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Improbidade administrativa:
Reflexões sobre laudos periciais ilegais e desvio de poder em face da
Lei federal nº 8.429/92
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Não é, evidentemente, toda e qualquer ilegalidade comportamental que
pode configurar improbidade [15]. Ao contrário, em geral, a mera ilegalidade não
adentra esse terreno mais estreito. Nem mesmo toda imoralidade administrativa
traduz improbidade, o que significa dizer que a patologia aqui tratada requer
uma gradação dos deveres públicos, da normativa incidente à espécie e das
respostas sancionatórias cabíveis. Assim, repito, somente o processo
interpretativo poderá definir, concretamente, um ato ímprobo, o que não impede
o reconhecimento de pautas abstratas e objetivas para os operadores jurídicos
[16]
.
A Lei 8.429/92 não pode ser banalizada, como tantas vezes se percebe,
porque a hermenêutica que se exige para sua aplicação requer uma série de
ponderações e cautelas, em obediência ao devido processo legal punitivo.
Porém, tampouco resulta viável aceitar o outro extremo, vale dizer, o
esvaziamento dessa legislação em relação às altas autoridades da Nação, entre
as quais estão os agentes políticos. Sobre essa tendência, cabe envidar esforços
para recuperar o princípio republicano, envolvendo todos os agentes públicos no
ambiente probo e saudável que se pretende construir neste país. Cabe, pois,
uma digressão sobre o alcance do princípio da responsabilidade em nosso
sistema constitucional.
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obrigatoriedade de os peritos atuarem de modo ético e imparcial. No art. 422 do
CPC, se diz que o perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi
cometido, independentemente de termo de compromisso. Os assistentes
técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição"
(alterado pela L-008.455-1992).
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Se não houver controle sobre os laudos abusivos, cabe então cogitar a
responsabilidade dos juízes. Em última instância, sempre caberia cogitar a
responsabilidade do próprio Estado. Não há dúvida de que juízes respondem, em
tese, por atos de improbidade, em face de comportamentos funcionais ilícitos.
Esta assertiva está de acordo com o pensamento exposto por segmentos
representativos de importantes instituições democráticas, que se posicionam
contrariamente à restrição do alcance da Lei 8.429/92 aos agentes públicos
comuns, dela excluindo os agentes políticos. Nesse caso, tanto a Associação
Nacional dos Procuradores da República, quanto a Associação Nacional do
Ministério Público ou a Associação dos Magistrados Brasileiros sustentam a
inviabilidade da tese de se restringir o alcance da Lei Geral de Improbidade,
porquanto isonomia e a razoabilidade seriam feridas ao se retirarem os agentes
políticos do alcance dessa normativa republicana. Ademais, a responsabilidade
dos juízes é um dos pilares mais antigos da civilização [33].
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É sabido que os peritos, por seu turno, na condição de agentes públicos
e de auxiliares do Judiciário, possuem o basilar dever funcional de integridade.
Trata-se do dever de obediência a preceitos jurídicos e ético-normativos de
honestidade funcional. Cuida-se de um dos deveres mais óbvios e, no entanto,
inexplorados, em termos de conteúdos virtuais variáveis.
Para dizer uma obviedade, nesse cenário, repita-se: o perito não pode
emitir um laudo em troca de vantagem indevida, qualquer que seja sua
natureza, econômica ou não, oferecida por uma das partes ou por terceiros,
para favorecê-la no processo. Sobre essa hipótese, não pairam dúvidas: a
vedação decorre cristalina do ordenamento jurídico. Por isso, nem mesmo se
pretende focar uma tal situação, com prioridade, neste trabalho.
Indiscutivelmente, pratica crime o perito que se pauta por esse tipo de
comportamento, assim como o juiz que vende suas decisões, donde logicamente
incorrerão, ambos, na improbidade administrativa. Se um juiz é
inexplicavelmente condescendente com um perito firmatário de laudos
francamente abusivos e dissonantes da normativa que rege tais atos, acolhendo-
os, deve-se especular em torno às razões dessa postura jurisdicional, nos canais
competentes. De qualquer modo, a parcialidade do perito, no favorecer uma das
partes, pode encontrar raízes ideológicas, sentimentais ou corporativas, qualquer
delas a indicar configuração de indícios de improbidade [48].
