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NÓS POR CÁ, TODOS BEM – 3 de Outubro de 2020

ALÉM DE FESTEJAR E GOZAR O FERIADO, REFLECTIR


4 de Outubro, aniversário dos Acordos de Paz (Roma, 1992), Dia da Paz, feriado
nacional. O fim da guerra de desestabilização, da guerra dos dezasseis anos, foi um
dia para festejar, sem qualquer dúvida – e festejámo-lo, nesse e nos muitos
aniversários que se seguiram, durante vinte anos de paz e relativo sossego.

Depois, em 2013, a Renamo recomeçou a fazer ataques na zona Centro, forma de


manifestar a insatisfação pela sua marginalização do poder e do acesso por ele
possibilitado às riquezas do país. Novo acordo de paz foi assinado em 5 de Setembro
de 2014 por Guebuza e Dhlakama, antes das eleições gerais desse ano, já ninguém se
lembra.

E os ataques continuaram já com Nyusi na presidência. Dhlakama morreu de doença


depois de ter escapado de três emboscadas que iam sendo fatais e de ter estabelecido
uma relação cordial com Nyusi. Em 6 de Agosto do ano passado, foi assinado mais
um acordo de paz, entre Nyusi e Ossufo Momade. Mas nem este terceiro acordo nos
trouxe a paz: uma dissidência da Renamo, que se intitula de Junta Militar, não aceita
o acordo assinado e retomou os ataques na região Centro, vão-se somando os mortos,
os feridos e os prejuízos materiais. E, completam-se três anos neste mês de Outubro,
temos o terrorismo islâmico em Cabo Delgado, com o seu cortejo de mortes,
destruições e de gente obrigada a refugiar-se noutras paragens.

Porquê esta nossa incapacidade de estarmos em paz? Na zona Centro, o que vemos
parece ser a reafirmação duma “cultura” enraizada na Renamo (ou, pelo menos, na
sua ala militar) de que, para se obter o que se pretende, tem de se usar as armas, seja
contra o exército governamental seja contra a população civil (que parece ser a via
seguida pela Junta Militar). Eu tenho dificuldade em perceber a passividade com que
todos – governo, Renamo, comunidade internacional – parecem encarar estes ataques,
deixando que a situação se arraste – até quando? Não sei se estarão à espera que o
problema desapareça por si.

Em Cabo Delgado, a situação é mais complicada porque há uma evidente


componente externa na guerra que nos está a ser feita, embora a guerra se tenha
iniciado “de dentro” e a componente endógena continue a ser forte. De novo, a
pergunta: porquê esta incapacidade de resolvermos as nossas diferenças de forma
pacífica?

Quando todas as tentativas de diálogo são reprimidas, quando justas reclamações


caem em ouvidos de mercador, quando a única resposta do lado do Estado, do poder,
é a violência – será esse o caminho que leva a que a resposta do outro lado seja
também a violência?
Há sessenta anos, em Mueda, reivindicações de camponeses foram respondidas com
disparos de armas, morreram dezenas de moçambicanos. As tentativas dos
movimentos de libertação de chegarem à independência por uma via negociada com
o colonizador não tiveram resposta, obrigaram ao desencadear da luta armada.

Com o país independente, a guerra dos dezasseis anos foi uma guerra de
desestabilização movida pelos regimes racistas da Rodésia, primeiro, e da África do
Sul, depois. Mas a agressão externa alimentou-se também do descontentamento de
uma parte significativa da população que, por razões diversas, não se revia no ideário
da Frelimo e não encontrou canais abertos não só para expressar o seu
descontentamento mas também para sentir que era ouvida por mentes abertas que
iriam procurar encontrar soluções mais consensuais.

Depois dos acordos de paz de Roma, a Renamo manifestou constantemente a sua


insatisfação com o regime, alegando fraude em todas as eleições realizadas.
Possivelmente, o que mais estaria a deixar frustrados Dhlakama e os seus era o
completo afastamento das rédeas do poder a qualquer nível – e, por via disso, dos
grandes negócios à volta dos recursos do país em que a elite da Frelimo estava
mergulhada, na sua lógica de “winner takes it all”.

Em Cabo Delgado, anunciaram-se grandes riquezas – madeira, grafite, rubis, o maná


do gás natural, o dinheiro começou a escorrer. E de novo foi a elite da Frelimo a
tomar conta de tudo – deixando de fora não só a Renamo mas, pior ainda, a
população local.

Há saída para isto? Não sei. Confesso, estou a perder a esperança no futuro. Mas não
posso, não podemos desistir de Moçambique, a luta continua. Que fazer?

UMA DATA PASSADA EM BRANCO


Samora Machel nasceu em 29 de Setembro de 1933. Não preciso de lembrar aqui o
que ele representou para a libertação de Moçambique, para o Moçambique
independente, o que ele representou para milhões de moçambicanos, para tantos de
nós.

