venda em si só será efetuada com a tradição. No caso de
bens móveis, a tradição é a simples entrega da coisa; no caso de bens imóveis, é
o registro.

Além disso, sua principal característica é a presença de um sinalagma, o


que o torna um contrato bilateral e sinalagmático.

E o que isso significa?

Conforme Loureiro (2002, p. 138): “Nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos,


ao contrário, os contratantes são simultânea e reciprocamente credor e devedor
do outro. Em tais contratos são criados direitos e obrigações para ambas as
partes; cada uma delas fica adstrita a uma prestação”. Assim, o sinalagma pode
ser compreendido como essa contraprestação realizada para compensar a
entrega da coisa.

Suponhamos que Rafaela venda um Samsung Galaxy 7 para Janaína, pelo


valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Da perspectiva de Rafaela, o sinalagma será o
valor a ser recebido; da perspectiva de Janaína, será o próprio celular.

Vejamos, agora, os elementos essenciais de um contrato de compra e venda.

a) Elementos essenciais da compra e venda


O Código Civil, em
seu artigo 482, assim O Código Civil, em seu artigo 482, assim preceitua: “A compra e
preceitua: “A compra venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que
e venda, quando
pura, considerar-se-á as partes acordarem no objeto e no preço”. A partir deste dispositivo, é
obrigatória e perfeita, possível inferir a existência de ao menos três elementos essenciais do
desde que as partes
acordarem no objeto contrato de compra e venda: consentimento, coisa e preço.
e no preço”.

46
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Após as negociações preliminares, as partes irão firmar consentimento a


respeito dos detalhes negociais: o que se compra, por qual preço, mediante qual
tipo de pagamento, etc. Quanto à forma, importante observar que, caso a compra
e venda refira-se a bem imóvel, as partes obrigatoriamente devem observar o
disposto no artigo 108 do Código Civil (BRASIL, 2002):

Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial


à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição,
transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo
vigente no País.

Quanto à coisa, esta deverá obedecer aos requisitos gerais de validade do


negócio jurídico, ou seja, ser um bem lícito, possível, determinado ou determinável.
Além disso, Gagliano e Pamplona Filho (2014) lembram a possibilidade de
contratos de compra e venda de coisas futuras serem firmados. Assim, ainda que o
bem não exista no momento de celebração do pacto, ele deverá ser determinável
em momento futuro quando, só então, o contrato produzirá seus devidos efeitos.

Neste diapasão, o artigo 484 determina que no caso de amostras, protótipos


ou modelos, está implícito que o vendedor assegura que o produto final virá com
as qualidades a ele correspondentes. Caso haja discrepância entre o que foi
acordado, o que foi entregue e o protótipo, prevalecerá este último, pois foi por ele
que o comprador definiu sua vontade.

Por fim, o preço é diretamente regulado pelo Código, em seus artigos


485 a 489. Em regra, ele deverá ser estipulado pelas partes contratantes, em
observância à equivalência de prestações – quanto de fato vale o produto e
quanto está se ofertando por ele. É possível, porém, que as partes, gozando da
autonomia que lhes cabe, acordem que um terceiro irá determinar o valor a ser
pago, ou ainda, que este valor seja regulado por outros fatores, como a taxa de
mercado. É legalmente vedada, porém, a hipótese de fixação do preço por apenas
uma das partes, no intuito de evitar abusos e ilícitos.

b) Despesas com o contrato de compra e venda

Conforme já explicado, a compra e venda só importa em transferência de


propriedade quando há: a efetiva entrega da coisa, no caso de bens móveis, e
o registro imobiliário, no caso de bens imóveis. Infere-se, pois, que estes atos
concernentes à tradição, especialmente o registro, podem vir a ter custos. E de
que forma estes custos deverão ser suportados?

47
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

O artigo 490 é explícito, nesta situação: as despesas relativas


As despesas
relativas à escritura à escritura e ao registro (bens imóveis) são do comprador; já as da
e ao registro (bens tradição (bens móveis) devem ser pagas pelo vendedor. Esta regra,
imóveis) são do
comprador; já as porém, poderá ser modificada conforme desejo das partes, atuando de
da tradição (bens forma supletiva caso o contrato seja silente sobre tal ponto.
móveis) devem
ser pagas pelo
vendedor. c) Responsabilidade civil pelos riscos da coisa

Caso o objeto da compra e venda pereça por caso fortuito ou


força maior, antes da tradição ou registro, quem deverá arcar com este prejuízo?

Se nos lembrarmos que a transferência de propriedade só se efetiva


com a tradição ou registro, a resposta lógica é a de que tal prejuízo deverá ser
suportado pelo vendedor, que ainda é dono do bem. É o que diz o artigo 492 do
Código Civil: “Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do
vendedor, e os do preço por conta do comprador.”

Todavia, imaginemos a seguinte situação. Reginaldo está interessado em


comprar 200 cabeças de gado de Leopoldina; assim, pede-se a ele que leve 300
animais a determinado local, para que, a partir deles, sejam escolhidos os que
serão comprados. Porém, acontece um desmoronamento de terra e 50 cabeças
perecem. Quem irá arcar com este prejuízo?

Segundo o artigo 492, §1º, o comprador será o responsável pelas perdas


e danos, pois no momento do acidente os objetos já estavam à sua disposição
para efetivação do contrato. Da mesma forma, o §2º do mesmo artigo diz que,
caso a coisa pereça por demora do comprador em buscar o bem que lhe é devido,
ele e não o vendedor deverá enfrentar as despesas.

Por fim, cumpre mencionar a hipótese do perecimento de coisa entregue


fora do local onde o negócio deveria ser realizado. Conforme o artigo 493, o lugar
a se realizar a entrega do bem deve ser aquele no qual a coisa se encontra.

Assim, imaginemos que Paulo possui uma coleção de revistas raras, que
irá vender a Guilherme. As revistas estão localizadas em Porto Alegre-RS, sendo
que, legalmente, a tradição deveria ocorrer nesta cidade. Mas Guilherme mora em
Campina Grande-PB, não podendo se locomover até o sul do país para obter as
revistas. Sua amiga Nina está de férias em Porto Alegre e se prontifica a levá-las
até ao Nordeste.

Desta forma, Guilherme diz expressamente para Paulo que as revistas


deverão ser entregues para Nina. Caso algum acidente as deteriore, os prejuízos
deverão ser assumidos por Guilherme, que foi quem expressamente permitiu que
os bens fossem entregues por meio de um portador.

48
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Situação diferente ocorreria, porém, caso Paulo se recusasse a enviar as


revistas por Nina e as despachasse ele mesmo por correio. Qualquer desvio na
entrega seria sua responsabilidade, já que ele assumiu para si o ônus da entrega
fora do local determinado sem expressa concordância do comprador.

Essas situações estão elencadas no artigo 494: “Se a coisa for expedida para
lugar diverso, por ordem do comprador, por sua conta correrão os riscos, uma vez
entregue a quem haja de transportá-la, salvo se das instruções dele se afastar o
vendedor”.

d) Questões especiais referentes a compra e venda

O artigo 496 e seu parágrafo único do Código Civil trata da venda entre
ascendente e descendente:

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente,


salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante
expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o
consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da
separação obrigatória (BRASIL, 2002).

Assim, a venda entre pais e filhos, avôs e netos etc. é passível de anulação
caso seja feita sem autorização do cônjuge e dos demais descendentes. Observa-
se que o dispositivo mencionado recai apenas sobre as situações de compra e
venda, não sendo aplicável às doações e outros tipos contratuais.

Outras situações peculiares são as elencadas no art. 497, que tratam da


ilegitimidade subjetiva para compra e venda. São elas: a compra, por parte de
tutores, curadores, testamenteiros e administradores, de bens confiados à sua
guarda; a compra, por parte dos servidores públicos, de bens ou direitos da pessoa
jurídica a que servem, ou que estejam sob sua administração; a compra, por parte
de juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou
auxiliares da justiça, de bens ou direitos no lugar onde servirem; e ainda, a compra
por parte de leiloeiros e seus prepostos de bens que devam vender. Segundo o
mencionado artigo, a compra e venda feita nesses casos será considerada nula.

O art. 504 do Código Civil, a seu turno, cuida da venda a condômino:

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender


a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por
tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da
venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte
vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta
dias, sob pena de decadência.

49
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que


tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o
de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte
vendida os coproprietários, que a quiserem, depositando
previamente o preço (BRASIL, 2002).

Por este dispositivo, a parte do condômino é indivisível, motivo pelo qual


cada um dos consortes desta coisa terá direito de preferência. Os consortes,
porém, deverão adquiri-lo em igualdade às propostas ofertadas por terceiros.
Como afirmam Gagliano e Pamplona Filho (2014, s.p.):

Assim, se o condômino Bacildes anunciou a venda de


sua parte pelo preço de R$ 1.000,00, Badja e Higuita —
também coproprietários — deverão pagar o referido valor,
não tendo direito a abatimento, preferindo, entretanto, a
um eventual terceiro, que também demonstre interesse
na aquisição da coisa.

Por fim, há que se falar da venda entre cônjuges e companheiros. O art. 499
do Código Civil assim determina: “É lícita a compra e venda entre cônjuges, com
relação a bens excluídos da comunhão”. Isso porque, no caso de bens que já
integrem o patrimônio do casal (como nos casos da comunhão universal, ou as
coisas adquiridas após o casamento na comunhão parcial de bens), o contrato
seria inútil.

e) Venda ad corpus e venda ad mensuram

O Código Civil, em seu artigo 500, regulamenta hipótese aplicável a bens


imóveis, a saber:

Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida


de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não
corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o
comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e,
não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato
ou abatimento proporcional ao preço (BRASIL, 2002).

Esta estipulação nada mais é que a chamada venda ad mensuram, na qual


o preço será calculado com base nas dimensões do imóvel. Desta maneira,
caso as dimensões sejam menores que o acordado, o comprador poderá exigir
a complementação do terreno. Caso esta seja impossível, poderá optar pela
resolução do contrato ou por abatimento no preço já pago.

Se, ao invés de falta houver excesso de medidas, o comprador poderá escolher


entre completar o valor faltante ou devolver o excesso de terreno, desde que o
vendedor prove que tinha motivos para não saber a exata medida do que vendeu.

50
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

As compras ad mensuram se contrapõem às compras ad corpus, que são


aquelas efetuadas com base na coisa em si, independentemente de suas medidas.
Assim, o § 3º do art. 500 prescreve que “não haverá complemento de área, nem
devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada,
tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não
conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus”. Sobre o tema, Gonçalves
(2014, p. 174) aduz:

Não exige a lei, para que uma venda se caracterize como ad


corpus, que o contrato o diga expressamente. O juiz, para
decidir sobre sua natureza, se ad mensuram ou ad corpus, deve
apurar a real intenção das partes, consultando o contrato. Não
existindo declaração expressa, ou sendo esta dúbia, deverá
o magistrado valer-se de elementos extraídos da descrição
do imóvel, de sua finalidade econômica e até de indícios e
presunções, que lhe “permitam inferir se o objeto da venda foi
coisa certa ou foi uma área”.

Assim, infere-se que a natureza da venda deverá ser auferida no caso


concreto.
A promessa de
f) Promessa de compra e venda compra e venda
refere-se a um
contrato preliminar
A promessa de compra e venda refere-se a um contrato preliminar celebrado entre as
celebrado entre as partes, cujo objeto é a elaboração de um contrato partes, cujo objeto é
a elaboração de um
de compra e venda. É regulamentada pelos artigos 1.417 e 1.418 do contrato de compra
Código Civil, que assim preceituam: e venda.

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que


se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento
público ou particular, e registrada no Cartório de Registro
de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à
aquisição do imóvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode
exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os
direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva
de compra e venda, conforme o disposto no instrumento
preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação
do imóvel (BRASIL, 2002).

Sua forma pode ser via escritura pública ou particular, sendo obrigatoriamente
pública nos casos do art. 108 do Código Civil (alienação de direitos reais
imobiliários que superam 30 salários mínimos).

Neste caso, o direito do comprador que emerge com a celebração do


contrato é um direito real sobre a coisa, similar à propriedade. Caso o contrato
de promessa não seja cumprido pelo comprador, ele será constituído em mora e
perderá a posse do bem.

51
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Uma vantagem nos casos de promessa irretratável de compra e venda


(ou seja, quando o contrato é firmado sem cláusula de arrependimento) é a
possibilidade de adjudicação compulsória da coisa. Assim, se o bem estiver
devidamente registrado, o comprador pode obtê-lo judicialmente. Caso não
haja registro, a parte prejudicada poderá utilizar-se da execução específica da
obrigação de fazer, na forma da lei processual.

g) Cláusulas especiais

Os contratos de compra e venda podem contar, ainda, com cláusulas


acidentais que afetam a eficácia deste tipo contratual. O Código Civil cuida de
cinco destes elementos (art. 505 e seguintes), a serem abordados a seguir.

A primeira cláusula a ser estudada é a retrovenda. Trata-se de um pacto


acessório segundo o qual o vendedor resguarda para si a prerrogativa de resolver
o negócio, em caso de evento futuro e incerto, restituindo o valor recebido e
reembolsando o comprador. Seu prazo máximo é o de três anos.

A segunda refere-se à venda contento e à venda sujeita à prova, que se


referem a uma condição suspensiva imposta ao contrato de compra e venda,
submetida ao agrado do comprador ou à adequação da coisa para a finalidade
desejada pelo adquirente. O comprador tem o direito de testar a coisa antes de
adquiri-la em definitivo. Até emitir um aceite expresso, o comprador atua como
comodatário do bem, sendo que o domínio e as eventuais perdas e danos correm
por risco do vendedor.

A terceira cláusula será a de preferência, segundo a qual o vendedor pode


estipular que, se em momento futuro o comprador quiser vender o bem, deverá
procurá-lo novamente, pois dele será a preferência. O comprador, quando quiser
vender o bem, tem o dever de comunicar àquele vendedor original; o vendedor,
por sua, vez, terá direito de invocar esse direito de preferência ainda que o antigo
comprador silencie sobre o assunto.

A quarta cláusula é a reserva de domínio, que se refere a um contrato de


compra e venda no qual a efetiva transferência da propriedade está subordinada
ao pagamento integral do preço. Antes do pagamento, o comprador é um mero
guardião da coisa, adquirindo a propriedade quando pagar o valor acordado. Os
riscos da posse, porém, correm por conta do comprador.

A quinta cláusula refere-se à venda sobre documentos. Trata-se, pois,


de uma compra e venda na qual a tradição do bem é substituída pela entrega
de título representativo (art. 529, CC). Se a documentação estiver em ordem, o
comprador não pode alegar defeito no bem para evitar pagamento.

52
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Atividade de Estudos:

1) É certo afirmar:

I. Nos contratos de compra e venda de bens móveis e imóveis,


admite-se que a venda ocorra de forma ad mensuram ou ad
corpus.
II. São características do contrato de compra e venda: a
bilateralidade; a consensualidade; a onerosidade; geralmente, a
comutatividade; e a instantaneidade.
III. A venda com reserva de domínio é cláusula especial do
contrato de compra e venda pela qual o comprador assume a
posse da coisa, mas só se torna seu proprietário após pagar o
preço integral.
IV. As cláusulas especiais do contrato de compra e venda
previstas no Código Civil são cláusulas obrigatórias por rigor
legal, sendo opcionais somente naqueles negócios em que a
própria lei criar a exceção.

Analisando as proposições, pode-se afirmar:

a) Somente as proposições I e III estão corretas.


b) Somente as proposições II e IV estão corretas.
c) Somente as proposições I e IV estão corretas.
d) Somente as proposições II e III estão corretas.

Troca ou Permuta
A troca, também chamada de permuta, é aquele contrato no qual A troca, também
chamada de
as partes acordam em dar uma coisa por outra, excluindo da relação permuta, é aquele
o dinheiro, tendo neste elemento sua principal diferença para com contrato no qual
o contrato de compra e venda. Ela pode envolver coisas distintas de as partes acordam
em dar uma coisa
quantidades diversas e, ainda, coisas futuras. por outra, excluindo
da relação o
dinheiro, tendo
Trata-se de um contrato bilateral, oneroso e comutativo, bastante neste elemento sua
similar à compra e venda. De fato, o artigo 533 do Código Civil principal diferença
estabelece que ao contrato de permuta se aplicam todas as disposições para com o contrato
de compra e venda.
a respeito da compra e venda, com duas exceções: 1) Salvo disposição

53
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o


instrumento da troca; 2) É anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes
e descendentes, sem consentimento expresso dos outros descendentes e do
cônjuge do alienante.

Contrato EstimatÓrio
O contrato O contrato estimatório é aquele no qual um indivíduo (consignante)
estimatório é aquele entrega bens móveis a outro (consignatário) para que os venda, dentro
no qual um indivíduo
(consignante) de um determinado prazo. Caso o consignatário obtenha sucesso em
entrega bens sua venda, retirará desta uma margem de lucro. É o caso das galerias
móveis a outro de arte que se comprometem a expor e vender obras de determinados
(consignatário)
para que os venda, artistas, auferindo uma porcentagem de lucro.
dentro de um
determinado prazo.
Caso o consignatário Sua natureza jurídica assemelha-se a uma espécie de mandato
obtenha sucesso em para vender com obrigação alternativa, já que a venda em si não é
sua venda, retirará obrigatória. O consignatário pode obter o bem para si, pagando o valor
desta uma margem
de lucro. devido, ou devolvê-lo ao consignante.

O artigo 535 do Código Civil estabelece que os riscos decorrentes de


possíveis deteriorações do bem deverão ser suportados pelo consignatário, em
posse do bem. Já o artigo 537 impede que o consignante disponha da coisa
enquanto o contrato estiver em vigência, findo o prazo estabelecido, haverá a
restituição do bem tanto pela coisa em si quanto por valor equivalente, a critério
do consignatário.

Doação
O contrato de
doação é aquele no O contrato de doação é aquele no qual um indivíduo, por vontade
qual um indivíduo, própria, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra
por vontade própria, pessoa (art. 538, CC). Trata-se de um contrato, em regra, gratuito,
transfere do seu
patrimônio bens ou unilateral e solene.
vantagens para o de
outra pessoa (art.
538, CC). Sua gratuidade está diretamente relacionada à liberalidade do
doador, que não exige qualquer contraprestação do beneficiário para
que o contrato se firme. É o que chamamos de doação pura. Caso o doador
estabeleça qualquer tipo de encargo, porém, a doação perde sua característica
de gratuidade e se torna onerosa. Quanto à unilateralidade, o contrato de doação

54
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

cria obrigação para somente uma das partes. Porém, caso torne-se oneroso, será
também bilateral.

Em geral, trata-se de um contrato solene porque a lei impõe a forma escrita


(art. 541, CC), salvo a de bens móveis de pequeno valor, que pode ser verbal (art.
541, Parágrafo Único, CC).

Importante mencionar desde já que o doador não se sujeita às consequências


da evicção ou do vício redibitório, já abordados em capítulo anterior, pois não seria
justo que surgissem obrigações para quem praticou uma liberalidade. Porém, caso
a doação seja onerosa, a responsabilidade irá subsistir nesses casos (art. 552,
CC). Além disso, nas doações para casamento com certa e determinada pessoa,
o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em contrário (art. 552, CC).

O contrato de doação possui dois elementos principais: subjetivo e objetivo.


Os elementos subjetivos são o acordo de vontades e a liberalidade, ou seja,
a vontade de doar sem receber nada em troca. Já o elemento objetivo refere-
se à diminuição patrimonial do doador e consequente aumento patrimonial do
donatário.

a) Requisitos do contrato de doação

Para ser firmado, o contrato de doação precisa seguir requisitos de ordem


subjetiva e objetiva. Vejamos cada um deles.

O primeiro dos requisitos subjetivos refere-se à capacidade do sujeito, tanto


ativa quanto passiva. No primeiro caso, o doador deve possuir a capacidade
de fato, ou seja, ser maior de 18 anos ou emancipado, além de capacidade
específica para alienar os próprios bens. Já no segundo caso, não se exige
nenhum tipo específico de capacidade, sendo que os civilmente incapazes podem
receber doação, desde que o seu representante legal não se oponha, no caso dos
nascituros, desde que seus pais aceitem a doação.

Neste sentido, cumpre mencionar desde já algumas hipóteses especiais de


doação, como a doação dos pais para os filhos. Nesse caso, não é necessária a
autorização dos demais filhos, mas considera-se tal doação como adiantamento
de legítima (art. 544, CC).

Outra hipótese é a doação de bens imóveis de pessoa casada. Neste caso,


para doar bens imóveis, tanto marido quanto mulher necessitam da autorização
um do outro, a qual chamamos outorga uxória. Caso essa autorização não esteja
presente no negócio, teremos uma invalidade e o ato poderá ser anulado até dois
anos após o término da sociedade conjugal.

55
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

O cônjuge adúltero, por sua vez, é proibido de realizar doações a seu


amante (art. 550, CC); o negócio poderá ser anulado pelo outro cônjuge ou seus
herdeiros necessários (descendentes e ascendentes do doador) até dois anos
depois de dissolvida a sociedade conjugal. Ainda sobre cônjuges, as doações de
um cônjuge ao outro não são proibidas, desde que não visem a burlar o regime de
separação de bens.

Por fim, importa especificar que o mandatário para doar coisa do mandante
deve ter poderes especiais, constantes da procuração com o nome do donatário.
Desta mesma forma, os administradores em geral não podem doar coisas sob
sua administração. Tal é o caso dos representantes legais dos incapazes.

Passamos agora aos requisitos objetivos, relativos ao objeto da doação.

Como em todo negócio jurídico, o objeto de doação poderá ser todo bem
livre para o comércio: lícito, possível, determinado ou determinável. Além disso, o
doador deve doar coisa própria, devendo possuir o poder de disposição da coisa.

As doações a título universal, ou seja, a doação total de um patrimônio é


proibida, assim como as doações acima da legítima dos herdeiros necessários.
Essas últimas são as doações que ultrapassem 50% do patrimônio do doador;
desta forma, caso uma pessoa tenha herdeiros necessários (descendentes,
ascendentes e cônjuge), não pode doar mais do que 50% de seus bens, já que os
outros 50% são devidos a seus sucessores.

Por fim, cumpre mencionar que a doação de bens futuros é válida, ou seja,
uma pessoa pode doar, por exemplo, os filhotes de sua cadela que ainda estão
por nascer.

Veremos agora as formas de aceitação da doação, elemento indispensável


para aperfeiçoamento do negócio.

b) Aceitação

Para que o contrato Para que o contrato de doação se efetive, é necessário que o
de doação se efetive, donatário aceite o bem a ser entregue pelo doador. Assim, é possível
é necessário que o
donatário aceite o mencionar quatro formas de aceitação: expressa, tácita, presumida e
bem a ser entregue ficta.
pelo doador.

A aceitação expressa pode ser manifestada de forma verbal,


escrita ou mímica, por gestos. Em geral, é possível encontrá-la no próprio
instrumento contratual, sendo permitido, ainda, que seja emitida após a doação
em si.

56
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

A aceitação tácita é aquela manifestada a partir do comportamento do


donatário, que embora não diga expressamente que aceita o bem doado,
demonstra por meio de atos a sua concordância. Por exemplo, embora Valcir
não declare aceitar a doação de um veículo feita por Silvana, passa a usá-lo e
providencia a regularização da documentação, em seu nome.

A aceitação será presumida quando o doador fixa o prazo ao donatário, para


declarar se aceita, ou não, a liberalidade. Passado o prazo sem manifestação do
donatário, sendo a doação pura e simples, presume-se aceita; sendo modal, ou
seja, com encargo, presume-se recusada (art. 539, CC).

Outra hipótese de aceitação presumida ocorre quando a doação é feita


em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, e o
casamento se realiza. Desta forma, o casamento gera presunção de aceitação
(art. 546, CC).

Por fim, trataremos da aceitação ficta, que ocorre nas hipóteses de doação
pura a um sujeito incapaz. Trata-se de uma ficção jurídica, elencada no artigo
543 do Código Civil, segundo o qual os absolutamente incapazes podem aceitar
doações gratuitas independentemente de seus representantes legais. Todavia,
caso o representante entenda que a doação é prejudicial ao incapaz, ele pode
recusá-la.

Situação interessante refere-se à morte de uma das partes antes de se


efetivar a doação. O que acontece?

Se antes da aceitação quem morre é o doador, o contrato prevalece, sujeito


ao aceite do donatário. Se quem vem a falecer, entretanto, é o donatário, o
contrato é extinto.

Veremos agora a classificação dos diversos tipos de doação.

c) Classificação dos contratos de doação

Existem diversos tipos de doação a serem realizados. A mais comum É possível que para
a realização da
é a doação pura, efetuada como simples ato de liberalidade em que nada doação, o doador
é exigido do donatário; ele recebe o bem doado sem qualquer condição estabeleça algum
tipo de encargo.
ou encargo. Assim, temos a
doação modal ou
Em contrapartida, é possível que para a realização da doação, o com encargo, que
sujeita o donatário à
doador estabeleça algum tipo de encargo. Assim, temos a doação modal realização de certa
ou com encargo, que sujeita o donatário à realização de certa tarefa, um tarefa, um dever
jurídico.
dever jurídico. Em geral, o doador estipula prazo para a realização do

57
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

encargo; caso o prazo não seja observado, será necessário constituí-lo em mora,
antes de exigir o cumprimento. Neste caso, o doador fixará um prazo razoável para
que o donatário cumpra o encargo. Se ainda assim o encargo estabelecido não for
cumprido, o doador PODE exigi-lo, sob pena de revogar a doação.

A doação também pode ser condicional, ou seja, subordinada a evento futuro


e incerto; manual, que é a doação de bens móveis de pequeno valor, disciplinada
pelo art. 541 do Código Civil; remuneratória, quando visar a remunerar, a título
de agradecimento, serviços prestados (como no caso da gorjeta); meritória,
nos casos em que o doador queira contemplar o merecimento do donatário (por
exemplo: quando o pai presenteia o filho por ter passado em um concurso público);
e indenizatória, quando o objetivo é compensar alguém pelos prejuízos causados.

Por fim, há que se falar ainda na doação com cláusula de reversão. O artigo
547 do Código Civil permite que o doador estipule o retorno, ao seu patrimônio, dos
bens doados, se sobreviver ao donatário. Desta forma, se José doa um imóvel a
Túlio com cláusula de reversão, caso Túlio morra, o imóvel retorna a José.

Veremos, agora, as hipóteses de revogação da doação.

d) Revogação da doação

Existem casos nos quais a legislação permite que doação seja revogada.

O mais aparente deles é o descumprimento do encargo, nas doações modais,


que poderá ser exigido pelo doador. Além disso, entretanto, há o que chamamos de
ingratidão do donatário.

Nesta hipótese, o Código Civil reputa ingrato o donatário que atente contra
a vida do doador ou cometa crime de homicídio doloso contra ele; o donatário
que ofenda fisicamente o doador; aquele donatário que injurie, calunie ou difame
o doador; e, finalmente, o donatário que negue alimentos ao doador, desde que
tivesse o dever e as condições materiais de ministrá-los, e desde que fosse solicitado
a fazê-lo, pois não é obrigado a adivinhar que o doador necessita de alimentos.
Se, nestes casos arrolados acima, o ofendido for irmão, cônjuge, ascendente ou
descendente do doador, a doação também poderá ser revogada.

Nos casos de homicídio tentado, ofensas físicas e atentado contra a honra, a


doação pode ser revogada, independentemente de condenação criminal. Porém, se
o donatário for julgado inocente no juízo criminal, a doação não poderá ser revogada.

