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DIREITO ADMINISTRATIVO II – PERGUNTAS FREQUENTES

REGENTE: PAULO OTERO

1. Irregularidade administrativa mata a vinculação administrativa à


juridicidade

A atuação administrativa, em qualquer uma das suas formas de expressão, encontra-se


subordinada à juridicidade e nos casos em que lhe seja desconforme padecerá de
invalidade. Porém, algo diferente sucede com as irregularidades.

Caberá, primeiramente, entender o que é uma irregularidade administrativa. A


irregularidade administrativa traduz-se numa atuação administrativa desconforme à
juridicidade, mas que, apesar de ser um agir administrativo contra legem, é admitido pelo
sistema jurídico. Manuel de Andrade refere que a irregularidade pode ser entendida como
uma “invalidade quanto à causa, mas não quanto aos efeitos”, pelo que se torna possível
afirmar aqui que há uma manifestação relativizadora da força da juridicidade,
reconduzida a uma soft law. Assim, a irregularidade administrativa é uma
desconformidade com o ordenamento jurídico que não gera um efeito invalidante.

Pode-se dizer que a irregularidade traduz uma resposta menos grave face a uma conduta
administrativa desconforme à juridicidade, assumindo assim uma natureza excecional ou
marginal de Direito Administrativo. É uma reação do sistema que sanciona uma atuação
administrativa desconforme à juridicidade, sem privar essa atuação dos efeitos normais
da conduta válida e sem a sujeitar a uma intervenção negativo-resolutiva.

O facto de a conduta irregular, desconforme à ordem jurídica, produzir os mesmos efeitos


que uma conduta válida é desafiante da vinculação administrativa à juridicidade.

Porém, o fundamento da irregularidade encontra-se numa conjugação entre os princípios


da proporcionalidade, da atribuição do excesso de formalismo e dos aproveitamentos das
condutas jurídicas, num apelo à materialidade decisória da conduta administrativa. Os
vícios aqui em causa, produzem uma tão pequena lesão ao interesse público que seria
antieconômico tolher a possibilidade normal de produção de efeitos jurídicos do ato.

A violação da juridicidade deve reconduzir-se a situação de invalidade ou de


irregularidade. O art. 163.º/5 do CPA prevê a possibilidade de os tribunais e a
administração pública negarem o efeito anulatório face a vícios do procedimento e a
vícios de fundo, transformando invalidades em irregularidades, isto numa lógica de
aproveitamento dos atos jurídicos. O próprio art. 282.º/4 da CRP determina que quando
a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excecional relevo o
justificarem, o tribunal poderá restringir os efeitos da inconstitucionalidade ou da
ilegalidade com um alcance mais restrito. Assemelha-se isto ao que sucede com a redução
das invalidades às meras irregularidades.

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Não creio que se possa concluir que a irregularidade administrativa mata a vinculação
administrativa à juridicidade, estando ela prevista apenas para situações excecionais,
pretendendo salvaguardar a segurança jurídica e a tutela do interesse público.

2. Agir com imparcialidade na defesa com parcialidade do interesse público

O professor Paulo Otero refere que a administração pública, no desenvolvimento das suas
tarefas, deve sempre agir no interesse público, devendo conferir primazia à satisfação dos
interesses da coletividade sendo, por isso, parcial na defesa de tais interesses, sendo certo
que, por força da Constituição, deve fazê-lo à luz de um postulado de ação pautado pelo
princípio da imparcialidade – age com imparcialidade na defesa com parcialidade do
interesse público.

Por meio deste princípio o procedimento deverá ser estruturado no sentido fazer integrar
no itinerário decisório administrativo os diferentes interesses relevantes para as situações
concretas a decidir. A falta de ponderação, a sua insuficiência ou erro, assim como uma
inexata ponderação dos interesses relevantes consubstanciam violações do princípio da
imparcialidade, sempre passíveis de controlo judicial.

O princípio da imparcialidade consagrado nos art. 266.º/2 da Constituição e 9.º do CPA


pretende contribuir para um procedimento administrativo justo e equitativo. Surgem na
lei vários institutos de natureza preventivamente garantística da imparcialidade
administrativa, tais como: a incompatibilidade, o impedimento, a escusa ou a suspeição.
Noutras situações ainda, a importância de se prosseguir num procedimento justo e
equitativo impõe a exigência de um procedimento de natureza concursal, procurando-se,
em conjugação com o princípio da transparência, impedir situações de favoritismo ou de
arbítrio administrativo, encontrando na publicidade e no dever de fundamentação
instrumentos de efetivação e aferição.

3. O CPA de 2015 e a revisão de 2017 do CCP subordinam os efeitos da


invalidade a ponderações que relativizam a subordinação administrativa à
juridicidade

A circunstância de existir uma juridicidade dotada de rigidez não pode fazer esquecer que
em termos paralelos, se observa o progressivo desenvolvimento de um soft law em que
domínios crescentes do agir administrativo, gerando uma Administração Pública apenas
debilitadamente vinculada a parâmetros normativos externos.

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Veja-se duas situações:

1) as normas integrantes de um soft law que já nasceram dotadas de uma flexibilidade


aplicativa ou de uma debilidade de tutela judicial, sem possuírem uma força ordenadora
injuntiva, antes assumem o caráter de meras recomendações ou parâmetros de conduta
não vinculativos – assim, verificando-se uma ação administrativa que as contraria nunca
será inválida;

2) em sentido diferente, o soft law pode ser resultado de normas que, tendo nascidas
dotadas de força vinculativa, a ordem jurídica deixou de sancionar a sua contrariedade
com a invalidade, reconduzindo a situação a uma mera irregularidade, ou, em alternativa
- cria outra norma dizendo que, apesar de reconhecer existir invalidade, à primeira vista,
lhe nega qualquer efeito anulatório, conferindo-lhe a produção de efeitos normais, como
se nenhuma desconformidade existisse – estaremos perante meras irregularidades – como
sucede pelo disposto nos artigo 163.º/5 do CPA e 283.º/2 e 4 do CCP.

(irregularidades – resposta 1.)

A conduta administrativa que em circunstâncias normais seria inválida por ser contrária
à juridicidade, pode, em determinadas circunstâncias, encontrar um fundamento que, por
via ponderativa ou de habilitação jurídico-positiva, a torne válida, justificada ou
desculpável. Neste contexto, a invalidade não se resume a uma qualquer desconformidade
da conduta administrativa face à juridicidade, sendo importante saber as circunstâncias
de facto subjacentes ao concreto agir administrativo, pois, em determinados cenários,
torna-se válido, ou pelo menos, justificável ou desculpável aquilo que em circunstâncias
ordinárias seria sempre inválido.

Igualmente, razões de segurança jurídica, de tutela da confiança, envolvendo o decurso


do tempo, podem conduzir à consolidação na ordem jurídica de situações administrativas
criadas à margem da juridicidade, justificando o tratamento como válidos de atos
originariamente inválidos – art. 165.º/3 e 4 do CPA.

O art. 162.º/3 relativo ao regime da nulidade, prevê a possibilidade de atribuição de efeitos


jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios
da boa-fé, a proteção da confiança e da proporcionalidade ou de outros princípios
jurídico-constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo, manifestando
uma positivação legal do acima dito. Ou veja-se o art. 163.º/4 que atribui uma
possibilidade de anulação dos atos anuláveis, deixando que estes, decorrido o prazo, se
consolidem na ordem jurídica; ou ainda, o art. 163.º/5 que prevê situações diante as quais
os atos, mesmo que inválidos, não são suscetíveis de ser anulados.

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O próprio CCP prevê no seu art. 285.º/3 e 4 a possibilidade de redução ou conversão de
contratos públicos, nos termos do disposto nos art. 292.º e 293.º do Código Civil,
independentemente do seu desvalor jurídico e caso estas não sejam possíveis e o efeito
anulatório se revele desproporcionado ou contrário à boa-fé, pode este ser afastado por
decisão judicial ou arbitral, ponderados os interesses público e privado em presença e a
gravidade do vício do contrato em causa.