Mas a nossa "elite", que festeja qualquer insignificância, esqueceu-se de que dia era
29 de Setembro (devem esforçar-se diariamente por esquecer Samora). Nenhum
dirigente lembrou esse gigante, o Notícias ignorou-o, o mesmo fizeram os telejornais
da TVM e da STV. Uma atitude que diz muito de quem a toma. Há silêncios que
falam muito alto.

Não sei se um ambicioso muda, mas a minha experiência prova que não. Muda de
tática, mas não elimina a ambição. Um ambicioso é criminoso ao mesmo tempo,
pode matar por causa da sua ambição, pode aliar-se facilmente com o imperialismo
só por causa da sua ambição, do seu interesse individual. É capaz de tudo, vender a
pátria, vender a revolução, destruir e impedir o progresso do país só por causa da
sua ambição.

O poder, as facilidades que rodeiam os governantes, pode corromper facilmente o
homem mais firme. Por isso, queremos que vivam modestamente e com o povo. Não
façam da tarefa recebida um privilégio ou um meio de acumular bens ou distribuir
favores.

Vão tentar nascer aqui em Moçambique capitalistas pretos, a chamada burguesia
nacional. Não queremos isso aqui, não há lugar para exploradores aqui. Preto ou
branco, não pode explorar o povo. O dever de cada um de nós é dar tudo ao povo,
sermos os últimos quando se trata de benefícios, primeiros quando se trata de
sacrifícios. Isso é que é servir o povo.

A Samora Machel erigiram estátuas em Maputo, uma na Praça da Independência,


outra a uns cem metros de distância, em frente ao Jardim Tunduru. As estátuas
lembram ao povo o grande homem mas, devem pensar os do poder actual, têm uma
vantagem, são mudas.

WHICH SIDE ARE YOU ON?


“Which side are you on?” é uma canção escrita por Florence Reece, esposa do
dirigente sindical Sam Reece, em apoio à greve dos mineiros de Harlan County em
1931 (uma outra greve dos mineiros da região, quarenta anos mais tarde, foi contada
no filme “Harlan County USA”, de Barbara Kopple, que tive a oportunidade de ver
há muitos anos). A canção foi divulgada por Pete Seeger com os Almanac Singers nos
anos quarenta e depois retomada por outros cantores,
https://www.youtube.com/watch?v=BEwE0R_7TDc.

A pergunta ressoa sempre comigo em tempos difíceis, De que lado estás? Do lado dos
patrões ou do lado dos trabalhadores? De que lado estás nesta crise que assola
Moçambique, ou melhor, em cada uma das várias crises que nesta altura nos abalam?

Na sua newsletter nº 502 (em anexo), Joe Hanlon intitula o seu comentário de
“choosing sides”, na sequência da resolução do parlamento europeu sobre a ajuda a
Moçambique para conter o terrorismo em Cabo Delgado. Mas as alternativas que
Hanlon apresenta para a escolha estão mal formuladas. Uma delas é a UE aceitar a
versão do governo de que a guerra em Cabo Delgado é uma agressão externa e, por
isso, apoiar o governo e, expressão de Hanlon, backing up the corrupt elite. Qual é a
outra? Aceitar a análise do parlamento europeu de que a causa da guerra é
essencialmente endógena. De acordo – e então apoiar quem? Hanlon não o diz
claramente mas percebe-se que a ideia dele é que tem de se resolver os problemas
económicos, sociais e de emprego da população.

Do que tenho lido e ouvido desde que os ataques se iniciaram há três anos, tenho a
convicção de que as más condições económicas e sociais e a falta de perspectivas
para a juventude da província, deixada ao abandono pelo governo (mas, nesse
aspecto, não é a única província nessa situação), criaram um campo fértil para muitos
jovens serem atraídos pelo radicalismo islâmico. O radicalismo foi fomentado pelos
que estudaram nas madrassas da Arábia Saudita e do Sudão e regressaram para
espalhar essa versão radical do Islão. O conhecimento e exploração de grandes
riquezas da província – rubis, grafite, madeira e gás natural – sem ganhos evidentes
para a população (às vezes, até perdas) contribuíram para um ainda maior
afastamento em relação às autoridades e atracção pelos radicais. Os primeiros ataques
foram feitos com armamento rudimentar, só ao fim de dois anos é que ganharam em
sofisticação, tanto no armamento como no planeamento dos ataques, indiciando o
envolvimento mais recente com o Estado Islâmico.

Pensar que se consegue investir na melhoria das condições de vida e de emprego da


população de Cabo Delgado sem conter os ataques terroristas é de uma grande
ingenuidade. Que a elite que sustenta o governo é profundamente corrupta também
não oferece discussão. O que me parece que a UE e outros interessados em ajudar
Moçambique devem fazer é impor (a palavra é desagradável mas não encontro
melhor) que o apoio na área militar fique estreitamente condicionado à utilização
correcta e transparente de fundos para o desenvolvimento da província de Cabo
Delgado (e de Nampula e Niassa, é melhor prevenir do que remediar). Ou seja, apoiar
tanto na frente militar como na do desenvolvimento socio-económico, obrigando à
transparência, até com envolvimento de organizações credíveis da sociedade civil
moçambicana nessa supervisão.