O direito de revogar não se transmite aos herdeiros do doador, a não ser no


caso de homicídio doloso contra a vida do doador. Nesta hipótese, seus herdeiros

58
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

poderão pleitear a revogação, a não ser que o doador tenha perdoado o donatário
antes de morrer. É evidente que se o doador morrer, depois de intentar a ação, seus
herdeiros poderão continuá-la.

Caso o donatário já tenha morrido, os bens doados são transmitidos a seus


herdeiros e, portanto, a doação não pode mais ser revogada. Além disso, não são
revogáveis as doações com encargo, desde que este já tenha sido cumprido.

GAGLIANO, PABLO STOLZE. O Contrato de Doação: Análise


Crítica do atual Sistema Jurídico e os seus Efeitos no Direito de
Família e das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2014.

Locação
Neste tópico trataremos da locação geral de bens, uma vez que
A locação é um
a locação de imóveis é matéria específica da Lei n. 8.245/91 (Lei do contrato no qual
Inquilinato). um indivíduo
empresta um bem
a outro, mediante
Nas palavras de Gonçalves (2014, p. 215), “locação de coisas é pagamento; uma
o contrato pelo qual uma das partes se obriga a conceder à outra o característica
importante é a de
uso e gozo de uma coisa não fungível, temporariamente e mediante que o bem deve
remuneração”. Desta forma, infere-se que a locação é um contrato no retornar ao seu
dono após o fim do
qual um indivíduo empresta um bem a outro, mediante pagamento; uma contrato.
característica importante é a de que o bem deve retornar ao seu dono
após o fim do contrato.

Nas palavras de Gonçalves (2014, p. 215), “locação de coisas é


o contrato pelo qual uma das partes se obriga a conceder à outra o
uso e gozo de uma coisa não fungível, temporariamente e mediante
remuneração”.

59
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

O contrato de locação é oneroso, já que existe prestação e contraprestação


a ambas as partes; comutativo, já que as prestações são recíprocas e certas; não
solene, pois sua forma é livre; e de trato sucessivo, pois se prolonga no tempo.

Seus elementos principais são: objeto, preço e consentimento.

O objeto pode ser um bem móvel ou imóvel. No primeiro caso, o bem deve
ser infungível; bens móveis fungíveis só poderão ser locados por prazo certo e
para fins de ornamentação. Além disso, os bens móveis consumíveis também não
podem ser objeto de locação.

O bem poderá ser locado por inteiro ou por partes. No caso de um prédio
comercial, por exemplo, é possível alugar um andar inteiro ou apenas uma sala.
Se não houver especificação no instrumento, a locação abrange tanto o objeto
principal quanto os bens acessórios da coisa (art. 566, I, CC).

Questão controvertida é a da possibilidade de se locar coisa alheia. Sobre o


tema, diz Gonçalves (2014, p. 217):

Embora controvertida a possibilidade de se locar coisa alheia,


Carvalho de Mendonça afirma não ser o fato estranho ao
direito positivo, podendo o credor pignoratício alugar a coisa
do devedor. Cunha Gonçalves, por sua vez, depois de lembrar
que a doutrina mais autorizada é no sentido de que o contrato
de locação não é translativo de propriedade, mas sim produtor
de obrigações, conclui que “a locação de coisa alheia será
válida enquanto durar a posse do locador; e somente ficará
sem efeito quando a coisa locada for reivindicada pelo seu
verdadeiro proprietário, pois ficando evicto o locador, evicto
ficará também o locatário. Todavia, o proprietário evictor tem a
faculdade de manter o locatário mediante novo arrendamento”.
Pode ainda o proprietário ratificar o contrato e com esse ato
provocar o convalescimento da locação.

Desta forma, entende-se que a locação de coisa alheia é possível apenas


enquanto o locador tem a posse do bem em questão.

O segundo elemento dos contratos de locação é o preço, também chamado


de aluguel ou remuneração. Ele deve ser fixado pelas partes, determinado,
determinável ou, ainda, variável conforme índices legais. Deve, ainda, ser sério e
real, não convencionado em valor ínfimo ou irrisório.

Em geral, o pagamento é feito em dinheiro, de forma sucessiva, podendo


também ser pago em uma única parcela por todo o período de locação, como nos
contratos de temporada.

60
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Quanto ao consentimento, terceiro elemento constituinte do contrato,


este poderá ser expresso ou tácito e o locador não necessariamente precisa
ser proprietário do bem, como no caso dos pais que irão locar bem dos filhos
incapazes. Trata-se da figura do proprietário aparente que, sendo possuidor de
boa-fé, usufruindo da coisa, pode locá-la.

O locatário deve ser estranho ao bem, já que o locador não pode ser locatário
de si mesmo, exceto quando o uso da coisa, por força de contrato ou de lei,
pertencer a terceiro.

Quanto ao prazo, as partes são livres para determiná-lo, sendo que, conforme
o art. 571 do Código Civil, o locador não pode reaver a coisa antes do término
estipulado e nem o locatário devolvê-la antes do combinado, sob pena de perdas,
danos e eventuais multas.

Passemos, agora, às obrigações do locador.

a) Obrigações do locador

O artigo 566 do Código Civil estabelece obrigações ao locador:

I - a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças,


em estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la
nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa
em contrário; II - a garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o
uso pacífico da coisa. (BRASIL, 2002, s.p.).

Assim, o locador deve entregar o bem com os acessórios e pertenças, a não ser
que estejam expressamente excluídos. As pertenças são bens móveis “afetados por
forma duradoura ao serviço ou ornamentação de outro, como os tratores destinados
a uma melhor exploração de propriedade agrícola e os objetos de decoração de
uma residência, por exemplo” (GONÇAVES, 2014, p. 219). Se não houver qualquer
reclamação por parte do locatário, presume-se que o bem foi recebido nos termos
acordados. A não entrega por parte do locador gera inadimplência, podendo o
locatário exigir a resolução do contrato mais perdas e danos.

Além disso, o locador deve zelar para que o bem seja mantido em condições
de uso, exceto convenção em contrário. Os pequenos estragos, porém, que
independem do tempo ou do uso, são de responsabilidade do locatário.

Por fim, nos termos do inciso II do art. 566, o locador não pode praticar qualquer
ato que perturbe o uso e gozo do bem, devendo também proteger o locatário de
embaraços e turbações de terceiros (art. 568, CC). O locador também está sujeito
às consequências dos vícios redibitórios, por força do art. 568 do Código Civil.

61
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

b) Obrigações do Locatário

As obrigações do locatário estão disciplinadas no artigo 569 do Código


Civil, que assim diz:

Art. 569: O locatário é obrigado: I - a servir-se da coisa alugada


para os usos convencionados ou presumidos, conforme a
natureza dela e as circunstâncias, bem como tratá-la com o
mesmo cuidado como se sua fosse; II - a pagar pontualmente
o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo
o costume do lugar; III - a levar ao conhecimento do locador as
turbações de terceiros, que se pretendam fundadas em direito; IV
- a restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu,
salvas as deteriorações naturais ao uso regular (BRASIL, 2002).
O locatário é
obrigado a usar
o bem locado Desta forma, o locatário é obrigado a usar o bem locado para os
para os usos usos convencionados e a tratá-lo como se fosse seu, com cuidado. Por
convencionados exemplo, Alexandre loca o imóvel de Sidney para moradia, não poderá
e a tratá-lo como
se fosse seu, com instalar nele o seu comércio. O uso indevido do bem autoriza o locador
cuidado. a rescindir o contrato e a exigir perdas e danos (art. 570, CC).

O locatário deve pagar o aluguel nos prazos ajustados ou conforme os


costumes do lugar, caso não haja nenhum ajuste. Se o locatário se recusa ao
pagamento, estará em mora. Pode ser estipulado, ainda, que o locatário, além de
pagar o aluguel, responda por impostos e taxas que incidam sobre o imóvel locado.

É dever do locatário, ainda, levar ao conhecimento do locador as turbações


de terceiros, fundadas em direito (inciso III). Como já mencionado, o locador tem a
obrigação de resguardar o locatário dos embaraços e turbações de terceiros. Para
que possa cumprir tal obrigação, porém, é necessário que ele tenha ciência do
fato, a ser dada pelo locatário.

Por fim, cabe ao locatário restituir a coisa no estado em que a recebeu, salvo
as deteriorações naturais. É possível que ele exija relação por escrito do estado
do imóvel, quando realizada a entrega, de forma a se resguardar. Caso o locatário
tenha danificado a coisa, deverá indenizar o locador.

c) Disposições complementares

Conforme o art. 571 do Código Civil, o “locador [pode] reaver a coisa alugada
antes do vencimento do prazo”, desde que pague ao locatário as “perdas e danos
resultantes”. É possível, ainda, que a coisa seja devolvida ao locador desde que o
locatário pague a multa acordada no contrato. Essa norma pode ser alterada pela
vontade das partes, e não se aplica à locação de prédios urbanos, os quais têm
regulamentação própria.

62
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

O parágrafo único do mencionado artigo dispõe que o locatário “gozará do


direito de retenção, enquanto não for ressarcido”. Trata-se de uma proteção ao
locatário, tornando mais fácil o pagamento da indenização que lhe deve o locador
quando pedir de volta o bem antes do prazo de locação acordado.

O contrato de locação “por tempo determinado cessa de pleno direito findo o


prazo estipulado” (art. 573, CC). Assim, se o locatário não devolve o bem, passa a
ter posse injusta e de má-fé. Porém, se não tiver oposição do locador, presume-se
que o contrato foi prorrogado pelo mesmo valor de aluguel (art. 574, CC).

Caso a locação não tenha prazo determinado, é necessário que o locatário


seja notificado pelo locador de sua vontade em reaver o bem. Se o locatário, já
notificado, “não restituir a coisa, pagará, enquanto a tiver em seu poder, o aluguel
que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que ela venha a sofrer, embora
proveniente de caso fortuito” (art. 575, CC). É uma forma que o locador possui de
obrigar o locatário a cumprir com sua obrigação.

EmprÉstimo No empréstimo,
uma das partes
No empréstimo, uma das partes entrega um bem a outra, com entrega um bem a
objetivo de reavê-lo ao fim do contrato. Transmite-se temporariamente a outra, com objetivo
de reavê-lo ao fim
posse da coisa, não lhe sendo cedida a propriedade. do contrato.

No Código Civil são elencadas duas espécies principais de empréstimo: o


comodato e o mútuo; a semelhança entre eles é a entrega do bem, mas os dois
institutos possuem diferenças profundas. Vejamos cada um deles.

a) Comodato

Conforme art. 579 do Código Civil, “comodato é o empréstimo gratuito de


coisas não fungíveis”, concretizado com a tradição do objeto. Conhecido como
empréstimo de uso, o bem será utilizado por uma das partes, voltando a seu dono
original no fim do contrato. Trata-se de contrato gratuito, a respeito de objeto
infungível que se aperfeiçoa com a simples entrega do bem. É ainda unilateral,
personalíssimo, temporário e não solene, pois não exige forma específica.

63
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Conforme art. 579 do Código Civil, comodato “é o empréstimo


gratuito de coisas não fungíveis, concretizado com a tradição do
objeto”.

Uma vez firmado o comodato, o comodatário terá direito de uso e gozo


sobre a coisa, com as seguintes obrigações: a) Conservar o bem, não podendo
abandoná-lo ainda que haja caso fortuito ou força maior (art. 582, 583 CC); b)
Usar o bem de maneira adequada (art. 582, CC); e c) Restituir a coisa no prazo
convencionado, podendo ser constituído em mora no caso de atraso na entrega,
devendo, ainda, pagar aluguel pelo tempo extra (art. 582, CC).

Quanto ao comodante, sua obrigação principal é a entrega do bem acordado.


Caso surjam despesas extraordinárias e urgentes para conservação da coisa
em posse do comodatário, o comodante deverá lhe reembolsar. Se o bem
apresentava vício oculto conhecido por ele, deverá indenizar o comodatário por
eventuais prejuízos que tenha sofrido pela falta de aviso. Seus direitos são:

a) exigir do comodatário que conserve a coisa como se


fora sua, usando-a apenas de acordo com sua destinação,
finalidade e natureza; b) exigir que o comodatário efetue os
gastos ordinários para conservação, uso e gozo da coisa
emprestada, restituindo-a findo o prazo convencionado ou
presumido; c) arbitrar e cobrar aluguel, como penalidade e para
satisfação de perdas e danos, em caso de atraso na restituição
(GONÇALVES, 2014, p. 241).

O contrato de comodato se extingue das seguintes formas: a) Pelo fim


do prazo acordado; b) Por resolução, caso o comodatário descumpra suas
obrigações; c) Por sentença judicial caso o comodante comprove necessidade
urgente e imprevisível (art. 581); d) Caso o comodato seja personalíssimo, pela
morte do comodatário; e) Por resilição unilateral por qualquer das partes; f) Pelo
perecimento do bem, com a devida indenização a ser paga para o comodante.

b) Mútuo

O mútuo, por sua vez, é definido pelo art. 586 do Código Civil como o
“empréstimo de coisas fungíveis”, no qual o mutuário deve “restituir ao mutuante
o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”. Além
disso, o mutuário se torna proprietário do objeto, sendo responsável por todos os
riscos decorrentes desde a tradição (art. 587, CC).

64
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

É também conhecido como contrato de empréstimo para consumo, já que


o mutuário pode fazer o que bem entender com a coisa emprestada, devendo
restituir outra de mesma espécie. A fungibilidade da coisa emprestada é o principal
requisito para o contrato de mútuo (ver art. 86, CC).

O mútuo é definido pelo art. 586 do Código Civil como o


“empréstimo de coisas fungíveis”, no qual o mutuário deve “restituir
ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero,
qualidade e quantidade”.

Trata-se de um contrato real, que se aperfeiçoa com a entrega da coisa;


em regra, gratuito, podendo ser oneroso no caso do empréstimo de dinheiro;
unilateral, temporário e não solene.

Cumpre destacar que o empréstimo de dinheiro é também conhecido como


mútuo feneratício, sendo dele cobrados juros (art. 591, CC). Ademais, o Código
Civil, em seu artigo 315, adotou o chamado princípio do nominalismo, segundo o
qual o valor da moeda a ser considerado é nominal. Não importam, portanto, as
alterações inflacionárias e o poder de compra existente no ato do empréstimo e
no ato do pagamento; o valor a ser pago será sempre o mesmo, ainda que haja
desvalorização monetária.

Para realizar contrato de mútuo, o mutuante deve ser proprietário da coisa,


além de deter capacidade civil plena. O Código Civil em seu art. 588 estabelece que
o mútuo feito a menor sem autorização de seu representante não pode ser reavido
do mutuário ou de seus fiadores. Essa regra não será aplicável, entretanto:

a) se o representante do menor “ratificar” o empréstimo; b)


se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a
contrair empréstimo “para os seus alimentos habituais”; c) “se
o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho”, caso em que
a execução do credor “não lhes poderá ultrapassar as forças”;
d) se o empréstimo “reverteu em benefício do menor”; e e)
se este “obteve o empréstimo maliciosamente” (art. 589, CC;
GONÇALVES, 2014, p. 244).

Quanto às obrigações das partes, o mutuante deve entregar o bem conforme


acordado, sendo “sua a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes de vícios ou
defeitos da coisa, de que tinha conhecimento, e a respeito dos quais não informou

65
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

o mutuário, malgrado se trate de hipótese rara” (GONÇALVES, 2014, p. 248). Terá


o direito, ainda, de exigir garantia de restituição caso a situação econômica do
mutuário se altere de forma notória antes do fim do contrato (art. 590, CC).

O mutuário, por sua vez, tem apenas uma obrigação: “restituir, no prazo
convencionado, a mesma quantidade e qualidade de coisas recebidas e, na sua
falta, pagar o seu valor, tendo em vista o tempo e o lugar em que, segundo a
estipulação, se devia fazer a restituição, quando o contrato não tiver dinheiro por
objeto” (GONÇALVES, 2014, p. 248).

Por fim, podemos estabelecer as seguintes diferenças entre o contrato de


mútuo e o de comodato:

Quadro 2 – Diferenças entre o contrato mútuo e o de comodato


Comodato Mútuo
Empréstimo de uso Empréstimo de consumo
Mutuário deve devolver coisa de mesma
Comodatário deve restituir a própria coisa
espécie
Não há transferência de domínio Há transferência de domínio
Não permite alienação da coisa Permite alienação da coisa emprestada
Fonte: A autora.

LEITE, Júlio de Assis Araújo Bezerra. O Direito do Idoso e o Mútuo


Bancário: Aplicação do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto
do Idoso. 2007. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional).
Universidade de Fortaleza, Fortaleza Biblioteca Depositária: UNIFOR.
Disponível em: <https://uolp.unifor.br/oul/conteudosite/F1066343189/
Dissertacao.pdf>. Acesso em 29, jan. 2018.

O contrato de
depósito é aquele DepÓsito
no qual uma das
partes transfere a
outra a guarda de O contrato de depósito é aquele no qual uma das partes transfere
um bem móvel, a outra a guarda de um bem móvel, para conservação, que será
para conservação, devolvido posteriormente. O depositário não poderá utilizar este bem,
que será devolvido
posteriormente. exceto se expressamente autorizado.

66
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Poderá ser unilateral ou bilateral, caso haja estipulação de pagamento;


gratuito ou oneroso; real, pois se aperfeiçoa com a entrega do bem; solene, pois a
lei exige que seja celebrado de forma escrita (art. 646, CC); e temporário.

Para celebrar contrato de depósito, as partes devem ser civilmente capazes;


o bem, entretanto, só poderá ser móvel, ainda que consumível. Deve ser restituído
da mesma forma em que foi entregue (selado, lacrado, etc.; art. 630, CC), exceto
em ocasiões excepcionais de perigo e urgência.

Vejamos, agora, as espécies de depósito.

a) Tipos de depósito

No ordenamento jurídico brasileiro podemos encontrar três espécies de


depósito: 1) Depósito contratual; 2) Depósito judicial e; 3) Depósito necessário.

O depósito contratual é aquele elencado no art. 627 do Código Civil, sendo a


base de nossos estudos neste tópico.

O depósito judicial, por sua vez, deriva de uma sentença, como nas ações de
consignação em pagamento ou de sequestro.

Quanto ao depósito necessário, ele se ramifica em legal e miserável e está


elencado no art. 647 do Código Civil: “Art. 647. É depósito necessário: I — o que
se faz em desempenho de obrigação legal; II — o que se efetua por ocasião
de alguma calamidade, como o incêndio, a inundação, o naufrágio ou o saque”
(BRASIL, 2002).

O inciso primeiro refere-se ao depósito oriundo de uma exigência legal, por


exemplo, “o que ocorre quando o sujeito encontra coisa alheia perdida, impondo-
se-lhe, a teor dos arts. 1.233 a 1.237 do Código Civil, que se encaminhe a uma
delegacia de polícia, para efetuar o depósito, sob pena de incorrer no crime de
apropriação indébita de coisa achada” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014,
sp). Já o segundo trata do depósito miserável, oriundo de uma situação de
desespero, como naufrágio ou saque.

Cumpre destacar que o depósito de bagagens de hóspedes é equiparado ao


depósito necessário legal (art. 649, CC), atingindo hotéis, albergues, pensões etc.

b) Direitos e obrigações das partes

Nos casos de depósito gratuito, as obrigações são exclusivas do depositário,


que deverá guardar, conservar e devolver o bem que lhe foi confiado (art. 629, CC).
Se oneroso, o depositante terá como obrigação o pagamento por sua atividade.

67
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Caso a coisa produza frutos, estes deverão ser entregues junto ao bem
principal, assim como eventuais benfeitorias. A restituição deve ser feita no lugar
em que o bem foi guardado, às custas do depositante (art. 631, CC). Se o bem
depositado for de interesse de terceiro, este deve autorizar a restituição (art. 632,
CC). Caso haja mais de um depositante e a coisa seja divisível, o depositário
deverá restituir a cada um a parte que lhe cabe, exceto se forem solidários (art.
639, CC):

Um exemplo vale por mil palavras: suponhamos que Jassa


e Odessa sejam proprietários de uma tonelada de soja,
depositada em poder de Oliveiros. Neste caso, tratando-se de
coisa divisível, deverá o depositário entregar a cada um dos
depositantes a sua respectiva parte (500 kg, se o contrato não
dispuser de forma diferente). Todavia, se houver entre eles
solidariedade, poderá o depositário entregar todo o bem para
apenas um dos depositantes, que o reclamar (art. 275, CC-02;
art. 904, CC-16; GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2014, s.p).

Se o depositário sub-rogar o bem para guarda de terceiro, ainda que


autorizado, responderão juntos por eventuais danos (art. 640, CC); e ainda, se o
depositário for acometido de alguma incapacidade, seu curador deverá restituir a
coisa depositada (art. 641).

Além disso, o depositário não pode se negar a restituir a coisa, exceto nos
seguintes casos: a) Direito de retenção; b) Embargo judicial do objeto depositado;
c) Execução pendente sob a coisa depositada; e d) Motivo justo sobre a ilicitude
do objeto (art. 633 e 634, CC). É possível, ainda, que o depositário faça depósito
judicial quando tiver motivo justo para devolver a coisa e o depositante não queira
recebê-la (art. 635, CC).

Sobre o direito de retenção, o artigo 644 do Código Civil estabelece que será
legítimo quando: a) O depositante não tiver pagado remuneração previamente
acordada; b) O depositante não pagar o valor das despesas que o depositário
tenha realizado em função da coisa; e c) O depositário não tenha recebido
indenização devida oriunda de eventual prejuízo do depósito.

Fora esses casos, a negação de restituição da coisa torna o


O Supremo Tribunal
Federal afastou depositário infiel, aparentemente passível de prisão nos termos do artigo
a hipótese de 652 do Código Civil. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal afastou
prisão na Súmula
Vinculante 25, que a hipótese de prisão na Súmula Vinculante 25, que assim dispõe: “É
assim dispõe: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade
ilícita a prisão civil do depósito”. Esta súmula foi emitida em razão da celebração do Pacto
de depositário infiel,
qualquer que seja de San José da Costa Rica, incorporado ao direito positivo brasileiro,
a modalidade do que restringiu as hipóteses de prisão por dívida a apenas um caso:
depósito”. dívida oriunda de pensão alimentar. Assim, o depositário que se negar
a restituir o bem não pode ser preso.

68
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

c) Extinção do contrato de depósito

O depósito pode ser extinto das seguintes formas: a) Advento do termo


acordado; b) Por solicitação do depositante; c) Por devolução justificada do
depositário; d) Perecimento do objeto; e) Morte do depositário, se o contrato for
personalíssimo.

Atividade de Estudos:

1) Em relação ao contrato de depósito, é correto afirmar que

a) é sempre gratuito.
b) se o depósito se entregou fechado, colado, selado, ou lacrado,
nesse mesmo estado se manterá.
c) o depositário responde pelos casos de força maior.
d) se voluntário, provar-se-á por qualquer forma.

O mandato é
Mandato um contrato no
qual uma das
partes confere
Nos termos do art. 653 do Código Civil, o mandato é um contrato a outra poderes
no qual uma das partes confere a outra poderes para praticar atos para praticar atos
jurídicos em seu
jurídicos em seu nome; baseia-se, portanto, na ideia de representação. nome;

Grande parte dos atos jurídicos pode ser efetuada por meio de representante
escolhido, ainda que não tenham cunho patrimonial, como bem lembra Gonçalves
(2014, p. 286):

A adoção e o reconhecimento do filho natural, por exemplo,


podem ser efetuados por meio de mandato. Até mesmo o
casamento, que é um dos atos mais solenes do Código Civil e
de reconhecida importância para a vida das pessoas, pode ser
celebrado “mediante procuração, por instrumento público, com
poderes especiais ” (CC, art. 1.542).

O referido autor (2014) cita como exceções os atos personalíssimos, como: o


concurso público, o testamento e o serviço militar.

69
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

O mandato é contrato personalíssimo, pois se baseia na confiança existente


entre representante e representado; é não solene, apesar do art. 653 afirmar que
“a procuração é o instrumento do mandato”; e, em regra, é gratuito, desde que
não haja acordo em contrário ou nos casos em que o pagamento é essencial à
representação (no caso de mandato confiado a advogado, por exemplo).

É importante destacar desde já que, embora o mandato tenha por base


a ideia de representação, as duas figuras não se pressupõem. É possível que
haja mandato sem representação, como no caso do contrato de comissão (a
ser estudado adiante neste mesmo capítulo), assim como há hipóteses de
representação sem mandato, como no caso dos representantes legais ou judiciais
(pais ou tutores).

a) Requisitos para outorgar a procuração e receber o mandato

O artigo 654 do Código Civil estabelece que todas as pessoas civilmente


capazes podem outorgar procuração, sendo requisito de outorga, portanto, a simples
capacidade civil. O mandato, entretanto, estará adstrito aos atos que o mandante
pode, pessoalmente, praticar; o mandatário não pode extrapolar esses limites.

Por outro lado, o artigo 666 do Código Civil permite que os menores de 18
e maiores de 16, relativamente incapazes, atuem como mandatários. Caso o
contrato seja mal executado, porém, o risco é integralmente do mandante.

Conforme elenca Gonçalves (2014, p. 291), não podem exercer mandato:

a) os acionistas brasileiros não podem fazer-se representar nas


reuniões de assembleia geral por mandatários estrangeiros
(Dec.-Lei n. 2.063, de 7-3-1940, art. 199); b) o funcionário
público, mesmo aposentado, não pode ser procurador perante
qualquer repartição (Dec. n. 23.112, de 11-4-1934, e art. 22,
XL, da Lei n. 8.122, de 1990), mas pode ser mandatário nos
demais casos.

Trataremos, agora, da procuração.

b) A procuração

Apesar de ser Apesar de ser contrato não solene e, portanto, não exigir forma
contrato não solene
e, portanto, não para que seja válido, o mandato escrito é o mais comum, tendo como
exigir forma para instrumento a procuração.
que seja válido, o
mandato escrito é o
mais comum, tendo De acordo com o artigo 654, §1º, “O instrumento particular
como instrumento a deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do
procuração.

70
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e


a extensão dos poderes conferidos”. Além disso, o terceiro que irá tratar com o
mandatário pode exigir reconhecimento de firma (art. 654, §2º, CC).

O artigo 657, por sua vez, orienta que a procuração seja feita da mesma
forma exigida para o ato a ser praticado. Assim, exemplifica Gonçalves (2014, p.
291): “Se o ato objetivado exigir instrumento público, como a compra e venda de
imóvel de valor superior à taxa legal, por exemplo, a procuração outorgada para a
sua prática deve observar, necessariamente, a forma pública”.

Há ainda que se falar na possibilidade de o mandatário “terceirizar” a


procuração, por meio de substabelecimento. Nos termos do artigo 655 do Código
Civil, este pode ser feito por instrumento particular ainda que a procuração seja por
instrumento público, com reserva de poderes (ou seja, o mandatário atua junto da
pessoa a quem foi entregue o substabelecimento) ou sem reserva (hipótese na qual
o mandatário renuncia à sua função e a entrega ao substabelecido, integralmente).
Segundo Gonçalves (2014, p. 292), “O substabelecimento pode ser também total
ou parcial. No primeiro caso, o substabelecido outorga a outrem todos os poderes
recebidos; no segundo, o substabelecido fica inibido de praticar certos atos”.

c) Espécies de mandato

Existem diversos tipos de mandato. De acordo com o Código Civil, ele


poderá ser expresso, tácito, verbal ou escrito (art. 656); gratuito ou oneroso (art.
658); judicial ou extrajudicial (art. 692), simples ou empresário (art. 966 e 1.018),
geral ou especial (art. 660), em termos gerais com poderes especiais (art. 661),
solidário, sucessivo ou fracionado (art. 672).

