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RESPONSABILIDADE PENAL E AS FORMAS DE COMPARTICIPAÇÃO

• Domínio da ação (Roxin)


• Art. 26º/1ª parte;
AUTORIA • Autor mediato é aquele que executa o facto pelas suas próprias mãos, em termos de preencher na sua pessoa a totalidade dos elementos
IMEDIATA objetivos e subjetivos do ilícito típico.
• NOTA: são também autores materiais/imediatos aqueles que instrumentalizam outrem, nas circunstâncias em que em relação a esse
homem da frente como instrumento não seja possível concluir pela existência de ação penalmente relevante.

• Domínio da vontade (Roxin): (i) o homem de trás coage o homem da frente à prática da ação (domínio da vontade por coação); 8ii) o homem
de trás engana o homem da frente e torna-o assim executor involuntário do seu plano (domínio da vontade por erro.
Há domínio do facto nos autores

• Art. 26º/2ª parte;


• Na autoria mediata existe sempre um homem de trás e um homem da frente como instrumento.
• Para Figueiredo Dias a autoria mediante não existe quando deva ser aplicável o princípio da autorresponsabilidade, ou seja, em todas as
AUTORIA situações em que, em virtude de uma decisão de conduta/atuação do homem da frente, este possa ainda ser plenamente responsável
MEDIATA
(atua de forma típica, ilícita e culposa). Observação de uma lista de casos típicos * .
• CONCEIÇÃO VALDÁGUA: insere, na autoria mediata, as situações em que o autor imediato/homem da frente sujeita a sua ação à
vontade do homem de trás, ou seja, quando se submete de livre e espontânea vontade à disponibilidade de vontade do homem de trás.
o Críticas da doutrina: se há já uma decisão do agente da frente (princípio da autorresponsabilidade), não se pode falar em autoria
mediante, mas sim em instigação.

• Domínio funcional
• Art. 26º/ 3ª parte;
• Implica que os agentes tomem parte direta na execução do facto por acordo ou conjuntamente com outro ou outros.
• Exige-se a verificação de dois requisitos:
o Decisão conjunta: a decisão tem de ser revelada através de ações expressas ou ações concludentes, não sendo suficiente o mero
CO-AUTORIA
acordo; tem de ser deduzível do significado dos atos que a contribuição de cada um é uma parte da atividade total e que as ações
dos demais são um compelemento. A adesão vale como acordo para os atos a praticar in futuro (no momento posterior à adesão).
§ NOTA: a responsabilidade só existe na precisa medida em que a execução se encontre coberta pela decisão conjunta. O
excesso de um só pode caber na responsabilidade dos não excedentes (dos demais) na edida em que possa imputar-se a
esta a título de dolo eventual/negligência, quando o crime o permita.
o Execução conjunta do facto: contribuição objetiva para a realização do facto, ou seja, implica a repartição de tarefas contando
que a atuação já se encontra no domínio da execução (parte do preenchimento do tipo.
§ Do contributo é necessário que depende o se e o como da realização típica e não apenas que o agente se limite a oferecer
ou pôr à disposição dos meios de realização (uma consideração ex ante e ex poste).
• Responsabilidade: cada agente é punido pela moldura penal prevista para o facto decidido e executado conjuntamente, tal como se
houvesse cometido sozinho.
o NOTAS: analisar a imputação objetiva em conjunto (só a conduta de todos é que permite, às vezes, a verificação da tipicidade) e
não há co-autoria negligente.

• Exige-se o dolo duplo: o dolo do instigador deve referir-se à determinação do instigado (dolo na determinação) e ao facto cometido por
este (dolo do instigado).
• Art. 26º/4ª parte;
• Aquele que determina outrem à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução – o instigador produz ou cria, de forma
cabal, no executor a decisão de atentar contra um certo bem jurídico penal através da comissão de um concreto ilícito típico.
o Se o instigado vai para além do dolo do instigador, verifica-se um cenário de excesso de mando, só respondendo o instigador na
Não há domínio do facto

medida do seu dolo.