Cabe pronunciar se estas ponderações atenuam os efeitos da invalidade (... opinião). E


havendo atenuação dos efeitos das invalidades poderemos afirmar que isto contribui para
uma relativização da subordinação à juridicidade, se se nega o efeito anulatório a condutas
anuláveis ou se reconhecem efeitos a condutas nulas? (creio que sim, mas … opinião)

4. Não falta mesmo quem considere como característica essencial da atividade


administrativa informal a circunstância de ser desprovida de vinculatividade
jurídica

O que é a atividade administrativa informal? A atuação informal da Administração


Pública, num agir atípico ou lateral às normas procedimentais, integra o designado
“Direito Administrativo marginal”: estamos diante uma atuação administrativa que se
desenvolve em termos desviantes da normatividade escrita, sem um propósito de a violar,
apesar de ser passível de provocar a inaplicabilidade ou a reconfiguração aplicativa de
certas normas escritas, num processo emergente de uma legalidade “não oficial”.

Ao longo do tempo, foi se verificando um enfraquecimento da vinculação administrativa


à legalidade – a atuação informal configura-se como método alternativo de agir
administrativo. A esta atuação informal constitui um crasso entrave a ideia da participação
dos interessados nos procedimentos administrativos.

Baseando-se numa postura de diálogo ou concertação, envolvendo a tentativa de


consensualização procedimental e decisória, a atuação administrativa informal pode
traduzir-se numa forma de 1) ultrapassar obstáculos legais desnecessários ou obsoletos,
2) de integrar espaços jurídicos em branco ou suscetíveis de diversas interpretações, e 3)
de promover o compromisso da AP ou o acordo dos destinatários de decisões jurídico-
administrativas formais e unilaterais.

As principais áreas de incidência da atuação administrativa informal resumem-se nos


seguintes termos: 1) a atividade administrativa externa sem caráter imperativo,
envolvendo a transmissão de conselhos, recomendações, advertência e informações,
desde que feita sem uma específica norma habilitadora ou a simples tolerância
relativamente a questões de facto;

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2) a negociação ou concertação no contexto do procedimento administrativo decisório
típico unilateral ou plurilateral incluindo a produção de normas integrantes de um “Direito
regulador” e a preparação de decisões administrativas de elevada complexidade; 3) a
atividade administrativa interna de natureza imperativa ou não imperativa.

A atuação administrativa informal não perde a sua normatividade, como se verifica no


caso 2) e 3). Por vezes, poderá acontecer que reiterada uma atuação informal praeter
legem, ou se se traduzir numa conduta omissiva, uma natureza contra legem, poderá gerar
uma normatividade informal “não oficial”.

A atividade administrativa informal não se encontra fora da sujeição aos princípios


fundamentais da atividade administrativa às normas do CPA – art. 2.º/3.

Cabe agora refletir sobre a vinculação jurídica da atividade administrativa informal. A


este propósito surgem duas teses:

1) De acordo com a tese tradicional, estamos perante atos que abdicam da produção de
efeitos jurídicos, dos quais não se pode extrair qualquer efeito em sede de tutela da
confiança – logo a atuação administrativa informal estará numa zona livre de Direito;

2) Diferentemente, Paulo Otero considera que a exclusão de um ato do mundo jurídico


carece de expressa norma habilitante; sucede que as matérias sobre que versa a
atuação informal administrativa se situam no âmbito jurídico e o art. 2.º/3 do CPA
sujeita essa atividade à juridicidade; mais ainda – o art. 266.º da CRP submete toda
a atividade da Administração Pública à juridicidade, procede à juridificação da
atividade administrativa informal, deste modo, apesar de existir no agir informal da
administração uma debilitação da juridicidade, a verdade é que não estamos diante
de um espaço ajurídico: a atuação poderá ser informal, mas nunca marginal ao
Direito.

5. O facto de os procedimentos administrativos de licenciamento comercial e


industrial dependerem de várias entidades descentralizadas, que prosseguem
finalidades distintas, conduz à imprevisibilidade, à ineficiência, à
desarticulação daqueles procedimentos, dificultando, assim, o crescimento
económico

Primeiramente, será de referir que o licenciamento administrativo consiste num ato


administrativo permissivo que permite a remoção de obstáculos ao livre exercício da
iniciativa económica e da propriedade privada.

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De acordo com o princípio da cooperação administrativa na sua vertente de colaboração
dos órgãos administrativos entre si – colaboração interadministrativa, à luz do art., 66.º
do CPA, é postulada a possibilidade de ser solicitado o auxílio de quaisquer órgãos
administrativos para, atendendo ao contributo pessoal, documental ou técnico,
possibilitem uma melhor preparação ou até a própria base factualmente relevante para a
decisão final por parte do órgão competente. Este processo deverá ser regido pelos
princípios gerais da atividade administrativa – designadamente pelo princípio da boa
administração – art. 5.º do CPA, de acordo com o qual a administração deverá pautar-se
por critérios de eficiência, economicidade e celeridade, evitando, portanto, a ineficiência
e desarticulação entre os procedimentos, optando ainda por se aproximar dos particulares
de forma não burocratizada. De acordo com o princípio da segurança jurídica ao qual está
também sujeita a administração pública, não poderá a administração chegar a uma decisão
totalmente imprevisível, tomada de modo aleatório ou não ponderado.

As várias entidades descentralizadas, das quais depende o licenciamento emitem


pareceres - art. 91.º do CPA. Os pareceres podem ser obrigatórios ou facultativos,
conforme a lei imponha ou não a necessidade ele eles serem emitidos; por outro lado, os
pareceres são vinculativos ou não vinculativos, conforme a lei imponha ou não a
necessidade de as suas conclusões serem seguidas pelo órgão decisório competente. A
regra geral no nosso direito é a de que, “salvo disposição expressa em contrário, os
pareceres legalmente previstos consideram-se obrigatórios e não vinculativos” – nº2 do
art. 91.º do CPA. Os pareceres em matéria de licenciamento podem ser vários: pareceres
ambientais (AMA), pareceres técnicos (Direção-Geral de Geologia e Energia) ou
pareceres locais (emitidos por autarquias). Estes pareceres devem ser sempre
fundamentados e concluir de um modo expresso e claro sobre as questões indicadas na
consulta – art. 92.º/1 CPA – assim, um parecer vinculativo sem conclusões, ou apenas
com conclusões implícitas ou obscuras é um ato nulo por ininteligibilidade do respetivo
objeto – art. 161.º/2 al. c). Nesta lógica - os pareceres devem ser conclusivos, indicando
um caminho a seguir.

Atendendo a isto conclui-se que os atos administrativos de licenciamento aqui em causa


são atos administrativos complexos vistos que na sua feitura intervêm dois ou mais órgãos
administrativos.

De forma a se promover a eficiência, economicidade e celeridade da atividade


administrativas, haverá que realizar conferências procedimentais, nos termos previsto no
art. 77.º e seguintes do CPA de modo a promover o exercício em comum ou conjugado
das competências de diversos órgãos administrativos - manifesta-se aqui um auxílio
administrativo mútuo.

Caberá às respetivas entidades avaliar o preenchimento dos pressupostos de


licenciamento no exercício da sua atividade, procurando chegar a uma decisão justa e
equitativa, de modo a defender o interesse público, procurando conjugá-lo com os
interesses dos cidadãos.