Claro que isto pressupõe uma UE honesta e interessada no desenvolvimento


sustentado e equilibrado de Moçambique. O que talvez seja pressupor demais, devo
estar a ser optimista.

A PANDEMIA CONTINUA
No que toca a novos casos, parece estar-se já a passar o pico a nível mundial. A nível
de continentes, a Europa contrasta com os restantes, é o único onde o número de
novas infecções continua em franco crescimento, tendo ultrapassado os máximos de
Março-Abril. Na Ásia, o número deixou de crescer apesar de continuar o aumento na
India. Em África, a queda continua.

O que está em grande queda é o número de mortes por covid-19. Mesmo na Europa,
o grande crescimento de infecções não se traduz em mortes, cujo número é
baixíssimo quando comparado com os registados em Março-Abril. Isso deve-se
provavelmente a uma conjugação de factores diversos: detecção mais cedo graças à
testagem intensiva; melhor capacidade de tratamento nos hospitais; e as infecções
estarem a apanhar, em maior percentagem, gente jovem, mais resistente.

Na nossa região, todos os países à volta de Moçambique (não incluo a Tanzania cujos
números não se conhecem por decisão do governo) continuam a ter os números de
novas infecções a diminuir, Moçambique é o único com os números a crescer embora
o crescimento seja relativamente lento. Os números de mortes continuam pequenos.
Mas o PR alertou para que a capacidade de camas nos cuidados intensivos (40 camas
com ventilador?) se encontra no limite de utilização.

De um amigo recebi ontem esta mensagem a propósito de Trump estar infectado: Já


não é o “Yes, We Can!”, é “Yes, Covid Can!”.

Nota à margem: Não percebo a insistência com que se fala de voltar a fechar as praias
porque as pessoas não usam máscaras. Fechar as praias é fácil. Resolver o problema
das enchentes na entrada dos machimbombos e chapas ao fim do dia é mais difícil.

Outra nota à margem: Número de mortes por covid-19 em Moçambique de 1 de Abril


a 1 de Outubro – 61; Número de mortes por malária no primeiro semestre – 442.

PASSAGEM ADMINISTRATIVA PARA QUASE TODOS


O ministério da Educação anunciou esta semana: Todos os alunos das classes não
sujeitas a exame (7.ª, 10.ª e 12.ª) passam para a classe seguinte. No ponto em que
estamos, com a pandemia em Moçambique sem fim à vista, com a incapacidade de
garantir as condições sanitárias mínimas e afastamento adequado aos estudantes,
professores e auxiliares de ensino, a decisão era inevitável. A alternativa seria dar o
ano escolar como perdido e obrigar todos esses estudantes a repeti-lo, o que seria não
só socialmente muito mal aceite como criaria o problema adicional de onde encaixar
o quase um milhão de novos alunos que devem ingressar no sistema de ensino no
próximo ano lectivo.

No dia 1 de Outubro, abriram as aulas para a 12.ª classe, uma abertura muito
condicionada: um quarto das escolas secundárias ainda não têm água e/ou sanitários
em condições, os estudantes só vão à escola três dias por semana e não ficam lá mais
de quatro horas e meia por dia. Vamos a ver como é que se acomodam os estudantes
da 10.ª classe daqui a duas semanas e os da 7.ª daqui a um mês.

Quantos aos milhões de estudantes que passam automaticamente de classe, o


ministério diz que vai ser possível recuperar durante o próximo ano as matérias não
leccionadas. Pelo menos há boas intenções mas delas está o inferno cheio. Os
estudantes já aprendiam muito pouco, agora vão aprender ainda um pouco menos. A
pandemia veio apenas tornar mais evidente o engano que é o nosso sistema de ensino.
Cego engano, talvez seja, ledo, certamente que não.
ENERGIAS RENOVÁVEIS EM MOÇAMBIQUE
Moçambique vai leiloar quatro projectos de produção de energia eléctrica, três deles
de energia solar e um de energia eólica. É uma iniciativa positiva em vários aspectos:
– atrai investimento privado para projectos de energias renováveis que, sobretudo no
que se refere à energia solar fotovoltaica, têm grande potencial no nosso país;
– é um processo muito mais transparente (pelo menos, na forma como foi
apresentado) do que o processo de concessões sem concurso seguido anteriormente
em muitos casos.

Há outros três projectos de centrais solares, nas províncias de Niassa e Cabo Delgado,
que estão a avançar com garantia de compra pela EDM da electricidade produzida.
Seria interessante que a EDM divulgasse as condições de compra, nomeadamente o
preço que vai pagar pelo kWh e como é que esse preço se compara com o de Cahora
Bassa e das várias centrais a gás.