Comecemos pelo tácito. Em algumas hipóteses, a lei considera a existência


de um mandato tácito, a partir de atos que presumem que o mandatário o aceitou.
Gonçalves (2014, p. 293) elenca como exemplo:

O art. 1.643 e incisos I e II do mencionado diploma autorizam


os cônjuges, independentemente de autorização um do
outro, a “comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à
economia doméstica” e a “obter, por empréstimo, as quantias
que a aquisição dessas coisas possa exigir”; o art. 1.324
presume representante comum “o condômino que administrar
sem oposição dos outros”; o art. 1.652, II, responsabiliza o
cônjuge que estiver na posse dos bens particulares do outro
“como procurador, se tiver mandato expresso ou tácito para
os administrar”. Além disso, a legislação cambial e o art. 891
do novo Código Civil presumem ter o portador de título de
crédito mandato para inserir a data e o lugar da emissão. A
jurisprudência tem admitido a existência de mandato tácito
pelo início da execução, em alguns casos, especialmente nos
de mandato judicial, sem o efetivo poder de representação.

71
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Em relação à forma, o mandato poderá ser verbal nos casos em que a lei
não exija forma escrita, notadamente “nos negócios jurídicos cujo valor não
ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que
foram celebrados” (art. 227, CC). O escrito pode ser outorgado por instrumento
particular ou público (art. 654, CC).

Poderá, ainda, ser gratuito ou oneroso, a depender da relação estabelecida


entre mandante e mandatário; judicial (art. 692, CC), que habilita o advogado
para agir em juízo por seu cliente, ou extrajudicial; e simples ou empresários, este
último restrito aos negócios mercantis (art. 966, CC).

Quanto à extensão dos poderes conferidos ao mandatário, pode ser especial,


limitado à celebração de um ou mais negócios determinados pelo mandante, ou
geral, valendo para a prática de qualquer ato (art. 660). Em relação ao mandato
de termos gerais, o art. 661 o limita a poderes de administração; para ultrapassar
esses poderes gerais de administração são necessários poderes especiais
expressos (art. 661, §1º).

Por fim, vejamos o artigo 672 do Código Civil:

Sendo dois ou mais os mandatários nomeados no mesmo


instrumento, qualquer deles poderá exercer os poderes
outorgados, se não forem expressamente declarados conjuntos,
nem especificamente designados para atos diferentes, ou
subordinados a atos sucessivos. Se os mandatários forem
declarados conjuntos, não terá eficácia o ato praticado sem
interferência de todos, salvo havendo ratificação, que retroagirá
à data do ato.

Assim, presume-se que caso o mandato seja outorgado a mais de um


indivíduo, será solidário. Para que atuem em negócios diferentes, deve haver
menção expressa no instrumento; se forem declarados conjuntos, só poderão
agir de forma conjunta, ainda que com ratificação posterior; se forem sucessivos,
devem atuar na ordem de sua nomeação.

d) Obrigações do mandatário e do mandante

As obrigações do mandatário são: a) Agir em nome do mandante, conforme


os poderes que lhe foram conferidos; caso esses poderes sejam extrapolados,
deverão ser convalidados pelo mandante (art. 665, CC); b) Atuar com diligência
e assumir a responsabilidade por eventuais prejuízos causados por ele ou por
indivíduo a quem substabeleceu (art. 667, CC); c) Prestar contas ao mandante,
transferindo a este as vantagens oriundas do mandato (art. 668, CC); d)
Apresentar o instrumento do mandato aos terceiros com quem tratar em nome do
mandante (art. 673, CC); e) Concluir negócio já iniciado quando houver perigo na
demora, ainda que haja mudança de estado do mandante (art. 674, CC).

72
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Já o mandante tem dois grupos principais de obrigações. O primeiro, refere-


se a satisfazer obrigações assumidas pelo mandatário (art. 675, CC), ainda que
alguma de suas instruções não seja atendida, cabendo direito de regresso (art.
679, CC). O segundo, refere-se às obrigações de caráter pecuniário:

O mandante é obrigado a adiantar a importância das despesas


necessárias à execução do mandato, quando o mandatário lho
pedir, ou reembolsá-lo, com os juros eventualmente devidos
pelo atraso, do valor das despesas por ele despendido, uma vez
que o mandatário pode, ao seu alvitre, efetuar as despesas e
em seguida solicitar seu reembolso, ou pedir ao mandante que
adiante as importâncias necessárias ao desempenho do mandato;
a pagar-lhe a remuneração ajustada; e a indenizá-lo dos prejuízos
experimentados na execução do mandato (CÓDIGO CIVIL, arts.
675 a 677, 2002; GONÇALVES, 2014, p. 300).

O mandatário age em nome do mandante, portanto, qualquer prejuízo


patrimonial que tenha sofrido deverá ser suportado pelo mandante, exceto em
caso de culpa.

e) Extinção do mandato

Segundo o art. 682 do Código Civil, são quatro as formas de extinção do


mandato: 1) Revogação ou renúncia; 2) Morte ou interdição das partes; 3)
Mudança de estado que inabilite mandante ou mandatário; 3) Pelo termo final ou
conclusão do negócio.

Em algumas hipóteses, porém, o mandato pode se tornar irrevogável por


força de lei, como preceituado dos artigos 683 a 686. Segundo Gonçalves (2014,
p. 304),

Pode-se afirmar que o mandato é irrevogável quando: a)


contiver cláusula de irrevogabilidade; b) for conferido com
a cláusula “em causa própria” (art. 685); c) a cláusula de
irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral (mandato
acessório de outro contrato), ou tiver sido estipulada no
exclusivo interesse do mandatário; d) contenha poderes de
cumprimento ou confirmação de negócios encetados, aos
quais se ache vinculado (art. 686, parágrafo único).

Vejamos, agora, o contrato de comissão.

73
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

ALVARENGA, Luiz Carlos. A REPRESENTAÇÃO NOS ATOS


NOTARIAIS CELEBRADOS CONSIGO MESMO: análise do art. 117
do novo Código Civil. Revista Qualitas, Campina Grande, v. 06,
n. 02, 2007. Disponível em: <http://revista.uepb.edu.br/index.php/
qualitas/article/view/84>. Acesso em 29 jan. 2018.

Comissão
O contrato de comissão, nas palavras de Gonçalves (2014, p. 312), é um
negócio jurídico pelo qual

um dos contraentes, denominado comissário, obriga-se a


realizar negócios em favor do outro, intitulado comitente,
segundo instruções deste, porém em nome daquele. O
comissário obriga-se, portanto, perante terceiros em seu
próprio nome, figurando no contrato como parte. Neste, em
geral, não consta o nome do comitente, porque o comissário
age em nome próprio. Nada impede, contudo, que venha a
constar, por conveniência de melhor divulgação do produto e
incrementação dos negócios.

No contrato de No contrato de comissão, o objeto é a compra e venda de bens


comissão, o objeto por conta de outrem, bens estes sempre móveis. Gagliano e Pamplona
é a compra e
venda de bens por Filho (2014, p. 397) apontam, como exemplo, a atividade empresarial
conta de outrem, empreendida “pelas agências de viagens que, contratando em próprio
bens estes sempre nome, fazem jus à remuneração devida (comissão) pela venda de
móveis.
passagens aéreas”.

Trata-se de um contrato bilateral, oneroso, comutativo, não solene e


intuito personae, pois é celebrado em razão da pessoa do comissário, por suas
qualidades específicas e profissionais.

a) Remuneração do comissário

Geralmente, a remuneração é calculada em porcentagem sobre os valores


das vendas ou de outros negócios, sendo devida desde a conclusão do contrato.
Se por motivos de morte ou força maior o comissário não puder concluí-lo, “será
devida pelo comitente uma remuneração proporcional aos trabalhos realizados”
(art. 702, CC).

74
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

A remuneração do comissário é devida ainda que este tenha dado motivo


a eventual dispensa, em razão dos serviços úteis já prestados; o comitente,
entretanto, poderá, nestes casos, exigir indenização por perdas e danos (art.
703, CC). Embora a expressão serviços úteis seja vaga, Gonçalves (2014,
p.313) entende que “deve-se interpretá-la em sentido amplo, levando em conta
não apenas o aspecto patrimonial, mas qualquer outra vantagem ou benefício
demonstrados”.

Se o comissário, no entanto, for despedido sem justa causa, deverá receber


pelos trabalhos prestados e por eventuais perdas e danos decorrentes da
dispensa (art. 705, CC). Cumpre mencionar que o comissário tem direito a reter
os bens adquiridos para o comitente como forma de garantir o reembolso das
despesas efetuadas para realizar o negócio convencionado (art. 708, CC).

A morte de qualquer das partes extingue o contrato.

b) Deveres do comissário

Para efeitos didáticos, dividiremos os deveres do comissário em duas


espécies: os deveres em relação ao comitente, já que precisa agir em nome dele;
e os deveres em relação a terceiros, já que contrata em seu próprio nome.

Quanto aos deveres em relação ao comitente, tem-se que: 1) Uma vez aceito
o encargo, obriga-se o comissário na forma e segundo as ordens e instruções
recebidas; 2) Obriga-se o comissário em relação às pessoas com as quais ele
contrata, sem que estas tenham ação contra o comitente, e nem este contra elas,
a menos que o comissário ceda seus direitos a qualquer uma das partes (art. 694,
CC); 3) Deve proceder com diligência de forma e evitar prejuízo e auferir lucro para
o comitente (art. 696, CC); 4) Não pode conceder prazo para pagamento, se tiver
ordens em contrário. Na omissão de disposição sobre o assunto, a presunção é que
houve autorização (art. 699, CC); 5) Nas vendas de mercadorias a prazo, vencidos
os pagamentos, o comissário é obrigado a realizar a cobrança (art. 700, CC); 6)
Cabe-lhe cuidar da conservação dos direitos e da guarda das coisas do comitente;
7) Deve pagar os juros se incidir em mora na entrega dos fundos ou valores devidos
ao comitente, como a este também incumbe a satisfazer os juros das quantias em
dinheiro que o comissário, a seu benefício, houver adiantado (art. 706, CC); e 8)
Deve avisar o comitente dos danos sofridos pelas mercadorias sob sua guarda.

Já em relação a terceiros, o comissário deve: 1) Assumir a responsabilidade


pelas obrigações efetuadas (art. 694, CC); e 2) Responsabilidade pela perda ou
extravio do dinheiro e de qualquer bem que se encontre em seu poder, ainda que
o dano decorra de caso fortuito ou força maior, a menos que prove que tenha
empregado a diligência necessária na guarda.

75
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

c) Direitos e deveres do comitente

O comitente tem a obrigação de pagar a remuneração ao comissário, nos


seguintes termos:

Art. 701. Não estipulada a remuneração devida ao comissário,


será ela arbitrada segundo os usos correntes no lugar. [...]
Art. 703. Ainda que tenha dado motivo à dispensa, terá o
comissário direito a ser remunerado pelos serviços úteis
prestados ao comitente, ressalvado a este o direito de exigir
daquele os prejuízos sofridos.
Art. 704. Salvo disposição em contrário, pode o comitente,
a qualquer tempo, alterar as instruções dadas ao comissário,
entendendo-se por elas regidos também os negócios pendentes.
Art. 705. Se o comissário for despedido sem justa causa, terá
direito a ser remunerado pelos trabalhos prestados, bem como
a ser ressarcido pelas perdas e danos resultantes de sua
dispensa.” (BRASIL, 2002).

A comissão ou remuneração devida pelo comitente deve ser paga depois de


concluído o negócio, não sendo condicionada à sua execução.

Além disso, o comitente deve 1) Fornecer fundos suficientes ao comissário


a fim de possibilitar os negócios; 2) Ressarcir as despesas desembolsadas pelo
comissário; 3) Assumir os riscos oriundos da devolução de fundos em poder do
comissário, exceto se ele se desviar das instruções emanadas do comitente, ou fizer
as devoluções por motivos diversos dos comumente usados no local da remessa.

Em contrapartida, são direitos do comitente: 1) Opor todas as exceções


permitidas ao comissário, como o descumprimento das obrigações; 2) Exigir que o
comissário responda pelos prejuízos acontecidos, se o mesmo não comunicar, ao
receber as mercadorias, as avarias, a diminuição ou mudança de seu estado; 3)
Solicitar a restituição, em caso de falência do comissário, das mercadorias que se
encontrarem em seu poder, e pleitear junto a terceiros os preços ainda não pagos
das mercadorias vendidas pelo comissário; 4) Não responder, junto a terceiros,
pelas obrigações assumidas pelo comissário, eis que este age em seu nome
próprio; 5) Acionar terceiros, no caso de sub-rogação nos direitos assumidos pelo
comissário; e 6) Alterar as instruções dadas ao comissário, a menos que tenham
disposto o contrário as partes (art. 704, CC).

d) Comissão del credere

Em geral, o comissário não responderá pela insolvência das pessoas com


quem tratar. Todavia, existem dois casos nos quais isto pode ocorrer: em caso de
culpa do comissário, e na vigência de cláusula del credere (art. 697, CC). Sobre o
assunto, assim dispõe o artigo 698 do Código Civil:

76
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

[...] se do contrato de comissão constar a cláusula del credere,


responderá o comissário solidariamente com as pessoas com
que houver tratado em nome do comitente, caso em que,
salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a
remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido.

Esta cláusula tem por objetivo estimular o comissário a tomar cuidado ao


realizar seus negócios, pois, como consequência dela, torna-se devedor solidário
do negócio firmado.

AgÊncia e Distribuição
O artigo 710 do Código Civil assim preceitua:

Pelo contrato de agência, uma pessoa assume,


em caráter não eventual e sem vínculos de
O agente é um
indivíduo que atua
dependência, a obrigação de promover, à conta de como promotor
outra, mediante retribuição, a realização de certos de negócios
negócios, em zona determinada, caracterizando- de empresas.
se a distribuição quando o agente tiver à sua Diferencia-se do
disposição a coisa a ser negociada. corretor porque não
conclui os negócios,
fomenta o negócio,
Desta forma, é possível inferir que o agente é um indivíduo que mas não é seu
atua como promotor de negócios de empresas. Diferencia-se do corretor representante, nem
porque não conclui os negócios, fomenta o negócio, mas não é seu é obrigado a concluir
transações.
representante, nem é obrigado a concluir transações. Para Gonçalves
(2014, p. 321):

Como exemplos de pessoas que exercem essa atividade


podem ser citados os agentes de seguros, de aplicações
financeiras, de atividades artísticas, podendo ser lembrada,
ainda, a atividade do agente que se encarrega de indicar
novos atletas de futebol ou de outro esporte para determinada
agremiação esportiva. A atividade do agente limitar-se-á aos
atos preparatórios que lhe foram incumbidos: prepara o negócio
em favor do agenciado, mas não o conclui necessariamente. A
obrigação do representante comercial autônomo, ao contrário,
é de concluí-lo.

Trata-se de um contrato bilateral, oneroso, comutativo, não solene e intuitu


personae.

a) Características do contrato de agência

O contrato de agência possui as seguintes características:

77
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

1) Independência hierárquica, já que o agente possui autonomia na


organização e promoção dos negócios do agenciado; 2) Habitualidade, pois
as atividades a serem desenvolvidas são habituais, de vínculo duradouro; 3)
Intermediação, uma vez que o agente realiza negócios de interesse do agenciado;
4) Remuneração, já que o agente recebe uma contraprestação pelos serviços
agenciados; e 5) Delimitação espacial, pois o agente deverá praticar seus atos
dentro de um espaço convencionado em contrato.

Além disso, o artigo 710, Parágrafo único, dispõe que “o proponente pode
conferir poderes ao agente para que este o represente na conclusão dos contratos”.
Neste caso, estaremos diante de um contrato de representação comercial autônoma,
disciplinado pela Lei 4.886/1965. Aqui, diferentemente do contrato de agência
regulamentado pelo Código Civil, as partes são necessariamente empresárias.

b) Características do contrato de distribuição

Os contratos de agência e distribuição têm, por única diferença, a atribuição


de mais ou menos funções ao agente; no caso do último, o agente terá à sua
disposição a coisa a ser negociada. Segundo Gonçalves (2014, p. 323):

Ele age como depositário apenas da mercadoria a este


pertencente, de maneira que, ao concluir a compra e venda
e promover a entrega de produtos ao comprador, não age em
nome próprio, mas o faz em nome e por conta da empresa
que representa. Em vez de atuar como vendedor, atua como
mandatário do vendedor.

Um exemplo é o que ocorre entre a fabricante de bebidas e sua distribuidora:


trata-se de um contrato de distribuição, pois essa última tem os produtos da
fabricante à disposição, sem que deles seja dona.

O contrato de distribuição poderá ser extinto unilateralmente, quando de seu


vencimento, ou, no caso de contrato por tempo indeterminado, por aviso prévio de
noventa dias por qualquer das partes, desde que haja decorrido prazo razoável.
Caso haja divergência, a questão deverá ser levada em juízo (art. 720, CC).

c) Remuneração do agente

Conforme artigo 714 do Código Civil, o agente e o distribuidor têm direito


a remuneração pelos negócios concluídos dentro de sua zona, mesmo que
sem sua interferência direta. Além disso, o artigo 711 proíbe que o agenciado
contrate mais de um agente, na mesma zona, para igual função e que o agente
cuide de outros agenciados, na mesma situação. Essas regras, porém, admitem
estimulação em contrário.

78
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

A remuneração do agente, em geral, é baseada na porcentagem de negócios


concretizados, mas também pode ser fixa. Caso o agente tenha dificuldades em
celebrar os negócios por culpa inescusável do agenciado, terá direito a indenização
(arts. 715, 716, CC). Se a situação se inverte e é o agente quem atrapalha a
celebração de contratos, o agenciado terá direito a indenização (art. 717).

Além disso, mesmo se dispensado por justa causa, ou prejudicado por


motivos de força maior, o agente terá direito a ser remunerado pelos serviços úteis
prestados (art. 717, 719). No caso de extinção unilateral do contrato sem culpa
do agente, este deverá receber remuneração pelos serviços executados e pelos
pendentes, com possíveis indenizações previstas em lei especial (Lei 4.886/65),
quando for o caso (art. 718, CC).

d) Direitos e obrigações das partes

Segundo o art. 712 do Código Civil, o “agente, no desempenho que lhe foi
cometido, deve agir com toda diligência, atendo-se às instruções recebidas do
proponente”. Assim, embora goze de autonomia e de independência hierárquica, o
agente precisa atuar conforme as especificações recebidas, com zelo e dedicação.

Porém, cumpre destacar que é direito do agente ter pedidos atendidos,


de forma a melhor desempenhar sua atividade. Ele é responsável pelas
despesas oriundas de sua função, detendo direito de exclusividade territorial,
de remuneração e de indenização conforme explicado no tópico anterior. Suas
demais obrigações são: não assumir, na mesma zona, negócios de outros
agenciados; manter o agenciado informado quanto às condições mercadológicas
e solvabilidade dos clientes; prestar contas ao proponente dos serviços realizados
a sua conta, dentre outros.

Já o agenciado tem direito a reter o pagamento por resilição do agente, como


garantia do ressarcimento que for devido; de exigir que o agente lhe preste contas
dos negócios realizados no seu interesse, de outorgar poderes a este para a
conclusão de contratos, dentre outros. Suas obrigações são: remunerar o agente;
não constituir mais de um agente na mesma zona; indenizar o agente na hipótese
de, sem justa causa, cessar o atendimento das propostas ou inviabilizá-las etc.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Do contrato de agência e


distribuição no novo Código Civil. Revista da Faculdade de Direito
da UFMG. Belo Horizonte, n. 42, p. 129-163, jul./jun. 2002/2003.
Disponível em: <http://dspace/xmlui/bitstream/item/12920/1185.
pdf?sequence=1>. Acesso em: 29 jan. 2018.

79
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Corretagem
Nas palavras de Gonçalves (2014, p. 327):

Contrato de corretagem é aquele pelo qual uma pessoa, não


vinculada a outra em virtude de mandato, de prestação de
O corretor é aquele serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se,
indivíduo que mediante remuneração, a intermediar negócios para a segunda,
aproxima pessoas conforme as instruções recebidas, fornecendo a esta todas
interessadas na as informações necessárias para que possam ser celebrados
efetivação de um exitosamente. É o que se depreende do art. 722 do Código Civil.
negócio jurídico,
recebendo uma
quantia pelo A pessoa que contrata é denominada comitente e a contratada,
serviço prestado corretor. Desta forma, pode-se afirmar que o corretor é aquele indivíduo
se, e apenas se, o
negócio de fato vier que aproxima pessoas interessadas na efetivação de um negócio
a ser firmado (art. jurídico, recebendo uma quantia pelo serviço prestado se, e apenas se,
725, CC).
o negócio de fato vier a ser firmado (art. 725, CC).

Existem duas espécies de corretores: os livres, que são aqueles sem


nomeação oficial e exercem o intermédio de negócios; e os oficiais, que possuam
profissão legalmente disciplinada, como os corretores de valores públicos, de
mercadorias, de navios, dentre outros. Importante mencionar que, no caso do
contrato de corretagem, os servidores públicos não podem agenciar negócios
com a pessoa jurídica a que servem.

A corretagem é um contrato sem forma prescrita em lei, de cunho bilateral,


oneroso e aleatório: isto porque cabe ao corretor assumir os riscos da efetivação
ou não do negócio para o qual foi contratado a firmar.

Além disso, o corretor tem como direito o recebimento de comissão, quando


da efetuação do negócio por ele intermediado. Seus deveres são elencados no
artigo 723 do Código Civil, que incluem agir com diligência e prudência, prestando
ao cliente todas as informações necessárias. O corretor deve esforçar-se para
atingir o objetivo almejado por quem o contratou, além de informar todos os
detalhes pertinentes à celebração do negócio, sob pena de responder ele próprio
por perdas e danos.

No caso do corretor de imóveis, sua atuação é disciplinada pela Lei 6.530/78,


que, dentre outras limitações, exige uma habilitação no Conselho Regional de
Corretores de Imóveis (CRECI), sob pena de multa.

A respeito da remuneração do corretor, também chamada de comissão


ou corretagem, caso não acordada pelas partes, ela deverá obedecer aos
parâmetros legais ou aos costumes locais (art. 724, CC). Ela independe do

80
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

recebimento integral da prestação acordada entre as partes e da execução do


contrato; concluído o negócio de forma perfeita, sem invalidades, a remuneração
do corretor é devida.

E caso as partes desistam do negócio, como fica a situação do corretor?

Neste caso, como afirmam Gagliano e Pamplona Filho (2014), é preciso


diferenciar arrependimento e desistência. O arrependimento ocorre quando o
contrato já está celebrado e uma das partes decide que não deseja mais firmá-lo;
como o contrato já teve existência real antes do arrependimento, a corretagem é
devida. Porém, se estamos a falar de desistência, é oportuno recordar que esta
ocorre na fase pré-contratual, quando o pacto ainda não foi celebrado; portanto,
não há que se falar em comissão.

O corretor também perderá o direito ao pagamento se o negócio foi firmado


diretamente entre as partes a não ser que no contrato de corretagem seja
ajustado, por escrito, que a negociação é exclusividade do corretor.

Atividade de Estudos:

1) A propósito do contrato de corretagem, é correto afirmar que:

a) é contrato bilateral, oneroso, aleatório, consensual e inominado.


b) o corretor torna-se um representante ou mandatário do
comitente.
c) a remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem
ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do
negócio e os usos locais.
d) se exige a forma escrita.

Transporte
Contrato de
transporte, uma das
No contrato de transporte, uma das partes se obriga a levar a partes se obriga a
outra até um destino previamente combinado, mediante pagamento. levar a outra até um
destino previamente
Disciplinado no artigo 730 e seguintes do Código Civil, trata-se de combinado,
negócio bilateral, oneroso, por adesão e não solene. mediante
pagamento.

81
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

A depender do meio de transporte empregado, o contrato poderá ser terrestre


(aplicável Decreto n. 92.353/86); marítimo (Código Comercial arts. 629 a 632); e
aéreo (Leis n. 5.710/71, 6.298/75, 6.350/76, 6.833/80, 6.997/82 e 7.565/86). O
Código Civil, portanto, lança as bases genéricas para este tipo contratual, devendo
ser respeitados os dispositivos específicos na legislação esparsa e no Código de
Defesa do Consumidor. Além disso, o Código Civil trata de dois tipos de transporte:
o transporte de coisas e o transporte de pessoas. Vejamos cada um deles.

a) Transporte de coisas ou mercadorias

Nesta espécie, Nesta espécie, uma das partes se obriga a levar bens de outra
uma das partes a um determinado destino, visando pagamento. Estes bens devem
se obriga a levar
bens de outra a ser corpóreos e materiais, com alguma expressão econômica. Além
um determinado disso, devem estar devidamente individualizados no intuito de evitar
destino, visando desentendimentos (art. 743, CC, 2002).
pagamento.

O transportador deve cumprir sua atividade com diligência,


sendo necessário que emita o chamado conhecimento de transporte, documento
derivado do próprio contrato em si, o qual contém os dados da mercadoria (art.
744, CC, 2002). Caso estes dados estejam equivocados, o transportador poderá
exigir indenização por eventuais prejuízos (art. 745, CC, 2002). O transportador
pode, ainda, recusar-se a levar determinados tipos de carga, como as que tenham
embalagens inadequadas ou que possam colocar em risco a saúde das pessoas,
bem como danificar o veículo, além de cargas ilícitas (arts. 746 e 747, CC, 2002).

Cumpre mencionar ainda que o transportador tem responsabilidade sobre


o objeto que carrega; caso ele sofra avarias, deverá indenizar o dono do bem,
com limitação ao valor descrito no conhecimento de transporte (art. 750, CC,
2002). A responsabilidade inicia-se quando recebe a coisa e termina quando
entregue ao destinatário. Caso haja mais de um transportador, todos responderão
solidariamente por eventuais danos sofridos (art. 756, CC, 2002).

Quanto aos direitos e deveres das partes, Gagliano e Pamplona Filho (2014,
s.p) apresentam o seguinte resumo esquemático:

1. Direitos e Obrigações do remetente:


- entrega da mercadoria em condições de envio;
- pagamento do preço convencionado, ressalvada a hipótese
de este ser adimplido pelo destinatário;
- acondicionamento da mercadoria;
- declaração do seu valor e da sua natureza;
- recolhimento tributário pertinente; respeito às normas legais
em vigor no sentido de somente expedir mercadorias de
trânsito admitido no Brasil;
- até a entrega, terá o direito de desistir do transporte, pedindo
de volta a coisa, ou alterar o destinatário, arcando com as
despesas devidas;

82
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

2. Direitos e Obrigações do transportador:


- receber a coisa a ser transportada, no dia, hora, local e pelo
modo convencionados;
- empregar total diligência no transporte da mercadoria posta
sob a sua custódia;
- seguir o itinerário ajustado, ressalvadas as hipóteses de caso
fortuito e força maior;
- entregar a mercadoria ao destinatário da mesma, mediante
apresentação do respectivo documento comprobatório de sua
qualidade de recebedor (conhecimento de transporte);
- respeito às normas legais em vigor no sentido de somente
expedir mercadorias de trânsito admitido no Brasil;
- desnecessidade de comunicar ao remetente a chegada da
mercadoria ou de realizar a entrega em domicílio, se assim não
fora convencionado (devendo tal obrigação, quando estipulada,
constar também do conhecimento de transporte).