o Se o instigado ficar aquém do dolo do instigador, apenas responde pelo facto efetivamente cometido.
INSTIGAÇÃO • É admissível a instigação em cadeia: é necessário, no entanto, que o primeiro haja determinado o executor à prática do facto ilícito; deve
ser, por isso, afirmada quanto a ele o domínio da decisão.
• Para Figueiredo Dias a instigação não é só uma forma de participação, mas uma verdadeira autoria.
• Restante doutrina (MFP inclusive): a instigação é uma forma de participação, exigindo, desta feira, a acessoriedade ** .
• Tentativa de instigação não é punível: nunca chega a estar em causa o bem jurídico, razão pela qual não se deve punir. O agente não
seria punido, porque a tentativa, na instigação, não é punível. Exemplo: A contrata B para matar C. C “põe o dinheiro ao bolso” e não
cumpre as ordens de A.
• Instigação na tentativa: quando chega a haver tentativa pelo homem da frente, mas este engana-se no agente (erro no objeto) ou erra o
alvo (aberratio ictus). Casos dúbios – análise abaixo ***.
• Pode ser material ou moral;
• Art. 27º;
• Corresponde a uma colaboração no facto do autor e, por conseguinte, a sua punibilidade supõe a existência de um facto principal doloso
cometido pelo autor (facto do autor).
• Implica, como forma de participação, a acessoriedade ** .
CUMPLICIDADE
• Cumplicidade: o art. 27º é uma clausula de extensão ou alargamento, isto porque o cúmplice não é autor, logo, não comete por qualquer
forma o delito, não pratica a ação típica e o seu comportamento não está abrangido pelas previsões do PE do Código Penal. A atuação do
cúmplice é, assim, acessória e dependente da ação principal/facto principal.
• Dolo com dupla referência: só existe cumplicidade quando o cúmplice presta auxílio a um facto dolo – tem de existir dolo no auxílio (não
há cumplicidade negligente) e ação dolosa do autor imediato.
* LISTA DE CASOS TÍPICOS DE AUTORIA MEDIATA
® Quando intervém sobre o homem da frente (o instrumento) uma causa de exclusão da tipicidade (exemplo de Escola: o homem da frente ser a própria
vítima do crime de ofensa à integridade física);
® Quando o homem da frente atua sem dolo do tipo, ou seja, o homem da frente pratica uma ação que preenche o tipo objetivo de ilícito, mas não o tipo
subjetivo, faltando-lhe o dolo por erro sobre a factualidade típica.
o Quando o homem da frente atua com negligência inconsciente continua a falar-se em co-autoria.
o Problema: quando o homem da frente atua com negligência consciente, haverá que compreender se se conclui no sentido da autoria mediata ou
da mera instigação.
§ Figueiredo Dias: a autoria mediata deve ser afirmada nas situações em que o homem de trás provoca o erro no executor, mas também em
todas as situações em que o homem de trás, desejando o resultado típico, explora ou serve-se do homem da frente para o cometimento
do facto.
® Quando o homem da frente atua licitamente, ou seja, situações em que o homem da frente está a cumprir uma ordem ilícita (art. 205º da CRP) ou em que o
homem de trás provocou uma situação de legítima defesa/estado de necessidade.
® Quando o homem da frente atua sem culpa ou intervindo alguma causa de exclusão da culpa.
® Quando o homem da frente atuar sem consciência do ilícito, o que corresponde ás situações em que o homem da frente agiu com falta de consciência do
ilícito não censurável, intencionalmente criada pelo homem de trás ou, no conhecimento de que ela existia, por ele explorada.
o Exceção – nos casos de inconsciência censurável: Figueiredo Dias e a Doutrina Alemã rejeitam a autoria mediata nestas situações.
® Quando ao homem fa frente falta a qualificação (qualidade do agente punível) ou intenção tipicamente requeridas pelas normas penais.
® Quando o homem da frente se insira em aparelhos organizados de poder ou domínios de organização, já que, na verdade, o homem de trás tem o domínio
da organização.
o Critérios: hierarquização rígida, fungibilidade do agente (facilmente substituível por outro) e atuação fora do quadro da ordem jurídica.
o Ratio: só nestas situações é que se pode falar num verdadeiro domínio do facto.
** O REQUISITO DA ACESSORIEDADE NA PARTICIPAÇÃO
® Acessoriedade qualitativa ou interna: corresponde a uma media mínima de elementos constitutivos do facto do autor.
o Acessoriedade mínima: bastaria a verificação do facto típico – hoje rejeitadas.
o Acessoriedade extrema: seria necessária a verificação de um facto típico, ilícito, culposo e punível – hoje rejeitada.
o Discussão atual: entre a acessoriedade rigorosa (exige um facto típico, ilícito e culposo) e a acessoriedade limitada (facto típico, ilícito).
§ Crítica à acessoriedade rigorosa: deixou de ter sentido com a análise do tipo subjetivo que já implica a verificação do dolo; ainda, não se
coaduna com a referência, no art. 29º, a independentemente de culpa.
§ ACESSORIEDADE LIMITADA: tese dominantemente aceite – cumplicidade como participação no ilícito típico do autor.
• Figueiredo Dias – propõe a teoria da acessoriedade limitada modificação: a punibilidade, em princípio, não é critério, no entanto,
há situações em que têm necessariamente de ser consideradas as condições objetivas de punibilidade ou casas materiais e exclusão
da pena (art. 227º/1 p.e.).
® Acessoriedade quantitativa ou externa: corresponde a uma exigência de que o facto principal alcance um certo estádio de realização.
o Tem de existir execução ou começo de execução: só há participação no facto de outrem se esse facto começar a ser praticado (ideia de perigo
dos bens jurídicos – art. 22º, tentativa).
⚠ CASOS DÚBIOS – MUITO IMPORTANTES ⚠