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6. Todo o procedimento administrativo se resume em dois princípios
antagónicos: o procedimento equitativo e o estado de necessidade

Analisemos ambos os princípios:

O princípio do procedimento equitativo implica a ideia de um justo procedimento ou de


um devido procedimento legal: ele é uma decorrência do princípio da justiça. O princípio
do procedimento equitativo determina que, em todas as matérias suscetíveis de envolver
consequências prejudiciais para os destinatários (ou, em termos reflexos, para terceiros),
os procedimentos devem ser estruturados no sentido de garantir:

1. A participação dos interessados na formação das decisões ou deliberações que lhes


digam respeito;

2. A efetivação do direito ao contraditório envolve para os interessados diversas


faculdades, designadamente: 1) o direito de serem notificados da audiência prévia
com antecedência para poder conhecer o caso e preparar a defesa; 2) o direito de
acesso aos documentos; 3) o direito efetivo de produção de meios de defesa antes da
decisão, contestado por escrito, contrariando a prova reunia e apresentando
contraprova; 4) o direito a fazerem-se acompanhar de um advogado;

3. A produção de uma decisão final adotada no respeito pelos postulados da igualdade


e imparcialidade;

4. A fundamentação da decisão administrativa;

5. A emissão de uma decisão final dentro de um prazo razoável e dotada de publicidade;

6. O acesso à justiça administrativa.

Em Portugal, apesar de a CRP não consagrar expressamente o princípio do


procedimento equitativo, a verdade é que, atendendo à sua natureza de
“supraprincípio”, incorpora os seus subprincípios nucleares, entretanto acolhidos pela
jurisprudência constitucional, deles se extraindo a existência de um princípio
implícito de justo procedimento. Estamos perante um direito fundamental sujeito aos
princípios constitucionais aplicáveis aos direitos de natureza análoga aos direitos,
liberdades e garantias.

A sua violação traduzir-se-ia na ofensa a um direito fundamental a um procedimento


equitativo, mostrando-se suscetível de, sem prejuízo de responsabilidade civil por
danos morais, gerar um efeito invalidante das respetivas condutas administrativas: se
essa violação atingir o “conteúdo essencial “do direito fundamental, a lei determina a
nulidade do ato jurídico – art. 161.º/2 al. c).

Quanto ao princípio do estado de necessidade administrativa. Por estado de


necessidade administrativa há que entender um paradigma caracterizado pela

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legalidade excepcional ou extraordinária que procura fazer face a circunstâncias
excepcionais e imprevisíveis, passíveis de suscitar perigos, ameaças ou lesões a
pessoas, bens ou instituições e requerem a necessidade e a urgência de medidas
administrativas tendentes a defender, conservar ou fazer cessar tais ameaças.

Este princípio surge consagrado no art. 3.º/2 do CPA e assenta nos seguintes
pressupostos cumulativos: 1) existência de circunstância de facto extraordinárias; 2)
uma ameaça séria ou um efetivo e grave perigo ou risco de danos a bens ou interesses
essenciais da coletividade; 3) a essencialidade dos bens e interesses em causa impõe
a indispensabilidade e urgência de uma atuação administrativa, e 4) essa intervenção
só pode ser feita através de preterição de normas habitualmente reguladoras da
Administração Pública.

A falta de qualquer um dos mencionados pressupostos determina a ausência de


fundamento legal justificativo do recurso à figura do estado de necessidade
administrativa e a consequência invalidade da sua invocação ou utilização como
habilitação de um agir administrativo contra legem.

(Conclusão Pessoal)Deste modo, se quando não verificados os pressupostos do estado


de necessidade - não existe fundamento para preterição das regras e princípios
condicionantes e orientadores da atuação administrativa, então a adminsitraçºao
deverá prosseguir de acordo com o princípio do procedimento equitativo.

7. Não obstante a ilegalidade da conduta omissiva, a inércia pode levantar o


tema da tutela da confiança numa reiterada ou prolongada conduta omissiva
da Administração Pública contra legem

Ao levantar este tema poderá fazê-lo apelado às seguintes figuras:

1. A toleratio administrativa – traduzindo uma condescendência ou indiligência


decorrente da ausência de atuação administrativa face a certos comportamentos ilegais
ou ilícitos dos particulares, numa inércia sancionatória da violação de normas, por via
da criação de “uma distância entre as leis e a sua aplicação”, traduz uma forma de
“abdicação de poder” ou de não exercício de uma competência devida, revelando um
cenário de perda de efetividade de tais normas, mostra-se passível, desde que
consistente, estável e duradoura, de criar direitos subjetivos amparados na tutela da
confiança e da boa-fé.

2. A supressio determina que, em nome da tutela da confiança, uma abstenção de


exercício de certa competência durante um período prolongado de tempo, desde que a
mesma devesse ser no caso concreto exercida e disso o respetivo órgão tivesse perfeito
conhecimento, gere a representação ou a convicção no cidadão de que essa competência
não seria mais exercida, funcionando a conjugação do decurso do tempo nessa
inatividade como a expressão de um factum proprium que, apesar de ilegal, não poderia

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ser, por força do princípio constitucional da boa fé, contrariado, salvo indemnizando os
danos decorrentes da frustração da confiança.

3. A surrectio, assumindo-se como fenómeno reflexo da supressivo, tendo a sua base


legal no princípio da boa-fé, traduz a situação em que um cidadão beneficia diretamente
com o não exercício de uma competência administrativa, especialmente quando esta
envolveria a prática de atos ablativos, adquirindo, uma vez mais por efeito da
conjugação entre o decurso do tempo e a tutela da confiança decorrente da inércia, um
direito subjetivo que se constitui ex novo.

As situações de inércia podem ainda suscitar, por efeito do decurso do tempo, os


fenómenos gerais de caducidade ou de prescrição de posições jurídicas protagonizadas
pela Administração Pública.

8. Apenas existe um dever jurídico de fundamentação de atos administrativos e


não um verdadeiro direito subjetivo à fundamentação, pelo que, em caso da
sua falta, a sua ilegalidade pode ser suprida, aproveitando-se os efeitos dos
respetivos atos ilegais

A atuação administrativa carece sempre de transparência e de justificação, ou seja,


necessita sempre de ser fundamentada.

A fundamentação consiste num discurso justificativo da solução decisória proposta ou já


adotada, de forma a compatibilizar o percurso do seu autor e a controlabilidade pelos
destinatários. Esta necessidade de fundamentar uma decisão administrativa decorre do
princípio do procedimento equitativo ou do justo procedimento, que impõe alguns
requisitos para garantir que o caminho que leva à decisão (isto é, o procedimento) é justo,
imparcial, transparente e igual, especialmente quando estão em causa efeitos
desfavoráveis para os particulares. Com efeito, devem ser indicadas as razões de facto e
de direito que justificaram determinada solução, incluindo, os motivos da improcedência
da Administração, nos casos em que a argumentação usada pelo interessado em sede de
contraditório não for acolhida.

A exigência de fundamentação do agir administrativo traduz-se num imperativo


constitucional, por força do art 268º/3, 2ªparte, CRP, e num imperativo legal, por força
do art 152º, CPA (e ainda em quaisquer situações em que o CPA exige uma
fundamentação). Há aqui um dever jurídico da Administração (dever de fundamentar) e
um direito ou garantia dos particulares (direito à fundamentação), podendo estes últimos
impugnar a decisão administrativa que negue, restrinja ou afete direitos ou interesses
legalmente protegidos.

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A fundamentação não se basta com qualquer discurso justificativo da decisão
administrativa, precisando, por isso, de ser clara (utilizando linguagem percetível ao
particular), de obedecer a regras de lógica (o conteúdo decisório e as razões de facto e
direito têm de ser coerentes) e de respeitar o princípio da necessidade e de adequação. A
insuficiência da fundamentação equivale à falta de fundamentação.

Há que distinguir duas situações que, por sua vez, atribuem diferentes desvalores
jurídicos.

Se a fundamentação traduz um imperativo constitucional, ou seja, se estivermos perante


uma decisão administrativa em que o procedimento administrativo envolve atos de
natureza sancionatória, de natureza ablativa da propriedade privada ou atos que lesem
liberdades, a falta de fundamentação viola o “conteúdo essencial” ou o núcleo do direito
fundamental a um procedimento equitativo, sendo o ato nulo, por força do art 161º/2/d),
CPA (há que notar que nem todos os atos que violam direitos fundamentais são nulos,
mas somente aqueles que violam o conteúdo essencial do direito fundamental).