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A desonestidade pode fazer fronteira com outros terrenos, é verdade, e
nem sempre haverá de ensejar configuração de ato ímprobo. Forçoso, no
entanto, é reconhecer a impossibilidade de o perito atuar de forma parcial, como
se fora parte no processo, denotando interesse na causa. Também é vedada ao
perito a conduta de imiscuir-se nas áreas reservadas aos juízes, adentrando
espaços de valorações subjetivas, investigações, inquirições, porque a perícia
não é substitutiva ou sucedânea da função jurisdicional, sendo esta última
indelegável. De acordo com jurisprudência encampada pelo extinto Tribunal de
Alçada gaúcho, por sua 2a Câmara Cível, caracteriza desvio de função o
comportamento do perito que se aproxima da parcialidade inerente aos
movimentos das partes ou busca invadir seara privativa dos juízes, em qualquer
caso avançando limites e extrapolando de sua finalidade em prejuízo evidente de
sua função auxiliar. Em suma, tanto configura o desvio de função a conduta de
o perito assumir ares de juiz, quanto a de assumir ares de parte, qualquer delas
a tornar imprestável a perícia. Cuida-se de uma maneira parcial de atuar [49].
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Observa-se que a eficiência é um parâmetro de responsabilidade dos
agentes públicos em geral. Não se pode abdicar do exame em torno ao
atendimento ao dever de eficiência funcional, visto que seu rompimento traduz
suporte aos mais variados tipos de responsabilidade, desde a disciplinar até a
penal. Tal como ocorre com a desonestidade, que comporta graus variáveis de
intensidade e conteúdos, também a ineficiência perpassa numerosos estágios
axiológicos, de tal sorte que sua configuração há de ser aquilatada de modo
fundamentado e criterioso, com o escalonamento necessário de suas faixas de
incidência [51].
Se resulta ser ímprobo um perito que vende seus laudos, e sobre isso
não há dúvida, diante da previsão expressa da própria Lei Geral de Improbidade
[52]
, também o é o intoleravelmente incompetente, que incorre em erros crassos,
grosseiros, teratológicos. Cuida-se, não obstante, de situações freqüentemente
vizinhas: o erro crasso pode servir de fachada para a desonestidade mais abjeta.
Ambientes dominados por ineficiência endêmica são, não raramente, infectados
com espantosa naturalidade pelo vírus da corrupção [53].
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necessários à satisfação dos interesses gerais da sociedade. Esse sentimento de
desprezo e de indiferença para com o outro – aqui simbolizado no jurisdicionado
e nos valores imanentes à gestão do sistema judicial – pode ser tão nefasto
quanto a intenção transgressora, em termos de prejuízos concretos.
Uma decisão arbitrária não tem vocação universal, nem mesmo geral,
caracterizando-se, isto sim, como totalmente particular e casuísta, uma vez que
se destina a violar direitos no caso concreto e jamais a estabelecer paradigmas
justos e racionais. Daí por que emerge a importância de se analisarem os
critérios eleitos pelo perito, em sintonia com as regras técnicas vigentes e
predominantes, bem assim, quando houver conexão com apuração de valores
por serviços prestados, com as regras de mercado, cujos conteúdos e contornos
devem, no mínimo, ser ventilados e discutidos no laudo pericial [56].
Veja-se que um laudo pericial deve ser, por excelência, um juízo técnico
fundamentado, balizado por regramento normalmente científico, racionalmente
rastreável, o que supõe uma pretensão à universalidade, dentro de expectativas
legítimas por isonomia e justiça, diante da interferência que produz no
entendimento do juiz. Quando o laudo se baseia em concepções estritamente
subjetivas e obscuras, alicerçadas em percepções privativas do perito acerca de
valores totalmente abertos ou indecifráveis, o ato deixa de ser técnico e passa a
ostentar outra funcionalidade, extremamente discricionária, acobertando uma de
duas alternativas: (a) um despreparo profissional intolerável em um perito; (b) a
parcialidade do perito em relação ao objeto de sua peritagem. Em qualquer
delas, não obstante, há desvio de poder, sendo que, no segundo caso, ele
ganha formas que vão desde a corrupção até os favorecimentos contaminados
por convicções ideológicas ou corporativas [57].
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6. À guisa de conclusão:
(d) juízes e peritos que tiverem atuado com erro, ainda que não sejam
enquadráveis nas malhas da Lei Geral de Improbidade, podem ser
responsabilizados pelos ressarcimentos pertinentes aos danos morais e materiais
causados, seja às partes lesadas diretamente, seja à sociedade e seus interesses
difusos, além de ficarem expostos às medidas correicionais pertinentes, tanto na
via disciplinar, quanto no âmbito dos controles externos;
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TEXTO 2
O princípio da boa-fé objetiva no Código Civil
INTRODUÇÃO
O Código Civil aprovado, Lei n º 10.406 de 10/01/02, confirmou o
"sentido social" que presidiu a feitura do projeto. Optou-se por preservar,
sempre que possível, as disposições do código atual, mas é inegável que o
Código atual obedeceu ao espírito de sua época e as alterações se fizeram
necessárias.