Vejamos, agora, o transporte de pessoas.


O contrato de
b) Transporte de pessoas transporte de
pessoas, por lidar
com a vida humana,
Apesar das semelhanças, o contrato de transporte de pessoas, tem uma cláusula de
por lidar com a vida humana, tem uma cláusula de segurança implícita: segurança implícita:
o transportador deve
o transportador deve levar o passageiro a salvo e em segurança levar o passageiro
até o destino final. Caso não o faça, teremos uma hipótese de a salvo e em
segurança até o
responsabilidade civil objetiva, independente de dolo ou culpa, sendo, destino final.
ainda, independente de ação de terceiro (art. 735, CC).

A responsabilidade civil do transportador começa no momento inicial de


execução do contrato e termina com a chegada em segurança ao destino final,
e só pode ser afastada em caso fortuito externo, ligado aos fenômenos naturais,
ou culpa exclusiva da vítima. No caso de roubo, entende-se que este fato é
caracterizado como caso fortuito externo, a não ser que haja algum tipo de
negligência por parte da transportadora.

O transportador também deverá agir com cautela em relação à bagagem do


passageiro, devendo sempre observar o itinerário acordado, exceto por motivos
de força maior (art. 737, CC). Em regra, o transportador não pode recusar
passageiros, a não ser nos casos legais ou por motivos de higiene ou saúde (art.
739, CC).

Já o passageiro, por sua vez, deve observar as normas estabelecidas pelo


transportador, além de se comportar de forma a não gerar situações incômodas
ou de risco a si, aos demais e ao veículo (art. 738, CC).

Falaremos, por fim, do transporte gratuito.

83
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

c) Transporte gratuito

O transporte gratuito refere-se à carona, oriundo da cortesia ou amizade.


Diz o artigo 736 do Código Civil: “Não se subordina às normas do contrato de
transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia. Parágrafo único. Não
se considera gratuito o transporte quando, embora feito sem remuneração, o
transportador auferir vantagens indiretas”.

Assim, têm-se duas situações.

Na primeira delas, verifica-se a carona de mera cortesia. Caso haja algum


acidente neste cenário, estaremos diante de uma responsabilidade civil subjetiva,
nos termos do artigo 186 do Código Civil. Isso porque não estamos diante de um
contrato de transporte, mas de um ato jurídico não negocial.

Já na segunda, a carona não é paga com remuneração direta, mas o motorista


aufere algum tipo de lucro com a situação. Segundo Gagliano e Pamplona Filho
(2014, s.p):

Imagine, por exemplo, um representante de vendas que “faz


questão de levar o seu cliente” até o seu estande. Ocorrendo
um abalroamento lesivo no caminho, o transportador poderá ser
responsabilizado, segundo as regras de responsabilidade civil
contratual, inferidas do sistema de Defesa do Consumidor. Trata-
se de um acidente de consumo, gerador de responsabilidade civil
objetiva. Aliás, uma vez que, neste caso, deverão ser aplicadas
as regras do contrato de transporte, cumpre-nos lembrar a
incidência da cláusula de segurança, impondo a obrigação de
levar o passageiro ao seu destino, são e salvo.

Vejamos, agora, as formas de extinção do contrato de transporte.

d) Extinção do contrato de transporte

Além das hipóteses convencionais de extinção de transporte, o Código Civil


evidencia a seguinte possibilidade:

Art. 740. O passageiro tem direito a rescindir o contrato de


transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida
a restituição do valor da passagem, desde que feita a
comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada.
§ 1o Ao passageiro é facultado desistir do transporte, mesmo
depois de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição
do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que
provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar.
§ 2o Não terá direito ao reembolso do valor da passagem o
usuário que deixar de embarcar, salvo se provado que outra
pessoa foi transportada em seu lugar, caso em que lhe será
restituído o valor do bilhete não utilizado.

84
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

§ 3o Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador


terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser
restituída ao passageiro, a título de multa compensatória.

Não há um prazo para a desistência do passageiro antes do embarque, de


forma que é possível argumentar que a desistência seja feita até o momento
da partida. Observe-se que o reembolso no caso de desistência posterior ao
embarque só é devido se outro passageiro tomar o lugar do desistente.

COL, Helder Martinez Dal. Os contratos de transporte de


pessoas à luz da responsabilidade civil e do novo Código Civil
brasileiro. In: RT, vol. 804, São Paulo: Ed. RT, out. 2002. Disponível
em:<http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/7491-7490-1-
PB.pdf> 29 jan. 2018.

Seguro
O contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes, a seguradora, O elemento principal
se obriga com a outra, o segurado, mediante o pagamento de um prêmio, deste tipo de
contrato é o risco,
a indenizá-la do prejuízo econômico resultante de riscos futuros, possíveis, que é transferido
incertos, lícitos e independentes da vontade das partes. para outra pessoa.

O elemento principal deste tipo de contrato é o risco, que é transferido


para outra pessoa. Atuam como partes o segurado e o segurador, que será
uma sociedade anônima, uma sociedade mútua ou uma cooperativa (art. 757,
CC). O segurador assume o risco, mediante recebimento do prêmio, pago em
prestações, devendo pagar ao segurado a quantia estipulada como indenização
para a hipótese de um sinistro, que pode ou não vir a ocorrer.

É um contrato bilateral, oneroso, aleatório (já que para o segurador efetuar


sua contraprestação é necessária a ocorrência de um sinistro, que pode ou não
vir a acontecer) e, tipicamente, trata-se de um contrato de adesão. Suas cláusulas
não são debatidas com os segurados, que as aceita ou as rejeita integralmente.

a) A apólice e o bilhete de seguro

Em regra, a apólice é o instrumento do contrato de seguro, podendo


ser nominativa, à ordem e ao portador (art. 760, CC). Alguns seguros podem

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Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

ser efetuados por meio de bilhetes, como o seguro obrigatório de veículos


automotores, por permissão legal (art. 10 do Decreto-Lei n. 73/66).

Neles devem constar os riscos a serem cobertos pelo segurador, não se


admitindo interpretação extensiva (art. 760, CC).

b) O risco

Ao contrário do que possa parecer, nem sempre o risco precisa ter caráter
danoso. Como afirma Gonçalves (2014, p. 351), “mesmo ser um acontecimento
feliz, como a sobrevivência, no seguro de vida, a educação futura de um filho, o
casamento do segurado etc.”

Como já mencionado, o risco é o objeto de todo contrato de seguro, podendo


recair sobre qualquer bem jurídico, desde que respeitadas as normas de ordem
pública. A boa-fé possui relevância especial neste tipo contratual, uma vez que os
arts. 765 e 766 do Código Civil assim dispõem:

O segurado e o segurador são obrigados a guardar na


conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e
veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias
e declarações a ele concernentes [...]. Se o segurado, por si
ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir
circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou
na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar
obrigado ao prêmio vencido (BRASIL, 2002).

A grande característica do contrato de seguros é a transferência do risco.


Como bem exemplifica Gonçalves (2014, p. 353), “O proprietário de um prédio que
o assegura contra incêndio, por exemplo, transfere esse risco para o segurador,
mediante o pagamento do prêmio, em troca da tranquilidade de que o sinistro não
o conduzirá à ruína.” Eis a grande diferença do risco para o sinistro: o risco é um
sinistro que não chegou a acontecer.

Falaremos, agora, das duas principais espécies de seguro tratadas pelo


Código Civil: o seguro de dano e o seguro de pessoas.

c) Seguro de dano

O seguro de danos tem por objeto a proteção de bens, em geral, e a cobertura


por danos a terceiros, também chamada de seguro de responsabilidade civil.

Nessa espécie contratual, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor


do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena de perdê-
la (art. 778, CC). Conforme Gonçalves (2014, p. 354):

86
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

O contrato de seguro não se destina à obtenção de um lucro. Ao


celebrá-lo o segurado procura cobrir-se de eventuais prejuízos
decorrentes de um sinistro, não podendo visar nenhum proveito.
Por essa razão, já dizia o art. 1.437 do Código de 1916 que
“não se pode segurar uma coisa por mais do que valha, nem
pelo seu todo mais de uma vez”. O novo diploma, no dispositivo
supratranscrito, considera locupletamento ilícito o segurado
receber pelo sinistro valor indenizatório superior ao do interesse
segurado ou da coisa sinistrada. A infração à proibição acarreta
como consequência a perda do direito de garantia e a obrigação
ao pagamento do prêmio vencido, além de responder o segurado
pela ação penal que no caso couber por ter feito declaração
falsa com o fim de obter vantagem patrimonial.

Ademais, o risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou


consequentes, tais como os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o
dano, ou salvar a coisa.

No caso de coisas transportadas, a vigência do seguro se inicia no momento


em que são recebidas pelo transportador, cessando com a sua entrega ao
destinatário. A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no
momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado
na apólice, salvo em caso de mora do segurador. Salvo disposição em contrário,
admite-se a transferência do contrato a terceiro com a alienação ou cessão do
interesse segurado.

Caso o instrumento contratual seja nominativo, a transferência só produz


efeitos em relação ao segurador mediante aviso escrito assinado pelo cedente e
pelo cessionário. A apólice ou o bilhete à ordem só se transfere por endosso em
preto, datado e assinado pelo endossante e pelo endossatário.

No que se refere ao seguro de responsabilidade civil, o segurador garante


o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro. Tão logo
saiba o segurado das consequências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a
responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador. Nos
seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro
será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado.

d) Seguro de pessoa

Conforme Gonçalves (2014, p. 360):

O seguro de pessoa tem por finalidade beneficiar a vida e as


faculdades humanas. Diferentemente do seguro de dano, não
tem caráter indenitário. Seu valor não depende de qualquer
limitação e varia de acordo com a vontade e as condições
financeiras do segurado, que pode fazer tantos seguros
quantos desejar.

87
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Assim, infere-se que nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente


estipulado pelo segurado, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo
interesse, com o mesmo ou diversos seguradores.

Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo


não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge
não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a
ordem da vocação hereditária. Na falta dessas pessoas, serão beneficiários os que
provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência.

No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital


estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança
para todos os efeitos de direito. O prêmio, no seguro de vida, pode ser conveniado
por prazo limitado, ou por toda a vida do segurado. No seguro de vida, é possível
estipular um prazo de carência, durante o qual o segurador não responde
pela ocorrência do sinistro. Neste caso, o segurador é obrigado a devolver ao
beneficiário o montante da reserva técnica já formada. O beneficiário não tem
direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois
anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso,
observado o prazo de carência.

Importante mencionar que é nula a cláusula contratual que exclui o


pagamento do capital por suicídio do segurado. O segurador não pode eximir-se
ao pagamento do seguro, ainda que da apólice conste a restrição, se a morte
ou a incapacidade do segurado provier da utilização de meio de transporte mais
arriscado, da prestação de serviço militar, da prática de esporte, ou de atos de
humanidade em auxílio de outrem.

e) Obrigações das partes

O segurador tem como principais obrigações: pagar a indenização em


caso de sinistro; emitir a apólice, nos termos da proposta devidamente aceita, e
providenciar a sua remessa ao segurado (art. 759, CC).

O segurado, por sua vez, deve: pagar o prêmio, na forma e no prazo


convencionado (art. 763, CC); prestar com fidelidade as informações necessárias
para que constem na proposta (art.765, CC).

Vale ressaltar que o segurado que omita informações que possam influenciar
na taxa do prêmio perderá o direito à garantia. Se a omissão for oriunda de má-
fé, o segurador pode resolver o contrato ou cobrar a diferença do prêmio, ainda
que o sinistro já tenha se concretizado. Além disso, o segurado perderá o direito à
garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.

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Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Constituição de Renda
Conforme o artigo 803 do Código Civil, o contrato de constituição O contrato de
constituição de
de renda é aquele segundo o qual uma pessoa, denominada rendeira, renda é aquele
censuária ou devedora, obriga-se ao pagamento de determinada segundo o qual uma
renda periódica a outra, que será chamada de instituidora, censuísta, pessoa, denominada
rendeira, censuária
censuente ou credora, durante um lapso temporal ou vitaliciamente. ou devedora, obriga-
se ao pagamento de
determinada renda
Este contrato pode ser estabelecido de maneira gratuita ou periódica a outra,
onerosa. Neste último caso, imagine que uma pessoa transfira um bem que será chamada
seu a outra para que esta última se obrigue ao pagamento de uma de instituidora,
censuísta,
importância mensal ao primeiro ou a um terceiro. Note que nesse caso censuente ou
também houve a constituição de renda, porém, essa manifestou de credora, durante um
lapso temporal ou
maneira onerosa, já que é fácil perceber que ambas as partes estão vitaliciamente.
sofrendo sacrifícios patrimoniais.

O contrato de constituição de renda poderá ser unilateral ou bilateral, gratuito


ou oneroso, de execução continuada e formal, já que o artigo 807 do Código Civil
exige que ele seja firmado por escritura pública. Além disso, é possível que seja
constituído por ato inter vivos ou causa mortis, já que mesmo quando estabelecida
por testamento não perde seu caráter contratual.

Esse tipo contratual tem por objetivo a segurança financeira do instituidor,


com a pensão periódica, motivo pelo qual deve ter prazo estabelecido ou não
perdurar além da vida do credor (art. 806, CC).

Caso o devedor deixe de pagar as prestações às quais se obrigou, o artigo


810 preceitua: “poderá o credor da renda acioná-lo”, seja para receber “as
prestações atrasadas [ou] para que lhe dê garantias das futuras, sob pena de
rescisão do contrato”. Caso o contrato seja resolvido em razão do não pagamento,
as partes retornam ao status quo ante, sem que o credor deva restituir as parcelas
já pagas.

Sobre o tempo de pagamento das prestações, Gonçalves (2014, p. 378)


afirma:

Pode-se ajustar o pagamento adiantado das prestações. Neste


caso, a obrigação terá de cumprir-se no começo de cada
período. Não sendo feita tal estipulação, “o credor adquire o
direito à renda dia a dia” (CC, art. 811), embora as prestações
se tornem exigíveis nas datas fixadas. Como a renda constitui
fruto civil, aplica-se-lhe o disposto no art. 1.215, in fine, do
Código Civil, segundo o qual os frutos civis “reputam-se
percebidos dia por dia”, ou seja, de die in diem. Assim, se as
prestações forem mensais e devidas ao término de cada mês,

89
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

o credor, decorridos dez dias, por exemplo, já terá adquirido o


direito ao valor correspondente ao decêndio. Se no final deste
período vier a falecer, seus herdeiros têm direito de exigir o
pagamento relativo aos aludidos dez dias, ou seja, relativo ao
período iniciado até o dia da morte, quando cessa a obrigação.
Como foi dito, podem as partes estabelecer, porém, que o
vencimento das parcelas se dará no início de cada período.
Neste caso, o beneficiário tem direito à totalidade da renda do
período fixado, sem eventual repetição de qualquer parcela,
ainda que venha a falecer antes do seu término. Os diversos
períodos começam a correr da data da celebração do contrato
ou de outra expressamente convencionada. Se, todavia, a
renda foi constituída por testamento, começarão a fluir com a
“morte do testador” (CC, art. 1.926). “Se as prestações forem
deixadas a título de alimentos, pagar-se-ão no começo de cada
período, sempre que outra coisa não tenha disposto o testador”
(art. 1.928, parágrafo único).

Caso a renda seja destinada a duas ou mais pessoas sem estipulação de


quantia determinada para cada, supõe-se que ela deverá ser repartida igualmente
entre as partes. Na hipótese de falecimento de um dos indivíduos, os demais
não poderão usufruir da parte que lhe caberia, exceto por acordo das partes em
cláusula expressa.

Conforme Gonçalves (2014, p. 378), as hipóteses mais comuns de extinção


da constituição de renda são:

a) pelo vencimento do prazo, se for a termo; b) pelo implemento


de condição resolutiva, expressa ou tácita; c) pela morte do
rendeiro ou do credor, se for instituída pela vida de um ou de
outro; extingue-se sempre, contudo, pela morte do credor; d)
por qualquer dos casos de anulação, redução ou revogação da
doação ou do legado, se tiver caráter de liberalidade inter vivos
ou causa mortis; e) pela caducidade, em razão da morte do
beneficiário anteriormente à sua constituição ou nos trinta dias
subsequentes, devido a moléstia preexistente do beneficiário;
f) pelo resgate, que é uma causa extintiva específica: o rendeiro
tem a faculdade de extinguir o encargo de pagar a renda por
períodos, antecipando ao credor a solução das prestações
futuras, mediante um capital que, ao juro legal, assegure
igualmente a renda a termo certo ou pela vida do credor.

Passamos, agora, ao estudo do jogo e da aposta.

Jogo e Aposta
Apesar de jogo e aposta estarem disciplinados de forma integrada no Código
Civil (arts. 814 ao 817), existem diferenças entre as duas espécies contratuais.
No jogo, duas ou mais pessoas se dedicam a uma mesma atividade, buscando

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Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

cada qual a obtenção do êxito. Aquela que conseguir vencer às demais


No jogo, duas ou
receberá determinada remuneração. Na aposta, duas ou mais pessoas mais pessoas se
com opiniões diversas se vinculam a pagar determinada retribuição dedicam a uma
mesma atividade,
àquela cuja opinião sobressair. Porém, ambos os negócios também buscando cada qual
possuem semelhanças. São contratos bilaterais, onerosos e aleatórios a obtenção do êxito.
em razão da própria natureza de risco.
Na aposta, duas ou
Juridicamente, é possível classificar os jogos de três maneiras: 1) mais pessoas com
Jogos proibidos, aqueles nos quais prepondera o azar e infringem a Lei opiniões diversas
se vinculam a
de Contravenção Penal, como jogos de bicho e roleta; 2) Jogos tolerados, pagar determinada
que a lei não proíbe expressamente, mas são socialmente reprováveis, retribuição àquela
cuja opinião
como jogos de cartas; 3) Jogos permitidos, autorizados por lei, e que sobressair.
de alguma maneira apresentam algum interesse para a sociedade, seja
porque trazem algum benefício a quem os pratica ou para o próprio Estado, como
os jogos promovidos por loterias oficiais, como a Loteria Esportiva.

Tendo em vista essa classificação, passamos a analisar os efeitos


decorrentes das práticas de jogatina. Quanto aos jogos proibidos e tolerados,
suas dívidas não possuem pagamento obrigatório, sendo o credor impossibilitado
de exigi-las judicialmente. Trata-se de obrigação natural que, em contrapartida,
paga-se espontaneamente, não permite devolução do valor pago. Existem, porém,
duas exceções: quando o jogo tiver sido ganho com dolo do jogador; e quando o
perdedor é menor ou interdito.

No caso do dolo, sua utilização afasta a sorte, elemento essencial da


atividade. Desse modo, aquele que pagou pode reaver o que foi pago. No segundo
caso, a lei entende que o menor e o interdito encontram-se em desvantagem,
portanto, podem reaver o que foi pago.

O art. 815 assim preceitua: “Não se pode exigir reembolso do que se


emprestou para jogo ou aposta, no ato de aposta ou jogar”. Desta forma, aquele
que emprestar dinheiro para que outrem permaneça sua atividade de jogos, não
poderá exigir judicialmente o reembolso dos valores pagos.

Situação diferente é aquela na qual uma pessoa pede a outra dinheiro


emprestado e, posteriormente, vem a se envolver com o jogo ou a aposta; o
empréstimo foi feito antes da atividade, sendo, portanto, exigível. O mesmo
ocorre quando se realiza empréstimo para o pagamento de dívidas de jogo, pois o
negócio foi firmado após as atividades de jogo e não durante sua realização.

Importante destacar o disciplinado no artigo 816 do Código Civil: “As


disposições dos arts. 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de
bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente

91
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento
do ajuste”. Assim, embora todos estes negócios tenham a sorte como núcleo
central, as regras do jogo e da aposta não recaem sobre títulos de bolsa,
mercadorias e valores.

Por fim, cumpre mencionar que o sorteio, apesar de envolver o elemento


sorte, nem sempre será regido pelas regras do jogo e da aposta. Conforme o
artigo 817 do Código Civil, caso o sorteio seja utilizado como forma de divisão de
coisas comuns, estaremos diante de uma partilha; caso seja utilizado para dirimir
questões, estaremos diante de um contrato de transação, a ser abordado em
momento posterior neste mesmo capítulo.

MELLO, Marcelo Pereira de. Criminalização dos Jogos de


Azar: a história social dos jogos de azar no Rio de Janeiro (1808-
1946). Curitiba: Juruá, 2017.

Fiança
A fiança é uma A fiança é uma espécie de garantia destinada a suprir eventual
espécie de insuficiência de patrimônio do devedor. Neste tipo de contrato, um
garantia destinada terceiro se compromete a pagar os débitos em aberto caso o devedor
a suprir eventual
insuficiência de original assim não o faça. Assim, é possível afirmar que se trata de
patrimônio do um contrato acessório e subsidiário, pois é firmado para garantir o
devedor.
pagamento de um outro contrato principal.

É, ainda, um contrato gratuito, personalíssimo, unilateral e formal, pois


necessita de forma escrita para ter validade (art. 819, CC). Como contrato
acessório que é, limita-se pelo acordado no contrato principal, podendo, entretanto,
abranger despesas oriundas da dívida principal caso não haja especificação no
contrato (art. 822, CC).

Existem três espécies de fiança: 1) Convencional, oriunda do livre acordo de


vontade das partes; 2) Legal, imposta pela lei; e 3) Judicial, determinada por juiz.

a) Requisitos do contrato de fiança

92
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Em relação aos requisitos subjetivos, tem-se como pilar a Os cônjuges não


podem atuar como
capacidade civil, genérica. Importa mencionar que os cônjuges não fiadores sem o
podem atuar como fiadores sem o consentimento do outro, exceto se consentimento do
casados no regime de separação absoluta de bens (art. 1.647, III, CC). outro, exceto se
casados no regime
Além disso, Gonçalves (2014, p. 389) elenca algumas hipóteses de de separação
restrição para atuar como fiador: absoluta de bens
(art. 1.647, III, CC).
[...] não podem prestar fiança certas pessoas, em razão
de ofício ou função que exercem, como os agentes fiscais,
tesoureiros, leiloeiros (Dec. n. 21.981, de 19-10-1930, art. 30),
tutores e curadores pelos pupilos e curatelados etc. Outras
vezes a restrição alcança as entidades públicas. O governador,
por exemplo, não pode prestar fiança sem autorização da
Assembleia Legislativa; as autarquias não podem ser fiadoras,
salvo as instituições de previdência social na locação de casa
ocupada pelos seus associados (Dec.-Lei n. 1.308, de 31-5-
1939); e as unidades militares também não podem ser fiadoras
em favor dos oficiais e praças que as compõem. No mútuo
feito a menor, a fiança dada a este é inválida, e não é lícito ao
credor recobrar o empréstimo do fiador (art. 588, CC). Pode
haver, ainda, restrições de ordem convencional que acarretam a
falta de legitimação, como as estabelecidas em contrato social,
proibindo expressamente a firma de dar fiança, ou aos seus
gerentes e administradores de assumirem esta responsabilidade
em negócios estranhos aos interesses sociais.

A fiança poderá, ainda, ser estipulada à revelia do devedor ou mesmo contra


sua vontade, já que o vínculo a ser formado é entre credor e fiador (art. 820, CC).
Em contrapartida, o credor pode recusar o fiador indicado pelo devedor, desde que
motive a recusa (art. 825, CC). O credor também poderá exigir sua substituição,
por fato superveniente que atrapalhe o cumprimento da fiança, a não ser que o
fiador tenha sido indicado sem o consentimento do devedor (art. 826, CC).

Quanto aos requisitos objetivos, em regra, qualquer obrigação pode ser


objeto de fiança. Como contrato acessório, entretanto, terá eficácia dependente
da obrigação principal (art. 821, CC).

b) Efeitos da fiança

O fiador assume a obrigação de pagar a dívida, caso o devedor não a faça


no tempo e forma devidos. Essa obrigação transmite-se aos herdeiros. Essa
responsabilidade, porém, se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador e não
pode extrapolar a herança deixada (art. 836, CC).

Um dos principais efeitos da fiança é o benefício de ordem, segundo o qual


o fiador pode exigir que, antes de quitar a dívida, os bens do devedor principal
sejam executados antes que os seus. Essa prerrogativa pode ser afastada com
a convenção de que o fiador se obrigue como pagador principal. Neste caso,

93
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

haverá a hipótese de solidariedade passiva da dívida, sendo que o credor poderá


demandar em juízo tanto o devedor quanto o fiador, presente no contrato como
pagador principal.

Há ainda que se falar na hipótese de cofiadores, que gera o benefício de


divisão (art. 829, CC). Neste caso, é presumido que os fiadores são solidários
entre si, a não ser que haja acordo em contrário. Se for este o caso, cada fiador
responderá por uma parte da dívida; se não houver especificação, o credor poderá
exigir de um, de alguns ou de todos o total da dívida (art. 275, CC).

Outro efeito da fiança é a sub-rogação legal. Nas palavras de Gonçalves


(2014, p. 392):

O fiador que pagar integralmente a dívida “fica sub-rogado de


pleno direito nos direitos do credor ”, com todos os direitos,
ações, privilégios e garantias de que este desfrutava (CC,
arts. 346, III, e 349). Mas “só poderá demandar a cada um
dos outros fiadores pela respectiva quota” (art. 831, segunda
parte). A parte “do insolvente distribuir-se-á pelos outros”
(art. 831, parágrafo único), uma vez que, na relação entre os
cofiadores entre si, como devedores solidários, a obrigação é
divisível por parte (CC, art. 283). Nas relações entre fiador e
afiançado, observa-se que pode o primeiro, sub-rogando-se
nos direitos do credor, exigir do último o que pagou, acrescido
dos “juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação
principal” ou, à sua falta, pela taxa legal, além das “perdas e
danos” que pagar e “pelos que sofrer em razão da fiança” (arts.
832 e 833). Mas, para ter direito à sub-rogação, deverá pagar
integralmente a dívida, pois que, sendo garante do afiançado,
não pode concorrer com o credor, não totalmente satisfeito, na
excussão dos bens do devedor.

Após início da execução, caso o credor não dê regular andamento ao feito, o


fiador poderá fazê-lo (art. 834, CC). Além disso, se nem a fiança nem a obrigação
principal possuem prazo determinado, o fiador pode desistir do negócio, estando
obrigado aos efeitos da fiança por 60 dias após notificação ao credor (art. 835, CC).

Transação
Nas palavras de Gonçalves (2014, p. 397), a transação “constitui negócio
jurídico bilateral, pelo qual as partes previnem ou terminam relações jurídicas
controvertidas, por meio de concessões mútuas”. Trata-se, assim, de um negócio
jurídico que tem por objeto prevenir ou extinguir litígios, a partir de concessões
recíprocas.

94
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Nas palavras de Gonçalves (2014, p. 397), a transação “constitui


negócio jurídico bilateral, pelo qual as partes previnem ou terminam
relações jurídicas controvertidas, por meio de concessões mútuas”.

Seus elementos constitutivos são: a) A existência de relações litigiosas; b)


Intenção de eliminar dubiedades, no intuito de prevenir ou findar as controvérsias;
c) Acordo de vontades; d) Concessões recíprocas.