CASOS SOLUÇÕES POSSÍVEIS

Cumplicidade ou co-autoria?
• Critério de aferição (MF): essencialidade da conduta do agente, para a prática do facto típico
Roubo conjunto. A é meramente condutor da (perceber, no fundo, se tem o domínio funcional do facto).
viatura. • Em regra, será considerado cúmplice.
• Exemplo de co-autoria: o transporte não é uma mera carrinha, mas um helicóptero e o crime será
praticado numa ilha – carácter essencial do piloto que o leva a considerar como verdadeiro co-autor.

Cumplicidade ou co-autoria?
• Critério de aferição (MFP): essencialidade da conduta do agente, para a prática do facto típico
(perceber, no fundo, se tem o domínio funcional do facto).
• Em regra, será considerado cúmplice.
Roubo conjunto. A é apenas aquele que vigia a • Jurisprudência: considera que há co-autoria, maioritariamente fundamentando-se em razões de
porta. prevenção geral.
• MFP: só há quando for essencial para a execução do plano. Essencialidade – sem ele o plano cai por
terra.
• Helena Morão: só será justificável em co-autor em que a vigilância for um ato de execução.

Co-Autoria Alternativa. • Helena Morão: no momento do início da execução só há um agente a iniciar a execução; só o agente
A e B combinam matar C sabendo que, no caminho que efetivamente lhe dará o tiro é que poderá ser considerado autor. O critério é a prática de atos de
para casa, C tanto pode seguir pela rua X como pela execução (colocação em perigo do bem jurídico da vítima, pois que se prossegue que a eles se segue
rua Y. A aguarda C na rua X. B aguarda C na rua Y. a execução do ilícito típico). Aquele que tem a “sorte” de nada fazer não é punido, pois que aquilo que
Ambos têm uma arma e estão prontos a matar mal fez foi apenas um ato preparatório (não punível). No limite ou é instigador ou é cúmplice moral.
avistem C. • Roxin: co-autoria.
C segue pela rua Y e é morto por B. o Problema: punimos alguém que não chega a fazer nada.
• Homem da frente (instigado): erro sobre o objeto da ação, que não exclui o dolo do tipo (irrelevância).
• Homem de trás (instigador): perceber se estamos perante um erro sobre o objeto da ação (irrelevante)
ou um erro na execução (aberrantio ictus).
o Critério:
§ Excesso de mandato.
A contrata B para matar C. § De acordo com a Prof., o critério de distinção é a existência, ou não, de tentativa, ou
B confunde C e D e Mata D. seja, uma vez que C não chega a estar em perigo, na verdade, parece que não chega
a haver tentativa, o que significa que estamos perante um erro sobre o objeto,
irrelevante pra efeitos de responsabilidade.
§ Se D chega a estar em perigo (por exemplo, por estar perto de D), já se pode considerar
inicio de execução, logo, aberratio ictus (tentativa + homicídio consumado negligente).
o Doutrina Alemã: aplica sempre aberratio ictus.

