Você está na página 1de 5

A palavra escólio, do grego 

σχόλιον, scholion; "comentário", "interpretação", é uma


explicação gramatical ou crítica sobre os autores antigos, particularmente da Grécia.
O objetivo desse trabalho é comentar, facilitando a compreensão, o Escólio da preposição
XV (15) da Parte I do livro Ética, de Baruch Espinosa. Que é, entre muitos outros trechos, um
referencial para entendimento dos conceitos Espinosanos, pois engloba muitos aspectos da
obra em si. Logo, uma correta leitura do escólio referido é crucial para compreender todo o
enredo do livro Ética.
A preposição referida é:
“Tudo o que é, é em Deus, e nada sem Deus pode ser nem ser concebido”
Analisaremos essa sentença em partes. Que seja, a primeira:
“Tudo o que é”
Ela refere-se, em palavras simples, a tudo o que existe, a tudo que tem espaço na existência
verdadeira.
Para Heráclito, o ser entra como conceito de existência metafísica. Assim, tudo o que não
existe não pode, sequer, ser imaginado.
Por isso, consideremos existir, para Espinosa, como a capacidade de afetar e ser afetado,
de agir no mundo; conatus que se esforça para permanecer existindo.
Com isso, seguimos para a próxima parte.
“Tudo o que é, é em Deus”
Assim, consideramos que tudo o que é capaz de afetar e ser afetado, está incluído no termo
substância.
Aqui, há dois pontos a considerar; o que é Substância e o que é Deus.
Spinoza designa como Substância aquilo cuja existência mantém um vínculo interno com
sua essência. Em palavras mais simples, podemos supor que tudo o que existe tem
necessidade de existir. Essa necessidade é característica fundamental (a essência) da
substância.
Sabendo disso, se tudo o que existe, por mais diferentes que as coisas sejam, tem a
necessidade de existir como característica em comum - denominada causa de si, tudo tem
substância.
Se as coisas existem, algo precisou cria-las.
Se a roda existe, o homem precisou pensar nela e se esforçar para faze-la existir. A
natureza precisou se esforçar parra fazer existir o homem e algo precisou se esforçar para
fazer existir a natureza. Colocando em pauta a criação, chegamos as mínimas partículas que
sequer somos capazes de compreender, chegamos ao início do universo em que algo
precisou se esforçar para faze-lo existir.
E a essência dessa coisa que criou o princípio inimaginável do que hoje conhecemos
como universo era, necessariamente, gerar existência. Logo, ela causou todo o resto por si
mesma. Nesse raciocínio, tudo o que foi gerado e existe tem causa de si.
Então, chegamos à concepção de Deus.
Segundo a definição VI do mesmo livro: “Ente absolutamente infinito, e então
substância, de infinitos atributos, cada um com uma essência eterna e infinita”
Em outras palavras, Deus, para Espinosa, é essa substância, causa de si, onde a
essência é infinita, única, eterna e imutável, sendo o todo e não transcendente a ele.
Então, quando dizemos que tudo o que existe, precisa necessariamente existir dentro
da substância.
Sabendo, finalmente, que Espinosa considerou substância sendo uma coisa só, mas
com seus infinitos atributos. Que, segundo a definição IV, são “aquilo que o intelecto
percebe da substância”, não é difícil imaginar que Espinosa também considere os atributos,
neles mesmos, infinitos. Mas, percebidos, pelo intelecto, com citado, são apenas dois: Res
cógito e rés extensa. O primeiro, as coisas pensantes, já pensadas ou que ainda serão
pensadas, por via da mente. O segundo, o corpo, e tudo o que tem matéria.

Tudo o que existe tem, necessariamente, ambos esses atributos. Seres humanos têm
tanto um quanto o outro em medida significante. Uma pedra, talvez mais rés extensa do que
rés cogito, mas que deve ser reconhecido.

Dado isso, seguimos para a próxima parte:

“e nada sem Deus pode ser nem ser concebido”

Considerando a substância infinita, nada que não englobe os seus atributos pode
existir nem ser pensado. Dessa forma, novamente, deve haver apenas uma substância,
infinita, com todos os atributos.