A transação pode ocorrer de duas maneiras: judicial ou extrajudicialmente.


Na primeira hipótese, há demanda judicial em curso sobre alguma questão
controversa, desde que as partes queiram resolver tal contenda, ainda que fora
da sala de audiências, opera-se a transação. Entretanto, se antes de ingressarem
com ação judicial, elas celebram acordo entre si sobre possíveis querelas, tem-se
a transação extrajudicial (pois ainda não foi aberto processo).

A transação extrajudicial pode ter por forma a escritura pública, quando


exigida por lei, ou instrumento particular (art. 842, CC). Já a judicial pode ser
realizada por escritura pública ou nos próprios autos do processo, assinado pelas
partes e homologado pelo juiz (art. 842, CC).

Uma de suas principais características é a indivisibilidade: se alguma das


cláusulas for nula, toda a transação é nula (art. 848, CC). Como bem lembra
Gonçalves (2014, p. 401), entretanto:

[é possível] a validade de determinada cláusula da transação,


mesmo sendo nula uma outra, quando autônoma e
“independente” desta, sem nenhuma relação com a cláusula
considerada ineficaz, malgrado os diversos e distintos negócios
tenham sido englobados no mesmo instrumento.

Sua interpretação deve ser sempre restritiva, tendo cunho meramente


declaratório ou de reconhecimento de direitos (art. 843, CC). Ademais, a transação
admite pena convencional (art. 847, CC) em caso de descumprimento.

O objeto da transação restringe-se aos direitos patrimoniais de caráter


privado (art. 841, CC), sendo afastada a possibilidade de transação a respeito de
direitos da personalidade e aqueles que interessem à ordem pública.

95
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Em regra, seus efeitos são suportados apenas pelas partes (art. 844, CC),
admitindo a lei três exceções: 1) A transação feita por credor e devedor principal
desobriga o fiador; 2) No caso de um credor solidário transacionar com um
devedor, a dívida está extinta para todos os outros credores; 3) No caso de um
devedor solidário transacionar com um credor, a dívida também se extingue
para os demais devedores (art. 844, §1º, 2º e 3º CC). Outra hipótese possível
ocorre quando o bem transacionado sofre evicção. A obrigação transacionada
permanece, cabendo ao evicto direito de indenização (art. 845, CC).

GUTIERREZ, Daniel Mota. A transação no Processo Civil


Brasileiro: enfoque sobre o ato judicial homologatório. Tese
(Doutorado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo Biblioteca Depositária: PUC-SP, 2014.

Compromisso
O compromisso é um contrato pelo qual as partes acordam em submeter
um litígio que os envolve a uma solução, que envolva uma ou mais obrigações
(art. 851, CC). É o instrumento hábil que dará início à arbitragem como forma
de resolução de conflitos patrimoniais. Nele, as partes se comprometem a levar
suas querelas a um terceiro desinteressado, conhecido como árbitro. Trata-se de
negócio personalíssimo, bilateral e oneroso, podendo ser unilateral e gratuito no
caso de uma das partes reconhecer as alegações integrais da outra.

É importante frisar que os conflitos a serem levados à arbitragem podem ser


aqueles relativos aos direitos patrimoniais das partes, sendo vedada a utilização
do instituto para se resolver desavenças relativas aos direitos da personalidade
ou ao direito de família (art. 852, CC).

Antes da existência do conflito em si, as partes celebram contrato pelo


qual elegem a arbitragem como meio de resolução deste, por meio da chamada
cláusula compromissória, nos termos do art. 4º da Lei 9.307/96, que disciplina o
procedimento de arbitragem no país.

96
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Contrato de Sociedade
O contrato de
O contrato de sociedade refere-se ao ato constitutivo das sociedades sociedade refere-se
ao ato constitutivo
empresárias e simples, voltadas à prática de atividade econômica. O das sociedades
primeiro tipo tem como objetivo a execução de atividade tipicamente empresárias e
simples, voltadas à
empresarial; por sua vez, a segunda exerce atividade econômica que não prática de atividade
se enquadra como atividade empresarial sujeita ao registro. econômica.

Nem toda pessoa jurídica, entretanto, terá por ato constitutivo o contrato
de sociedade. As pessoas jurídicas institucionais ou estatutárias, como as
associações, fundações, as sociedades por ações e as sociedades cooperativas
têm por ato constitutivo um estatuto social. O contrato de sociedade será o ato
constitutivo das sociedades contratuais, como a sociedade simples comum,
sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade
limitada (simples ou empresárias). Segundo Negrão (2011, p. 319):

Grande parte das sociedades se constitui mediante contrato


escrito, com cláusulas estabelecidas pelos sócios; são as
chamadas sociedades contratuais, e nessa categoria se
inserem as sociedades: em comum, em conta de participação,
simples, em nome coletivo, em comandita simples, as extintas
de capital e indústria, as limitadas. Outras se constituem
mediante adesão a um estatuto social, sendo chamadas
sociedades institucionais, nas quais se incluem as: anônimas,
em comandita por ações e cooperativas.

Desta forma, o artigo 981 do Código Civil determina que “celebram contrato
de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou
serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.

Trata-se de contrato plurilateral por meio do qual duas ou mais pessoas,


naturais ou jurídicas, ajustam entre si a constituição de uma sociedade, que
poderá, ou não, ter personalidade jurídica. É um contrato oneroso e solene, já
que o art. 1.150 do Código Civil exige que ele tenha forma escrita, via instrumento
público ou particular. Ademais, ele deverá ser registrado no Cartório Civil de
Pessoas Jurídicas ou na Junta Comercial da unidade federativa onde se encontrar
a sede da empresa. Conforme Diniz (2009, p. 790):

A ausência de registro acarretará, por exemplo, muitos


efeitos negativos: a) irregularidade, b) clandestinidade, c)
responsabilidade ilimitada pelas obrigações assumidas; d)
impossibilidade de se matricular no Instituto Nacional do
Seguro Social, de manter contabilidade legal, de se inscrever
no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas e de participar de
licitações; e) dificuldade para efetivar negócios regulares e
obter empréstimo bancário; f) tratamento tributário rigoroso; g)
ilegitimidade ativa para requerer falência de outro empresário e
para requerer recuperação judicial ou extrajudicial; h) proibição
de contratar com o Poder Público.

97
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Para ser constituído, o contrato de sociedade necessita dos seguintes


elementos:

• Duas ou mais pessoas: como regra geral, as sociedades empresárias precisam


de pelo menos dois sócios, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. Entretanto,
existem as subsidiárias integrais, sociedades que possuem um único sócio
que é uma sociedade brasileira. Além disso, as sociedades anônimas e as
sociedades limitadas podem ficar com apenas um sócio por um certo período.
• Constituição de capital social (art. 1004, CC): os sócios devem contribuir de
alguma forma para a sociedade, seja em dinheiro, bens ou trabalho. Trata-se
do patrimônio originário da nova pessoa jurídica, com o qual será possível o
exercício da atividade comercial.
• Participação nos lucros e nas perdas (art. 1008, CC): todos os sócios devem
participar dos lucros ainda que de forma não igualitária e das perdas da
sociedade, ainda que percam tão somente o valor investido.
• Fins comuns (Affectio Societatis): intenção de ingressar na sociedade e atingir
um escopo comum, vontade de cooperação ativa dos sócios. Sem tal intenção
não haverá sociedade.

Como já mencionado, o referido contrato é o ato constitutivo das sociedades


contratuais, uma verdadeira certidão de nascimento do empreendimento
econômico. Após sua celebração, será arquivado na junta comercial e, a partir
deste, a sociedade comercial adquire personalidade jurídica. Sem arquivamento,
a sociedade será considerada de fato ou irregular.

Contrato de FidÚcia
O contrato de fidúcia é um contrato de garantia, pelo qual um
O contrato de fidúcia
é um contrato de contratante transmite ao outro a propriedade ou a titularidade de
garantia, pelo qual um bem ou direito, obrigando-se a quem recebe o bem, a restituí-lo
um contratante
transmite ao outro ou transferi-lo a terceiro, tão logo alcançado o objetivo conforme o
a propriedade ou pactuado.
a titularidade de
um bem ou direito,
obrigando-se a Neste tipo de contrato, um indivíduo é dono da coisa que estará,
quem recebe o no entanto, sob a posse de outrem, até que haja pagamento total
bem, a restituí-
lo ou transferi-lo do valor acordado. Imaginemos, hipoteticamente, que José compre
a terceiro, tão um carro de Alexandre, contudo, mediante contrato de fidúcia com
logo alcançado o Andressa; é como se Andressa tivesse comprado o veículo diretamente
objetivo conforme o
pactuado. de Alexandre, mas quem usará o bem será José, que deverá efetuar o
pagamento a Andressa.

98
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

José terá a posse do veículo, mas não sua propriedade, que será de
Andressa até pagamento total da dívida. Com o pagamento, a propriedade passa
a ser de José. Não havendo pagamento, Andressa pode realizar a venda judicial
ou extrajudicial do bem, aplicando o valor para a satisfação do crédito e das
despesas de cobrança. Ela, porém, não poderá ficar com o automóvel, sendo nula
a cláusula neste sentido, já que o vínculo que se estabelece visa a realização do
seu valor econômico para satisfação do crédito, e não a apropriação do bem.

Trata-se de contrato bilateral, oneroso, acessório, pois depende de outra


obrigação previamente estabelecida (no exemplo acima, a compra do automóvel
na mão de Alexandre) e formal, porque há de constar sempre de instrumento
escrito, público ou particular.

Venosa (2013) elenca dois tipos principais de fidúcia: fidúcia de bens móveis
e fidúcia de bens imóveis. Vejamos cada um deles.

a) Fidúcia de bens móveis

Introduzida pela Lei 4.728/65, a fidúcia de bens móveis surge de forma a


garantir os contratos de financiamento, ampliando o campo das instituições
financeiras. Assim, o contrato de alienação fiduciária de bens móveis constitui
a chamada propriedade fiduciária, tipo de garantia real. O adquirente do bem
(instituição financeira) torna-se possuidor indireto, mantendo o alienante fiduciário,
o indivíduo financiado, a posse direta da coisa (art. 66, Lei 4.728/65).

Nessa espécie de contrato, o adquirente, conhecido como credor fiduciário,


detém a chamada propriedade resolúvel, ou seja, uma propriedade que não é
absoluta, mas limitada por algum tipo de termo ou condição, como o pagamento
da dívida (art. 1.359, CC). Pago o preço acordado, a propriedade do credor
fiduciário se resolve, sendo transferida ao devedor fiduciante que passa a deter a
propriedade plena da coisa.

Trata-se de negócio que exige forma escrita, pública ou particular (art. 1.362,
CC; art. 66, §1º, Lei 4.728/65), devendo conter o valor total ou estimado da
dívida, local e data do pagamento, taxa de juros, comissões, descrição do bem e,
eventualmente, cláusula penal e correção monetária.

Caso o devedor não efetue o pagamento da dívida, o credor poderá vender


o bem de forma judicial ou extrajudicial (art. 1.364, CC), não sendo permitido,
entretanto, que fique com a coisa para si. Conforme Venosa (2013, p. 91):

99
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Quando ocorre inadimplemento do devedor, abrem-se ao


credor quatro possibilidades consagradas na lei: a) alienação
da coisa para haver o preço do débito em aberto, se esta lhe for
efetivamente entregue pelo devedor (§ 4º do art. 66 e art. 2º do
Decreto-lei nº 911); b) ação de busca e apreensão, que autoriza
a apreensão liminar (art. 3º do Decreto-lei nº 911); c) ação de
depósito, em que foi convertida a ação antecedente de busca e
apreensão na qual não foi o bem encontrado; d) ação executória
(art. 5º) pela qual pode o credor optar se lhe for mais conveniente
e para cobrança de eventual saldo em aberto (§ 5º do art. 66).

É importante mencionar que a Lei 10.931//2004 inovou ao possibilitar


expressamente a alienação fiduciária de coisa fungível, bem como a cessão
fiduciária sobre coisas móveis, como os títulos de crédito.

b) Fidúcia de bens imóveis

A alienação fiduciária de bens imóveis foi instituída pela Lei 9.514/97, com o
intuito de facilitar o financiamento imobiliário. Como afirma Venosa (2013, p. 418):

[...] o mecanismo dessa alienação em garantia é o mesmo


que instrui a dos móveis, ou seja, “o devedor; ou fiduciante,
com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor;
ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel” (art.
22). Portanto, a mesma base teórica que explica o instituto
mobiliário deve ser aplicada. O fiduciante será possuidor
direto e o fiduciário possuidor indireto do bem imóvel (art. 23,
parágrafo único).

O efeito deste contrato se opera com o registro no cartório imobiliário (art. 23


Lei 9.514/97), sendo que no instrumento deverá conter as seguintes informações:

I - o valor do principal da dívida; II - o prazo e as condições de


reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário; III - a taxa
de juros e os encargos incidentes; W - a cláusula de constituição
da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da
alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;
V - a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente,
a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da
alienação fiduciária; VI - a indicação, para efeito de venda em
público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva
revisão; VII - a cláusula dispondo sobre os procedimentos de
que trata o art. 27 (Art. 24, Lei 9.514/97).

Sobre o artigo 27 da referida lei, trata-se do leilão do imóvel quando


houver inadimplemento do fiduciante e a propriedade em nome do fiduciário for
consolidada. Neste sentido, o credor terá 30 dias a partir da data de registro para
promover o leilão público do bem, já que também nesta modalidade o credor não
pode ficar com a coisa para si.

100
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

A propriedade fiduciária será extinta com o pagamento da dívida. Caso este


não se realize, o devedor será constituído em mora; caso esta não seja purgada,
o oficial imobiliário deverá certificar tal fato, de forma a consolidar a propriedade
em nome do credor na matrícula do imóvel. A partir de então, o fiduciário poderá
iniciar os trâmites para leilão.

Incorporação Imobiliária
O contrato de incorporação imobiliária é regido pela Lei 4.591/64, que em
seu art. 28 o conceitua como: “a atividade exercida com o intuito de promover e
realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de
edificações compostas de unidades autônomas”. Segundo Venosa (2013, p. 514):

Conforme nosso ordenamento, caracteriza-se a incorporação


quando a iniciativa do empreendimento é levada avante pelo
incorporador que se dispõe a vender unidades autônomas.
Não existe incorporação quando proprietários de imóvel em
conjunto assumem a tarefa, ainda que sob a regência de um
administrador. Nessa hipótese, os futuros proprietários de
unidades autônomas promovem um futuro condomínio.

A incorporação imobiliária, assim, tem por objetivo a formação de um


condomínio, desenvolvendo-se em quatro etapas principais: 1) Contrato de
aquisição de um terreno; 2) Contratos para aquisição de unidades autônomas; 3)
Contrato de prestação de serviços do incorporador e 4) Contrato de construção do
edifício. Estes contratos podem aparecer em um instrumento único ou em vários
instrumentos autônomos, devendo obedecer a um procedimento administrativo de
apresentação e arquivamento no registro imobiliário.

O contrato de incorporação imobiliária é regido pela Lei


4.591/64, que em seu art. 28 o conceitua como: “a atividade exercida
com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação
total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas
de unidades autônomas”.

101
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Cumpre desde já identificar as partes presentes nesse contrato. De um lado,


temos a figura do adquirente, que poderá ser qualquer pessoa capaz interessada
em adquirir unidades autônomas. Como o contrato é plurilateral, diversas relações
jurídicas se formarão entre os vários adquirentes e o outro polo do contrato, o
incorporador. Segundo o art. 29 da mesma lei, o incorporador será pessoa física
ou jurídica que, apesar de não fazer a construção, “compromisse ou efetive a
venda de frações ideais de terreno” vinculadas a “unidades autônomas [...] a serem
construídas em regime condominial” (BRASIL, 2002). O incorporador também
poderá ser aquele indivíduo que apenas aceita propostas relativas a tais transações.

Além disso, o art. 31 do referido diploma legal apresenta alguns requisitos


para a figura do incorporador, que somente poderá ser: proprietário do terreno,
promitente comprador, cessionário deste ou promitente cessionário, ou, ainda,
permutante do terreno. O incorporador não pode ser o construtor, pois a construção
deve ser atribuída a terceiro. O incorporador, porém, tem responsabilidade sobre
o empreendimento.

Vejamos, agora, as etapas do contrato de incorporação imobiliária.

a) Etapas do contrato

O primeiro passo é a escolha do terreno e o estudo técnico do empreendimento


a ser concretizado. Na sequência, a incorporação deve ser inscrita no registro
imobiliário, devendo as partes apresentarem todos os documentos elencados no
art. 32 da Lei 4.591/64.

Em seguida, o incorporador poderá estabelecer um prazo de carência


(máximo de 180 dias), dentro do qual pode desistir do negócio (art. 34); findo o
prazo, terá 60 dias para celebrar contrato sobre a fração ideal do terreno, contrato
de construção e convenção de condomínio (art. 35). A próxima etapa será a
eleição da Comissão de Representantes. Segundo Venosa (2013, p. 527):

A Comissão de Representantes é estatuída no art. 50 e deveria


constituir-se, na prática, do corpo fiscalizador do incorporador.
Sua representação é peculiar, pois deriva da lei, a exemplo do
síndico no condomínio. Ao mesmo tempo, porém, é voluntária
porque seus representantes são indicados pelas partes, com
a particularidade de poderem, na prática, ser nomeados pelo
instituidor do empreendimento, qual seja, o incorporador.
Contudo, o poder de representação decorre da lei, independendo
de mandato. Deveria, mas não o faz na prática. A lei pecou pela
base. Permite que o próprio incorporador designe seus membros
no contrato de construção. Com isso, facilita-se a inclusão de
meros títeres do incorporador, que nada farão contra ele. [...] A
função fiscalizadora da comissão é ampla, daí porque de nada
adiantará se for constituída por pessoas ligadas ao incorporador.

102
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Venosa (2013, p. 520) elenca os procedimentos finais:

A obtenção do “habite-se” e a averbação da construção


constituem-se procedimentos finais da incorporação. São
obrigações do incorporador. Na omissão deste, podem o
construtor ou qualquer dos adquirentes providenciá-las (art.
44). A averbação da construção, após a concessão do “habite-
se”, define o término das obras, mas não da construção, pois
certamente remanescerão atividades de acabamento, como
portaria, jardinagem, decoração, contratação de pessoal,
que normalmente cabem ao incorporador. A instituição do
condomínio só ocorre física e juridicamente após essa fase.
Antes da averbação da construção não há que se cogitar da
realidade física das unidades autônomas (Franco e Gondo,
1991: 127).

A construção do empreendimento pode ser feita por empreitada, a preço fixo,


ou reajustável por índices à escolha das partes (art. 55).

b) Direitos e obrigações das partes

As obrigações do incorporador podem ser encontradas na Lei 4.591/64,


sendo a principal delas a entrega do edifício e da unidade autônoma do adquirente.
Deve manter-se fiel ao projeto apresentado, sendo sua a responsabilidade pela
construção. Deve, ainda, suportar os prejuízos das unidades não vendidas (art.
35 §6º).

Quanto ao adquirente, sua principal obrigação é o pagamento acordado. Em


caso de inadimplência, as parcelas já pagas devem ser reavidas pelo adquirente,
e o bem devolvido ao incorporador.

c) Inadimplência

A Lei 4.591/64, em seu art. 1º, VI, estabelece que o inadimplemento contratual
do adquirente só poderá gerar rescisão após três meses de atraso, assegurado
ao devedor o direito de purgar sua mora em até 90 dias. Ele só poderá ter posse
da unidade após quitação das dívidas, sendo conferido ao incorporador, ao
construtor e ao condomínio, o direito de retenção (art. 52).

Caso o inadimplemento seja do incorporador, este responderá civilmente pela


execução do negócio, devendo indenizar o adquirente prejudicado com direito de
regresso ao construtor, quando for o caso (art. 43, II). Caso a obra permaneça
parada por mais de 30 dias, ele poderá ser destituído do contrato (art. 43, VI).

103
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Edição
O contrato de edição refere-se a uma forma de utilização de obra artística
ou científica, conforme estabelecido no art. 29 da Lei 9.610/98. Segundo Venosa
(2013, p. 657):

Há um sentido restrito para o contrato de edição que se prende


à possibilidade de multiplicação de obras literárias, científicas e
artísticas. Dessa óptica, cuida-se do autor e do editor na obra
gráfica. No entanto, em sentido lato, que não refoge aos princípios
gerais, podemos mencionar, além da edição gráfica, a fonográfica,
a cinematográfica, a televisiva, a radiofônica, a informática etc.
Em princípio, importa fixar neste texto a divulgação gráfica.

O contrato de Assim, é possível afirmar que o contrato de edição objetiva tanto


edição objetiva
tanto editar a obra, editar a obra, materialmente, quanto difundi-la ao público. Seu conteúdo
materialmente, refere-se à exclusividade para o uso econômico da obra. A edição
quanto difundi-la ao é um tipo de concessão, pois além da exploração econômica do bem
público.
intelectual, o editor deverá reproduzi-lo e publicá-lo, por prazo a ser
acordado pelas partes; não estabelecido prazo, o contrato abrangerá apenas uma
edição (art. 56).

É também um contrato bilateral, oneroso, comutativo, de duração temporária


e personalíssimo.

a) Direitos e obrigações das partes

O autor da obra tem como obrigação principal a transferência do direito


de edição com exclusividade ao editor, exceto se houver acordo em contrário.
Para tanto, deverá entregar os originais em condição de publicação, sendo que
qualquer alteração só pode ser realizada em comum acordo.

O contrato precisa estipular o número de exemplares a serem editados; caso não


o faça, a lei determina que cada edição terá três mil exemplares (art. 56, parágrafo
único). O autor não poderá dispor da obra enquanto os exemplares não se esgotarem
(art. 63), garantindo ainda a incolumidade da obra, estando sujeito à evicção.

Os direitos do autor incluem: uso, publicação e reprodução de sua obra (art.


5º, XXVII, Constituição Federal), direito transmissível aos herdeiros.

Quanto ao editor, este deverá reproduzir e divulgar a obra, mediante


pagamento acordado. Deve manter o autor informado sobre a edição (art. 59),
devendo prestar contas mensais sempre que o pagamento for condicionado à
venda da obra (art. 61). Não poderá fazer edições, devendo manter o seu estado
original, salvo se o autor concordar com mudanças.

104
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Terá o editor direito à paternidade da edição e direito de exclusividade. Com


autorização do autor, poderá traduzir a obra para qualquer idioma (art. 29, IV); é
responsável por estipular o preço de venda do bem; pode contratar terceiro para
atualização da obra em caso de negativa do autor (art. 67). Caso o autor venha a
falecer antes de terminar a obra, pode contratar terceiro para fazê-lo, desde que
os sucessores concordem (art. 55, III).

b) Extinção

O contrato será extinto quando: esgotada a edição, não sendo prevista nova
tiragem; se até dois anos após a celebração do contrato a obra não for editada
(art. 62); por morte ou incapacidade superveniente do autor (art. 55, I); apreensão
ou proibição da obra pela administração; falência do editor.

VIVAN FILHO, Gerson Tadeu Astolfi. O contrato de edição


musical na prática da indústria fonográfica brasileira. 2015. 107 f.
Monografia (Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais, Faculdade
de Direito). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2015. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10183/135046>. Acesso
em 29 jan. 2018.

Representação e Execução O contrato de


representação
comercial é,
O contrato de representação comercial é disciplinado pela Lei negócio por meio
4.886/65, que o conceitua em seu art. 1º como o negócio por meio do qual do qual a pessoa
física ou jurídica
a pessoa física ou jurídica faz a mediação de negócios mercantis para faz a mediação de
outrem, de forma habitual e sem que entre eles firme-se uma relação negócios mercantis
de emprego, de forma autônoma. O representante não é subordinado para outrem, de
forma habitual e
ao representado, não havendo, portanto, relação de hierarquia; todavia, sem que entre
ele deverá agir sempre conforme as instruções do representado, sendo eles firme-se uma
relação de emprego,
sua obrigação concluir os negócios que intermediar. Neste sentido, diz de forma autônoma.
Venosa (2013, p. 561):

No tocante à representação, quando uma empresa atribui a


outrem, pessoa física ou jurídica, poderes de representar, para,
sem subordinação, operar por conta do outorgante no campo de
negócios em geral, dá-se o contrato de representação. O poder
de representar uma empresa compreende todos os atos jurídicos

105
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

necessários à consecução de negócios em favor da representada.


Levam-se em conta o caráter e a natureza dos negócios. O próprio
representante pode ser encarregado de entregar mercadorias e
cobrar o preço. A representação, tal como orientada na lei, implica
profissionalidade e habitualidade do representante, além da
citada autonomia em relação ao representado.

O representante comercial autônomo deverá ter registro nos Conselhos


Regionais dos Representantes Comerciais (art. 2º) sob pena de não receber
remuneração pelos serviços prestados (art. 5º). O art. 7º da Lei 4.886/65 determina
as cláusulas que obrigatoriamente deverão constar no instrumento contratual:

a) condições e requisitos gerais da representação;


b) indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos
objeto da repre-
sentação;
c) prazo certo ou indeterminado da representação;
d) indicação da zona ou zonas em que será exercida a
representação;
e) garantia ou não, parcial ou total, ou por certo prazo, da
exclusividade de
zona ou setor de zona;
f) retribuição e época do pagamento, pelo exercício da
representação, dependente da efetiva realização dos negócios,
e recebimento, ou não, pelo
representado, dos valores respectivos;
g) casos em que se justifique a restrição de zona concedida
com exclusividade;
h) obrigações e responsabilidades das partes contratantes;
i) exercício exclusivo ou não da representação a favor do
representado;
j) indenização devida ao representante, pela rescisão do
contrato fora dos
casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser
inferior a 1/12
(um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo
em que exerceu a representação.

Vejamos agora os direitos e obrigações de cada uma das partes.

a) Direitos e obrigações das partes

A principal obrigação do representante é atuar como mediador para


concretização dos negócios do representado, devendo agir em seu interesse e
fornecer-lhe informações a respeito do andamento das negociações. Seus direitos
incluem indenização por rescisão imotivada; rescisão quando seus direitos forem
reduzidos pelo representado, quando este quebrar cláusula de exclusividade e
dificultar as atividades do representante, além do recebimento de remuneração.
Sobre o assunto, Venosa (2013, p. 564) acrescenta:

106
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

A remuneração do representante pode não ser convencionada


pelas partes. Nessa eventualidade, o valor será regulado pelo
uso do lugar onde o contrato é executado. O art. 32 da lei
específica determina que o representante adquire o direito às
comissões quando do pagamento dos pedidos ou propostas.
Conforme os parágrafos desse dispositivo, o pagamento
deve ser efetuado até o dia 15 do mês subsequente ao da
liquidação da fatura, acompanhada das respectivas notas
fiscais; as comissões pagas fora do prazo previsto deverão ser
corrigidas monetariamente; o comissário pode emitir títulos de
crédito para a cobrança das comissões, as quais deverão ser
calculadas pelo valor total das mercadorias. Ainda: em caso
de rescisão injusta do contrato por parte do representado, a
eventual comissão pendente, gerada por pedidos em carteira
ou em fase de execução e recebimento, terá vencimento na
data da rescisão; não podem ser feitas alterações na avença
que impliquem, direta ou indiretamente, a diminuição da média
dos resultados auferidos nos últimos seis meses de vigência
do contrato. O § 2º do art. 33 acrescenta que as comissões
devem ser pagas mensalmente, salvo ajuste em contrário.