Em contraste com o sentido individualista que condicionava o Código
Civil anterior, o "sentido social" é uma das características mais marcantes do
Código Civil ora em vigor.
No item 26 do Parecer Final do Relator ao Projeto do Código Civil, o
Senador Josaphat Marinho, ressaltou a necessidade de prudência no
prosseguimento dos trabalhos legislativos, cabendo proceder-se "com espírito
isento de dogmatismo, antes aberto a imprimir clareza, segurança e
flexibilidade ao sistema em construção, e portanto adequado a recolher e
regular mudanças e criações supervenientes" (1).
Há algum tempo, vem sendo sentido o crescente intervencionismo
estatal na atividade privada, acarretando a mitigação do princípio da autonomia
da vontade e por conseqüência enfraquecendo a idéia da obrigatoriedade das
convenções, com a crescente admissão de revisão dos contratos.
Com o fim do individualismo do Século XIX, o paradigma do dirigismo
contratual trouxe consigo alguns conceitos, como a ordem pública, a função
social, o interesse público e a boa fé.
Ao fim da 2a Guerra Mundial, e diante do amadurecimento do mundo,
os conceitos amadurecem e passam a possuir contornos mais definidos,
enquanto que a ordem pública perde seu caráter intervencionista e passa a
preservar a dignidade humana.
Anteriormente o texto baseava-se na segurança da lei, na idéia de que
a lei deveria ser universal geral, prever tudo (quanto o possível), onde o Juiz era
uma figura automata, o famoso "boca da lei", la bouche de la loi, na linguagem
de Montesquieu.
Já no início do Século XX esses conceitos foram alterados, substituídos
por aquilo que hoje chama-se de "sistema aberto". Nesse, o ponto central
deixou de ser o texto legal, passou a ser o juiz e deixamos de utilizar conceitos
determinados para utilizarmos cláusulas gerais.
No direito pós-moderno o Código Civil deixou de ser o principal
ordenamento jurídico para dar lugar à Constituição Federal e aos vários e
importantes microssistemas (como por exemplo o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, entre outros).
Os textos constitucionais passaram a definir princípios relacionados a
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temas antes exclusivamente do Código Civil. A função destes princípios é a de
integrar e conformar a legislação ordinária à Lei Fundamental. A adoção destes
conceitos jurídicos indeterminados, que trouxeram como vantagem a
possibilidade de adaptação das normas às novas necessidades da coletividade,
deixando de ser apenas mecanismos supletivos, para adquirirem a função de
fonte de direito.
É dentro desse contexto que surge o princípio da boa-fé objetiva.
I – CLÁUSULAS GERAIS
Constituem janelas abertas para a mobilidade da vida, e revolucionam a
tradicional teoria das fontes.
Como esclarece Judith Hofmeister Martins Costa, através do sintagma
"cláusula geral". "costuma-se também designar tanto determinada técnica
legislativa em si mesma não-homogênea, quanto certas normas jurídicas,
devendo, nessa segunda acepção, ser entendidas pela expressão "cláusula
geral" as normas que contêm uma cláusula geral.
É ainda possível aludir, mediante o mesmo sintagma, às normas
produzidas por uma cláusula geral" (2)
Como é próprio do sistema de codificação, o Código Civil atual não
abrangem materiais que envolvam questões que vão além dos lindes jurídicos,
albergando somente as questões que se revistam de certa estabilidade, de certa
perspectiva de duração, sendo incompatível com novidades ainda pendentes de
maiores estudos.
O Código anterior possuía excessivo rigorismo formal, ou seja, quase
sem referência à equidade, boa-fé, justa causa ou quaisquer critérios éticos. Já o
novo Código Civil conferiu ao Juiz não só o poder de suprir lacunas, como
também para resolver, onde e quando previsto, de conformidade com valores
éticos.
Os novos tipos de normas buscam formular hipóteses legais mediante o
emprego de conceitos cujos termos têm significados intencionalmente vagos e
abertos. As cláusulas gerais rejeitam a indicação de conceitos perfeitos e
acabados pois buscam a vantagem da mobilidade, proporcionada pela
intencional imprecisão, e por isso permite capturar, em uma mesma hipótese,
uma ampla variedade de casos resolvidos por via jurisprudencial e não legal.
