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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO
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Introdução.
O princípio da prossecução do interesse público é, de entre outros princípios, o
grande princípio orientador da atuação da Administração Pública. Cabe à Administração
satisfazer as necessidades coletivas para, assim, alcançar o bem comum. Porém, não o
faz livremente. A Administração Pública está subordinada, desde logo, ao princípio da
legalidade, isto é, só pode prosseguir os interesses públicos especificamente definidos
por lei, para cada concreta atuação administrativa normativamente habilitada, não lhe
sendo atribuído qualquer papel na escolha dos interesses a prosseguir. Qualquer atuação
administrativa que prossiga interesses privados ou interesses públicos alheios à
finalidade normativa, é ilegal e está viciada de desvio de poder, o que acarretará a sua
invalidade.
Contudo, não se exige que a Administração prossiga o interesse público inteiramente
sozinha. Por vezes, os particulares são chamados ao auxílio da Administração, no
âmbito de uma relação de interdependência e interação entre sujeitos públicos e sujeitos
privados.1 Porém, apesar do auxílio dos particulares à Administração na prossecução do
interesse público, há que reconhecer que determinadas tarefas cabem apenas à
Administração, ao passo que há igualmente tarefas que cabem apenas aos privados. São
tarefas públicas administrativas as que, “de acordo com o figurino constitucional, sejam
obrigatórias ou que por opção do legislador devam ser desenvolvidas pelo Estado ou por
outra entidade pública de base territorial”2. São tarefas privadas “aquelas que os
cidadãos desenvolvam no quadro da respetiva liberdade ou autonomia, sem que com tal
delimitação se pretenda excluir as entidades privadas da vinculação aos direitos,
liberdades e garantias, imposta pelo artigo 18.º, n.º 1, da Constituição”3.
Entre estas duas existe ainda aquilo a que se chama “tarefas privadas de interesse
público” ou “tarefas de utilidade pública”. Trata-se de uma tarefa privada que prossegue
um interesse unicamente público ou de uma tarefa que misture tanto o interesse público
como o privado.
Em matéria de direito do urbanismo, a participação dos particulares no exercício de
funções públicas também não é um fenómeno recente.4 Esta participação pode ocorrer,
por exemplo, através da celebração de contratos de urbanização com a Administração,
ou através da assunção “da responsabilidade de elaboração técnica de instrumentos de
planeamento territorial”.5 Os preceitos constitucionais que abordam esta questão são: o
art 9º/e) (que prevê as incumbências do Estado em matéria de urbanismo), art 65º e art
81º/a) (identificam a tarefa pública do urbanismo), o art 61º/1 (proteção constitucional
1 Este fenómeno não é recente. Remete para a crise do Estado Providência: numa época em que havia
escassez, não só de bens, mas também de recursos financeiros, colocava-se a questão de saber se a
própria Administração Pública, sozinha, era capaz de resolver os problemas de forma eficaz. Abriu-se,
então, a possibilidade da administração exercer as suas funções com auxílio dos particulares.
2 VITAL MOREIRA, Administração autónoma e associações públicas, Coimbra, 1997, p. 289.
3 Definição dada pelo professor JOÃO MIRANDA, na sua tese de doutoramento, p. 22.
4 Por exemplo, as operações de loteamento que ocorreram a partir década de 60 do século passado, em
Portugal, nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Devido às diversas omissões da Administração,
os particulares asseguraram as suas necessidades de habitação através da realização de loteamentos
sem qualquer controlo por parte da Administração. Muitos desses loteamentos foram clandestinos -
hoje é-lhes dada a designação de “áreas urbanas de génese ilegal”.
5 JOÃO MIRANDA, Estudos do Ordenamento do Território e do Urbanismo, p. 134.
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da liberdade de iniciativa económica privada) e o art 62º (garantia de uma esfera privada
de liberdade).
Ainda no âmbito do Direito do Urbanismo, no que diz respeito à colaboração dos
privados com a Administração, já anteriormente explicado, o art 5º/h) da Lei de Bases
da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo (LBPOTU) consagra o
princípio da contratualização, onde os particulares, deixando de ser considerados meros
destinatários da atuação administrativa em contexto urbanístico, passam a ser
auxiliares/colaboradores da Administração no exercício dessas mesmas funções
urbanísticas.
Feita, então, uma abordagem geral à questão do auxílio dos particulares na atuação
administrativa à luz do princípio da prossecução do interesse público, passar-se-á à
análise do acórdão.
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“IV - Sob pena de a fase de audição se tornar impraticável e interminável, nem toda a
alteração da proposta determina a reabertura da discussão pública” e “V - Esta só se
torna imperativa, à luz da garantia de participação procedimental, se a modificação
introduzida consubstanciar uma inovação normativa essencial, que represente a negação
dos pontos nucleares que formaram a substância do texto legal participado, com
consagração de soluções fundamentalmente diferentes”
Tal como referido anteriormente, para que a participação procedimental seja
eficaz, a proposta inicial tem de estar aberta à introdução de alterações. Porém, se na
fase de discussão pública houvessem sucessivas modificações da proposta inicial, cada
modificação era acompanhada da reabertura da discussão, entrando-se assim num
processo de audição impraticável e sem fim, ou seja, num ciclo vicioso.
Efetivamente, a modificação da proposta inicial não constitui incumprimento da lei.
Mas haverá incumprimento desta quando a garantia da participação procedimental
venha a ser frustrada no tipo de casos referido anteriormente, em que o projeto final
desvirtua o projeto inicial, consagrando soluções fundamentalmente distintas. Assim
sendo, surgindo a necessidade de alteração dos pontos fundamentais do projeto, deve
proceder-se à reabertura da discussão pública.
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9 Segundo consta do Acórdão, «nos termos do art.º 157.0 do RJIGT, “o acompanhamento da elaboração
dos planos especiais … que se encontre em curso à data da entrada em vigor, continua a reger-se
respetivamente pelo disposto no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 151/95, de 24 de Junho», o veio a ser
confirmado pelo Tribunal.
10 Quanto a este aspeto, o Supremo Tribunal Administrativo afirma que a existência destas jangadas
chega, inclusive, a valorizar os terrenos onde sejam instaladas, devido à utilidade das mesmas.
11 O estacionamento, a lavagem, o abandono de embarcações e a instalação de jangadas privativas.
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