• Helena Morão – ser executor significa praticar factos de execução. Ao dar as ordens, está a preencher
A e B contratam C para apenas delinear um plano um ato de execução – é expectável que lhes sigam os atos de execução das pessoas que estão a
de assalto praticar o assalto.
o Se não dá ordens/dirige o assalto, limitando-se a fazer o plano, é apenas cúmplice.

• Aquele que dirige tem o domínio funcional do facto – é esta a justificação de Roxin para ser co-
Caso – Casa de Papel autor.
A e B contratam C para delinear um plano de assalto • Helena Morão e FD – ser executor significa praticar factos de execução. Ao dar as ordens, está a
e ordenar todo o processo preencher um ato de execução – é expectável que lhes sigam os atos de execução das pessoas
que estão a praticar o assalto. Defende ser, nestes termos, co-autor.

É instigador de um facto negligente ou é autor material de um facto negligente?


• MFP: entende que, neste caso, é autor de um crime negligente, na medida em que a sua ordem criou
A paga a B para bater em C. No entanto, as aquele risco potencial e intenso; há imputação objetiva direta entre o comportamento psíquico e o
pancadas que B dá resultam na morte de C. resultado.
o Não previu, mas poderia ser previsível: se se concluir pelo dolo eventual será instigador; se
se concluir pela negligência consciente será autor.
• Ministro: instigador (há dolo de instigação, mas não há dolo de prática do crime – tão somente
Ministro convence o motorista a ir, na A1, negligência).
a 250 km/h. • Motorista: autor material (dolo).

Caso Rolling Stones • Helena Morão: co-autoria negligente.


A e B atiram à vez uma pedra para a base de uma • MFP: como há combinação entre os dois, estamos perante um cenário de imputação objetiva. É um
colina. Uma das pedras atinge uma pessoa e esta caso de autoria paralela negligente.
vem a morrer. o Se não houver combinação: causas paralelas.
PROBLEMA COLOCADO – COMO FAZER A IMPUTAÇÃO A CADA UM DOS AGENTES NUM CENÁRIO DE COLABORAÇÃO ENTRE AGENTES?
® Respostas tradicionais:
o Conceito extensivo de autoria - conditio sine quo non. Todo aquele que tenha uma relação causal em termos de conditio deve ser punido como
autor.
§ Problema: como se distinguem autores e participantes; todos aqueles têm uma relação causal com o resultado; situação estranha de se
qualificar como autor aquele que não executa o facto típico; alguém que apenas influencia psiquicamente continuaria a ser autor. Conclusão:
responsabilidade demasiadamente alargada – violação do princípio da culpa (não é feita a devida diferenciação) e da legalidade (imputar
quando não há imputação objetiva).
§ Eduardo Correia: adepto deste critério – fazendo, posteriormente, diferenciações a nível da culpabilidade.

® Tese a que adere MFP - Conceção restritiva de autor – autores são os que realizam através da sua ação, real ou potencial (ação final, o facto típico. Os
demais serão participantes. Esta tese é adequada ao juizo de culpa e a princípio da legalidade.
o Como se faz a imputação objetiva ao cúmplice ou instigador? Não se trata tão somente de uma relação entre o facto típico do agente e o resultado
– é uma relação que passa pela intervenção de terceiros.
o Averiguar o nexo entre o comportamento do participante e o resultado típico e a relação prévia entre o instigador e o autor material. Duplo
nexo de imputação -> nexo de determinação (comportamento decisivo) + nexo de resultado (essa determinação à prática do facto expressou-se no
facto típico).

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