Finalmente, um reparo. No seu discurso na sessão de lançamento dos leilões, o PR


disse e cito o Notícias de 1 de Outubro: A meta é que, nos próximos vinte anos, pelo
menos 20 por cento da produção energética seja assegurada por energias
renováveis, que contribuam para a redução das mudanças climáticas. Ora a verdade
é que Moçambique, já hoje, tem pelo menos oitenta por cento da sua electricidade
proveniente de energias renováveis através das centrais hidroeléctricas – Cahora
Bassa, fundamentalmente, mais o sistema Chicamba-Mavúzi e ainda Corumana. É
lamentável que quem ajudou a preparar o discurso tenha levado o PR a cometer tão
clamoroso erro.

UMA BOA INICIATIVA


Os ministros da Agricultura e da Indústria e Comércio anunciaram que o governo
pretende acabar com a importação de óleo alimentar em bruto quer retirando o
subsídio à importação dessa matérias-prima quer sobretudo através do fomento da
produção e da comercialização de oleaginosas como amendoim, girassol, soja e
gergelim. Com isso, pensa-se poupar cerca de cem milhões de dólares em divisas e
criar mais riqueza no país na agricultura e na agro-indústria.

A DANÇA DA RESPONSABILIDADE SOCIAL


Não sei quem é que inventou esta coisa de “responsabilidade social” das empresas
mas a brilhante ideia foi adoptada com entusiasmo pelas grandes empresas
estrangeiras que aqui investem – e pelo nosso governo. Em termos caricaturais, é algo
assim: as empresas acordam com o nosso governo uma série de condições favoráveis
(para elas), sobretudo no que toca a impostos, e, em troca, comprometem-se com a
dita responsabilidade social, algo vago (e sobretudo, barato), umas salas de aula, um
furo de água, coisas assim.

Há uns largos anos, Joseph Stiglitz, já Nobel, veio a Moçambique e proferiu uma
palestra muito interessante. Quando alguém lhe pediu a sua opinião sobre a
responsabilidade social, respondeu com um sorriso: Não tenho nada contra que uma
empresa gaste um milhão em actividades de responsabilidade social desde que não
deixe de pagar os noventa e nove milhões de impostos ao Estado.

A malfadada responsabilidade social tem uma outra faceta negativa: as comunidades


deixadas ao abandono já não reclamam contra o Estado mas contra a empresa, o
Estado, qual moderno Pilatos, lava daí as suas mãos.

Desculpem estar a usar o NPCTB para lavar o fígado mas foi resultado desta notícia,
https://cartamz.com/index.php/economia-e-negocios/item/6216-em-conferencia-
mineradoras-em-tete-mostram-desinteresse-com-responsabilidade-social-empresarial.
Em resumo é isto: Uma das inúmeras ONG que por cá pululam, Kuwuka JDA,
resolveu organizar em Tete uma conferência sobre a dita responsabilidade social e
convidou uma série de empresas mineiras das quais só duas responderam ao convite e
só uma apareceu. Indignou-se o ONGiano presidente com esta falta de respeito,
declarando ao repórter da Carta de Moçambique, transcrevo sic: Se o nosso Estado
impusesse ou se as empresas soubessem que se não participarem vão ter de
participar algum tipo de esclarecimento ao Governo, logicamente que não fariam
isso. Ou seja, no entender do presidente Nhancale, da ONG, as empresas devem ser
obrigadas a participar em conferências de iniciativa de ONGs. Haja pachorra!

BOLETIM SOBRE A AMÉRICA LATINA


O Ricardo e a Jéssica dos Santos produziram mais um número do boletim quinzenal
sobre a América Latina, pode ser lido em
https://www.investigaction.net/es/america-latina-en-resistencia-la-pandemia-de-la-
violencia/?

O editorial incide sobre os grandes protestos populares contra o regime fascista de


Iván Duque na Colômbia. A faúlha que ateou o incêndio foi o assassinato de um
advogado por polícias, em plena rua, acto que foi filmado por várias pessoas e depois
divulgado. Vindo de outros actos semelhantes cometidos pelas forças policiais do
regime, particularmente contra líderes sociais, deu origem a protestos violentos em
Bogotá e em outras cidades. O regime tenta distrair as atenções agitando o espantalho
da Venezuela mas engana cada vez menos gente.

Nas notícias breves, surge a Bolívia onde a fascista presidente golpista desistiu da sua
candidatura às próximas eleições para não dividir a direita. Há novos protestos contra
medidas neoliberais no Equador. O governo do Chile obrigou uma empresa canadiana
a encerrar um mega-projecto de exploração mineira nos Andes, na fronteira com a
Argentina, pelos danos causados durante a construção das instalações de exploração.