As cláusulas gerais podem ser de três tipos, e em outro trabalho Judith
Hofmeister Martins Costa (3) estruturam-na, a saber:
Multifacetárias e multifuncionais, as cláusulas gerais podem ser
basicamente de três tipos, a saber: a) disposições de tipo restritivo,
configurando cláusulas gerais que del 26 do Parecer Final do Relator ao Projeto
do Código Civil, o Senador Josaphat Marinho, ressaltou a necessidade de
prudência no prosseguimento dos trabalhos legislativos, cabendo proceder-se
"com espírito isento de dogmatismo, antes aberto a imprimir claregais, que têm
sua fonte no princípio da liberdade contratual; b) de tipo regulativo,
configurando cláusulas que servem para regular, com base em um princípio,
hipóteses de fato não casuisticamente previstas na lei, como ocorre com a
regulação da responsabilidade civil por culpa; e, por fim, de tipo extensivo, caso
em que servem para ampliar uma determinada regulação jurídica mediante a
expressa possibilidade de serem introduzidos, na regulação em causa, princípios
e regras próprios de outros textos normativos. É exemplo o artigo 7o do Código
do Consumidor e o parágrafo 2o do artigo 5o da Constituição Federal, que
reenviam o aplicador da lei a outros conjuntos normativos, tais como acordos e
tratados internacionais e diversa legislação ordinária (4)
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Os elementos que preenchem seu significado não são necessariamente,
elementos jurídicos, pois virão de conceitos sociais, econômicos ou moral. A
principal função das cláusulas gerais, é a de permitir que no sistema jurídico de
direito escrito, a criação da norma jurídica ficará ao alcance do juiz, atribuindo à
sua voz a dicção legislativa, pela reiteração dos casos e pela reafirmação, no
tempo, da ratio decidendi dos julgados e a exata dimensão da sua
normatividade.
Nas primeiras linhas do Parecer de aprovação do Relator do Projeto do
Código Civil no Senado Federal, Senador Josaphat Marinho, assim expressa:
"(...) o Projeto de Código Civil em elaboração no ocaso de um para o nascer de
outro século, deve traduzir-se em fórmulas genéricas e flexíveis em condições de
resistir ao embate de novas idéias (...) (5).
Clóvis do Couto e Silva, integrante da mesma comissão, escreveu em
trabalho acerca da proposta da nova lei civil:
"O pensamento que norteou a Comissão que elaborou o projeto do
Código Civil brasileirofoi o de realizar um Código central, no sentido que lhe deu
Arthur Steinwenter, sem a pretensão de nele incluir a totalidade das lei em vigor
no País (...). O Código Civil, como Código Central, é mais amplo que os código
civis tradicionais. É que a linguagem é outra, e nela se contém "clausulas
gerais", um convite para uma atividade judicial mais criadora, destinada a
complementar o corpus júris vigente com novos princípios e normas" (6).
As cláusulas gerais não estão dispersas no Código Civil. É nos livros
concernentes ao Direito de Família e ao Direito das Obrigações que encontramos
a maior parte das cláusulas.
II – CONCEITO
A boa-fé objetiva constitui um princípio geral, aplicável ao direito.
Segundo Ruy Rosado de Aguiar (7) podemos definir boa-fé como "um
princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de acordo
com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de
conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não
previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de
permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e
da execução da avenca".
Como se vê, a boa-fé objetiva diz respeito à norma de conduta, que
determina como as partes devem agir. Todos os códigos modernos trazem as
diretrizes do seu conceito, e procuram dar ao Juiz diretivas para decidir.
Mesmo na ausência da regra legal ou previsão contratual específica, da
boa-fé nascem os deveres, anexos, laterais ou instrumentais, dada a relação de
confiança que o contrato fundamenta.
Não se orientam diretamente ao cumprimento da prestação, mas sim ao
processamento da relação obrigacional, isto é, a satisfação dos interesses
globais que se encontram envolvidos. Pretendem a realização positiva do fim
contratual e de proteção à pessoa e aos bens da outra parte contra os riscos de
danos concomitantes.
Na questão da boa-fé analisa-se as condições em que o contrato foi
firmado, o nível sociocultural dos contratantes, seu momento histórico e
econômico. Com isso, interpreta-se a vontade contratual.