Ainda sobre a remuneração do representante, Venosa (2013, p. 564) afirma:

O art. 43, com redação dada pela Lei nº 8.420/92, vedou


expressamente a possibilidade de as partes contratarem a
cláusula del credere, permitida expressamente pelo novo
ordenamento civil para o contrato de comissão. Desse modo,
ineficaz cláusula que responsabilize o representante pela
solvência dos negócios com terceiros decorrentes de sua
atividade. De outro modo, nenhuma retribuição será devida ao
representante, se o comprador não pagar por ser insolvente,
bem como se o negócio for desfeito ou for sustada a entrega
de mercadorias devido à situação comercial do comprador,
capaz de tornar duvidosa a liquidação (art. 33, §1º). Embora
proibida a cláusula del credere, este último dispositivo inibe e
restringe a iniciativa de o representante negociar com terceiros
de duvidosa reputação ou solvência.

O representado deverá pagar a comissão acordada, tendo o direito de


recusar negócios intermediados pelo representante em prazo previamente
estipulado. Caso não haja acordo a respeito deste prazo, diz Venosa (2013, p.
564): “o representado está obrigado a creditar para o representante a respectiva
comissão, se não manifestar a recusa, por escrito, nos prazos de 15, 30, 60 ou
120 dias, conforme se trate de comprador domiciliado respectivamente, na mesma
praça, em outra do mesmo Estado, em outro Estado ou no estrangeiro (art. 33).”.

b) Extinção do contrato

O contrato de representação poderá ser firmado com prazo determinado ou


indeterminado. No primeiro caso, é possível que o contrato se extinga, se renove,
ou continue por prazo indeterminado. Assim, tem-se

107
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

o §2º do art. 27, enfatizando que no contrato por prazo determinado,


uma vez prorrogado o prazo inicial, tácita ou expressamente, toma-
se a prazo indeterminado. O §3º acrescenta que será considerado
por prazo indeterminado todo o contrato que suceder, dentro de
seis meses, a outro contrato, com ou sem determinação de prazo.
A finalidade das disposições é proteger o representante contra
cessação abrupta da relação contratual. Completa-se a noção
pelo art. 34, que regulamenta a denúncia vazia do contrato por
qualquer das partes. Nessa situação, se a avença tiver vigido por
mais de seis meses, o denunciante, salvo outra disposição mais
ampla no contrato, fica obrigado à concessão de aviso prévio com
antecedência de 30 dias ou ao pagamento de importância igual
a um terço das comissões auferidas pelo representante nos três
meses anteriores.

Caso o contrato seja resilido por vontade unilateral do representado, o


representante terá direito a indenização (art. 27, j), se não houver motivo justo
para o ato, nos contratos por prazo indeterminado. O art. 35 elenca as hipóteses
nas quais a resilição por parte do representado será considerada justa; o artigo 36
estabelece quando a rescisão por parte do representante será justa. Se o contrato
já vigora há mais de seis meses, aquele que o extinguir, sem motivos, deve dar
aviso prévio mínimo de 30 dias ou pagar a outra parte um terço das comissões
dos representantes nos três meses anteriores (art. 34).

A rescisão em contratos com prazo determinado seguirá as regras comuns


do direito contratual, com direito a indenização por perdas e danos. Além disso,
a parte que der motivo a rescisão deve pagar o valor estipulado no art. 34, §1º,
sendo a média mensal de retribuição paga ao representante até a data da extinção
multiplicada pela metade dos meses restantes para o termo final acordado.

Parceria Rural
O contrato de O contrato de parceria rural está disciplinado no Decreto n.
parceria rural 59.566/66, e refere-se ao negócio no qual um indivíduo cede o uso
está disciplinado
no Decreto n. específico de imóvel rural a outrem, para exercício de atividade rural,
59.566/66, e refere- com partilha de riscos e lucros em proporções legais. Nas palavras de
se ao negócio no Venosa (2013, p. 640):
qual um indivíduo
cede o uso
específico de imóvel Na parceria, é cedido o uso da coisa, sem que necessariamente
rural a outrem, seja transferida a posse do imóvel ao parceiro-outorgado. Com
para exercício de a partilha dos frutos e levadas em consideração as perdas,
atividade rural, as partes contratantes receberão a fruição decorrente desse
com partilha de contrato. O malogro da colheita ou da produção afeta ambos
riscos e lucros em os contratantes. A parceria é contrato que sublima o espírito
proporções legais. associativo; as partes unem-se perante o mesmo desiderato.

108
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Trata-se de contrato bilateral, oneroso e não solene, podendo ser escrito ou


verbal, sendo, em geral, personalíssimo. Além disso, no art. 5º do mencionado
diploma legal elenca várias espécies de parceria: agrícola, pecuária, agroindustrial,
extrativa e mista.

Quanto aos prazos, o art. 13 estabelece que o contrato deve durar no mínimo
três anos para qualquer espécie de parceria, isto em razão das diversas variantes
presentes na exploração rural.

Como contrato não solene e informal, pode ser firmado por escrito ou
verbalmente, sendo de qualquer forma protegido pelas diretrizes gerais da lei que
o regulamenta. Pode, inclusive, ser comprovado por prova testemunhal (art. 14,
Decreto n. 59.566/66).

Nessa espécie de contrato, os parceiros assumem riscos recíprocos, obtendo


lucro e prejuízo simultaneamente. Desta forma, diz Venosa (2013, p. 649):

[...] na partilha dos frutos, a quota do parceiro-outorgante não


poderá ser superior a 10% quando concorrer apenas com a terra
nua; 20% quando concorrer com a terra preparada e moradia;
30% quando outorgar o imóvel com benfeitorias básicas definidas
na lei, tais como moradia, galpões, banheiro para gado, cercas,
valas ou currais; 50% quando concorrer com terra preparada e o
conjunto de benfeitorias básicas; e 75% nas zonas de pecuária
ultraextensiva, em que forem os animais de cria em proporção
superior a 25% dos frutos quando se adotem a meação do
leite e a comissão mínima de 5% por animal vendido. A lei fixa
teto máximo para as vantagens que podem ser carreadas ao
parceiro-outorgante, não se admitindo porcentagens maiores
(art. 35 do regulamento). A legislação é rígida, não permitindo
maior autonomia da vontade. O trabalhador da terra não está
obrigado a pagar mais do que o fixado na lei, independentemente
de o contrato estabelecer o contrário.

Em caso de renovação ou prorrogação do contrato, a preferência será do


parceiro, que deve ser notificado com seis meses de antecedência sobre as demais
propostas; se não for notificado, a parceria se renova automaticamente, exceto se
o parceiro manifestar desistência ou nova proposta (art. 22, Decreto n. 59.566/66).

Situação peculiar é a elencada no art. 97, parágrafo único, do Estatuto da


Terra, que assim diz:

Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador,


parte em dinheiro e parte percentual na lavoura cultivada, ou
gado tratado, são considerados simples locação de serviços,
regulada pela legislação trabalhista, sempre que a direção
dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade
do proprietário, locatário do serviço a quem cabe o risco,
assegurando-se ao locador, pelo menos, a percepção do
salário mínimo no cômputo das duas parcelas.

109
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Em não raras ocasiões é comum chamar, de forma leiga, essa relação de


parceria. Porém, perceba que na situação descrita há subordinação hierárquica e
dependência econômica, o que irá configurar vínculo trabalhista, tendo tratamento
jurídico distinto.

As hipóteses de extinção do contrato de parceria são estabelecidas no art.


39 do decreto. São elas: término do prazo acordado; retomada do imóvel pelo
parceiro-outorgante, com aviso prévio de seis meses; aquisição do imóvel pelo
parceiro-outorgado; distrato e rescisão; resolução ou extinção do direito do
parceiro-outorgante; por motivo de força maior que impossibilite sua execução;
perda do imóvel; desapropriação ou qualquer outra hipótese prevista em lei.

É importante mencionar que a extinção do contrato ou o descumprimento de


suas cláusulas permitem o ajuizamento da ação de despejo. O art. 32 do decreto
assim preceitua:

Art. 32. Só será concedido o despejo nos seguintes casos:

I - Término do prazo contratual ou de sua renovação; II - Se o


arrendatário subarrendar, ceder ou emprestar o imóvel rural, no
todo ou em parte, sem o prévio e expresso consentimento do
arrendador; III - Se o arrendatário não pagar o aluguel ou renda
no prazo convencionado; IV - Dano causado à gleba arrendada
ou às colheitas, provado o dolo ou culpa do arrendatário; V
- se o arrendatário mudar a destinação do imóvel rural; VI -
Abandono total ou parcial do cultivo; VII - Inobservância das
normas obrigatórias fixadas no art. 13 deste Regulamento; VIII
- Nos casos de pedido de retomada, permitidos e previstos em
lei e neste regulamento, comprovada em Juízo a sinceridade
do pedido; IX - se o arrendatário infringir obrigado legal, ou
cometer infração grave de obrigação contratual.

Além disso, como salienta Venosa (2013, p. 650), “o parágrafo único do


art. 32 autoriza a purgação de mora no despejo por falta de pagamento, desde
que até a contestação requeira prazo de 30 dias para pagar aluguel, encargos
devidos, custas e honorários de advogado”.

COELHO, José Fernando Lutz. Contratos Agrários: uma visão


neoagrarista. Curitiba: Juruá, 2016.

110
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

Contrato de CapitaliZação
O Contrato de capitalização é regulamentado pelo Decreto-lei 261/67 e pelo
Decreto-lei 73/66, sendo definido por Fiuza, Sá e Neves (2003, p. 673) como o
negócio

pelo qual uma parte, o aderente, se obriga a formar durante


certo tempo uma cotização, pagável ordinariamente em
mensalidades e, a outra parte, a empresa capitalizadora, se
obriga a lhe entregar uma soma previamente determinada,
quer no término do contrato, quer antecipadamente por sorteio.
O contrato gera um título que fica em poder do prestamista.

Em outras palavras, o aderente (ou prestamista) deve pagar por O aderente (ou
prestamista)
certo tempo (mensalmente, por exemplo) uma quantia à empresa deve pagar por
capitalizadora, concorrendo a um sorteio, se não for sorteado até o fim certo tempo
(mensalmente,
do contrato, receberá de volta as parcelas pagas com juros e correção por exemplo) uma
monetária. quantia à empresa
capitalizadora,
concorrendo a um
Apesar de ser contrato diferenciado do contrato de seguro, é sorteio, se não
possível que os dois tipos contratuais se unam em uma figura híbrida na for sorteado até
o fim do contrato,
qual o segurado contribui por tempo determinado, caso venha a falecer receberá de volta as
dentro do termo firmado, o beneficiário recebe a indenização; caso não parcelas pagas com
morra, o próprio segurado recebe as prestações pagas. juros e correção
monetária.

Trata-se de contrato oneroso, bilateral, de execução futura e tipicamente de


adesão.

a) Sociedades de capitalização e títulos de capitalização

O art. 1º, parágrafo único do Decreto-lei 261/67 define as sociedades de


capitalização como aquelas que têm

por objetivo fornecer ao público de acordo com planos


aprovados pelo Governo Federal, a constituição de um capital
mínimo perfeitamente determinado em cada plano e pago em
moeda corrente em um prazo máximo indicado no mesmo
plano, a pessoa que possuir um título, segundo cláusulas e
regras aprovadas e mencionadas no próprio título.

Essas sociedades precisam de autorização governamental para funcionar,


mediante requerimento endereçado ao Conselho Nacional de Seguros Privados
(CNSP), por meio da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Em
conjunto, estes órgãos e as sociedades autorizadas a operar com capitalização
constituem o Sistema Nacional de Capitalização. Apesar de terem natureza cível,

111
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

as sociedades de capitalização se regulamentam, supletivamente, pela lei das


sociedades anônimas.

O título de capitalização, por sua vez, é o documento entregue ao aderente


como prova do negócio firmado, sendo nominativo e contendo os caracteres
necessários para sorteio e condições gerais do contrato.

Contratos Bancários
Os contratos bancários são de difícil conceituação, tendo Covello (1999)
proposto a existência de dois elementos para caracterizá-los, um de ordem
subjetiva e outro de ordem objetiva. Neste sentido, para o autor, os contratos
bancários podem ser compreendidos como aqueles realizados por um banco,
cujo objetivo seja a intermediação de crédito.

São bancários Este conceito é demasiadamente estrito, excluindo de sua


aqueles contratos abrangência diversos outros tipos de contratos firmados em razão da
que somente podem
ser praticados atividade bancária. Por essa razão, Ulhôa (1993, p. 430) propõe uma
por um banco, nova definição: “são bancários aqueles contratos que somente podem
ou seja, aqueles ser praticados por um banco, ou seja, aqueles que configurariam
que configurariam
infração à lei caso infração à lei caso fossem praticados com pessoa física ou jurídica não
fossem praticados autorizada a funcionar como instituição financeira”.
com pessoa
física ou jurídica
não autorizada Assim, é possível diferenciá-los em contratos típicos e atípicos, a
a funcionar depender dos fins a que se destinam. Se criado para cumprir a função
como instituição
financeira. creditícia dos bancos, o contrato será típico, sua obrigação principal é
a de dar o dinheiro. Se constituído, porém, para prestação de serviços,
será considerado atípico, sua obrigação é a de fazer. Luz (1996), entretanto,
advoga por uma terceira classificação, a mista, na qual créditos e serviços
aparecem como objeto.

Esses tipos contratuais possuem as seguintes características:

• Instrumento de crédito: em sua grande maioria, os contratos bancários terão


o crédito como objeto. Disso, Covello (1999) aponta outras características que
se conectam a esta, como a confiança, prazos, juros e riscos.
• Rígida contabilidade: por lidar com crédito, este tipo contratual necessita de
rígido controle por parte da atividade bancária.
• Complexidade estrutural e busca de simplificação: por se tratar de contrato
envolvendo relações econômicas, sujeitas às atualizações rápidas e
constantes, trata-se de contrato complexo, mas que busca simplificação, já
que realizado em grande escala.

112
Capítulo 2 MODALIDADES CONTRATUAIS

• Profissionalidade e comercialidade: o banco firma tais contratos em razão da


profissão, que também é dotada de característica comercial.
• Informalidade: pois não há forma previamente definida. Conforme Luz (1996, p.
36), inclusive, “a informalidade crescente dos contratos do mercado financeiro
é uma característica da atualidade, a maior parte dos quais materializa-
se em fichas gráficas. A informatização e o uso do telefone têm propiciado
movimentação de contas, aplicações em papéis”.
• Sigilo: pois ao ter ciência de informações provadas de seus clientes, o faz em
razão da atividade profissional.
• Contrato de massa: devido à grande demanda, são contratos padronizados,
produzidos em série.
• Contrato de adesão: tendo as cláusulas impostas pela instituição financeira e,
portanto, submetido aos limites do Código de Defesa do Consumidor.
• Interpretação específica: conforme art. 85 do Código Civil, visa a uma
interpretação mais próxima à intenção das partes que ao sentido literal da
linguagem.

MAXIMILIAN, Paulo. Contratos Bancários. Rio de Janeiro:


Forense, 2015.

Algumas Considerações
O objetivo central deste capítulo foi apresentar as espécies contratuais mais
comuns no Direito brasileiro, recorrendo, para isso, tanto ao Código Civil quanto à
legislação específica.

Compreender as características e especificidades de cada tipo contratual


é de suma relevância para a atuação profissional, já que os contratos formam
o núcleo principal do Direito Civil. É por meio dos contratos que os negócios
jurídicos ganham existência, segurança para as partes neles envolvidas.

No próximo capítulo, abordaremos as declarações unilaterais de vontade,


que, diferentemente dos contratos, não necessita de duas ou mais partes para se
concretizar. Estudaremos também os títulos de crédito, figuras centrais do direito
empresarial, seus elementos constituintes e suas hipóteses de transmissão,
dentre outros temas.

113
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

ReFerÊncias
BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da União. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
CCivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 fev. 2018.

COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. São Paulo: Editora


Universitária de Direito, 1999.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2009.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil:


contratos, teoria geral e contratos em espécie. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

FIUZA, César; SÁ, NEVES. Direito civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey,
2003.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


civil: contratos, teoria geral. 12. ed., v. 4. São Paulo: Saraiva, 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos


unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2014.

LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria Geral dos Contratos no novo Código


Civil. São Paulo: Método, 2002.

LUZ, Aramy Dornelles da. Negócios jurídicos bancários, o banco múltiplo e


seus contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Teoria Geral


da Empresa e Direito Societário. São Paulo: Saraiva, 2011.

114
C APÍTULO 3
Teoria das Obrigações
Extracontratuais: Obrigações por
Declaração Unilateral de Vontade

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 A definição de obrigações extracontratuais e de declaração unilateral de vontade.

 As principais espécies de obrigações extracontratuais unilaterais.

 A identificação das obrigações extracontratuais unilaterais, diferenciando-as das


obrigações firmadas em contrato, especialmente quanto aos efeitos.
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

116
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

ContextualiZação
Neste capítulo, estudaremos outro tipo de obrigação civil, também oriunda
da vontade individual, mas independente da existência de um credor: que são
os atos unilaterais de vontade, institutos que se diferenciam sobremaneira dos
contratos, assunto estudado nos capítulos anteriores.

Embora a vontade individual esteja presente para a caracterização dos atos


unilaterais, ela dispensa a existência de duas ou mais pessoas, bastando que um
indivíduo, sozinho, manifeste seu desejo de agir em determinadas condições.

Imaginemos que quando um animal de estimação desaparece e seu dono


oferece uma quantia em dinheiro para quem o resgatar ou quando alguém emite um
cheque para pagamento de dívidas, estamos diante de atos unilaterais de vontade
– emitidos por um sujeito, individualmente, e que poderão gerar benefícios para um
eventual credor, que é totalmente dispensável para o início do ato. Este capítulo
será dedicado ao estudo destas figuras jurídicas tão presentes em nosso dia a dia.

Conceitos IntrodutÓrios
As obrigações civis, hodiernamente conceituadas como o vínculo jurídico
entre credor e devedor a respeito de uma prestação, têm como fonte a lei.
É a legislação que irá determinar os efeitos dos contratos, impor o dever de
indenizar quando alguém comete ato ilícito e, ainda, obrigar o declarante a pagar
recompensa prometida, como veremos adiante neste capítulo.

A lei, porém, poderá originar obrigações de forma direta ou indireta. No


primeiro caso, nos referimos àquelas situações regidas especificamente pela
legislação, por exemplo, a pensão alimentícia. Independentemente da vontade
do sujeito, o fato de se ter um filho gera por si só, em razão da lei, o dever de
alimentá-lo.

Entretanto, existem casos em que a vontade do indivíduo é levada em


consideração para a criação de obrigações. A lei disciplina os efeitos que irão
se originar com essa declaração de vontade, atuando assim como fonte indireta
das obrigações. Enquadram-se nessa categoria os contratos, já estudados nos
capítulos anteriores; os atos ilícitos, relativos às ações contrárias à lei e aos atos
unilaterais de vontade, categoria a que iremos nos ater neste capítulo.

117
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Como o nome já adianta, os atos unilaterais de vontade são


Os atos unilaterais
de vontade são aqueles emitidos por um só indivíduo, independentemente da
aqueles emitidos existência ou não de credor. São criados especificamente por lei, que
por um só indivíduo, irá disciplinar as consequências jurídicas da manifestação da vontade
independentemente
da existência ou desde indivíduo. Como afirma Diniz (2011, p. 812):
não de credor.
São criados A declaração unilateral de vontade é uma das fontes das
especificamente obrigações resultantes da vontade de uma só pessoa, formando-
por lei, que irá se a partir do instante em que o agente se manifesta com a
disciplinar as intenção de se obrigar, independentemente da existência ou não
consequências de uma relação creditória, que poderá surgir posteriormente.
jurídicas da [...] As obrigações nascem da declaração unilateral da vontade
manifestação da manifestada em circunstâncias tidas pela lei como idôneas para
vontade desde determinar sua imediata constituição e exigibilidade, desde que
indivíduo. o declarante emita com a intenção de obrigar-se, e desde que
chegue ao conhecimento da pessoa a quem se dirige, e seja
esta determinada ou pelo menos determinável.

Conforme Gonçalves (2014), o Código Civil de 2002 elenca, entre os artigos


854 e 909, cinco atos unilaterais de vontade: 1) Promessa de recompensa; 2)
Gestão de negócios; 3) Pagamento indevido; 4) Enriquecimento sem causa; 5)
Títulos de crédito.

Neste capítulo, estudaremos em detalhes cada um deles.

Promessa de Recompensa
A promessa de recompensa pode ser conceituada como ato
A promessa de
recompensa pode obrigacional de um sujeito que promete recompensa a quem preencher
ser conceituada certo requisito ou desempenhar algum tipo de atividade. Trata-se,
como ato assim, de um negócio jurídico unilateral que gera obrigações a quem
obrigacional de um
sujeito que promete manifestar a vontade de recompensar, independentemente se outra
recompensa a parte irá ou não cumprir os requisitos para auferir o prometido. Neste
quem preencher sentido, o artigo 854 do Código Civil (BRASIL, 2002) assim determina:
certo requisito ou
desempenhar algum “aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar,
tipo de atividade. ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo
serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido”.

Imaginemos, pois, que Alice perdeu seu querido gato Cheshire. Seu pai, com
pena da garota, distribuiu cartazes por toda a vizinhança e se comprometeu a
pagar R$ 500,00 (quinhentos reais) a quem quer que traga o gato de volta. Eis a
promessa de recompensa.

118
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

Para que essa promessa seja obrigatória, entretanto, são necessários três
requisitos: 1) Publicidade da promessa; 2) Especificação da condição ou do
serviço a serem realizados; 3) Indicação da recompensa.

O primeiro requisito encontra fundamento na expressão “anúncios públicos”,


do art. 854 do CC, sendo irrelevante a maneira pela qual a publicidade será
fornecida (se por meio de mídias, imprensa, cartazes ou folhetos). Deve ser
direcionada ao público em geral, de maneira indeterminada, sob pena de ser
caracterizada como negócio bilateral.

É necessário, ainda, que a condição ou serviço a serem realizados sejam


expressamente indicados, já que são os objetos da promessa. Assim, a promessa
pode se referir a uma ação (por exemplo, ofereço quinhentos reais para quem
fornecer informações sobre o gato de Alice) ou a uma omissão (por exemplo, os
alunos que não faltarem a nenhuma aula ganharão 20 pontos extras).

Por fim, cumpre mencionar qual será a recompensa entregue ao sujeito que
cumprir os requisitos da promessa. É possível, assim, que a recompensa seja a
entrega de um bem (por exemplo, dinheiro), ou a realização de alguma atividade por
parte do promitente (por exemplo, pagamento de cursinho pré-vestibular). Caso a
recompensa não esteja indicada na promessa, será necessário que um juiz a arbitre.

Quanto à exigibilidade da recompensa, o Código Civil dispõe que o simples


cumprimento da condição ou do serviço objeto da promessa já torna o indivíduo apto para
seu recebimento (art. 855, CC). Assim, mesmo que o sujeito não tenha conhecimento
prévio de que havia uma promessa para a ação que realizou, ou ainda que tenha agido
com único interesse em receber a recompensa, ele poderá exigi-la conforme prometido.

Se a pessoa que preencher os requisitos da promessa for menor incapaz,


ainda assim fará jus à recompensa, como afirma Lucca (2003, p. 17):

o executante deve estar legitimado a recebê-la,


independentemente de sua capacidade civil. A criança de dez
anos que encontra o cachorro perdido terá direito ao prêmio
oferecido. A quitação será dada pelo seu representante legal,
dada a incapacidade absoluta do menor de dezesseis anos
(art. 3º, inciso I, do CC).

Caso o objeto da promessa tenha sido executado por mais de uma pessoa,
a recompensa será de quem o realizou primeiro (art. 857, CC); se a execução
foi simultânea, cada um receberá quinhão igual; se o bem for indivisível, haverá
sorteio (art. 858, CC).

É possível que a promessa seja revogada desde que a revogação tenha a


mesma publicidade que o negócio unilateral; se na promessa ele tiver estipulado
prazo, deverá aguardar o fim deste para fazer a revogação (art. 856, CC).

119
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Cumpre destacar que a promessa de recompensa pode ser realizada em


concursos, como os concursos literários, artísticos ou científicos. Neste caso, o
prazo de vigência é obrigatório e ela não poderá ser revogada antes de seu fim
(art. 859, CC). Além disso, segundo Gonçalves (2014, p. 418):

A decisão da “pessoa nomeada nos anúncios como juiz obriga


os interessados”, proclama o § 1º do aludido art. 859 do Código
Civil. Ao participar do concurso as pessoas se submetem
às suas condições, dentre elas a de concordarem com o
veredito do juiz ou dos juízes cujos nomes em regra constam
do edital. Em falta de pessoa designada para julgar o mérito
dos trabalhos que se apresentarem, “entender-se-á que o
promitente se reservou essa função” (CC, art. 859, § 2º). Se os
trabalhos tiverem mérito igual, “proceder-se-á de acordo com
os arts. 857 e 858” (art. 859, § 3º), isto é, far-se-á a partilha, se
a recompensa é divisível, e sorteio, se indivisível. A promessa
visa estimular o trabalho intelectual. As obras premiadas só
ficarão pertencendo ao promitente, “se assim for estipulado na
publicação da promessa” (CC, art. 860).

Vejamos, agora, o segundo ato unilateral elencado no Código: a gestão de


negócios.

Atividade de Estudos:

1) Agora que já estudamos a promessa de recompensa, avalie o


caso a seguir e forneça sua resposta juridicamente fundamentada.

Laura, de 15 anos, está andando pela rua quando encontra


Smoke, um belo coelho de cor cinza vagando na rua. Com pena
do animal, ela o resgata e o mantém em sua casa por alguns
dias. Passado um tempo, Júlia, sua vizinha, a procura dizendo
que o coelho na verdade lhe pertence. Laura, de boa-fé, entrega
o animal a Júlia acreditando estar fazendo a coisa certa. Acontece
que na verdade o coelho originalmente pertencia a Alissa, uma
rica empresária, que oferecia por ele uma generosa recompensa
a quem o devolvesse. Isto posto, responda: se Júlia efetivamente
entregar o coelho a Alissa, ela terá direito à promessa de
recompensa? E Laura? Justifique sua resposta.
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120
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

LEI INCENTIVA DENÚNCIAS ANÔNIMAS E


RECOMPENSA QUEM AJUDAR A SOLUCIONAR CRIMES

Já está em vigor a lei que incentiva denúncias anônimas


e permite recompensas em dinheiro para quem auxiliar nas
investigações policiais, com informações que levem à prevenção, à
repressão ou à solução de crimes e ilícitos administrativos. O texto,
sancionado neste mês, estabelece que as empresas de transporte
coletivo divulguem o número do disque-denúncia. Os recursos para
financiar as atividades e as recompensas sairão do Fundo Nacional
de Segurança Pública, e os valores pagos devem ser definidos pelo
governo federal, estados e cidades.

Fonte: Disponível em:<https://www12.senado.leg.br/noticias/


audios/2018/01/lei-incentiva-denuncias-anonimas-e-recompensa-
quem-ajudar-a-solucionar-crimes>. Acesso em: 6 fev. 2018.

