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Porquê esta nossa incapacidade de estarmos em paz? Na zona Centro, o que vemos
parece ser a reafirmação duma “cultura” enraizada na Renamo (ou, pelo menos, na
sua ala militar) de que, para se obter o que se pretende, tem de se usar as armas, seja
contra o exército governamental seja contra a população civil (que parece ser a via
seguida pela Junta Militar). Eu tenho dificuldade em perceber a passividade com que
todos – governo, Renamo, comunidade internacional – parecem encarar estes ataques,
deixando que a situação se arraste – até quando? Não sei se estarão à espera que o
problema desapareça por si.
Com o país independente, a guerra dos dezasseis anos foi uma guerra de
desestabilização movida pelos regimes racistas da Rodésia, primeiro, e da África do
Sul, depois. Mas a agressão externa alimentou-se também do descontentamento de
uma parte significativa da população que, por razões diversas, não se revia no ideário
da Frelimo e não encontrou canais abertos não só para expressar o seu
descontentamento mas também para sentir que era ouvida por mentes abertas que
iriam procurar encontrar soluções mais consensuais.
Há saída para isto? Não sei. Confesso, estou a perder a esperança no futuro. Mas não
posso, não podemos desistir de Moçambique, a luta continua. Que fazer?
Mas a nossa "elite", que festeja qualquer insignificância, esqueceu-se de que dia era
29 de Setembro (devem esforçar-se diariamente por esquecer Samora). Nenhum
dirigente lembrou esse gigante, o Notícias ignorou-o, o mesmo fizeram os telejornais
da TVM e da STV. Uma atitude que diz muito de quem a toma. Há silêncios que
falam muito alto.
Não sei se um ambicioso muda, mas a minha experiência prova que não. Muda de
tática, mas não elimina a ambição. Um ambicioso é criminoso ao mesmo tempo,
pode matar por causa da sua ambição, pode aliar-se facilmente com o imperialismo
só por causa da sua ambição, do seu interesse individual. É capaz de tudo, vender a
pátria, vender a revolução, destruir e impedir o progresso do país só por causa da
sua ambição.
…
O poder, as facilidades que rodeiam os governantes, pode corromper facilmente o
homem mais firme. Por isso, queremos que vivam modestamente e com o povo. Não
façam da tarefa recebida um privilégio ou um meio de acumular bens ou distribuir
favores.
…
Vão tentar nascer aqui em Moçambique capitalistas pretos, a chamada burguesia
nacional. Não queremos isso aqui, não há lugar para exploradores aqui. Preto ou
branco, não pode explorar o povo. O dever de cada um de nós é dar tudo ao povo,
sermos os últimos quando se trata de benefícios, primeiros quando se trata de
sacrifícios. Isso é que é servir o povo.
A pergunta ressoa sempre comigo em tempos difíceis, De que lado estás? Do lado dos
patrões ou do lado dos trabalhadores? De que lado estás nesta crise que assola
Moçambique, ou melhor, em cada uma das várias crises que nesta altura nos abalam?
Na sua newsletter nº 502 (em anexo), Joe Hanlon intitula o seu comentário de
“choosing sides”, na sequência da resolução do parlamento europeu sobre a ajuda a
Moçambique para conter o terrorismo em Cabo Delgado. Mas as alternativas que
Hanlon apresenta para a escolha estão mal formuladas. Uma delas é a UE aceitar a
versão do governo de que a guerra em Cabo Delgado é uma agressão externa e, por
isso, apoiar o governo e, expressão de Hanlon, backing up the corrupt elite. Qual é a
outra? Aceitar a análise do parlamento europeu de que a causa da guerra é
essencialmente endógena. De acordo – e então apoiar quem? Hanlon não o diz
claramente mas percebe-se que a ideia dele é que tem de se resolver os problemas
económicos, sociais e de emprego da população.