Deve-se crer que, em princípio, nenhum contratante celebra contrato
sem a necessária boa-fé. Mas, a má-fé inicial ou interlocutória de ser punida. E
em cada caso o juiz deverá definir quando e onde foi o desvio dos participes do
contrato, e levará em conta a hermenêutica e interpretação.
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As cláusulas gerais inserida no Novo Código Civil, não nos dão perfeita
idéia do conteúdo, pois tem tipificação aberta e com conteúdo dirigido aos
Juizes. Mas, constituem-se em mecanismo técnico-jurídico para aferição da
abusividade do negócio jurídico ou da interpretação da vontade.
O equilíbrio contratual pretendido não é apenas o econômico, pretende-
se preservar a função econômica para a qual o contrato foi concebido,
resguardando-se a parte que tiver seus interesses subjugados aos de outra.
O primeiro jurista a mencionar, no Brasil, a aplicação do princípio da
boa-fé objetiva foi Emilio Betti, em 1958 (8). No entanto, o Código Comercial de
1850 previa a boa-fé objetiva como cláusula geral em seu artigo 131, I, como
elemento de interpretação dos negócios jurídicos, como segue:
Art. 131. Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a
interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes
bases:
1. a inteligência simples e adequada, que for mais conforme a boa-fé, e
ao verdadeiro espírito e a natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à
rigorosa e restrita significação das palavras;...
Esse artigo não teve aplicação doutrinária ou jurisprudencial e somente
agora a boa-fé recebeu tratamento legislativo próprio.
Segundo Renata Domingues Barbosa Balbino (9), entre a boa-fé objetiva
e a subjetiva há um elemento comum – a confiança, mas somente na objetiva
há um segundo elemento – o dever de conduta de outrem. Ensina ainda:
"a boa-fé objetiva possui dois sentidos diferentes: um sentido negativo
e um positivo. O primeiro diz respeito à obrigação de lealdade, isto é, de impedir
a ocorrência de comportamentos desleais: o segundo diz respeito à obrigação de
cooperação entre os contratantes, para que seja cumprido o objeto do contrato
de forma adequada, com todas as informações necessárias ao seu bom
desempenho e conhecimento (como se exige, principalmente, nas relações de
consumo). (10)
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convencionados, há deveres não expressos que obrigam as partes. Há os
deveres anexos ou secundários que decorrem implicitamente dele.
Artigo 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios
ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural ou
industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.
Entende-se por negócio ordinário aqueles que o devedor insolvente
realiza para prover a subsistência própria e da família, ou para manutenção de
seu estabelecimento comercial, e sem que com isso acarrete fraude a credores.
Este artigo estatui uma presunção de boa-fé e eficácia, mas esta
presunção não é absoluta e admite prova em contrário (presunção iuris tantum).
Artigo 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se
dissimulou, se válido for na substancia e na forma.
No Código Civil de 1916 a simulação era causa de anulação do negócio
jurídico. Mas, o Código atual, seguindo o modelo alemão (BGB, § 117), comina
nulidade para o negócio simulado. Desnecessária a prova de dano efetivo a
alguém, a mentira contida, por si só, é suficiente para invalida-lo.
O Código inovou deslocando a simulação para negócio nulo, e alterando
seu conceito. Na legislação anterior era necessário a aprova da "intenção de
prejudicar terceiros, ou de violar disposição de lei" (20). Agora, o novo Código
considera-o nulo simplesmente por que a declaração não corresponde à vontade
real dos sujeitos do negócio.
Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.
Traz a função de controle dos limites do exercício de um direito. No
conceito sustentado por este artigo, o ato ilícito é todo fato jurídico, na categoria
dos fatos humanos que, sendo aptos a produzirem efeitos jurídicos, se tornam
atos jurídicos. Sempre que forem fatos humanos voluntários.
Artigo 309. O pagamento feito ao credor de boa-fé ao credor putativo é
válido, ainda provado depois que não era credor.
Credor putativo – pessoa que passa aos olhos de todos como sendo
credor e na verdade não é.
O Direito utiliza-se dos princípios da confiança e boa-fé para assegurar a
complexa estrutura dos vínculos comerciais. Nesse contexto verifica-se a
importância da aparência de representação para a concretização dos negócios
jurídicos. Sem a boa-fé e a preponderância da aparência à realidade, estes
pilares tornam-se vulneráveis.