Todavia, se a fundamentação é um simples imperativo legal, a falta de fundamentação


gera um mero vício de forma, sendo o ato meramente anulável (art 163º/1, CPA). Este
ato anulável por preterição de fundamentação pode ser aproveitado se se enquadrar numa
das situações referidas no art 163º/5, CPA, caso em que o ato já não seria anulável, mas
meramente irregular, relativizando-se a força da juridicidade. Não obstante a
fundamentação ser uma formalidade, o desvalor atribuído não poderia ser a mera
irregularidade, uma vez que estamos perante um imperativo constitucional e legal que
afeta tanto o particular lesado pela atuação administrativa, como os tribunais competentes
para ajuizar da validade do ato. A fundamentação dos atos só pode ser dispensada nos
casos referidos no art 152º/2, CC, e nunca em casos em que a Administração nega,
restringe ou afeta por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos (art
152º/1, CPA).

Os atos anuláveis podem ser alvo de reforma (art 164º/1 e 4, CPA), ou seja, de um ato
administrativo pelo qual se conserva a parte não afetada pela ilegalidade de um ato
anterior. Isto pode ocorrer, por exemplo, se o órgão administrativo se apercebe da
ilegalidade que cometeu e, em vez anular esse ato, reutiliza alguns elementos de forma a
recuperar o mesmo (de acordo com o princípio do aproveitamento dos atos). Desde que
não tenha havido alteração ao regime legal, a reforma tem eficácia retroativa (art 164º/5,
1ªparte, CPA), não esquecendo a possibilidade de anulação dos efeitos lesivos decorridos
da restrição de direitos e interesses legalmente protegidos (art 164º/5, 2ªparte, CPA).

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9. Pode um regulamento criar novos pareceres de natureza vinculativa?

O regulamento administrativo é uma norma jurídica emanada no exercício do poder


administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada
para tal habilitada por lei (art 135º, CPA).

O fundamento jurídico do poder regulamentar reside na Constituição e na lei, em


homenagem ao princípio da legalidade. Todavia, há que distinguir duas situações:
podemos falar no fundamento do poder regulamentar em geral (que assenta
originariamente na Constituição), ou no fundamento de cada regulamento em particular
(se a lei não cria o poder regulamentar, desempenha a função de habilitação legal
necessária para se dar cumprimento ao princípio da primariedade ou da precedência de
lei).

Existem, alguns limites ao poder regulamentar pela Constituição, pelos princípios gerais
de direito e pela lei.

A Constituição contém várias normas sobre a competência e forma dos regulamentos


administrativos cuja inobservância gera inconstitucionalidade.

Os princípios gerais de direito podem ser derrogados por normas legais (porque têm a
mesma posição hierárquica), mas não podem ser derrogados diretamente pelos
regulamentos, sob pena de violação de lei e consequentemente, anulabilidade da
aplicação dos regulamentos.

Quanto aos limites impostos por lei, temos de ter em conta as duas vertentes do princípio
da legalidade. Por um lado, à luz do princípio da reserva de lei, o Governo não pode criar
regulamentos que desenvolvam matérias da reserva absoluta de lei da Assembleia da
República (só pode editar normas regulamentares de execução); nos casos de reserva
relativa de lei, para criar um regulamento sobre essa matéria, o Governo necessita de uma
autorização da Assembleia. Por outro lado, de acordo com o princípio de precedência de
lei, o exercício de qualquer atividade administrativa regulamentar tem de ser precedido
de uma lei habilitante.

10. Quais os limites à prática de atos administrativos consensuais?

Os atos administrativos consensuais são atos unilaterais que têm na sua base um acordo
entre a Administração e o destinatário do ato. Podem ser acordos endoprocedimentais ou
contratos administrativos. Traduzem um modelo de Administração onde se verifica a
participação dos interessados, uma autovinculação da Administração e a contratualização
da decisão administrativa.

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Estes atos podem incidir sobre regras procedimentais – são os atos consensuais
procedimentais, que constam nos arts 57º/1 e 2, e 98º/2, CPA –, ou podem incidir sobre
o conteúdo da decisão – são os atos consensuais substantivos, que se encontram nos arts
57º/3 e 77º/4, CPA.

Existem alguns limites a estes atos – a Administração não pode utilizar os atos
consensuais em matérias insuscetíveis de transação, que não são disponíveis por ela e
também não pode fazer, através destes atos, aquilo que a lei lhe proíbe.

11. “Mostra-se muito discutível que o artigo 302º do Código dos Contratos
Públicos assuma natureza dispositiva”

Segundo o professor Diogo Freitas do Amaral, os contratos administrativos podem ser


contratos de colaboração subordinada. Nestes casos, o contraente público pode dirigir o
modo de execução das prestações, fiscalizá-las, modificá-las, aplicar sanções e resolver
unilateralmente o contrato, segundo o disposto no art 302º, CCP – esta é a regra nas
relações contratuais entre contraentes públicos e particulares (art 297º, CCP).

Na execução dos contratos administrativos, a Administração surge investida em poderes


de autoridade de que os particulares não beneficiam no âmbito dos contratos de direito
privado celebrados que entre si. Os principais poderes de conformação de que a
Administração Pública, enquanto contraente público, goza durante a execução dos
contratos administrativo são (segundo o art 302º, CCP): o poder de direção, o poder de
fiscalização, o poder de modificação unilateral, o poder de aplicar sanções e o poder de
resolução unilateral. Além destes poderes, podem existir outros poderes ou deveres, de
supra ou infra ordenação jurídica, nos contratos administrativos entre contraente
administrativo e particular.

Nos contratos de direito privado, a lei confere poder de autoridade à Administração, mas
para não sacrificar injustamente os contraentes particulares, impõe o respeito pelo objeto
do contrato e o equilíbrio financeiro deste – isto pode levar à alteração das condições
contratuais ou à atribuição de uma indemnização compensatória pela Administração ao
contraente particular.

12. O regime da responsabilidade civil extracontratual da AP por facto ilícito


não pode excluir a existência de causas de exclusão dessa mesma
responsabilidade

A responsabilidade civil da Administração é a obrigação jurídica que recai sobre qualquer


pessoa coletiva pública de indemnizar os danos que tiver causado aos particulares, seja
no exercício da função administrativa, seja no exercício de atividades de gestão privada.

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Neste caso, temos de analisar o regime da responsabilidade civil extracontratual por atos
de gestão pública ilícitos (encontra-se na Lei nº67/2007), verificando se os quatro
pressupostos estão cumpridos: tem de haver um facto voluntário ilícito (art 9º, da Lei
nº67/2007), a existência de culpa (no art 10º/2, da Lei nº67/2007, há uma presunção de
culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos), a existência de prejuízos (arts 7º/1 e 8, da
Lei nº67/2007) e ainda a necessidade de um nexo de causalidade (arts 3º e 7º, da Lei
nº67/2007).

Todavia, existem quatro causas de exclusão da responsabilidade civil extracontratual da


Administração Pública.

Pode-se justificar a ilicitude em casos de exercício de permissão conferida pela ordem


jurídica – se a ordem jurídica permite determinada conduta, então exclui-se a ilicitude.
Isto ocorre nas situações de legítima defesa, estado de necessidade ou exercício de um
direito subjetivo ou interesse legalmente protegido.

As causas de exclusão da culpa são as situações de erro desculpável, erro invencível ou


quando a própria conduta é desculpável.

Nas situações de irrelevância do prejuízo, podemos incluir os casos em que a própria lei
exclui a relevância do prejuízo (por exemplo, o art 2º, da Lei nº67/2007 diz que só são
indemnizáveis os danos especiais e anormais, o que significa que, se o dano resultar de
situações do quotidiano, este não será indemnizável) e os casos em que a vítima não tem
direito a ser indemnizada (se alguém está numa situação ilícita, por exemplo, na
propriedade de droga apreendida).