Gestão de NegÓcios A gestão de


negócios é o ato
unilateral segundo
A gestão de negócios é o ato unilateral segundo o qual um o qual um indivíduo
indivíduo administra negócios alheios, sem procuração, agindo, porém, administra negócios
alheios, sem
no interesse do dono. Tem por base o altruísmo, já que o sujeito pratica procuração, agindo,
atos de administração com o objetivo de evitar prejuízos para o dono. porém, no interesse
do dono.
Conforme Gonçalves (2014, p. 420):

Dá-se a gestão de negócios, por exemplo, quando alguém,


presenciando em prédio alheio estragos capazes de o destruir,
ajusta em nome do proprietário ausente, mas sem sua
autorização, um empreiteiro para o reparar. Ou ainda quando
alguém socorre pessoa desconhecida, vítima de um acidente,
conduzindo-a ao hospital e tomando todas as providências
para o seu atendimento, realizando inclusive o depósito exigido
pelo nosocômio.

Disciplinada no art. 861 do Código Civil, a gestão de negócios só se concretiza


com a junção dos seguintes elementos: a) Negócio alheio, ainda que o gestor
confunda os donos ou que acredite erroneamente que o negócio lhe pertence;
b) Ausência de autorização do dono, já que o gestor agirá espontaneamente,
sem acordo prévio, por algum motivo de urgência; c) Preservação do interesse e
vontade presumida do dono, já que o gestor deve agir conforme desejo do dono.

121
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Se a gestão for ruim, o dono pode não ratificar os atos realizados e tornar o gestor
pessoalmente responsável por eles; se for iniciada contra a vontade presumida
do dono, o gestor será responsabilizado até mesmo pelos casos fortuitos (art.
862, CC); d) Realização de atos unicamente patrimoniais passíveis de serem
executados pelo gestor, ou seja, que não exijam mandato expresso (doação,
repúdio de herança etc.); e) Necessidade ou utilidade da intervenção. Sobre este
último ponto, Gonçalves (2014, p. 421) exemplifica:

[...] a atuação do despachante, que recolhe imposto para


cliente de outro negócio, no último dia do prazo. Este último
pressuposto constitui a razão de ser do referido contrato.
Com efeito, a utilidade é elemento fundamental na gestão
de negócios. Sendo proveitosa a administração, o dono do
negócio ficará vinculado aos compromissos assumidos pelo
gestor, ainda que tal fato o desagrade. Tal ocorrerá mesmo
que a gestão se haja iniciado contra a sua vontade presumível
e mesmo que tenha consistido em “operações arriscadas”,
excedentes da mera administração. Nesta última hipótese,
se o dono do negócio quiser aproveitar-se da gestão, “será
obrigado a indenizar o gestor” por todas as despesas e
prejuízos sofridos (CC, art. 868, parágrafo único).

Quanto às obrigações do gestor, estas se confundem com as obrigações do


mandatário, no contrato de mandato, conforme estudado em capítulo anterior. Ainda
assim, cumpre destacar os seguintes deveres do gestor: a) Comunicar a gestão
ao dono do negócio (art. 864, CC); o gestor deve esperar resposta do dono, só
podendo agir caso a demora acarrete em prejuízo. Após a comunicação, o dono
poderá adotar as seguintes soluções, elencadas por Monteiro (1997, p.427):

[...] desaprovará a gestão, caso em que a situação se


regerá pelo art. 874 do Código Civil; aprová-la-á expressa
ou tacitamente, caso em que a gestão se converterá em
mandato expresso ou tácito; aprová-la-á na parte já realizada,
desaprovando-a, porém, para o futuro; constituirá procurador,
que assumirá o negócio no pé em que se achar, extinguindo-se
assim a gestão; assumirá pessoalmente o negócio, cessando
igualmente a gestão, como no caso anterior.

No caso de morte do dono, a gestão continua até que os herdeiros


apresentem as devidas instruções (art. 865, CC).

O gestor tem como dever, ainda, b) Agir com diligência e ressarcir o dono por
eventuais prejuízos (art. 866, CC); c) Não realizar operações de risco, ainda que o
dono as fizesse regularmente.

Quanto ao dono do negócio, suas obrigações são: a) Indenizar o gestor pelas


despesas necessárias e por eventuais benfeitorias úteis (art. 868 e 869, CC); b)
Cumprir as obrigações contraídas pelo gestor em seu nome (art. 869, § 1º e §2º e

122
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

art. 870, CC); c) Reembolsar o gestor que pagar alimentos devidos por ele (dono)
(art. 871 e 872, CC). Gonçalves (2014, p. 423) elenca mais um dever, oriundo do
art. 875, CC: “se os negócios de outrem forem conexos com os do gestor, de tal
modo que se não possam gerir separadamente, o gestor será considerado sócio
daquele na respectiva gerência; mas o beneficiado com a gestão só é obrigado na
razão das vantagens que lograr”.

Por fim, cumpre tecer comentários a respeito da ratificação do dono do


negócio. A ratificação nada mais é que a aprovação e concordância do dono
com os atos realizados pelo gestor, de forma expressa ou tácita. Ela tem efeito
retroativo, contando, quando emitida, desde o início da gestão – momento em que
a gestão passa, juridicamente, a contar como mandato, devendo ser analisada
conforme as regras deste contrato (art. 873, CC).

Estudaremos, agora, o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa.

Atividade de Estudos:

1) Walcir, senhor já idoso e acometido de Alzheimer, adentra


uma mercearia que não lhe pertence, acreditando ser um
antigo comércio que outrora lhe pertencera. Informando a todos
os funcionários que havia comprado o imóvel do antigo dono
(fazendo com que estes acreditem em sua história), Walcir passa
a gerir o negócio como se fosse seu, sem a anuência do dono,
durante um dia inteiro. A gestão é bem feita e, inclusive, gera
mais lucro que o habitual ao estabelecimento, até que a família
de Walcir o encontra e o mal-entendido é desfeito. Pergunta:
nesta situação hipotética, houve gestão de negócio? Por que?
____________________________________________________
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____________________________________________________
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123
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Pagamento IndeVido e
EnriQuecimento Sem Causa
O pagamento indevido e o enriquecimento sem causa têm uma
O enriquecimento íntima relação, já que este último é um gênero do qual o primeiro é
sem causa,
também chamado espécie. Em outras palavras, o pagamento indevido é um tipo de
de enriquecimento enriquecimento sem causa, especificamente disciplinado pelo Código
ilícito, refere-se a
um ganho monetário Civil, conforme veremos.
injusto. O indivíduo
não tem direito ao O enriquecimento sem causa, também chamado de enriquecimento
lucro que é obtido,
gerando desarmonia ilícito, refere-se a um ganho monetário injusto. O indivíduo não tem
no sistema jurídico. direito ao lucro que é obtido, gerando desarmonia no sistema jurídico.
Neste sentido, o artigo 884 do Código Civil assim determina:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa


de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido,
feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa
determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a
coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem
na época em que foi exigido (BRASIL, 2002).

Assim, é possível afirmar que a caracterização do enriquecimento ilícito


depende dos seguintes fatores: a) Enriquecimento do accipiens (ou seja, de quem
lucra), que engloba qualquer vantagem por ele obtida, ainda que não patrimonial;
b) Empobrecimento do solvens (de quem sofre o prejuízo), seja a diminuição de
seu patrimônio, seja o não recebimento de valor que lhe é devido; c) Causalidade
entre os dois fatos, já que o lucro de um geralmente ocasiona o prejuízo do outro.
Sobre este ponto, porém, Gonçalves (2014, p. 433) alerta que, quando os valores
não coincidirem

[...] a indenização se fixará pela cifra menor. Se o enriquecimento


foi de dez e o empobrecimento de quinze, o accipiens não
pode ser obrigado a devolver mais do que recebeu. Assim,
a indenização será de dez. Se a situação for a contrária,
também a indenização será de dez, porque o solvens não pode
pretender mais do que perdeu. Na I Jornada de Direito Civil
promovida pelo Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o
Enunciado 35, de seguinte teor: “A expressão ‘se enriquecer à
custa de outrem’ do art. 884 do novo Código Civil não significa,
necessariamente, que deverá haver empobrecimento”.

Por fim, cumpre mencionar o último requisito, qual seja d) Ausência de causa
jurídica. Se não há contrato firmado entre as partes nem obrigação legal que
justifique o fato, há enriquecimento sem causa. É o caso do pagamento indevido.

124
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

Ocorrerá pagamento indevido quando um indivíduo realiza


pagamento de forma errada a outrem, sem causa, gerando assim Ocorrerá pagamento
indevido quando
um indébito. O erro poderá recair sobre o objeto da relação (indébito um indivíduo realiza
objetivo), ou sobre a pessoa do credor (indébito subjetivo). No primeiro pagamento de forma
caso, o devedor pode se enganar em relação à quantia ou bem a ser errada a outrem,
sem causa, gerando
entregue, ou mesmo em relação à existência da obrigação (achar que assim um indébito.
deve, mas na verdade não deve). No segundo, ele se engana em
relação à pessoa do credor, pagando para a pessoa errada.

Os requisitos para a configuração do pagamento indevido são o erro, a ser


provado por quem pagou, e a voluntariedade do pagamento (inexistência de
obrigação) (art. 881, CC). O devedor ficará dispensado de provar seu equívoco nas
hipóteses em que não poderia agir de forma distinta, por exemplo, na exigência
de tributos não devidos. Embora não devesse o tributo, de fato, se não realizasse
o pagamento na hora arcaria com consequências prejudiciais a si mesmo, por
isso não teve como agir de outra forma.

Se o credor receber o pagamento indevido de boa-fé, ou seja, sem saber que


se tratava de pagamento injusto, terá direito aos frutos que perceber do bem, à
indenização por benfeitorias necessárias e úteis com direito de retenção, e estará
livre de responsabilidade por perda ou deterioração. Se o credor estiver de má-fé,
sabendo tratar-se de pagamento indevido, terá direito de ser ressarcido apenas
pelas benfeitorias necessárias (art. 878, CC).

No caso de recebimento indevido de imóvel, o art. 879 do Código Civil dispõe


da seguinte forma:

Art. 879 Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o


tiver alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente
pela quantia recebida; mas, se agiu de má-fé, além do valor do
imóvel, responde por perdas e danos.
Parágrafo único. Se o imóvel foi alienado por título gratuito, ou
se, alienado por título oneroso, o terceiro adquirente agiu de
má-fé, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação
(BRASIL, 2002).

Quando o pagamento é a entrega de um imóvel, este deve ser devolvido ao


dono. Entretanto, é possível que o credor já o tenha repassado a terceiro. Se esse
repasse foi de boa-fé, ou seja, sem que o credor soubesse que a entrega do bem
era indevida, deverá devolver apenas o valor correspondente ao imóvel. Se agiu de
má-fé, porém, sabendo da injustiça do ato, deverá arcar, ainda, com perdas e danos.

E quanto ao terceiro, que recebeu o imóvel injustamente? Se o recebimento


foi oneroso e de boa-fé, o terceiro permanece com o imóvel. Se tiver recebido o
bem de forma gratuita ou por má-fé (em qualquer das duas hipóteses), o imóvel
retorna ao dono.

125
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Existem hipóteses, no Código Civil, nas quais o pagamento indevido não


poderá ser reparado via repetição de indébito.

A primeira delas refere-se ao devedor que, após o pagamento da dívida,


descobre que não era, de fato, devedor. O documento relativo à dívida, porém, é
destruído ou prescrito, de forma que o credor não pode mais exigir o pagamento
do verdadeiro devedor; por isso o credor não está obrigado a devolver o valor
recebido, mas quem o pagou pode exigi-lo, por ação de regresso contra o real
devedor (art. 880, CC).

A segunda ocorre quando o devedor paga algum tipo de obrigação natural,


aquelas obrigações que embora existam, não podem ser juridicamente exigidas,
como a dívida de jogo ou dívida vencida (art. 883, CC). Uma vez paga a obrigação
natural, o devedor não pode alegar pagamento indevido, pois embora a dívida
não fosse juridicamente exigível, existia e era legítima.

Por fim, não há que se falar em repetição de indébito nos casos em que o
valor pago se destina a fins ilícitos ou imorais. Se alguém contrata um matador
de aluguel para que assassine alguém e o matador embolsa o dinheiro, mas
não cumpre o combinado, o contratante nada poderá fazer, mesmo que haja um
enriquecimento sem causa por parte do matador (art. 883, CC).

Sobre o enriquecimento sem causa, é importante mencionar que mesmo que


houvesse justificativa para o ato em um momento passado, mas que por algum
motivo ela deixe de existir, ainda estará caracterizado o enriquecimento sem
causa (art. 885, CC). O Código Civil estabelece ainda que o prejudicado poderá
ajuizar ação in rem verso, se não houver outro remédio processual para sua
situação (art. 886, CC).

Estudaremos, agora, os títulos de crédito.

Atividade de Estudos:

1) Sobre o enriquecimento sem causa, marque a alternativa


correta:

a) Se o enriquecimento tiver por objeto coisa indeterminada,


quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa subsistir, a
restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

126
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

b) Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de


outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a
atualização dos valores monetários.

c) A restituição é indevida, não só quando não tenha havido causa


que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de
existir.

d) Caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao


lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.

TÍtulos de CrÉdito
Embora a disciplina dos títulos de crédito esteja situada em título distinto
daquele relativo aos atos unilaterais no Código Civil, os títulos também fazem
parte do estudo dos atos unilaterais. Como afirma Gonçalves (2014, p. 435),
tal fato é “uma questão de ordem prática, baseada na consideração de que o
grande número daquelas normas demandaria sua disciplina em título próprio”.
Além disso, os títulos de crédito são regulados por diversas legislações esparsas,
abrangendo, ainda, matéria de direito empresarial. Trata-se, assim, de um assunto
rico e minucioso, motivo pelo qual, aqui, trataremos de uma introdução geral a
respeito do tema.

Os títulos de crédito são conceituados pelo art. 887 do CC como


“documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo Os títulos de crédito
são conceituados
nele contido [...] (que) somente produz efeitos quando preenche os pelo art. 887 do CC
requisitos da lei” (BRASIL, 2002). Trata-se de um ato unilateral no qual como “documento
um indivíduo manifesta sua vontade em um instrumento, obrigando-se necessário ao
exercício do direito
a pagar determinada prestação independentemente da manifestação literal e autônomo
da vontade de outrem. nele contido [...]
(que) somente
produz efeitos
Para que tenha valor, nele devem estar contidas data de emissão, quando preenche
indicação dos direitos que confere e assinatura do emitente (art. os requisitos da lei”
(BRASIL, 2002).
889, CC); seus efeitos são produzidos a partir do momento em que
são colocados em circulação. O título, assim, representa a existência de uma
obrigação, provando que uma pessoa é credora de outra. Segundo Gonçalves
(2014, p. 436), diferencia-se de outros documentos porque:

127
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Em primeiro lugar, refere-se o título de crédito unicamente a


relações creditícias. Pela própria interpretação literal, verifica-
se que o termo “título de crédito” diz respeito a documento
representativo de um crédito (creditum, credere), ato de fé,
confiança do credor de que irá receber uma prestação futura
a ele devida. A segunda diferença está ligada à facilidade
na cobrança do crédito em juízo, pois o título de crédito é
definido pela lei processual como título executivo extrajudicial
(CPC, art. 585, I). E, em terceiro lugar, ostenta ele o atributo
da negociabilidade, estando sujeito a certa disciplina jurídica
que torna mais fácil a circulação do crédito, a negociação do
direito nele mencionado, como sucede corriqueiramente nas
operações de descontos bancários.

Os títulos de crédito são regidos por princípios específicos, sendo os


principais deles cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações cambiais.

A cartularidade refere-se à incorporação do direito pelo título, também


chamado de cártula. Com isso, a cártula torna-se documento indispensável para
satisfação do direito, independentemente de qual negócio jurídico tenha lhe
dado origem. Imaginemos, assim, que Roberto vendeu um carro para Ricardo,
que pagou com a emissão de um título de crédito. Para que Roberto receba a
prestação acordada, ele deverá ter o título sob sua posse, independentemente da
compra e venda que originou o título. Este princípio garante que quem busca seu
direito é seu titular legítimo (pois possui o título).

Segundo o princípio da literalidade, os títulos de crédito devem conter


expressamente os efeitos que originarão. Não há que se falar em interpretação
extensiva, ou em efeitos não escritos no título; só vale o que nele consta. Tal
princípio protege o credor, que poderá exigir todas as obrigações elencadas no
título, e também o devedor, que saberá não dever nada além do que está na cártula.

O princípio da autonomia das obrigações cambiais diz respeito à


independência entre o título e as eventuais obrigações que o originam. Se a
obrigação contém algum tipo de vício, este não irá invalidar o título de crédito, que
é documento autônomo. Gonçalves (2014, p. 438) menciona o seguinte exemplo:

[...] bse o veículo objeto do negócio originário é portador de


algum vício redibitório, tal fato não exonera quem o recebeu
e emitiu a nota promissória de honrar o seu pagamento junto
ao terceiro, a quem o vendedor o transferiu mediante endosso.
O defeito do veículo pode influir somente na relação jurídica
entre os participantes da relação originária do título, mas não
tem influência no tocante aos direitos dos terceiros de boa-fé, a
quem a cártula foi transferida.

São várias as espécies de títulos de crédito, podendo ser classificados de


diversas formas.

128
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

Quanto ao modelo, existem títulos de modelo livre que podem adotar


qualquer forma, desde que respeitados os requisitos legais, como a letra de
câmbio e a nota promissória, e títulos de modelo vinculado, que devem obedecer
a um padrão obrigatório. O cheque é um exemplo de título com modelo vinculado,
pois obrigatoriamente deve ser emitido em papel fornecido pelo banco.

Quanto à estrutura, temos os títulos em ordem de pagamento e em


promessa de pagamento. Nos primeiros, o emitente ordena ao sacado que
pague determinada importância ao tomador (beneficiário da ordem). No caso
dos cheques, por exemplo, o emitente ordena ao banco (sacado) que entregue
determinada prestação ao beneficiário. Já no segundo caso, o devedor promitente
assume o compromisso de pagar um valor ao credor beneficiário; não há a figura
de um sacado sendo ordenado a pagar quantia.

Os títulos poderão ainda ser classificados de acordo com as hipóteses de


emissão. Neste sentido, teremos os títulos causais, limitados e abstratos. Os
causais só poderão ser emitidos quando a lei expressamente permitir (exemplo:
duplicata mercantil); os limitados só podem ser emitidos em alguns casos
(exemplo: letra de câmbio); e os abstratos são aqueles que podem ser emitidos a
qualquer momento (como o cheque e a nota promissória).

Por fim, os títulos de crédito são classificados segundo sua circulação.


Temos, assim, os títulos ao portador, que são emitidos sem o nome do beneficiário
e que circulam mediante tradição (art. 904, CC); e os nominativos, que podem ser
à ordem ou não à ordem.

Os títulos de crédito nominativos à ordem identificam o titular do crédito


e podem ser transferidos a terceiros, por endosso (ato típico de circulação
cambiária). Já os nominativos não à ordem identificam o credor, mas não podem
ser transferidos por endosso, em razão da cláusula não à ordem, que, em regra,
deve estar escrita expressamente no título (art. 890, CC).

a) Títulos à ordem

Os títulos à ordem, como já abordado, identificam o titular do Os títulos à ordem,


crédito e podem ser transferidos a terceiros. No Brasil, temos quatro como já abordado,
identificam o titular
títulos à ordem: letra de câmbio, nota promissória, cheque e duplicata. do crédito e podem
Falaremos um pouco sobre cada um deles. ser transferidos a
terceiros. No Brasil,
temos quatro títulos
A letra de câmbio, disciplinada pela Lei Uniforme de Genebra à ordem: letra
(Decreto nº 57.663/96), possui a forma de ordem de pagamento, já que de câmbio, nota
promissória, cheque
uma vez emitida, deve ser paga, mediante aceite. O título, para que e duplicata.
produza efeitos, precisa conter os seguintes requisitos:

129
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

a) as palavras “letra de câmbio”, insertas no próprio texto do


título, na língua empregada para a sua redação; b) uma ordem
incondicional de pagar quantia determinada; c) o nome da
pessoa que deve pagar (sacado); d) o nome da pessoa a quem,
ou à ordem de quem, deve ser feito o pagamento (tomador); e)
a assinatura de quem dá a ordem (sacador); f) data do saque;
g) lugar do pagamento ou a menção de um lugar ao lado do
nome do sacado; h) lugar do saque ou a menção de um lugar
ao lado do nome do sacador (GONÇALVES, 2014, p. 444).

Esse título funciona da seguinte forma: suponhamos que Amanda (sacador)


emita uma letra de câmbio na qual consta que o valor de R$ 100,00 (cem reais)
deve ser entregue a Rodolpho (beneficiário ou tomador) por dívidas passadas.
Mas quem irá realizar esse pagamento será Andressa (aceitante ou sacado), pois
Amanda não tem dinheiro. Se Andressa aceitar, irá fazer o pagamento a Rodolpho
e será credora de Amanda, pela quantia paga.

No exemplo acima, é possível ainda que um dos envolvidos ocupe mais de


uma posição (art. 3º Lei Uniforme). Amanda poderia ter emitido letra de câmbio em
seu próprio benefício, ordenando Andressa a pagá-la ou, ainda, Amanda poderia
emitir letra de câmbio a qual deveria ela própria pagar a Rodolpho.

Observe-se, ainda, no exemplo dado, que Andressa (aceitante ou sacado)


precisa aceitar efetivar o pagamento solicitado por Amanda (sacador). O aceite
não é obrigatório, podendo o sacado consentir ou não. Se Andressa concordar,
será necessário escrever na própria letra cambial expressões como “aceito” ou
“aceita-se” (art. 25 Lei Uniforme). Se ela recusar, Amanda (sacador) torna-se
responsável pelo pagamento do título, que terá seu vencimento antecipado pela
recusa. Em razão deste efeito, é possível que o sacador (Amanda) introduza
no título uma cláusula proibindo a apresentação do título ao sacado (Andressa)
antes da data de vencimento, como forma de se precaver em caso de vencimento
antecipado (art. 22, Lei Uniforme).

O sacado poderá, ainda, emitir aceite parcial de dois tipos: aceite limitativo,
dizendo que assume a obrigação até determinado valor; ou aceite modificativo,
alterando a data de vencimento ou lugar de pagamento. Em ambos os casos há o
vencimento antecipado do título, já que houve recusa de certas circunstâncias, de
forma que o tomador (no caso do nosso exemplo, Rodolpho) poderá executá-lo
integralmente contra o sacador (Amanda). Se isso acontecer, Amanda terá direito
de regresso em relação à parte assumida por Andressa (sacado) (art. 26, Lei
Uniforme).

130
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

Figura 1 – Exemplo de Letra de Câmbio

Fonte: Disponível em:<http://www.protesto.com.br/gifs/ltaceita.gif>. Acesso em: 06 fev. 2018.

Antes de prosseguir na explicação dos demais títulos de crédito à ordem,


abordaremos alguns institutos gerais concernentes a todos eles (como o endosso,
o aval, o protesto e a ação cambial de execução de título extrajudicial), a partir do
exemplo da letra de câmbio já explicada.

Os títulos de crédito podem ser transferidos pelo credor (tomador) Os títulos de


crédito podem ser
a terceiros, de forma simples e, geralmente, onerosa por meio de transferidos pelo
endosso. O endosso é feito com a assinatura do credor no título (art. credor (tomador)
a terceiros, de
910, CC), podendo conter o nome do endossatário (endosso em preto) forma simples
ou não (endosso em branco) (art. 893, CC). Neste último caso, deixa de e, geralmente,
ser título à ordem e passa a ser título ao portador, pois já que não há onerosa por meio de
endosso.
indicação de quem é o novo credor, será considerado aquele que porta
o título. Importante mencionar que não é possível a efetivação de endosso parcial
ou de estipulação de condição que subordine o endossante – serão consideradas
disposições nulas.

Têm-se ainda duas espécies de endosso denominadas de endosso-impróprio:


a primeira delas é o endosso-mandato; a segunda, endosso-caução. No primeiro
caso, o credor não transfere o título e os direitos dele decorrentes a um terceiro,
mas apenas o exercício destes direitos; como afirma Gonçalves (2014, p. 446),
“em geral, é concedido a instituições financeiras para fins de cobrança do título”.
No segundo caso, o credor utiliza o título como uma garantia pelo pagamento de
dívida, dado em penhor. Cumprida a obrigação garantida, o título volta para o
proprietário, credor original.

131
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Se o endosso é realizado após o vencimento do título, continua válido; mas,


se além de vencido, o prazo para protesto por falta de pagamento já se passou,
o endosso terá os efeitos da cessão de crédito, ou seja, o endossante não
responderá pelo pagamento. Este é o chamado endosso-póstumo (art. 920, CC).

O aval é uma
declaração unilateral Os títulos de crédito podem ter seus pagamentos garantidos por
própria do direito aval (art. 897, CC), que podem ser feitos de maneira parcial nas letras de
cambiário, em
que um terceiro câmbio, notas promissórias, duplicatas e cheques (art. 30 Lei Uniforme).
(ou um figurante O aval é uma declaração unilateral própria do direito cambiário, em que
do título) garante um terceiro (ou um figurante do título) garante o pagamento do título,
o pagamento do
título, gerando gerando responsabilidade solidária entre ele e o devedor. Caso haja
responsabilidade indicação do avalizado, temos aval em preto; caso contrário, temos o
solidária entre ele e
o devedor. aval em branco, relativo ao devedor final (art. 899, CC).

O aval é regulado por dois princípios basilares: autonomia substancial e


acessoriedade formal. O avalista assume obrigação autônoma, mas equivalente
ao do avalizado (art. 899, §2º, CC); em razão da autonomia, porém ainda que o
título seja eivado de alguma invalidade, o aval não é comprometido, devendo ser
pago no vencimento. Ele pode ser feito de forma antecipada, emitido antes de
aceite ou endosso, ou após o vencimento do título (art. 900, CC).

Em caso de não pagamento dos títulos de crédito ou de recusa por parte do


aceitante, o credor pode se utilizar do protesto, conceituado como “ato praticado
pelo credor, perante o competente cartório, para fins de incorporar ao título de
crédito a prova de fato relevante para as relações cambiais, como a falta de aceite
ou pagamento da letra de câmbio” (COELHO, 2002, p. 423).

O protesto é o “ato praticado pelo credor, perante o competente


cartório, para fins de incorporar ao título de crédito a prova de fato
relevante para as relações cambiais, como a falta de aceite ou
pagamento da letra de câmbio” (COELHO, 2002, p. 423).

Em relação à letra de câmbio, caso o credor (tomador) procure o devedor


(sacador) para que este pague o título em razão de recusa do aceitante (que
gera vencimento antecipado), o devedor poderá exigir a prova da falta de aceite,
mediante protesto. Da mesma forma, afirma Gonçalves (2014, p. 449-450):

132
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

Se o aceitante não paga a letra de câmbio no vencimento, o


credor deve protestá-la por falta de pagamento nos dois dias
seguintes àquele em que é pagável (Lei Uniforme, art. 44). Se
tal não foi feito, ou se a apresentação do título em cartório se
deu fora desse prazo, a consequência será a inexigibilidade
do crédito nele mencionado contra os demais coobrigados
cambiários, quais sejam, sacador, endossantes e seus
respectivos avalistas (art. 53). O endossatário, por exemplo,
que perde o prazo para a efetivação do protesto por falta de
pagamento, não pode cobrar a letra do sacador, endossante
e seus avalistas, embora possa fazê-lo contra o aceitante e o
avalista do aceitante, perante os quais a falta do protesto não
produz efeitos.