O boletim inclui uma boa entrevista com Mariano Saravia, jornalista e escritor, sobre
a situação na Argentina onde a pandemia agravou muito a situação económica e onde
se defrontam duas visões opostas para o desenvolvimento do país, a relativamente
progressista do actual governo e a neo-liberal da direita. Finalmente, a rubrica “As
veias abertas” evoca a grande cantautora chilena Violeta Parra.

SEMPRE EM DEFESA DA DEMOCRACIA

A ELEIÇÃO QUE PODE PARTIR OS ESTADOS UNIDOS


O artigo que coloquei em anexo, “The election that could break America”, de Barton
Gellman, na The Atlantic, e que pode também ser lido em
https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2020/11/what-if-trump-refuses-
concede/616424/
é interessante e importante (importante na medida em que a eleição presidencial nos
Estados Unidos afecta todo o mundo, mesmo que só os estadunidenses é que possam
votar). É um artigo relativamente longo, 34 páginas, e tem de se ler com calma.
Pressupõe que se saiba como funciona a eleição do presidente da República, não é
uma eleição directa.

Com um sistema eleitoral tão convoluto como o americano e com tantos buracos na
legislação, a eleição de 3 de Novembro pode degenerar num caos, se se verificar que,
no fim da noite eleitoral, seja quem for o vencedor, não o é com uma maioria
avantajada. Sobretudo se Biden for o vencedor, mas por pequena margem, o que se
poderá seguir é um espectáculo que daria vontade de rir se não tivesse consequências
funestas para os estadunidenses e, em alguma medida, para o mundo.

Quase no final do artigo, o autor fala de uma situação semelhante à que, segundo ele,
se pode vir a registar em 2020, a da eleição em 1876, no primeiro centenário dos
Estados Unidos, na disputa entre o republicano Hayes e o democrata Tilden, para a
sucessão de Ulysses Grant, o general vencedor da guerra civil. O terceiro romance da
heptalogia “Novels of Empire”, de Gore Vidal, chama-se “1876” e centra-se nessa
eleição, é um romance fascinante sobre um sistema manipulado por crápulas.

Para quem se interessa por política internacional, as próximas semanas vão ser
emocionantes, com um final dramático em perspectiva.

TRUMP NO PRIMEIRO DEBATE, VISTO POR STEVE BELL

PARABÉNS À CGTP – INTERSINDICAL NACIONAL


A CGTP – Intersindical Nacional foi criada há cinquenta anos, no dia 1 de Outubro,
quando o regime fascista português ainda se dava ares. Nestas cinco décadas, tem
sido um exemplo de luta constante pela melhoria das condições de vida e de trabalho
e pelos direitos dos trabalhadores portugueses, em condições cada vez mais difíceis,
resistindo às tentativas para a sua destruição (o infame Maldonado Gonelha, ministro
do Trabalho nos primeiros dois governos chefiados por Mário Soares, proclamou: É
preciso quebrar a espinha à Intersindical, propósito não atingido mas que lhe valeu
mesmo assim, entre outras, a sinecura de administrador da CGD) e para a sua
marginalização.

Tempos difíceis e de combate às ingerências da UE e do FMI, às inevitabilidades, à


resignação e à chantagem. Foi esta força alicerçada em princípios, valores e causas
que derrubou barreiras, ultrapassou obstáculos, mobilizou a sociedade contra o
trabalho infantil, combateu a precariedade, derrotou o plafonamento da Segurança
Social, conquistou as 40 horas, valorizou os salários, defendeu os serviços públicos e
promoveu a erosão da base social e eleitoral dos governos com maiorias absolutas,
confirmando que não há “estabilidade política” que resista à luta dos trabalhadores
e do povo contra as políticas que fomentam as injustiças e as desigualdades sociais.
(Arménio Carlos, ex-secretário-geral da CGTP – Intersindical Nacional)

UMA LUZ AO FUNDO DO TÚNEL DO PLÁSTICO?


O artigo do Guardian fala de um desenvolvimento científico e tecnológico que pode
fornecer uma importante ferramenta para lidar com o até agora intratável problema
dos resíduos plásticos. Cientistas desenvolveram uma super-enzima que consegue
“partir” o plástico em poucas horas, permitindo a sua integral reciclagem. Os
cientistas pensam que, no prazo de um a dois anos, conseguirão melhorar esta
enzima, fabricada em laboratório, de modo a que ela actue ainda mais depressa,
podendo, por isso, ser usada em escala industrial.
https://www.theguardian.com/environment/2020/sep/28/new-super-enzyme-eats-
plastic-bottles-six-times-faster

NÃO CHORES, MAFALDA


Pois é, o teu Quino, o nosso Quino partiu para uma praia longe a gozar o descanso
que fez por merecer. Deixou-te, dizes tu num lamento, deixou-te a ti, ao Filipe, ao
Manelito, à Susaninha, ao Miguelito, aos teus pais, aos outros todos, tantos, E agora?,
perguntas. A festa acabou, a luz apagou? Não, querida Mafalda, a festa não acabou, a
luz continua a brilhar.