A interrupção do nexo de causalidade decorre de um facto de força maior, um evento


imprevisível (por exemplo, uma epidemia), decorre de caso fortuito, a causa é
desconhecida (por exemplo, a rotura de uma barragem), ou ainda de um facto culposo de
terceiro (por exemplo, a Administração gerou um prejuízo com a colaboração de terceiro),
que poderá conduzir à exclusão ou redução do dever de indemnizar
(corresponsabilização).

13. Princípio da transparência em Direito Administrativo

O princípio da transparência ou da administração aberta (previsto no art 17º, CPA) é a


expressão de um modelo administrativo visível, por oposição a uma Administração
invisível e opaca. Este princípio, também disposto no art 268º/2, CRP, reconduz a
administração aberta aos direitos que os cidadãos têm de acesso aos arquivos e aos
registos administrativos, procurando inteirar-se da atividade desenvolvida pelas
estruturas administrativas.

13
Mas o princípio da administração aberta mostra ser dotado de uma maior amplitude, uma
vez que não exige que os requerentes do acesso aos arquivos e registos tenham um
procedimento em curso que lhes diga respeito – é uma forma de limitação do Poder e de
igualdade na participação, concorrência e responsabilidade (habilita o controlo das
decisões).

Este princípio manifesta-se tanto no procedimento de feitura dos regulamentos, como no


procedimento dos atos administrativos e ainda no dos contratos. No procedimento dos
regulamentos, observemos, por exemplo os arts 98º, CPA (que exige a publicitação do
início do procedimento na Internet) e 101º, CPA (que permite que se submeta o projeto
de regulamento a consulta pública na recolha de sugestões através da publicitação na 2ª
série do Diário da República). No caso do procedimento dos atos administrativos os arts
105º, CPA (a apresentação de requerimentos deve ser registada) e 110º, CPA (o início do
procedimento deve ser notificado às pessoas cujos direitos ou interesses legalmente
protegidos possam ser lesados) também demonstram a aplicação deste princípio. Ainda
podemos comprovar a existência de uma administração aberta no procedimento dos
contratos, uma vez que o próprio art 201º/2, CPA refere que este princípio se aplica à
formação dos contratos.

Todavia, o princípio da transparência não é ilimitado nem permite um acesso total aos
arquivos e registos administrativos – tem de haver uma ponderação de outros bens,
interesses e valores constitucionalmente tutelados. Isto levou a que o legislador, no art
268º/2, CRP excluísse ou limitasse o acesso a matérias relativas à segurança interna e
externa (incluindo as questões referentes ao segredo de Estado, salvaguarda da
independência nacional, unidade e integridade do Estado), à investigação criminal (e
ainda o segredo de justiça), ao sigilo fiscal e à intimidade das pessoas enquanto garantia
de respeito pela reserva da vida privada e também da proteção de dos dados pessoais (a
Administração está vinculada a proteger a segurança e integridade dos suportes e sistemas
de aplicação utilizados para esse efeito, à luz do princípio da proteção dos dados
pessoais).

A violação do princípio da transparência constitui um vício de violação de lei. Com efeito,


os atos que violem ou ofendam os princípios ou normas jurídicas são anuláveis, conforme
o disposto no art 163º/1, CPA.

14. Qual a conceção que adota sobre a natureza da delegação de poderes


intersubjetiva? Justifique.

A natureza das normas que conferem atribuições tem duas conceções radicalmente
opostas na doutrina.

14
Por um lado, o professor Diogo Freitas do Amaral apresenta-nos a tese da
incomunicabilidade, segundo a qual cada entidade ou pessoa coletiva tem as suas próprias
atribuições, não existindo qualquer sobreposição de atribuições entre diferentes entidades
(é um sistema de fronteira rígida).

Por outro lado, o professor Paulo Otero considera haver comunicabilidade de atribuições,
uma vez que, além de o legislador utilizar critérios vagos para identificar as atribuições
das entidades públicas, há matérias onde podem intervir, em níveis diferentes, diversas
entidades públicas – isto comprova-se pelo princípio da subsidiariedade no âmbito da
competência (pertence às entidades de menor âmbito aquilo que por elas possa ser feito;
se elas não o fizerem com tanta eficiência, passa para a esfera das entidades de maior
âmbito), pela supletividade do direito do Estado (se as entidades públicas menores não
elaborarem normas sobre uma determinada matéria, aplica-se a lei do Estado; mas esta
lei também poderá deixar de ser aplicada a partir do momento em que entidades de menor
âmbito elaboram outras leis) e ainda pela prevalência do direito do Estado (nos casos de
conflito entre a vontade intraestadual e a vontade do Estado resulta, normalmente, a
prevalência da vontade estadual).

Com efeito, adotando a posição do professor Paulo Otero, pode existir uma delegação
intersubjetiva, ou seja, uma delegação de poderes entre pessoas coletivas diferentes.

15. Será o estado de necessidade administrativa uma exceção ao princípio da


legalidade?

Na verdade, o estado de necessidade administrativa é um princípio exceção do


procedimento administrativo. É importante apenas delimitar que existem dois tipos de
estado de necessidade procedimental e o Estados de necessidade substantivo.

A primeira, refere-se à preterição das regras do procedimento estabelecidas no CPA. Tem


como pressupostos a necessidade de que os resultados não possam ser alcançados pelo
cumprimento das regras procedimentais, quer seja por circunstâncias extraordinárias ou
por urgência, e com necessidade de ter sido feito um juízo de prognose.
Contudo, nem todas as regras do procedimento podem ser preteridas: o critério de solução
está consagrada no artigo 2º/5 do CPA. São, então, inderrogáveis as disposições que
consagram princípios gerais da atividade administrativa e as que concretizam preceitos
constitucionais, com a exceção dos casos expressamente previstos na lei.

O princípio da legalidade, princípio material da atividade administrativa, tem 3 principais


funções: garantística – tutela de posições jurídicas subjetivas dos administrados-;
legitimadora - instrumento de indirizzo político da Administração-; e racionalizadora –
definição dos interesses e dos critérios de decisão administrativa.

15
O princípio da legalidade será então preterido se outro interesse, igualmente tutelado pela
constituição, se afigurar, no caso concreto, como de valor superior ao interesse que o
princípio da legalidade protege- é aquilo a que Paulo Otero chama um agir administrativo
contra legem. Apesar de o princípio da legalidade ser o que mais é testado nestas
circunstâncias, é importante não esquecer os outros que estão sempre agregados à atuação
administrativa: O princípio da proporcionalidade tem aqui um papel importante, visto que
limita os atos praticados pela administração no estado de necessidade de modo a que se
os fins pudessem ter sido alcançados de outra forma- em menor proporção e menos
rigorosos- a operação deixa de estar coberta pelo estado de necessidade e passa a ser
invalida; o principio da igualdade implica ao administrador provar que qualquer facto
ocorrido que implique um tratamento desigual, não poderia ter sido evitado; e os
princípios da justiça, da imparcialidade, e da prossecução do interesse público têm grande
relevância na condução do agir administrativo em estado de necessidade.

Em suma, o facto de se agir em estado de necessidade não retira à administração a


responsabilidade da procura do equilíbrio entre autoridade e liberdade. O estado de
necessidade está sob a égide da ideia de direito. A administração está subordinada à
constituição. Os princípios que regem a atuação da Administração num quadro normal de
legalidade são os mesmos princípios que guiam a sua atuação no estado de exceção. O
que ocorre é uma simples autorização para que os órgãos administrativos possam agir
sem a obediência a formalidades no intuito de não sacrificar interesses legais que se
mostrem mais relevantes no caso concreto.