Do que tenho lido e ouvido desde que os ataques se iniciaram há três anos, tenho a
convicção de que as más condições económicas e sociais e a falta de perspectivas
para a juventude da província, deixada ao abandono pelo governo (mas, nesse
aspecto, não é a única província nessa situação), criaram um campo fértil para muitos
jovens serem atraídos pelo radicalismo islâmico. O radicalismo foi fomentado pelos
que estudaram nas madrassas da Arábia Saudita e do Sudão e regressaram para
espalhar essa versão radical do Islão. O conhecimento e exploração de grandes
riquezas da província – rubis, grafite, madeira e gás natural – sem ganhos evidentes
para a população (às vezes, até perdas) contribuíram para um ainda maior
afastamento em relação às autoridades e atracção pelos radicais. Os primeiros ataques
foram feitos com armamento rudimentar, só ao fim de dois anos é que ganharam em
sofisticação, tanto no armamento como no planeamento dos ataques, indiciando o
envolvimento mais recente com o Estado Islâmico.
A PANDEMIA CONTINUA
No que toca a novos casos, parece estar-se já a passar o pico a nível mundial. A nível
de continentes, a Europa contrasta com os restantes, é o único onde o número de
novas infecções continua em franco crescimento, tendo ultrapassado os máximos de
Março-Abril. Na Ásia, o número deixou de crescer apesar de continuar o aumento na
India. Em África, a queda continua.
O que está em grande queda é o número de mortes por covid-19. Mesmo na Europa,
o grande crescimento de infecções não se traduz em mortes, cujo número é
baixíssimo quando comparado com os registados em Março-Abril. Isso deve-se
provavelmente a uma conjugação de factores diversos: detecção mais cedo graças à
testagem intensiva; melhor capacidade de tratamento nos hospitais; e as infecções
estarem a apanhar, em maior percentagem, gente jovem, mais resistente.
Na nossa região, todos os países à volta de Moçambique (não incluo a Tanzania cujos
números não se conhecem por decisão do governo) continuam a ter os números de
novas infecções a diminuir, Moçambique é o único com os números a crescer embora
o crescimento seja relativamente lento. Os números de mortes continuam pequenos.
Mas o PR alertou para que a capacidade de camas nos cuidados intensivos (40 camas
com ventilador?) se encontra no limite de utilização.
Nota à margem: Não percebo a insistência com que se fala de voltar a fechar as praias
porque as pessoas não usam máscaras. Fechar as praias é fácil. Resolver o problema
das enchentes na entrada dos machimbombos e chapas ao fim do dia é mais difícil.
No dia 1 de Outubro, abriram as aulas para a 12.ª classe, uma abertura muito
condicionada: um quarto das escolas secundárias ainda não têm água e/ou sanitários
em condições, os estudantes só vão à escola três dias por semana e não ficam lá mais
de quatro horas e meia por dia. Vamos a ver como é que se acomodam os estudantes
da 10.ª classe daqui a duas semanas e os da 7.ª daqui a um mês.
Há outros três projectos de centrais solares, nas províncias de Niassa e Cabo Delgado,
que estão a avançar com garantia de compra pela EDM da electricidade produzida.
Seria interessante que a EDM divulgasse as condições de compra, nomeadamente o
preço que vai pagar pelo kWh e como é que esse preço se compara com o de Cahora
Bassa e das várias centrais a gás.
Há uns largos anos, Joseph Stiglitz, já Nobel, veio a Moçambique e proferiu uma
palestra muito interessante. Quando alguém lhe pediu a sua opinião sobre a
responsabilidade social, respondeu com um sorriso: Não tenho nada contra que uma
empresa gaste um milhão em actividades de responsabilidade social desde que não
deixe de pagar os noventa e nove milhões de impostos ao Estado.
Desculpem estar a usar o NPCTB para lavar o fígado mas foi resultado desta notícia,
https://cartamz.com/index.php/economia-e-negocios/item/6216-em-conferencia-
mineradoras-em-tete-mostram-desinteresse-com-responsabilidade-social-empresarial.