Assim, se exteriorizada uma situação de direito capaz de enganar, e
presentes os requisitos objetivos e subjetivos, aplica-se a aparência de
representação como forma de defesa do devedor, gerando a responsabilidade
patrimonial do suposto representado.
Artigo 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé.
O artigo recepcionou o princípio da boa-fé objetiva nas fases de
conclusão e execução do contrato. Não abrangeu sua aplicação na fase das
tratativas negociais. Há quem entenda que a teoria da boa-fé objetiva deveria
estabelecer regras de interpretação induvidosas, mas acabou por positiva-la
como cláusula geral.
Artigo 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na
conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a
respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.
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O texto inserido no Código Civil anterior é bastante parecido. Em ambos
trata a boa-fé em sua forma objetiva, mas restringe a sua aplicação ao contrato
de seguro.
José Augusto Delgado, ao tratar da boa-fé como princípio influente em
várias relações jurídicas, menciona que "são dois, entre outros, os essenciais
princípios que o segurado e o segurador estão obrigados a cumprir na conclusão
e na execução do contrato, o da boa-fé e o da veracidade". (21)
Artigo 686. A revogação do mandato, notificada somente ao
mandatário, não se pode opor a terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele
trataram, mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam
caber contra o procurador.
Artigo 689. São válidos, a respeito dos contratantes de boa-fé, os atos
com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este
ignorar a morte daquele ou a extinção do mandato, por qualquer outra forma.
A regra geral é a revogabilidade do mandato, sempre que assim
entender o mandante, podendo também haver renuncia por parte do mandante
antes de expirado o prazo de vigência deste.
O mandante que decide revogar deve notificar o mandatário (judicial ou
extrajudicialmente) e notificar também eventuais terceiros junto aos quais o
mandatário venha exercendo seus poderes. O mandante arcará com a
responsabilidade pela falta de publicidade da decisão de renuncia ou de
revogação.
Artigo 814. As dívidas de jogo ou de apostas não obrigam ao
pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se
pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.
§ 1º. Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou
envolva reconhecimento, novação, ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade
resultante não pode ser oposta a terceiro de boa-fé.
Protege-se exclusivamente o terceiro de boa-fé que venha a se tornar
credor dessa dívida.
Artigo 878. Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações
sobrevindas ‘a coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto neste
Código sobre o possuidor de boa-fé ou de má-fé, conforme o caso.
Artigo 879. Se aquele que indevidamente recebeu um imóvel o tiver
alienado em boa-fé, por título oneroso, responde somente pela quantia
recebida; mas, se agiu de má-fé, além do valor do imóvel, responde por perdas
e danos.
A posse de boa-fé vem estabelecida no artigo 1.201, e sua
caracterização decorre da plena convicção de que o possuidor ignore o vício
impeditivo da aquisição do bem.
A intenção do legislador é desestimular o comportamento daquele que
age conscientemente de forma ilícita e impedir o enriquecimento ilícito.
Artigo 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o
obstáculo que impede a aquisição da coisa.
Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção da
boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite
esta presunção.
Artigo 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o
momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora
que possui indevidamente.
Aquele que adquire a posse, tirando-a de forma violenta de quem a
possuía, não gera direitos em nosso ordenamento jurídico. Igualmente, quem
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exerce atos obscuros não adquire posse justa. De igual forma, quem aparenta
ser possuidor, mas exerce a posse de forma precária. Estes não adquirem direito
algum.
Para ser considerado possuidor de boa-fé é indispensável que esteja na
condição de proprietário, ou seja possuidor legítimo; e que seu título não revele
o contrário. Se embora conhecendo o vício, este toma posse da coisa, age de
má-fé.
O possuidor titulado tem para si a presunção de boa-fé, presunção iuris
tantum.
Artigo 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar,
aos frutos percebidos.
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé
devem ser restituído, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio;
devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.
Artigo 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou
deterioração da coisa, a que não der causa.
Artigo 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das
benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe
forem pagas, a levanta-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá
exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
O texto legal é claro, a posse presume-se de boa-fé, até que se prove
em contrário.
Os frutos naturais percebidos no decurso da posse de boa-fé pertencem
ao possuidor. Após a cessação da posse de boa-fé o possuidor passa a ter a
obrigação de restituir ao titular a totalidade dos frutos percebidos.
A boa-fé do possuidor cessa com a sua citação para a ação.
Artigo 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem
oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade,
independentemente de título de boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o
declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de
Registro de Imóveis.
Artigo 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido
pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores
(art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art.
1.242, com justo título e de boa-fé.