Desta maneira, embora a maior parte da doutrina entenda que estamos perante uma
exceção ao princípio da legalidade, entendemos que estamos perante uma legalidade
excecional e não uma exceção ao princípio da legalidade, uma vez que não dispensa uma
habilitação legal expressa no nº 3 do artigo 2º do CPA.

16. A falta de publicidade no ato de delegação de poderes intersubjetiva

O código diz no artigo 148º que só são atos administrativos os que produzem efeitos
externos. Não obstante isso o código vem regular a delegação de poderes, ou a
convocatória das reuniões dos órgãos colegiais, ou as atas dos órgãos colegiais. Os órgãos
administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem,
sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação
de poderes, que outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de
diferente pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre a mesma matéria.

O CPA mais recente, na sua noção permite abranger delegação intersubjetiva, art. 44 nº1
in fine, ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre
mesma matéria, ou seja, a delegação de poderes intersubjetiva que não é nada mais de
que delegação de poderes entre órgãos de pessoas coletivas diferentes.

16
Um dos requisitos de ato de delegação de poderes é, de facto, a publicação no “Diário da
república ou na publicação oficial da entidade pública, e na internet, no sítio institucional
da entidade em causa”, tal como disposto nos artigos 42º/2, 158º/2 e 159º. O requisito
quanto à publicação é um requisito de eficácia que, na falta no mesmo, o ato de delegação
é ineficaz.

Como explicar esta delegação de poderes? Segundo Freitas do Amaral, defendendo a tese
da transferência de exercício, este é o ato através do qual o delegante transfere o exercício
de poderes, sendo que o delegado nunca tem a titularidade dos poderes apesar de os
exercer, passando a ter uma titularidade vazia. Há, assim, uma incomunicabilidade entre
cada pessoa coletiva: cada pessoa coletiva tem as suas próprias atribuições e, não havendo
qualquer sobreposição de atribuições, há um “sistema de fronteira rígida”. Assim, a falta
do ato de delegação é um ato ferido de incompetência relativa que resulta na nulidade do
mesmo. Contudo, a nosso ver, podemos apontar falhas a este raciocínio: o delegante
continua a exercer os poderes, mantendo a titularidade sendo ainda que, esta tese admite
que um órgão da AP exerça poderes apenas com fundamento num ato administrativo
(exercer em nome próprio poderes alheios resulta em incompetência).

Assim, a nosso ver, concordamos com a tese apresentada pelo prof. Paulo Otero no
sentido em que a lei de habilitação tem 2º efeitos que resultam num fenómeno de
elasticidade. Ou seja, habilita-se não só o delegante a exercer os poderes como habilita a
sua delegação. Se o delegante exercer primeiro a competência, ele impossibilita que o
delegado exerça sobre essa mesma matéria. Neste caso, o professor defende a
comunicabilidade de atribuições uma vez que: o legislador utiliza critérios vagos para
identificar as atribuições das entidades públicas e muitas das matérias onde podem
intervir, intervêm em graus diferentes.

Assim, a nosso ver, na delegação intersubjetiva (entre diferentes órgãos de pessoas


coletiva diferentes), quando o delegado age sobre poderes delegáveis que não foram
delegados, estamos perante um caso de incompetência relativa que resulta,
consequentemente, na anulabilidade do ato. Isto porque, ambos os órgãos são
competentes sobre a mesma matéria, faltando apenas faltou um requisito.

17. Em caso de decisão sujeita a parecer vinculativo, quando deverá ocorrer a


audiência prévia do interessado?

A fase da instrução, artigos 115º a 125º é a fase nuclear do procedimento administrativo


– é no seu decurso que a AP procede à recolha e ao tratamento dos elementos de facto e
de direito relevantes para a decisão.

17
Há que delimitar os dois conceitos referidos no enunciado: durante a instrução podem ser
solicitados e/ou emitidos pareceres, artigos 91º e 92º, que consistem em opiniões
formuladas por especialistas nas matérias sobre as quais incidem ou por órgãos
administrativos consultivos.

Por outro lado, existe a audição de pessoas – os interessados, regra geral na fase da
instrução também. Como disposto no artigo 121º, a audiência é o momento por excelência
da participação dos particulares no procedimento administrativo, constituindo a
concretização legislativa do imperativo constitucional de participação dos interessados na
formação das decisões que lhes digam respeito – 265º/7 CRP.

De facto, os pareceres ainda que vinculativos, não constituem atos isolados mas
fundamentação do ato definitivo, e, por isso, fazendo dele parte integrante. O facto de
serem vinculativos não impõem a sua adoção sem cumprimento do art.º 100.º O
cumprimento do art.º 100.º do CPA pode pôr em causa tais pareceres, pelo que, nesse
caso, a entidade a quem compete decidir terá de submeter o resultado da participação dos
interessados à consideração das entidades que emitiram tais pareceres, só depois podendo
ser legalmente praticado o ato.

Apenas haverá dispensa de audiência prévia nos termos do artigo 124º, em situações
específicas e restritivamente excecionais, das enunciadas no art. 124º - e mesmo nas
cláusulas consagradas pelo CPA, deverá haver lugar a interpretação restritiva, em virtude
da consagração constitucional fundamentalística do direito à audiência prévia dos
interessados. Desta forma, as circunstâncias que servem de base à não realização da
audiência têm que ser fundamentadas mediante a demonstração da sua verificação em
concreto. A preterição do direito de audiência prévia constitui uma formalidade essencial
cuja preterição acarreta vício de forma e a invalidade do ato administrativo (como é um
direito fundamental o ato será nulo, nos termos do Art. 161º/2 d).

À luz do atual código, a audiência prévia deve ocorrer terminada a instrução antes da
decisão final. Como o parecer é vinculativo, a audiência prévia ser depois do parecer faz
com que não tenha muita utilidade, a não ser que depois do parecer se dê a oportunidade
de reformular. Isto é a única hipótese, porque o órgão decisor depois de ter o parecer já
não tem como tomar em consideração o que o interessado disse, questionando-se a
possibilidade de dupla audiência prévia.

Com base na audiência prévia que conteste o parecer, deve o mesmo ser remetido para o
que emitiu o parecer para este decidir se quer manter ou alterar o conteúdo do parecer,
tendo sempre como certo que o órgão decisor não se pode afastar da natureza vinculativa
do parecer.

18
18. O disposto no artigo 134º/3 do CPA, será aplicável atos inexistentes?

A aceitação do ato administrativo, prevista no art.56º do CPTA e no art.53º/4 do CPA,


consiste na manifestação de concordância com o conteúdo de um determinado ato e tem
como efeitos a preclusão do direito de impugnação graciosa (art. 53º/4 CPA) e
contenciosa (art.56º CPTA). Tratando da aceitação de um ato, importa esclarecer que
tipos de atos estão sujeitos a essa aceitação.

Para que exista aceitação é necessário que o ato administrativo produza efeitos. Nos
termos do art.134º/1 CPA o ato nulo não produz quaisquer efeitos afastando-se, assim, a
figura da aceitação. Contudo, e por via do estabelecido no art.134º/3 CPA, se forem
reconhecidos efeitos putativos a aceitação pode ser relevante, isto é, se forem
reconhecidos alguns efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos pode
haver lugar a aceitação. Em suma, são os atos anuláveis os que constituem o objeto da
aceitação, sendo que estes são juridicamente eficazes e obrigatórios até ao momento da
anulação. No que se refere aos atos inexistentes não se reconhece a aceitação. Se os
requisitos de eficácia do ato não forem cumpridos, ou seja se o ato for ineficaz, não há
aceitação uma vez que esta se aplica aos atos eficazes (que sejam do conhecimento dos
interessados).

Para alguns autores a inexistência jurídica não é uma figura autónoma sendo reconduzida
a nulidade. Contudo, o professor discorda, considerando que a inexistência diferencia-se
da nulidade porque esta última só existe quando há incumprimento de norma habilitante,
sendo que a inexistência pode existir em ausência de juridicidade legislativa.