O que o nosso Quino fez foi deixar-vos – a ti, a todos vocês – bem aconchegados no
coração de cada um de nós a quem, pela mão dele, vocês trouxeram alegria e
esperança quando atravessámos os dias da peste naqueles primeiros anos da década
de setenta do estertor do regime colonial-fascista. E connosco ficarão vocês para
sempre, a ajudar-nos de cada vez que o céu se pinte da cor de chumbo, como agora.
Então, Mafalda e amigos, vamos todos gritar (mas não muito alto para os vizinhos
não se assustarem): VIVA O QUINO!

O PASTOR DE VENTOS
É raro eu agora ler livros para
crianças – e faço mal, encontra-
se neles boa literatura. Como
neste “O pastor de ventos”, de
António Cabrita, com
ilustrações de Ivone Ralha. O
pequeno herói da história
chama-se Clarabóia, um
adolescente que anda no liceu,
que sofre dos dramas comuns
dessa idade, ainda por cima os
pais estão constantemente a
brigar um com o outro. O
mundo parece virado do avesso:
o Sol paira que tempos no
meio-dia mas o pior são os
ventos, já não são como
deviam, agora parecem
endemoninhados.

E quando um indiano com quem se cruza lhe segreda que os ventos andam assim
porque não encontram as pessoas que costumavam habitar, Clarabóia resolve ir à
procura do seu vento. Nessa viagem cruza-se com ouriços que moram em chaminés e
trazem a Lua cheia espetada nas costas, uma aldeia onde só vive um velho ou uma
cidade onde as letras se escapam das palavras ditas ou escritas – e até uma rapariga
que lhe conta dos esquimós que têm de conduzir os icebergues para que eles não
voltem a chocar com navios.

O livro é uma pequena jóia, com as belas ilustrações de Ivone Ralha, li-o a lembrar-
me de Alice no País das Maravilhas, das Aventuras de João Sem Medo, nesta fantasia
muito bem imaginada por António Cabrita onde, nesse mundo virado do avesso,
reconhecemos muito do mundo real no seu estado actual.

O ESPELHO E A LUZ
“The Mirror and the Light” é o livro que encerra a trilogia de Hillary Mantel sobre
Thomas Cromwell, depois de ter publicado “Wolf Hall” e “Bring Up the Bodies”,
estes a valerem-lhe sucessivos prémios Booker. Sorte igual não vai ter este terceiro
livro, estava na lista comprida mas foi excluído da lista curta. Foi um livro de
elaboração demorada: enquanto que o segundo volume saiu três anos depois do
primeiro, este demorou oito anos. Talvez por isso, o primeiro volume tinha 650
páginas, o segundo ficava-se pelas 400 mas este tem 900 – e pesa 1,6 quilos, nada
confortável para a leitura.

Mas sei que me vou deixar levar pela escrita de Mantel, vai ser de novo a imersão na
época Tudor, no reinado de Henrique VIII. Este livro começa onde o anterior
terminou – com a execução de Ana Bolena, a segunda das seis mulheres que
Henrique VIII foi coleccionando. Ao ritmo caracoliano a que ando a ler, devo
terminar o livro lá pelo Natal, até porque, em paralelo, quero continuar a ler o
“Manual para Mulheres de Limpeza”, de Lucia Berlin (umas modestas 500 páginas)
que inclui a grande maioria dos contos dela. Benefícios da reforma, é o que é.

UM PEQUENO FAVOR
Comecei a ver este filme sem grandes expectativas, não tinha lido nenhumas críticas
nem ouvido falar dele, fui atrás do nome de Anne Kendrick. Mas o filme é uma
delícia, uma comédia negra, distilando um saboroso ácido cena atrás de cena.

É um thriller, envolve mães que andam às bicadas umas às outras enquanto mantêm a
fachada simpática, uma mãe viúva que mantém um vlog sobre receitas e outras
sugestões de carácter doméstico, uma mulher snob de nariz empinado e que, depois
de desaparecer misteriosamente, aparece afogada num lago. Há também um avultado
seguro de vida, o recém-viúvo a envolver-se com a jovem viúva do vlog, um incesto
pelo meio e uma morta que não está bem morta.

Se o enredo tem alguns pontos de contacto com o famoso “Gone girl”, neste filme de
Paul Feig prevalece o tom de comédia, mesmo nas cenas de maior suspense. O final é
perfeito, está à altura do desenrolar de toda a história. E vale a pena ficar até à última
imagem durante o desenrolar dos créditos finais.
O filme prende-nos sobretudo devido às duas actrizes principais, Anne Kendrick (a
viúva que faz o vlog e que, vamos descobrindo, está longe de ser a alma pura em que
inicialmente acreditámos) e Blake Lively, a esposa desaparecida (que também tem
uma longa e desconhecida história anterior), ambas têm desempenhos notáveis. A
realização de Paul Feig é boa, com uma montagem com boa introdução de vários
flash back para ajudarem a contar a história. O trailer pode ser visto em
https://www.youtube.com/watch?v=rAqMlh0b2HU&feature=emb_logo. Foi um
filme que me deu prazer a ver.