A usucapião (o vocábulo agora é utilizado no feminino) é modo
originário de aquisição da propriedade. Para sua efetivação é necessário que o
possuidor venha a juízo e requeira a declaração, por sentença, da situação hábil
a usucapir. A sentença só declara uma situação já existente.
Os principais requisitos do instituto são: a posse e o tempo. Mesmo
assim, a doutrina não é uniforme, trazendo inúmeros adeptos para a teoria
subjetiva e para a teoria objetiva do conceito.
Os subjetivistas defendem que ocorre uma presunção de renuncia ao
direito pelo antigo dono. Se durante um certo lapso de tempo o proprietário se
desinteressa pela coisa é por que a abandonou. Já os objetivistas baseiam-se na
noção de utilidade social. A coisa deve atender à sua função econômico-social, e
atender ao interesse da coletividade e o possuidor pode usucapir quando utiliza
a coisa segundo sua destinação sócio-economica que lhe negou o titular e desta
forma atende aos interesses sociais.
A posse é transmitida aos herdeiros ou legatários do possuidor com os
mesmos caracteres. Assim, se a posse era de boa-fé continua boa e válida. Mas,
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se era de má-fé o vício inibe o usucapião. A morte do possuidor não convalida o
vício.
Artigo 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio
perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se
procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.
A aquisição da propriedade se faz com a ocorrência dos seguintes
requisitos:
- que se tenha edificado ou plantado em território alheio;
- aquele que assim procedeu deverá ter agido de boa-fé;
- o valor da plantação ou construção deve exceder consideravelmente o
valor do terreno;
- tenha sido fixada judicialmente a indenização.
Se aquele que edifica, semeia ou planta em território alheio age de má-
fé, o dono do terreno poderá pedir a devolução da coisa no estado primitivo, às
custas do que agiu de má-fé.
Artigo 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio,
invade solo alheio em proporção não superior à vigésima parte deste, adquire o
construtor de boa-fé a propriedade da parte do solo invadido, se o valor da
construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente,
também, o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente.
Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste
artigo, o construtor de má-fé adquire a propriedade da parte do solo que
invadiu, se em proporção à vigésima parte deste e o valor da construção
exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção
invasora sem grave prejuízo para a construção.
Artigo 1.259. Se o construtor estiver de boa-fé, e a invasão do solo
alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo
invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão
acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área
remanescente; se de má-fé, é obrigado a demolir o que nele construiu, pagando
as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro.
Se comparado com o artigo 547 do Código Civil de 1.916, a disposição
atual traz uma solução mais justa, apesar de serem discutíveis os percentuais
fixados.
A boa-fé do construtor é presumida e caso provada a má-fé a solução
encontra-se no parágrafo único, pois a lei não beneficiaria quem age com
torpeza.
Artigo 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e
incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a
propriedade.
Artigo 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos,
produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.
Tal como a usucapião de coisa imóvel, a usucapião de coisa móvel fixa
os seguintes requisitos:
- posse com animo de dono;
- posse contínua sem contestação;
- lapso temporal;
- o justo título e a boa-fé para o caso da usucapião ordinária.
Aqui se torna pertinente toda a discussão doutrinária apresentada na
usucapião de coisa imóvel.
Artigo 1.268. Feita por quem não é proprietário, a tradição não aliena a
propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou
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estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao
adquirente de boa-fé, como a qualquer outra pessoa, o alienante se afigurar
como dono.
§ 1º. Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a
propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que
ocorreu a tradição.
Tradição por quem não é dono. A regra determina que fica frustrada a
aquisição do domínio, por que ninguém pode alienar senão aquilo que lhe
pertence. Excetua-se o adquirente de boa-fé, quando as circunstancias dos fatos
faziam-no entender que o alienante seria o dono.
Neste caso, em favor do adquirente de boa-fé, opera-se a tradição
desde o momento em que o ato foi praticado.
Artigo 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé
por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos,
produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.
§ 1o. Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os
seus efeitos civis só a ele e aos filhos serão aproveitados.
Casamento putativo – Considera-se de boa-fé o cônjuge que tiver
contraído o casamento na ignorância desculpável do vício causador da nulidade
ou anulabilidade. Mas, o conhecimento da boa-fé é exclusivamente de
competência dos Tribunais. Apesar do rompimento do vínculo sobrevirão os
efeitos ao cônjuge de boa-fé até a data da sentença anulatória (efeitos ex
nunc).