Não pode haver outra, pois esta segunda também teria infinitos atributos, que,
primeiro: Copiaria os da primeira, então seria a mesma substância. Ou segundo: Seriam
diferenciadas pelos modos, que, dada a definição V, são as afecções da substância; as formas
resultantes do constante vir a ser representadas nas coisas que vemos: Animais, pessoas,
minérios, pensamentos, entre outros.
Considerando a substância anterior as afecções, se eles fossem desconsiderados,
trazendo em questão apenas a substância, que é o constante vir a ser com os mesmos
atributos, também seria a mesma substância
Sabendo disso, vamos ao escólio.

ESCÓLIO DA PREPOSIÇÃO VX, PARTE 1 ÉTICA, BARICH ESPINOSA.

No século XVII, época em que viveu Espinosa, era muito evidente conceber Deus
assemelhando-se a um homem, para facilitar a compreensão de pessoas simples e trazer um
certo acolhimento. Ora, um ser suficientemente homem para compreender os
comportamentos humanos1, mas também infinitamente poderoso para punir esses mesmos
comportamentos.

1
dado o conceito de santíssima trindade.
Deus, nos termos citados, é apenas um conceito político, usado para controle e
alienação, deturpando assim os conceitos, para ele, reais de Deus, o transformando em um
ser de aparência humana, pensamento e paixões.

Espinosa afirma que “todos que contemplaram verdadeiramente a natureza de Deus


negam que seja corpóreo” (Ética, 2015). E por uma razão simples de ser observada: Se fosse
corpóreo, seria mensurável e, se mensurável, finito.

Também fácil de ser demonstrado, pois quando algo pode ser mensurado o é porque
há algo maior para servir de medida. Assim, Deus, sendo substância infinita e não
transcendente do todo, é o que causa o todo e não pode ser mensurado.

Os homens que parecem insistir em demonstrar Deus como homem acabam


naturalmente removendo o que há de divino nele. Segundo a preposição 6, uma substância
não pode ser criada por outra e deve ser necessariamente infinita. Dessa forma, a rés
extensa é, indiscutivelmente, é um dos atributos de Deus.

Espinosa pretende refutar dois axiomas que se esforçam provar a substância corpórea como
indigna da natureza de Deus e não pertencente a ela.
O primeiro deles: A substância corpórea é dividida em partes e por isso é finita e não
pertencente a deus.
Tendo isto como justificativa o discurso que se a substancia corpórea é infinita, no
caso, atribuindo um corpo a Deus e tentando mantê-lo infinito, ela seria, então, dividida em
duas partes: cada uma dessas partes será ou finita ou infinita, o corpo físico de Deus, como
aquele que se sentou sobre o monte Sinai é finito. Mas Deus, em seu conhecimento e todos
os outros atributos, infinito.

Espinosa refuta, alegando que, se uma dessas partes for finita, então o infinito, no
caso, tudo o que existe com exceção daquela parte, é formado por duas partes finitas, uma
que eu posso medir e a outra não, mas que é necessariamente finita.

Se uma delas for infinita, então estou dizendo que há um infinito maior que o outro,
o que pode sim ser concebido, mas em termos errôneos e falsos, quando Espinoza diz no
mesmo escólio:
“se o infinito for medido em partes iguais a um pé, serão infinitas partes como essa. Se for em
uma polegada, também serão infinitas partes como essa, mas o número infinito medido em
polegadas será doze vezes maior que outro número infinito medido em pés, mas ainda
infinito.”

Assim, com a dificuldade de mensurar a quantidade infinita e defender suas teses, os


defensores da teoria a ser refutada por Espinosa vieram a concluir que, então, a substância
corpórea deve ser finita e que, por isso, novamente não pertence a Deus.
Dizem eles que Deus é perfeito e por isso não pode padecer. Mas a Substância
corpórea, visto que é divisível, pode padecer. Logo, não pertence à essência de Deus

Espinosa alega, sem dificuldade, que esse é um argumento fraco, pois ele insiste em
considerar a substância corpórea em partes.