Assim, é possível inferir que o protesto por falta de pagamento do título é


necessário para conservar o direito do credor (tomador). O pagamento da letra de
câmbio para evitar a efetivação do protesto deve ser feito no cartório, com juros,
correção monetária e eventuais despesas do credor. Efetuado o pagamento, o
devedor pode solicitar o cancelamento do protesto, apresentando o próprio título
como prova (art. 26 da Lei n. 9.492/97).

Se ainda assim o título não for pago, o credor poderá buscar a satisfação
de seu direito por meio judicial, através da execução de títulos extrajudiciais (art.
784 do Novo Código de Processo Civil). A execução é considerada uma espécie
de ação cambial, ou seja, trata-se de um procedimento no qual a defesa do
devedor é extremamente restrita; não se discute nessas ações a existência ou
não da dívida, já comprovada pela mera existência do título. O intuito é atingir o
patrimônio do devedor para que o crédito seja satisfeito.

Passamos agora às considerações a respeito da nota promissória.


Diferentemente da letra de câmbio, não se trata de uma ordem, mas de uma
promessa de pagamento. Como consequência, teremos apenas dois indivíduos
figurando na relação estabelecida pelo título: o emitente (sacador) e o beneficiário
(tomador). Não há sacado nem aceite, mas há endosso (motivo pelo qual o
emitente se responsabiliza a pagar a terceiro, endossatário do beneficiário
original), aval (inclusive, se houver aval em branco considera-se avalizado o
emitente original), protesto e ação cambial.

Para que produza efeitos cambiais, a nota promissória precisa atender aos
seguintes requisitos, elencados nos arts. 75 e 76 da Lei Uniforme:

a) a expressão “nota promissória”, inserta no texto do título,


na mesma língua utilizada para a sua redação; b) a promessa
incondicional de pagar quantia determinada; c) nome do
tomador; d) data do saque; e) assinatura do subscritor; f)
lugar do saque, ou menção de um lugar ao lado do nome do
subscritor. Como é exigido o “nome do tomador”, não produzirá
efeitos cambiais a nota promissória emitida ao portador
(GONÇALVES, 2014, p. 451).

133
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

A nota promissória é disciplinada pelo Decreto n. 2.044/1908 (Lei Saraiva,


arts. 54 a 56) e pela Lei Uniforme, incidindo sobre este título todas as disposições
relativas à letra de câmbio, desde que preservadas as suas particularidades.

Figura 2 – Exemplo de Nota Promissória

Fonte: Disponível em:<http://recibopronto.com/wp-content/uploads/2015/02/


Formul%C3%A1rio-Nota-Promiss%C3%B3ria3.jpg>. Acesso em: 6 fev. 2018.

Passamos agora ao título de crédito mais difundido no Brasil, o


O cheque é cheque. Assim como a letra de câmbio, o cheque é uma ordem de
uma ordem de pagamento; a diferença é que o pagamento deve ser efetuado à vista,
pagamento; a
diferença é que o ou seja, imediatamente. Ele é emitido contra um banco ou instituição
pagamento deve financeira, que deverá pagar o valor estabelecido para terceiro ou
ser efetuado à
vista, ou seja, mesmo para o próprio emitente.
imediatamente. Ele
é emitido contra um Assim, o cheque funciona da seguinte forma: Nathália emite um
banco ou instituição
financeira, que cheque em favor de Beatriz (sacador), ou a seu próprio favor, que deverá
deverá pagar o valor ser paga pelo Banco do Amanhã (sacado). Observa-se que o sacado
estabelecido para
terceiro ou mesmo sempre será um banco ou uma instituição financeira, já que sua forma
para o próprio é padronizada e exige que seja emitida por uma dessas instituições, em
emitente. talonário, avulso, ou ainda por meio eletrônico (Resolução 885/83 do
Banco Central; Lei Uniforme e Lei 7.357/85, a Lei do Cheque).

Conforme Gonçalves (2014, p. 452), são essenciais ao cheque:

a) a palavra “cheque”, escrita no texto do título, na língua


empregada para a sua redação; b) a ordem incondicional de
pagar quantia determinada; c) o nome do banco a quem a
ordem é dirigida (sacado); d) data do saque; e) lugar do saque
ou menção de um lugar junto ao nome do emitente; f) assinatura
do emitente (sacador). Esta pode ser mecânica ou por processo
equivalente, por exemplo, eletrônico (art. 2º, parágrafo único). O
emitente deve estar identificado no cheque pelo nome e número

134
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), por exigência


do art. 3º da Lei n. 6.268/75 e respectiva regulamentação pelo
Banco Central. A Lei n. 9.069/95 exige ainda, no art. 69, um
requisito essencial para os cheques superiores a R$ 100,00, que
é a identificação do tomador ou beneficiário.

Para que se efetive, o emitente e o sacado precisam ter um acordo prévio,


mediante o qual o emitente abre uma conta corrente na qual deverá estar o dinheiro
para pagamento do beneficiário. Assim, levando em consideração o exemplo
acima, se Beatriz apresentar o cheque ao Banco do Amanhã e for informada de
que a conta corrente de Nathália não tem dinheiro o bastante para cobrir o valor
indicado, o título será ineficaz e o banco não poderá ser responsabilizado.

CHEQUE VIRA RARIDADE E TEM MENOR CIRCULAÇÃO NO


PERÍODO DE 20 ANOS

No período, quantidade reduziu 78%; em um ano, são R$ 1,8


bilhão a menos

Entre os objetos que José Rosa, 45 anos, afirma que precisa


jogar fora estão dois talões de cheques. “A última vez que usei
cheque foi há oito anos”, estimou o mototaxista, em menção a uma
forma de pagamento cada vez mais em desuso. Em 2017, a queda
foi recorde: a quantidade e o valor das transações com cheques em
Mato Grosso do Sul foram os menores dos últimos 20 anos.

Dados do Banco Central mostram que, de janeiro a dezembro


do ano passado, foram trocados 6,73 milhões de cheques em todo o
Estado com movimentação correspondente a R$ 11,97 bilhões. O
volume de documentos vem caindo ininterruptamente há sete anos e
recuou, em 2017, para a menor marca desde 1997, quando teve início
a série histórica do levantamento. Nesse período, a retração foi de 78%.

Fonte: Disponível em:<https://www.campograndenews.com.br/economia/cheque-vira-


raridade-e-tem-menor-circulacao-no-periodo-de-20-anos>. Acesso em: 6 fev. 2018.

135
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Assim como os demais títulos de crédito à ordem, o cheque pode ser


transferido por endosso. O emitente pode, porém, incluir a cláusula “não à
ordem”, que fará com que a circulação do título tenha efeitos de cessão civil. O
endossante é codevedor do cheque, podendo se desobrigar dessa função quando
inserir a cláusula “sem garantia” no título.

Existem quatro tipos de cheque: cheque visado, cheque administrativo,


cheque cruzado e cheque para se levar em conta. O cheque visado é aquele
que a instituição financeira, a pedido do emitente, lança no verso do cheque
ainda não endossado, a existência de fundo suficiente em conta corrente para
quitação do título (Lei do Cheque, art. 7º). Conforme Gonçalves (2014, p. 453):
“O lançamento do visto no cheque não importa nenhuma obrigação cambial do
banco, que apenas efetua uma espécie de bloqueio do valor nele indicado. O
sacado somente poderá ser responsabilizado civilmente se deixar de realizar o
referido bloqueio.”.

O cheque administrativo é emitido pelo próprio banco, ele também atuará


como sacado em favor de terceiro (Lei do Cheque, art. 9º, III). É utilizado nos
negócios de maior valor, pois afasta a insuficiência de fundos para sua quitação.

O cheque cruzado é caracterizado pela inserção de dois traços paralelos


no anverso do título no intuito de possibilitar a identificação da pessoa em favor
de quem ele foi liquidado. Pode ser geral, devendo ser apresentado ao banco
em que o beneficiário possui conta, ou especial, que constará entre os traços, a
identificação de um banco específico, só podendo ser pago por este.

Por fim, o cheque para se levar em conta é aquele em que o pagamento em


dinheiro pelo banco e sua circulação são vedados pelo emitente. Para tanto, este
deve inserir no cruzamento a transcrição do número da conta do credor, sendo
que só poderá obter o valor indicado com o depósito do cheque em conta.

Há que se falar ainda do chamado cheque pré-datado, tipo que não encontra
respaldo legal, originando-se do costume das relações comerciais. Conforme
Gonçalves (2014, p. 453), “Nas vendas a prazo é comum o pagamento ser
realizado mediante a entrega ao vendedor de vários cheques, tantos quantos forem
as parcelas, emitidos com data futura”. Como o cheque é ordem de pagamento à
vista, se for apresentado ao banco antes da data combinada, a instituição deverá
fazer o pagamento, o que pode acarretar diversos prejuízos para o emitente. Por
isso, a súmula 370 do STJ diz expressamente que “caracteriza dano moral a
apresentação antecipada de cheque pré-datado”.

136
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

Figura 3 – Exemplo de cheque cruzado

Fonte: Disponível em:<https://blog.rebel.com.br/wp-content/


uploads/2018/01/image2-5.jpg>. Acesso em: 6 fev. 2018.

Súmula 370 STJ – “CARACTERIZA DANO MORAL A


APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DE CHEQUE PRÉ-DATADO.”

Recurso especial – Ação de indenização por danos morais em


razão da apresentação antecipada de cheque pré-datado, ensejando
a inscrição do nome do emitente no Banco Central – Procedência –
Prova do dano – Desnecessidade – Incidência do enunciado n. 83/
STJ – Quantum indenizatório – Razoabilidade – Recurso a que se
nega seguimento. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS


MORAIS EM RAZÃO DA APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DE
CHEQUE PRÉ-DATADO, ENSEJANDO A INSCRIÇÃO DO NOME DO
EMITENTE NO BANCO CENTRAL – PROCEDÊNCIA – PROVA DO
DANO – DESNECESSIDADE – INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83/
STJ – QUANTUM INDENIZATÓRIO – RAZOABILIDADE – RECURSO
A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (STJ – REsp nº 1.222.180 – AL – 3ª
Turma – Rel. Min. Massami Uyeda – DJ 25.03.2011)

DECISÃO MONOCRÁTICA

Cuida-se de recurso especial interposto pelo BANCO


SANTANDER BRASIL S/A INCORPORADOR DO BANCO ABN
AMRO REAL S/A fundamentado no art. 105, inciso III, alíneas “a”

137
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

e “c”, da Constituição Federal, em que se alega violação dos arts.


160, I, 186 e 884 do CC; 4º, § 1º da Lei 7357/85; 5º, II da CF/88 e
divergência jurisprudencial.

O v. acórdão recorrido está assim ementado:

“DIREITO CIVIL, EMPRESARIAL E CONSUMERISTA.


APELAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO BANCÁRIO
CONSUBSTANCIADO EM “PAGAMENTO DE CONTA
PROGRAMADA COM CHEQUE”. APRESENTAÇÃO DE CHEQUE
PÓS-DATADO ANTES DA DATA AVENÇADA. DEVOLUÇÃO POR
INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS. REAPRESENTAÇÃO AINDA ANTES
DA DATA AVENÇADA. NOVA DEVOLUÇÃO. INSERÇÃO DO NOME
DA EMPRESA NO CADASTRO DE CHEQUES SEM FUNDOS (CCF).
DANO MORAL CONFIGURADO. SÚMULA 370, STJ. ADEQUAÇÃO
DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO. APELAÇÃO
ADESIVA. PRETENSÃO DE MAJORAÇÃO DO MONTANTE
ARBITRADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
MATÉRIA JÁ APRECIADA NO APELO PRINCIPAL.

1. De forma assente, na doutrina e na jurisprudência, observa-se


uma aceitação da ampliação da definição legal, de modo a admitir-
se a utilização do cheque, não só para pagamentos à vista, mas
também na modalidade pós-datada, na qual, pode-se dizer, esse
título de crédito assume ares de nota promissória.

2. Tão recorrente é a matéria em debate, e tão sólido é o


entendimento do STJ sobre o tema, que a referida Corte Superior editou,
em fevereiro de 2009, a Súmula 370, cujo teor especifica: “caracteriza
dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”.

3. Ao arbitrar o valor atinente à indenização por danos morais,


o Magistrado deve levar em consideração não apenas os interesses
do ofendido – exercendo, aí, um juízo de valor acerca do potencial
ofensivo da conduta causadora do dano e das proporções da
repercussão desse evento em sua vida. Também não se poderá
olvidar que, em relação ao ofensor, a indenização arbitrada deve ter,
proporcionalmente ao seu patrimônio, a função de inibir reiteradas
condutas danosas, estimulando um maior cuidado deste em relação
a novas situações futuras. Por fim, mas não menos importante, o
aplicador do direito não pode permitir que o montante por ele aplicado
a título de indenização se afigure como forma de enriquecimento ilícito.

138
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

4. Promovendo, in casu, a análise de todas as circunstâncias


pontuadas acima, entende-se como adequado o valor da indenização
imposta pelo Magistrado a quo, cujo montante, por certo, apresenta-
se razoável em relação a todas as suas finalidades, não sendo
pertinente, portanto, a sua modificação.

5. Apelação principal conhecida e não provida.

6. No que se refere à Apelação Adesiva, verifica-se que o tema


nela abordado já foi devidamente debatido e decidido ao final da
análise da Apelação principal, razão pela qual se consigna, nesse
momento, a título de apreciação deste Apelo adesivo, a reiteração
das considerações ali explanadas quanto ao referido assunto,
as quais concluíram pela adequação do montante indenizatório
estabelecido em sede de primeiro grau.

7. Apelo Adesivo conhecido e não provido.

Sustenta o recorrente, em síntese, que, sendo o cheque ordem


de pagamento à vista, sua conduta reputa-se legal, não havendo que
se falar em indenização. Alega, ainda, a exorbitância do quantum
indenizatório.

É o relatório.
O inconformismo não merece prosperar.
Com efeito.

Cuida-se, na origem, de ação de indenização por dano moral


proposta pelo ora recorrido em face do recorrente, em razão da
apresentação antecipada de cheque pré-datado, ocasionando a
devolução dos títulos por falta de fundos e a consequente inscrição
de seu nome no Banco Central.

Bem de ver, na espécie, que o Tribunal de origem, com base


no acervo probatório reunido nos autos, reconheceu a indevida
apresentação do cheque pré-datado em data anterior à avençada,
ocasionando a inscrição do nome do agravado no Banco Central e
ensejando a este, por conseguinte, dano moral. É o que se denota do
seguinte excerto:

“Diante de tais considerações, irrelevante se torna a alegação


do Apelante de que a segunda apresentação do cheque emitido
pela Apelada se deu em razão de autorização expressa de um

139
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

representante desta nesse sentido, mormente porque não consta,


dos autos, qualquer comprovação de que tal autorização tenha, de
fato, ocorrido.

[...]

No caso em tela, o fato narrado pela empresa ora Apelada –


emissão de cheque pós-datado e apresentação deste pelo Apelante
antes da data avençada – apresenta-se, indubitavelmente, verossímil,
até porque o Recorrente, em momento algum, contesta tal situação e
o documento de fl. 22 a corrobora.

Quanto ao dano sofrido pela empresa Recorrida, é inegável


que não se trata de dano hipotético, pois para ela, assim como para
qualquer outra empresa que atue em qualquer ramo, a credibilidade
perante a clientela é de vital importância, sendo certo que a inserção
de seu nome no Cadastro de Cheques sem Fundos (CCF) é fato
que abala a sua imagem perante terceiros, além de provocar-lhe
restrições no mercado.

Assim, é de se concluir que caberia, ao Banco Apelante, na


condição de fornecedor do serviço, promover a comprovação de que os
fatos não ocorreram conforme a narrativa da Apelada, o que, contudo,
não se observa. Até mesmo o frágil argumento de que a reapresentação
do cheque em questão teria sido expressamente autorizada por um
representante da empresa recorrida é apenas lançado, sem que se
verifique, nos autos, qualquer prova nesse sentido.

Diante de tais considerações, não há como negar que a conduta


do Apelante, diferentemente do que por ele é defendido, revestiu-se do
caráter de negligência, pois a ele caberia o cuidado para que não se
desse a apresentação antecipada do cheque emitido pelo seu cliente,
mormente quando se trata da contratação de um serviço por ele
oferecido, qual seja, o “Pagamento de Conta Programada com Cheque”.

Constata-se que o Tribunal de origem, ao assim decidir, adotou


entendimento consonante com o posicionamento pacificado desta
Corte que é no sentido de que a apresentação de cheque pós-
datado em data anterior à estipulada, acarretando a devolução do
título por ausência de fundos e o consequente registro nos cadastros
de emitentes de cheques sem fundos, gera o dever de indenizar,
independentemente da prova do prejuízo.

140
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

Nesse sentido, assim já se decidiu:

“Civil Recurso especial. Cheque pré-datado. Apresentação


antes do prazo. Compensação por danos morais.

[...]

– A apresentação do cheque pré-datado antes do prazo


estipulado gera o dever de indenizar, presente, como no caso, a
devolução do título por ausência de provisão de fundos. Recurso
especial não conhecido.” (REsp 707272/PB, Relatora Ministra Nancy
Andrighi, DJ 21/03/2005)

E, ainda: REsp 659760/MG, relator Ministro Aldir Passarinho


Júnior, DJ de 29.5.2006 e REsp 678878/MT, relator Ministro Fernando
Gonçalves, DJ de 6.6.2005.

Assim, inarredável, na espécie, a aplicação do Enunciado n. 83/STJ.

Assinala-se, por fim, que a revisão do quantum indenizatório


por esta Corte exige que ele tenha sido arbitrado de forma irrisória
ou exorbitante, fora dos padrões de razoabilidade, circunstância que
não se verifica no caso concreto. Nesse sentido, esta augusta Corte
assim já se pronunciou:

“AGRAVO INTERNO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO


ESPECIAL – INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SERASA – AUSÊNCIA
DE CULPA DO BANCO – REVISÃO DA PROVA – INDENIZAÇÃO –
DANOS MORAIS – QUANTUM INDENIZATÓRIO – RAZOABILIDADE
– SÚMULA 7/STJ. (...) III – É possível a intervenção desta Corte para
reduzir ou aumentar o valor indenizatório por dano moral apenas nos
casos em que o quantum arbitrado pelo acórdão recorrido se mostre
irrisório ou exagerado, situação que não ocorreu no caso concreto.
IV – Em âmbito de recurso especial, não há campo para se revisar
entendimento assentado em provas, conforme está sedimentado no
enunciado 7 da Súmula desta Corte. Agravo improvido.” (AgRg/Ag
634288/MG, Rel. Min. Castro Filho, DJU de 10.09.2007).

Na hipótese, o valor arbitrado, pela Corte de origem, em R$


6.000,00 (seis mil reais), a título de danos morais, em razão da
apresentação de cheque pós-datado antes do prazo estipulado e a
consequente anotação do nome do autor nos cadastros de emitentes
de cheques sem fundos (CCF), não se apresenta manifestamente

141
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

exorbitante, a ponto de atrair a intervenção excepcionalíssima deste


Sodalício Superior.

Ressalte-se, por oportuno, que a simples existência de julgados


em que a verba indenizatória foi arbitrada em valor superior ou inferior
ao caso concreto não autoriza, por si só, o seguimento do recurso,
quando verificado que a Instância ordinária, em análise do contexto
fático-probatório, fixou a indenização em quantia que não extrapola
o critério de razoabilidade. Nesse sentido, estes precedentes: REsp
992.421/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/
acórdão João Otávio de Noronha, DJe 12/12/2008; Ag 1066779/PR,
Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 30/10/2008.

Nega-se, pois, seguimento ao recurso.


Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 04 de março de 2011.
MINISTRO MASSAMI UYEDA – Relator.

Fonte: Disponível em:<http://www.mundonotarial.org/


sumula370.html>. Acesso em: 6 fev. 2018.

Resta-nos agora algumas observações a respeito da duplicata. Trata-se de


título à ordem oriundo do costume brasileiro. Conforme Gonçalves (2014, p. 455):

Sua regulamentação remonta ao Código Comercial de 1850,


que impunha aos comerciantes atacadistas, na venda aos
retalhistas, a emissão da fatura ou conta, isto é, a relação por
escrito das mercadorias entregues. O instrumento devia ser
emitido em duas vias (“por duplicado”, dizia a lei), as quais,
O título é emitido assinadas pelas partes, ficariam uma em poder do comprador,
e entregue pelo e outra do vendedor. A conta assinada pelo comprador, por sua
vendedor (credor) vez, era equiparada aos títulos de crédito, inclusive para fins
ao comprador de cobrança judicial.
(devedor, sacado
e aceitante), nas
vendas mercantis Disciplinada na Lei 5.474/68 (Lei das Duplicatas) e no Decreto-Lei n.
a prazo, com 436/69, sua função é de natureza comercial. O título é emitido e entregue
aceite obrigatório, pelo vendedor (credor) ao comprador (devedor, sacado e aceitante),
diferentemente da
letra de câmbio. Em nas vendas mercantis a prazo, com aceite obrigatório, diferentemente
geral, a duplicata da letra de câmbio. Em geral, a duplicata é negociada pelo comerciante
é negociada
pelo comerciante com instituições financeiras mediante cessão de crédito.
com instituições
financeiras mediante
cessão de crédito.

142
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

É passível de endosso, aval, protesto e ação cambial. Sobre o protesto,


ele poderá ser feito pela falta de aceite; quando o título não for devolvido pelo
comprador e pela falta de pagamento.

Há que se mencionar ainda a possibilidade de emissão de duplicata por


prestação de serviços (art. 20 da Lei n. 5.474/68), que podem ter o aceite negado
caso os serviços prestados não forem os efetivamente contratados; forem eivados
de vícios; ou comportarem divergência quanto aos prazos e preços.

Figura 4 – Exemplo de Duplicata

Fonte: Disponível:<http://cosif.com.br/imgs/leisfn/dm.jpg>. Acesso em: 6 fev. 2018.

DUPLICATA VIRTUAL:

Previsão legal

A Lei de Duplicatas (Lei n° 5.474/68) não previu as chamadas


duplicatas virtuais, até mesmo porque naquela época os sistemas
informatizados ainda não estavam tão desenvolvidos.

A Min. Nancy Andrighi afirma, contudo, que as duplicatas


virtuais encontram previsão legal no art. 8º, parágrafo único, da Lei
n° 9.492/97 e no art. 889, § 3º do CC-2002.

143
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Como funciona

1) O contrato de compra e venda ou de prestação de serviços é


celebrado.

2) Ao invés de emitir uma fatura e uma duplicata em papel, o


vendedor ou fornecedor dos serviços transmite em meio magnético
(pela internet) a uma instituição financeira os dados referentes a
esse negócio jurídico (partes, relação das mercadorias vendidas,
preço etc.).

3) A instituição financeira, também pela internet, encaminha ao


comprador ou tomador de serviços um boleto bancário para que o
devedor pague a obrigação originada no contrato. Ressalte-se que
esse boleto bancário não é o título de crédito. O título é a duplicata
que, no entanto, não existe fisicamente. Esse boleto apenas contém
as características da duplicata virtual.

4) Se chegar o dia do vencimento e não for pago o valor, o credor


ou o banco (encarregado da cobrança) encaminharão as indicações
do negócio jurídico ao Tabelionato, também em meio magnético, e o
Tabelionato faz o protesto do título por indicações.

5) Após ser feito o protesto, se o devedor continuar inadimplente,


o credor ou o banco ajuizarão uma execução contra ele, sendo que
o título executivo extrajudicial será: o boleto de cobrança bancária +
o instrumento de protesto por indicação + o comprovante de entrega
da mercadoria ou da prestação dos serviços.

A duplicata virtual é válida?

1ª corrente: NÃO. Wille Duarte Costa.

2ª corrente: SIM. Fábio Ulhoa Coelho e a maioria da doutrina.

O STJ considera válida a duplicata virtual?

SIM. Havia alguns julgados contrários, mas ano passado foi


proferido precedente favorável (REsp 1.024.691-PR) e agora a 2ª Seção
do STJ pacificou o tema afirmando ser legítima a duplicata virtual.

(EREsp 1.024.691-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgados em


22/8/2012)

144
TEORIA DAS OBRIGAÇÕES EXTRACONTRATUAIS: OBRIGAÇÕES
Capítulo 3
POR DECLARAÇÃO UNILATERAL DE VONTADE

Segundo decidiu o STJ, as duplicatas virtuais emitidas e


recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica podem ser
protestadas por mera indicação, de modo que a exibição do título não
é imprescindível para o ajuizamento da execução, conforme previsto
no art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997.

Os boletos de cobrança bancária vinculados ao título virtual


devidamente acompanhados dos instrumentos de protesto por
indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da
prestação dos serviços suprem a ausência física do título cambiário
eletrônico e constituem, em princípio, títulos executivos extrajudiciais.

Fonte: Disponível em:<http://www.dizerodireito.com.br/2012/09/a-


duplicata-virtual-e-admitida-pela.html>. Acesso em: 6 fev. 2018.

b) Títulos nominativos

O artigo 921 do Código Civil afirma que os títulos nominativos são aqueles
emitidos “em favor de pessoa cujo nome conste no registro do emitente”. Sua
transferência ocorre por termo, em registro do emitente, assinado pelo proprietário
e pelo adquirente (art. 922, CC) ou por endosso, desde que contenha o nome do
endossatário (art. 923, CC). Também poderá ser transformado em título à ordem
ou ao portador, por solicitação do proprietário (art. 924, CC).

É interessante pontuar a crítica de Coelho (2002, p. 384) aos títulos


nominativos:

[...] além de não existir título de crédito nenhum, no direito


brasileiro, que atenda aos requisitos para se considerar
nominativo, confunde, nos títulos ao portador, efeito com
conceito da classe (o título ao portador é o que não identifica o
credor e por isso se transfere pela simples tradição).

Algumas Considerações
Conforme mencionado, as obrigações civis encontram fundamento na lei,
disciplinando os contratos, os atos ilícitos e, ainda, os atos unilaterais de vontade.
Compreendidos como atos jurídicos oriundos da manifestação individual de
vontade, os atos unilaterais independem da figura prévia de um credor.

145
Relações Obrigacionais Contratuais e Extracontratuais

Disciplinados nos artigos 854 a 909, do Código Civil, o direito brasileiro conta
com cinco atos unilaterais de vontade: 1) Promessa de recompensa; 2) Gestão de
negócios; 3) Pagamento indevido; 4) Enriquecimento sem causa; 5) Títulos de crédito.

Nos primeiros, o indivíduo promete uma contraprestação a quem quer que se


enquadre nos requisitos estabelecidos; no segundo, um perigo iminente compele o
terceiro a administrar negócio que não é seu, no intuito de evitar maiores prejuízos
ao dono efetivo; o terceiro e quarto referem-se às hipóteses de erro no pagamento
da contraprestação que irá gerar um prejuízo indevido para uma parte e um lucro
injusto para a outra. Por fim, temos os títulos de crédito, que, uma vez emitidos,
representam em si mesmos uma obrigação a ser quitada, independentemente do
negócio jurídico que lhe tenha originado.

Desta forma, o presente capítulo teve por objetivo apresentar as principais


características dos atos unilaterais de vontade, permitindo que o jurista estudante
saiba como agir nas causas em que tais atos estejam presentes.

ReFerÊncias
BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da União. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
CCivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 fev. 2018.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações
Contratuais e Extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2011.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2002.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos


unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2014.

LUCCA, Newton de. Comentários ao novo Código Civil. Coord. de Sálvio de


Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva,


1997.

146

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