Em resumo é isto: Uma das inúmeras ONG que por cá pululam, Kuwuka JDA,
resolveu organizar em Tete uma conferência sobre a dita responsabilidade social e
convidou uma série de empresas mineiras das quais só duas responderam ao convite e
só uma apareceu. Indignou-se o ONGiano presidente com esta falta de respeito,
declarando ao repórter da Carta de Moçambique, transcrevo sic: Se o nosso Estado
impusesse ou se as empresas soubessem que se não participarem vão ter de
participar algum tipo de esclarecimento ao Governo, logicamente que não fariam
isso. Ou seja, no entender do presidente Nhancale, da ONG, as empresas devem ser
obrigadas a participar em conferências de iniciativa de ONGs. Haja pachorra!
Nas notícias breves, surge a Bolívia onde a fascista presidente golpista desistiu da sua
candidatura às próximas eleições para não dividir a direita. Há novos protestos contra
medidas neoliberais no Equador. O governo do Chile obrigou uma empresa canadiana
a encerrar um mega-projecto de exploração mineira nos Andes, na fronteira com a
Argentina, pelos danos causados durante a construção das instalações de exploração.
O boletim inclui uma boa entrevista com Mariano Saravia, jornalista e escritor, sobre
a situação na Argentina onde a pandemia agravou muito a situação económica e onde
se defrontam duas visões opostas para o desenvolvimento do país, a relativamente
progressista do actual governo e a neo-liberal da direita. Finalmente, a rubrica “As
veias abertas” evoca a grande cantautora chilena Violeta Parra.
Com um sistema eleitoral tão convoluto como o americano e com tantos buracos na
legislação, a eleição de 3 de Novembro pode degenerar num caos, se se verificar que,
no fim da noite eleitoral, seja quem for o vencedor, não o é com uma maioria
avantajada. Sobretudo se Biden for o vencedor, mas por pequena margem, o que se
poderá seguir é um espectáculo que daria vontade de rir se não tivesse consequências
funestas para os estadunidenses e, em alguma medida, para o mundo.
Quase no final do artigo, o autor fala de uma situação semelhante à que, segundo ele,
se pode vir a registar em 2020, a da eleição em 1876, no primeiro centenário dos
Estados Unidos, na disputa entre o republicano Hayes e o democrata Tilden, para a
sucessão de Ulysses Grant, o general vencedor da guerra civil. O terceiro romance da
heptalogia “Novels of Empire”, de Gore Vidal, chama-se “1876” e centra-se nessa
eleição, é um romance fascinante sobre um sistema manipulado por crápulas.
Para quem se interessa por política internacional, as próximas semanas vão ser
emocionantes, com um final dramático em perspectiva.
O que o nosso Quino fez foi deixar-vos – a ti, a todos vocês – bem aconchegados no
coração de cada um de nós a quem, pela mão dele, vocês trouxeram alegria e
esperança quando atravessámos os dias da peste naqueles primeiros anos da década
de setenta do estertor do regime colonial-fascista. E connosco ficarão vocês para
sempre, a ajudar-nos de cada vez que o céu se pinte da cor de chumbo, como agora.
Então, Mafalda e amigos, vamos todos gritar (mas não muito alto para os vizinhos
não se assustarem): VIVA O QUINO!
O PASTOR DE VENTOS
É raro eu agora ler livros para
crianças – e faço mal, encontra-
se neles boa literatura. Como
neste “O pastor de ventos”, de
António Cabrita, com
ilustrações de Ivone Ralha. O
pequeno herói da história
chama-se Clarabóia, um
adolescente que anda no liceu,
que sofre dos dramas comuns
dessa idade, ainda por cima os
pais estão constantemente a
brigar um com o outro. O
mundo parece virado do avesso:
o Sol paira que tempos no
meio-dia mas o pior são os
ventos, já não são como
deviam, agora parecem
endemoninhados.
E quando um indiano com quem se cruza lhe segreda que os ventos andam assim
porque não encontram as pessoas que costumavam habitar, Clarabóia resolve ir à
procura do seu vento. Nessa viagem cruza-se com ouriços que moram em chaminés e
trazem a Lua cheia espetada nas costas, uma aldeia onde só vive um velho ou uma
cidade onde as letras se escapam das palavras ditas ou escritas – e até uma rapariga
que lhe conta dos esquimós que têm de conduzir os icebergues para que eles não
voltem a chocar com navios.