O regente considera que existem duas situações que nos podem reconduzir ao
reconhecimento da inexistência: casos de falta de identificabilidade mínima dos atos ou
condutas; casos em que a própria constituição nos determina que o desvalor é
inexistência.

Neste sentido, a inexistência tem obrigatoriedade constitucional, e se tem obrigatoriedade


inconstitucional podendo existir leis feridas de inexistência, a atuação da administração
fica ferida de inexistência por força da inconstitucionalidade. Só quem ignora a
constituição é que pode dizer que não há inexistência.

O professor regente diz que, de facto, existe inexistência jurídica se uma lei não é
promulgada ou se uma lei não for referendada. Neste sentido, se a ADM aplicar uma lei
inexistente, ocorre uma invalidade consequente e o ato é inexistente. Quer isto dizer que
há inexistência quando se aplicam normas que são inexistentes. Qual o regime jurídico
aplicável à inexistência? De facto, é aplicável o regime jurídico da nulidade (artigo 162º).

Contudo, é necessário saber se é possível que o decurso do tempo e os princípios da


segurança jurídica e da proteção da confiança habilitem o reconhecimento de efeitos
jurídicos a atos inexistentes – 162/3º.

19
Sobre esta matéria o regente considera que o 162/3º só se aplica a casos de inexistência
derivada, e nunca a casos de inexistência originária. Os casos de inexistência originário é
um problema de ausência de identificabilidade do ato, não fazendo sentido existir tutela.

19. Fora das situações previstas no artigo 140º/2 do CPA será equacionável, à luz
da unidade da ordem jurídica, a revogação de atos constitutivos de direitos
válidos?

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que por revogação entende-se a destruição,


extinção ou cessação definitiva dos efeitos de um ato anteriormente praticado, por outras
palavras, a revogação consiste no ato administrativo pelo qual a AP faz cessar os efeitos
de um ato anteriormente praticado. Existem, então, dois atos: o revogado e o revogatório.

Quanto aos atos constitutivos de direitos, a regra geral é a não revogabilidade, exceto em
relação ao diposto no artigo 167º/2 – quando são favoráveis ao particular; quando os
particulares derem a sua concordância e o direito não for indisponível. Ainda, a alínea c)
deste mesmo artigo vem permitir que a superveniência de conhecimentos técnico-
científicos ou a alteração de circunstâncias possam fundamentar a revogação.

Por outro lado, também há que ressalvar a existência da responsabilidade da AP por facto
lícito ou pelo sacríficio – a conduta é válida mas pode gerar caráter desfavorável.
Sublinhe-se ainda que nesta responsabilidade tem com fundamento direto o art. 62º/2 da
CRP – quando há expropriação ou requisição há direito a uma “justa indemnização” – é
um direito fundamental, que corresponde a uma responsabilidade civil extracontratual por
facto lícito. Duas notas: o conceito constitucional de expropriação não é apenas a privação
de utilização de propriedade privada, significa sim privação de todo e qualquer direito de
conteúdo patrimonial privado por razões de interesse público. A justa indemnização não
se basta com os danos emergentes ou com as despesas extraordinárias – ela comporta
ainda os lucros cessantes. Na base deste entendimento há um princípio constitucional da
justa ou igualitária repartição dos encargos públicos – qual é a lógica? Se são razões de
interesse público que justificam que A seja lesado em nome da coletividade, então é justo
que toda a coletividade indemnize aquele que foi sacrificado em benefício da
coletividade.

Se isso é face a direitos objeto de proteção constitucional, qual a razão pela qual direitos
patrimoniais provenientes de atos administrativos devem ter uma garantia de
irrevogabilidade superior, tal como elencado no artigo 170º/2?

Também, à luz do Código dos Contratos Públicos, existe a cessação de vigência de


direitos patrimoniais privados provenientes de contratos administrativos, por razões de
interesse público, existindo indemnização, tal como disposto no artigo 334º.
Questiona-se, qual a razão pela qual direitos que têm como fonte um ato devem ter destino
revogatório diferente?

20
20. Em que medida se pode hoje dizer que a distinção entre contratos
administrativos e contratos de direito privado da Administração Pública
perdeu a tradicional relevância?

De facto, é possível observar que existe bastante aplicabilidade, ao nível do procedimento


contratual, da Parte II do Código dos Contrato Públicos tanto a contratos de direito
privado da AP como de contratos administrativos.

Primeiramente, será importante explicitar que contratos administrativos são todos aqueles
que, à luz do Direito Administrativo criem, modifiquem ou extingam relações jurídico-
administrativas.
Ao invés de um modelo de atuação administrativa assente numa exclusiva regulação pelo
Direito Administrativo, verifica-se, cada vez mais, por efeito de uma lógica neoliberal, a
existência de áreas de flexibilização reguladores envolvendo a aplicação do Direito
Privado.

O que diferencia os contratos de direito privado dos contratos administrativos? Não


diferencia os sujeitos – são ambas entidades públicas; o procedimento também não é
diferenciado; não diferencia a prossecução do interesse publico; o regime
substantivo/material é que é diferente. Um contrato administrativo está regulado pelo DA,
contrato privado da AP está materialmente regulado pelo direito privado, são aqueles em
que a AP é parte mas cuja materialidade do seu objeto está regulado pelo direito privado.
Os contratos de Direito Privado da AP não se diferenciam dos contratos de Direito
Administrativo pelos sujeitos públicos intervenientes e nem sempre também pelo Direito
regulador do respetivo procedimento de formação, tal como elencado nos artigos 1º/2 do
CCP e 202º/2 do CPA.

O regime da contratação pública estabelecido na parte II é aplicável à formação dos


contratos públicos que, independentemente da sua designação e natureza, sejam
celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código e não sejam
excluídos do seu âmbito de aplicação, aplicando-se, por isso, tanto a contratos
administrativos como a contratos administrativos de direito privado.

Esta aplicação faz-se por duas razões. A nível comunitário, o CCP procede à transposição
de Diretivas Europeias criando um conjunto homogéneo de normas relativas aos
procedimentos pré-contratuais públicos, pelo que o seu conteúdo vai além da mera
reprodução das regras constantes das diretivas. Na verdade, o CCP envolve não só a
transposição e concretização dessas regras, na medida em que o legislador comunitário
reservou para o legislador nacional, em vários domínios, uma margem de livre decisão,
mas também a regulação de todos os procedimentos que não se encontram abrangidos
pelos âmbitos objetivo e subjetivo das diretivas, mas que não deixam, por isso, de revestir
a natureza de procedimentos pré-contratuais públicos - pelo que devem beneficiar de um
tratamento legislativo integrado.

21
Por outro lado, a nível constitucional, a noção de relações jurídica administrativa, tal
como elencado no artigo 212º/2 CRP, surge como sendo que uma situação jurídica
plurilateral atinente a atribuições da AP prosseguidas através de meios de direito público.
A diferenciação existe sim, ao nível do regime da execução, em particular a aplicabilidade
da Parte III do Código dos Contratos Públicos aos contratos administrativos.

Quanto à matéria relativa ao regime substantivo dos contratos públicos, a primeira nota
que importa realçar prende-se com a circunstância da parte III do CCP apenas se aplicar
aos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo, deixando-se,
desta forma, à margem dos mesmos instrumentos contratuais cuja fase de formação se
encontra sujeita às regras estabelecidas na parte II do CCP.
Assinalada a inexistência de sobreposição de âmbitos objetivos de aplicação entre as
partes II e III do CCP, importa ter presente a segunda opção de fundo relativamente à
parte III e que se relaciona com o facto de esta assentar numa estrutura bipartida.

Não obstante a complexidade das tradicionais conceções diferenciando os contratos


administrativos e os contratos de direito privado da administração, à luz dos artigos 1º/5
e 6 do CCP e 200º/1 do CPA, a distinção centra-se no regime substantivo aplicável: se o
regime substitutivo (regulação do contrato e relações dele emergentes), se fizer através
do Direito Administrativo, o contrato será um contrato administrativo; se, ao invés o
regime substantivo se fizer por via do Direito Privado, o contrato será de Direito Privado.