VIDA E OBRA DE BEETHOVEN – 6


Neste programa, vamos acompanhar Beethoven nos anos de 1804 e 1805. Como
vimos no programa anterior, Beethoven atravessou uma terrível crise de depressão
devido ao agravamento da surdez, chegou a pensar no suicídio, escreveu o dramático
e comovente Testamento de Heiligenstadt. Mas, em 1804, a crise tinha sido vencida e
ele dedicou-se com entusiasmo aos seus novos projectos musicais.

O mais importante desses projectos é a sua Terceira Sinfonia, a chamada “Eroica” da


qual falámos bastante no terceiro programa desta série e cuja composição foi
concluída em 1804. Mas Beethoven não se limitou a compor esta sinfonia, trabalhou
em várias outras obras de que podemos destacar as maravilhosas sonata para pianoe
“Appassionata” e “Aurora”, esta mais conhecida como Sonata Waldstein por
Beethoven a ter dedicado ao conde Waldstein, seu protector em Bona que apadrinhou
a sua ida para Viena.

Nestes dois anos, a amizade com Josefina Brunsvik transformou-se em amor mas era
um amor impossível. Josefina tinha-se casado, tinha vários filhos e, mesmo que
amasse Beethoven, os filhos e, sobretudo, os costumes da época e a opinião dos
irmãos não permitiram que aquela relação amorosa se desenvolvesse. Num dos
próximos programas, veremos que Josefina Brunsvik volta à cena e que ela é a mais
séria candidata a ser a “imortal bem-amada” de Beethoven.

Em Novembro, as tropas vitoriosas de Napoleão entraram novamente em Viena mas


o sentimento de Beethoven era agora de hostilidade, já não os considerava como
libertadores.

Há bastante tempo que ele vinha a trabalhar numa ópera, “Leonora ou o amor
conjugal”. Mas a sua estreia em 1805 redundou num estrondoso fracasso para grande
desgosto do compositor, que tinha a obra no seu coração. Os seus amigos fizeram-lhe
notar que o libretto era fraco, que a ópera era demasiado longa, que se impunha uma
grande revisão. E, ao contrário do que era seu hábito, Beethoven aceitou as críticas e
conselhos e dispôs-se a refazer a ópera. Gastou nesse esforço quase dez anos.

A parte musical do nosso programa vai ser preenchida com a Quinta Sinfonia, ou “Do
Destino”, composta em 1808. É talvez uma das mais reconhecíveis obras de música
clássica, mesmo para ouvintes pouco dados a este tipo de música, graças às quatro
notas iniciais que se repetem insistentemente ao longo do primeiro andamento e cujo
ritmo é retomado, de forma disfarçada, nos restantes.

Beethoven começou a trabalhar nesta sinfonia em 1805, depois de ter concluído a


composição da “Eroica”. A composição da Quinta arrastou-se porque Beethoven foi
dando atenção a outros projectos, incluindo a Quarta Sinfonia, composta em 1806 e
estreada no ano seguinte. A estreia da Quinta aconteceu num mega-concerto em
Viena, em 22 de Dezembro de 1808, num programa em que figuravam ainda a Sexta
Sinfonia, o quarto concerto para piano e a Fantasia Coral, além de outras peças de
menor dimensão!

O primeiro andamento, Allegro com brio, abre com as famosas quatro notas, três
curtas e uma longa, o célebre 'ta-ta-ta-taaa', marcando o ritmo frenético que o
percorre. É interessante ver como grandes maestros diferem no tempo que impõem a
essas simples quatro notas. O andamento é em forma sonata, com as trompetes a
introduzirem o segundo tema, seguindo-se o desenvolvimento e a recapitulação final.
O segundo andamento é um Andante, lírico, com dois temas apresentados de início, a
que se seguem variações alternadas sobre cada um dos temas e aproximando-se do
final num crescendo, para terminar com uma coda. O terceiro andamento é em
formato ternário, um Scherzo, intercalado por um Trio. Desde a sua Terceira Sinfonia,
Beethoven tinha abandonado o Minueto no terceiro andamento em favor do Scherzo.
Depois do Trio, o Scherzo retorna de um modo interessante, com as cordas a tocarem
em pizzicato e a orquestra em pianíssimo, até um crescendo que faz a transição sem
pausa para o último andamento. O último andamento, Allegro, é vibrante e alegre, um
magnífico final para esta sinfonia.

https://www.youtube.com/watch?v=Mb59RaHLqBY
(Filarmónica de Berlim, maestro Herbert von Karajan)

A VER NA PRÓXIMA SEMANA


Para quem ainda não o viu, sugiro “J’accuse”, o belo filme de Polanski – TV Cine
Edition, 6ª feira, 1620.