O livro é uma pequena jóia, com as belas ilustrações de Ivone Ralha, li-o a lembrar-
me de Alice no País das Maravilhas, das Aventuras de João Sem Medo, nesta fantasia
muito bem imaginada por António Cabrita onde, nesse mundo virado do avesso,
reconhecemos muito do mundo real no seu estado actual.
O ESPELHO E A LUZ
“The Mirror and the Light” é o livro que encerra a trilogia de Hillary Mantel sobre
Thomas Cromwell, depois de ter publicado “Wolf Hall” e “Bring Up the Bodies”,
estes a valerem-lhe sucessivos prémios Booker. Sorte igual não vai ter este terceiro
livro, estava na lista comprida mas foi excluído da lista curta. Foi um livro de
elaboração demorada: enquanto que o segundo volume saiu três anos depois do
primeiro, este demorou oito anos. Talvez por isso, o primeiro volume tinha 650
páginas, o segundo ficava-se pelas 400 mas este tem 900 – e pesa 1,6 quilos, nada
confortável para a leitura.
Mas sei que me vou deixar levar pela escrita de Mantel, vai ser de novo a imersão na
época Tudor, no reinado de Henrique VIII. Este livro começa onde o anterior
terminou – com a execução de Ana Bolena, a segunda das seis mulheres que
Henrique VIII foi coleccionando. Ao ritmo caracoliano a que ando a ler, devo
terminar o livro lá pelo Natal, até porque, em paralelo, quero continuar a ler o
“Manual para Mulheres de Limpeza”, de Lucia Berlin (umas modestas 500 páginas)
que inclui a grande maioria dos contos dela. Benefícios da reforma, é o que é.
UM PEQUENO FAVOR
Comecei a ver este filme sem grandes expectativas, não tinha lido nenhumas críticas
nem ouvido falar dele, fui atrás do nome de Anne Kendrick. Mas o filme é uma
delícia, uma comédia negra, distilando um saboroso ácido cena atrás de cena.
É um thriller, envolve mães que andam às bicadas umas às outras enquanto mantêm a
fachada simpática, uma mãe viúva que mantém um vlog sobre receitas e outras
sugestões de carácter doméstico, uma mulher snob de nariz empinado e que, depois
de desaparecer misteriosamente, aparece afogada num lago. Há também um avultado
seguro de vida, o recém-viúvo a envolver-se com a jovem viúva do vlog, um incesto
pelo meio e uma morta que não está bem morta.
Se o enredo tem alguns pontos de contacto com o famoso “Gone girl”, neste filme de
Paul Feig prevalece o tom de comédia, mesmo nas cenas de maior suspense. O final é
perfeito, está à altura do desenrolar de toda a história. E vale a pena ficar até à última
imagem durante o desenrolar dos créditos finais.
O filme prende-nos sobretudo devido às duas actrizes principais, Anne Kendrick (a
viúva que faz o vlog e que, vamos descobrindo, está longe de ser a alma pura em que
inicialmente acreditámos) e Blake Lively, a esposa desaparecida (que também tem
uma longa e desconhecida história anterior), ambas têm desempenhos notáveis. A
realização de Paul Feig é boa, com uma montagem com boa introdução de vários
flash back para ajudarem a contar a história. O trailer pode ser visto em
https://www.youtube.com/watch?v=rAqMlh0b2HU&feature=emb_logo. Foi um
filme que me deu prazer a ver.
Nestes dois anos, a amizade com Josefina Brunsvik transformou-se em amor mas era
um amor impossível. Josefina tinha-se casado, tinha vários filhos e, mesmo que
amasse Beethoven, os filhos e, sobretudo, os costumes da época e a opinião dos
irmãos não permitiram que aquela relação amorosa se desenvolvesse. Num dos
próximos programas, veremos que Josefina Brunsvik volta à cena e que ela é a mais
séria candidata a ser a “imortal bem-amada” de Beethoven.