A boa-fé dos cônjuges presume-se, cabendo a prova da má-fé a quem
alega.
Como se vê, a boa-fé subjetiva, que traz em sua aplicação a
preocupação em analisar-se se o sujeito possuía ou não o conhecimento do
caráter ilícito de seu ato, é encontrado em dispositivos legais que tratam de
temas como usucapião, aquisição de frutos e família.
Já a boa-fé objetiva, que diz respeito a normas de conduta, fixando
como o sujeito deve agir, é aplicado em temas ligados à direito das obrigações.
Alguns doutrinadores consideram que a teoria da boa-fé objetiva
deveria ser positivada de forma menos fluida, fixando precisamente os casos de
sua incidência e estabelecendo regras de conduta com exata interpretação.
Opinião que não compartilhamos.
Como já exposto, a legislação consumerista foi pilar para o conceito do
princípio da boa-fé objetiva e hoje beneficia-se do sistema aberto, que permite o
exame do caso concreto para a consecução do fim econômico.
Segundo Silvio de Salvo Venosa, "há três funções nítidas no conceito de
boa-fé objetiva: função interpretativa (artigo 113); função de controle dos
limites do exercício de um direito (artigo 187); e função de integração do
negócio jurídico (artigo 421)." (22) Então, nossa legislação pátria cuidou para que
as várias espécies de relações jurídicas mantivessem a boa-fé expressamente
exigidas, impondo segurança nos negócios entre as pessoas.
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Desta forma, se fará necessário que a jurisprudência consolide a efetiva
dimensão de seus contornos, e até que isso se faça, o artigo 422 nasce
insuficiente.
Resta ainda, incluir-se o período que vai do pré-contrato ao pós
contrato, de vez que o contrato é negócio jurídico que tem começo, meio e fim,
e para sua consecução faz-se necessária a aplicação do princípio da boa-fé
objetiva em todas as suas fases, sob pena de viciar as demais.
CONCLUSÃO
Mesmo com os problemas apontados em função da insuficiência
legislativa, deve-se reconhecer o avanço e a importância da inclusão do princípio
da boa-fé objetiva no Direito Brasileiro.
O Direito Civil vêm perdendo a estrutura abstrata e generalizante para
substitui-las por disciplinas legislativas cada vez mais concretas. Em especial na
nova teoria geral dos contratos, onde as regras são suficientes para transpor o
modelo clássico contratual, individualista e patrimonializante, para um modelo
de produção coletiva dos interesses contratados, humanizando o direito
contratual como fonte primária de interesse social.
Apesar dessa publicização do direito privado vir sendo sentido há algum
tempo, como decorrência do crescente intervencionismo estatal na atividade
priva, não se pode afirmar que este é um caminho sem volta.
O texto do artigo 422 do novo Código Civil recepcionou o princípio da
boa-fé objetiva na forma de cláusula geral, mas a doutrina e a jurisprudência
nacional sempre foram bem mais abrangentes e vinham aplicando-o desde as
tratativas pré-negociais até as relações post pactum finitum.
Apesar destas decisões não serem fundamentadas em texto legal,
nossos tribunais já vinham penalizando o contratante que age fora da conduta
exigível e com isso ampliou as fronteiras, hoje estreitadas pelo dispositivo
aprovado.
A interpretação literal do artigo 422, por ser mais restritivo quanto às
fases contratuais, se chocará com a sólida construção doutrinária e
jurisprudencial já existente, e com isso violará o espírito da norma. A sua
interpretação deverá levar em conta que, o negócio jurídico celebrado é único,
apesar de possuir fases para sua concretização.
Mesmo diante da necessidade de tempo para dimensionarmos seus
contornos, diante do caráter dinâmico da relação obrigacional, a cláusula geral
da boa-fé objetiva só poderia prosperar em um sistema aberto.
Como cláusula geral, que se constitui de normas (parcialmente) em
branco, que serão completadas através de referencias de padrões de conduta,
ou por valores juridicamente aceitos, terá seus elementos jurídicos extraídos
diretamente da esfera social, econômica ou moral e corresponderá à verdade de
seu tempo.
Assim, apesar das limitações do texto legal, o novo Código Civil permite
que, com relação ao princípio da boa-fé objetiva, os operadores do direito
atendam à exigência impostergável de que o contrato se ajuste aos valores de
uma sociedade mais harmônica e justa. E, pela compreensão do caso concreto,
permita-se a permanente atualização de suas diretrizes, sem que seja necessária
a alteração do texto legal.
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