O SENHOR PICUÍNHAS
Título no Notícias do dia 29: “Planta da Kenmare deslocada com sucesso”. Planta? O
que é que uma empresa que explora areias pesadas na província de Nampula tem a
ver com plantas? E desde quando é que a movimentação de uma planta é notícia de
jornal? Claro que o Notícias, não sei se por simples preguiça ou por cretinice
enraizada, usou o termo “planta” para designar o pesado equipamento (quase oito mil
toneladas) de dragagem e processamento, numa tradução “brasileira” do inglês plant.
Não se ficou por aqui o pouco letrado diário. No dia 30, escreveu em título da
primeira página: “Ainda não há condições para todas escolas retomarem amanhã”.

POEMAS PARA O FIM-DE-SEMANA


Rui Knopfli nasceu em 8 de Outubro de 1932, em Inhambane. Viveu em Lourenço
Marques, com ausências curtas e esporádicas, até Março de 1975, altura em que
alguém no Governo de Transição achou por bem corrê-lo de cá. Apenas voltou por
uma vez, por duas semanas, em 1989. Morreu em Lisboa em 1997. Felizmente, a sua
memória mantém-se viva em Moçambique, até temos uma rua com o seu nome. Eu
perco-me nos seus livros, sem vontade de sair. Hoje, três poemas de exílio.

CARTA PARA UM AMOR (extracto, em “O País dos Outros”)


Os nossos companheiros tiveram
a coragem de partir,
vivem nas grandes cidades, com história,
do mundo,
eu fui covarde e fiquei.
Experimentei, e não soube, viver longe de ti
noutras cidades.
Sei que este meu amor é a minha mediocridade
também,
a mediocridade de quem não teve asas
para subir mais alto
e orgulho, o orgulho de quem nada venceu,
nem o ser estranho na própria terra.
É uma ternura que escorre
das tuas tranquilas avenidas de acácias
e jacarandás,
dos claros prédios,
da população colorida,
da mansitude da baía,
do teu ar de provinciana janota.
Cidade, menina fútil
de pouca história,
carros pequenos nas ruas,
velas na baía, patinadores nos ringues,
terra dos sete estuários,
de cinemas e cafés buliçosos,
de alegrias e pequenas traições,
leviana, ingénua, snob, bonita,
mulata, branca,
hindu, negra,
de cabelos louros e olhos amendoados,
morena sensual,
terra índica, minha terra,
minha amada inocente, prostituída.

Amo-te cidade da infância,


com girassóis e casas de madeira e zinco
a dormir na neblina da memória.
As quadrilhas de arco, flecha e pistola
de fulminantes,
os esconderijos da barreira,
o sexo e as coxas morenas de Xila,
a Sete de Março da política e dos antigos cafés,
a tristeza verde-negra do Enes,
o paço do senhor bispo
e S. Navio todos os meses.

Quebrou-se esse velho espanto


e nossos companheiros tiveram a coragem
de partir para outras cidades,
com história, do mundo
(Para ele tua lembrança é
fugitiva mágoa).
Só,
eu fiquei abraçado a este amor anónimo.

BALDIO (em “Mangas Verdes com Sal”)

O menino que eu fui debruça-se furtivo


de meus olhos sobre o recanto da paisagem.
Entre a dureza austera dos prédios
e o largo sorriso colorido das vidraças
aquele recanto que sobrou da paisagem
parece intacto ao menino que eu fui outrora
e o menino que eu fui outrora desce
alvoroçado de meus olhos, desliza
entre o capim, atira pedras aos galagalas
e salta sobre velhas folhas de zinco
apodrecido, num cenário querido de girassóis
antigos. Então parto dali
e o menino que fui regressa extenuado
e adormece na sombra de meus olhos.
DANA (em “O Monhé das Cobras”)

Pelo trajecto sangrento das acácias,


da Mafalala às areias da Polana,
ou à maré morta da Catembe,
do Ho Ling à Casa Elefante,
da Casa Viegas ao Prédio Pott,
da opulenta sombra do cajueiro
à nobre majestade do eucalipto,

ainda resiste, na memória, uma cidade.


Por tardes de longa canícula,
sentada em seu regaço, a menina
dos cabelos cor de cobre regista-lhe,
com paciente labor, na brancura
do A3, a minúcia do perfil
que esbatido aos poucos, lentamente,

no deserto da memória vai morrendo.


Dele, em tempo, só restará o sal
teimoso que, a algum verso,
há-de emprestar o travo amargo
e o que, no rigor afectuoso do seu traço,
da insanável ferida oculta,
é, obstinadamente, a visível cicatriz.

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