Há bastante tempo que ele vinha a trabalhar numa ópera, “Leonora ou o amor
conjugal”. Mas a sua estreia em 1805 redundou num estrondoso fracasso para grande
desgosto do compositor, que tinha a obra no seu coração. Os seus amigos fizeram-lhe
notar que o libretto era fraco, que a ópera era demasiado longa, que se impunha uma
grande revisão. E, ao contrário do que era seu hábito, Beethoven aceitou as críticas e
conselhos e dispôs-se a refazer a ópera. Gastou nesse esforço quase dez anos.
A parte musical do nosso programa vai ser preenchida com a Quinta Sinfonia, ou “Do
Destino”, composta em 1808. É talvez uma das mais reconhecíveis obras de música
clássica, mesmo para ouvintes pouco dados a este tipo de música, graças às quatro
notas iniciais que se repetem insistentemente ao longo do primeiro andamento e cujo
ritmo é retomado, de forma disfarçada, nos restantes.
O primeiro andamento, Allegro com brio, abre com as famosas quatro notas, três
curtas e uma longa, o célebre 'ta-ta-ta-taaa', marcando o ritmo frenético que o
percorre. É interessante ver como grandes maestros diferem no tempo que impõem a
essas simples quatro notas. O andamento é em forma sonata, com as trompetes a
introduzirem o segundo tema, seguindo-se o desenvolvimento e a recapitulação final.
O segundo andamento é um Andante, lírico, com dois temas apresentados de início, a
que se seguem variações alternadas sobre cada um dos temas e aproximando-se do
final num crescendo, para terminar com uma coda. O terceiro andamento é em
formato ternário, um Scherzo, intercalado por um Trio. Desde a sua Terceira Sinfonia,
Beethoven tinha abandonado o Minueto no terceiro andamento em favor do Scherzo.
Depois do Trio, o Scherzo retorna de um modo interessante, com as cordas a tocarem
em pizzicato e a orquestra em pianíssimo, até um crescendo que faz a transição sem
pausa para o último andamento. O último andamento, Allegro, é vibrante e alegre, um
magnífico final para esta sinfonia.
https://www.youtube.com/watch?v=Mb59RaHLqBY
(Filarmónica de Berlim, maestro Herbert von Karajan)
O SENHOR PICUÍNHAS
Título no Notícias do dia 29: “Planta da Kenmare deslocada com sucesso”. Planta? O
que é que uma empresa que explora areias pesadas na província de Nampula tem a
ver com plantas? E desde quando é que a movimentação de uma planta é notícia de
jornal? Claro que o Notícias, não sei se por simples preguiça ou por cretinice
enraizada, usou o termo “planta” para designar o pesado equipamento (quase oito mil
toneladas) de dragagem e processamento, numa tradução “brasileira” do inglês plant.
Não se ficou por aqui o pouco letrado diário. No dia 30, escreveu em título da
primeira página: “Ainda não há condições para todas escolas retomarem amanhã”.
…
Os nossos companheiros tiveram
a coragem de partir,
vivem nas grandes cidades, com história,
do mundo,
eu fui covarde e fiquei.
Experimentei, e não soube, viver longe de ti
noutras cidades.
Sei que este meu amor é a minha mediocridade
também,
a mediocridade de quem não teve asas
para subir mais alto
e orgulho, o orgulho de quem nada venceu,
nem o ser estranho na própria terra.
É uma ternura que escorre
das tuas tranquilas avenidas de acácias
e jacarandás,
dos claros prédios,
da população colorida,
da mansitude da baía,
do teu ar de provinciana janota.
Cidade, menina fútil
de pouca história,
carros pequenos nas ruas,
velas na baía, patinadores nos ringues,
terra dos sete estuários,
de cinemas e cafés buliçosos,
de alegrias e pequenas traições,
leviana, ingénua, snob, bonita,
mulata, branca,
hindu, negra,
de cabelos louros e olhos amendoados,
morena sensual,
terra índica, minha terra,
minha amada inocente, prostituída.