É compreensível também as motivações de tanta insistência nesse axioma. Nós,


humanos, compreendemos uns aos outros como partes separadas, ou nós e a pedra, como
partes separadas. Isso são diferentes modos da substância e, sim, partes separadas. No
entanto, como citado anteriormente, tudo tem rés cogito, rés extensa e qualquer outro
atributo em diferentes níveis, sendo assim, a mesma substância independente dos modos.

Sabendo disso, conclui-se que todos esses argumentos que insistem em tentar provar
que a substância extensa é finita não supõem quantidade infinita. Eles supõem que o infinito
é mensurável e formado de partes finitas. Frase, claramente, incabível.

É o mesmo que tentar provar que números são finitos. E, mesmo se forem infinitos,
eu posso dividi-los -todos- em partes finitas. Espinosa diz que o golpe se volta contra os
próprios cristãos e ainda dá o exemplo de uma forma de quatro vértices que tem os lados e
os ângulos iguais, mas nomeada círculo.

Segue o exemplo visual:

Assim, poder-se-ia dizer que as linhas do “círculo”


traçadas até a circunferência não são iguais. Usar desse
discurso sofístico é fazer valer um conceito falso para
validar regras errôneas.
Assim, para dizer que a substância corpórea é infinita, eles necessitam a conceber feita de
partes, finitas, múltiplas e divisíveis.
Da mesma forma, outros, após conceberem que a linha é composta de pontos 2,
ousam argumentar que a linha não pode ser dividida infinitas vezes.

É tão absurdo afirmar que a substância corpórea é feita de partes, quanto dizer que o
corpo é feito de superfícies e as superfícies de linhas e as linhas de pontos e esses, finitos e
divisíveis.

Para Espinosa, isso é claro á razão, em especial aqueles que negam a existência do
vácuo. Se a substância corpórea pudesse ser dividida em partes legitimamente separadas,
se uma parte fosse tirada, o que seria recolocado no lugar dela?

Dessa crença nasce de um entendimento precário da substância. É claro que coisas


distintas podem ser separadas, como já citado, mas a substância não. Pois não há vácuo na

2
Essa afirmação é verdadeira, de fato, mas apenas enquanto forma de explicar conceitos geométricos, mas, é
logo desconstruída como falsa, dado que um ponto, na verdade, não tem dimensão: Sem altura, largura ou
profundidade. Portanto, estes pontos só podem viver na imaginação de quem faz a matemática, pois são
infinitamente pequenos.
natureza, todas as partes convergem para não haver vácuo, por isso, o todo da substância
corpórea não se distingue em partes, e isso é substância.

Mas é fato que a divisão existe, de forma mais complexa que a separação de modos.
Espinosa exemplifica com a água, onde o conteúdo de uma mesma jarra pode ser dividido
em dois copos, um, refrigerado, tornando-se gelo e outro, efervescido, acabar evaporando.
Ainda assim, será a mesma água.

Além disso, enquanto Substância, ela não pode ser gerada, no caso, criar mais água
do que já existe, ou corrompida, no caso, fazer desaparecer a água. Se não bastasse, já foi
justificado que, fora de deus, não pode ser dada nenhuma substância, pois tudo é nela,
como já explicado anteriormente e representado na def. 14.

A vida não perece. Um ser humano morre e seu corpo serve de alimento para
dezenas de outros animais, que servem para dezenas de outros menores, que vão acabar
gerando nova vida. O verbo perecer, como conhecemos, parece naturalmente errôneo,
quando trata-se de substância.

Ainda que não fosse assim, como poderia a substância ser indigna da natureza
divina?

Dessa forma, Espinosa conclui que não se pode dizer que Deus padeça, ou que
substância extensa seja indigna da natureza divina, mesmo que seja, como a matéria,
divisível. Mas, necessariamente, eterna e infinita.

REFERÊNCIAS:

https://razaoinadequada.com/2014/08/07/espinosa-a-potencia-do-ser/

https://gaiaciencia.com.br/de-quarks-a-quasar-o-que-sao-neutrinos-espaco--fisica

https://fluxodeinformacao.com/biblioteca/artigo/read/90054-o-que-e-a-substancia-para-
spinoza#question-0

Você também pode gostar