21. São múltiplos os institutos e as normas do Direito das obrigações aplicáveis


em Direito Administrativo, sendo isso patente da legislação administrativa

De facto, é possível observar a multiplicidade de institutos e normas de Direito das


Obrigações aplicáveis em Direito Administrativo.

O Direito Administrativo, pode ser de difícil definição. O Professor Diogo Freitas do


Amaral diz que é “o ramo do Direito público cujas normas e princípios regulam a
organização e funcionamento da Administração Pública em sentido amplo, a sua normal
atividade de gestão pública e, ainda, os termos e limites da sua atividade da gestão
privada.”. Este será um Direito que regula as atividades da Administração Pública, sendo
elas privadas ou públicas, prevendo o respeito pela mesma, dos direitos dos particulares.

Não obstante a complexidade das tradicionais conceções diferenciando os contratos


administrativos e os contratos de direito privado da administração, à luz dos artigos 1º/5
e 6 do CCP e 200º/1 do CPA, a distinção centra-se no regime substantivo aplicável: se o
regime substitutivo (regulação do contrato e relações dele emergentes), se fizer através
do Direito Administrativo, o contrato será um contrato administrativo; se, ao invés o
regime substantivo se fizer por via do Direito Privado, o contrato será de Direito Privado.

22
Os contratos de Direito Privado da AP não se diferenciam dos contratos de Direito
Administrativo pelos sujeitos públicos intervenientes e nem sempre também pelo Direito
regulador do respetivo procedimento de formação, tal como elencado nos artigos 1º/2 do
CCP e 202º/2 do CPA.

A aplicação da mesma faz-se em relação a entidades públicas, mas também em relação a


entidades privadas no exercício de funções administrativas. A responsabilidade civil da
AP foi uma conquista difícil, mesmo depois de afirmada a separação de poderes, da
instituição do estado de direito e da afirmação do princípio da legalidade da
administração, continuou-se a aceitar durante muito tempo uma regra de
irresponsabilidade dos poderes administrativo. O regime é decalcado do regime da
comissão (artigo 500º CC). Baseia-se na ideia de que a AP é responsável pelos atos dos
titulares de órgãos, funcionários e agentes que sejam praticados no exercício das funções
e que sejam ilícitos e culposos.

Entendeu-se que não seria justo responsabilizar-se os funcionários por faltas leves porque
a atividade da AP é difícil e implica mexer em quantias avultadas e diversos interesses
significativos. Relaciona-se com a figura do código civil mas com uma diferença. Não
temos situações concretas com previsões especificas de responsabilidade pelo risco, mas
sim uma regra de que há responsabilidade pelo risco quando se trata de uma atividade
especialmente perigosa. A jurisprudência é restritiva e o caso clássico é o manuseamento
de explosivos. A responsabilidade pelo risco é uma responsabilidade que é excluída em
caso de força maior (evento imprevisível ou inevitável mas exterior ao funcionamento do
serviço público) ou em caso de culpa do lesado.

Existindo um princípio da igualdade dos encargos públicos, qualquer atividade que


perturbe esse princípio deve funcionar a responsabilidade pelo sacrifício. Opera uma
redistribuição do encargo por forma a conseguir repor a igualdade perante os encargos
públicos.

22. A irregularidade administrativa é um desrespeito da legalidade sem desvalor


jurídico ou, em alternativa, uma ilegalidade sempre sanável, razão pela qual
nunca pode conduzir a responsabilidade civil ou disciplinar

A existência de uma conduta administrativa desconforme com a juridicidade nem sempre


conduz à invalidade ou, conduzindo, nem sempre a ordem jurídica entende que deva
produzir efeitos inválidos. Em certos casos a violação da juridicidade gera mera
irregularidade. A irregularidade, traduzindo uma inversão do princípio da invalidade
como resposta a uma atuação em desconformidade com a juridicidade, consubstancia um
agir administrativo contra legem admitido pelo sistema jurídico.

23
Esta assume-se como uma desconformidade entre a conduta administrativa e uma norma
que, apesar de ser contrariada, não gera um efeito invalidante; a irregularidade revela a
resposta do ordenamento a uma situação de incumprimento venial da juridicidade pela
administração publica: estão em causa vícios que, sem envolverem a invalidade, se
referem “apenas a alguns efeitos puramente laterais” – traduz a resposta menos grave face
a uma conduta administrativa desconforme à juridicidade.

A irregularidade sanciona a atuação desconforme sem privar essa atuação dos efeitos
normais, produzindo os mesmos efeitos que a conduta válida.
O fundamento da irregularidade encontra-se numa conjugação entre os princípios da
proporcionalidade, da proibição do excesso de formalismo e do aproveitamento das
condutas jurídicas.
Na irregularidade os vícios “produzem uma tão pequena lesão do interessa público que
seria do ponto de vista dele antieconómico tolher a possibilidade normal de produção dos
efeitos jurídicos do ato”. A atuação irregular pode ser corrigida mas não pode ser anulada
com fundamento na irregularidade, eliminando a valência destrutiva de efeitos que a
invalidade acarreta.

A irregularidade não envolve sanções sobre os atos em causa, sem prejuízo de não excluir
que o seu autor seja responsabilizado; a irregularidade, sem produzir efeitos sobre o ato
que dela padece, torna-se mera fonte de eventual responsabilidade para quem o emanou,
violando o dever de agir regularmente.

Nem sempre a existência de uma conduta administrativa desconforme com a juridicidade


conduz à invalidade ou, conduzindo, nem sempre a ordem jurídica entende que deva
produzir efeitos inválidos. Assim, consagra-se o regime da irregularidade, que traduz uma
inversão do princípio da invalidade como resposta a uma atuação desconforme à
juridicidade, consubstanciando um agir administrativo contra legem admitido pelo
sistema jurídico. Assume-se como uma desconformidade entre a conduta administrativa
e uma norma que, apesar de ser contrariada, não gera um efeito de invalidade, sendo uma
reposta menos grave face a determinada conduta administrativa.
Neste sentido, a irregularidade é uma reação ao sistema que, sancionando uma conduta
administrativa, não priva essa atuação dos efeitos normais da conduta válida, produzindo
os mesmos efeitos que uma conduta válida, capaz de ser corrigida mas não anulada.
O fundamento da irregularidade encontra-se na conjugação entre os princípios da
proporcionalidade, proibição do excesso de formalismo e do aproveitamento das condutas
jurídicas, num apelo à materialidade decisória da conduta administrativa.
A irregularidade diz que o cumprimento da norma que impõe a conduta é dispensável –
afasta a norma invalidade ou pelo contrário a irregularidade é afastar a norma que prevê
a formalidade ou que impõe a prática da conduta omitida? Naturalmente é a segunda
opção. A irregularidade diz-nos que há violações de formalidades essenciais que não
geram invalidade.
Quais os problemas de índole constitucional? Quem afere a mera irregularidade, quem a
declara?

24
Pode ser o legislador, que vem derrogar e flexibilizar as outras normas que impunham
essa conduta. Podem ser os tribunais. Mas hoje por força do 163o/5 a própria ADM pode
definir a mera irregularidade e está obrigada a aplicar este artigo – ela agiu violando a lei
e contrariando a lei mas vem depois ela própria dizer que o ato é meramente irregular.
Assim, em vez da irregularidade ter um mero efeito a posteriori mas pode ter agora um
efeito a priori – a ADM pode logo escolher preterir a formalidade nos termos do 163o/5,
cria-se uma nova norma de conduta.
De algum modo, significa que nos casos de irregularidade temos duas normas: há uma
norma A) que diz “deves agir desta maneira” e impõe uma conduta. Há uma norma B)
que no fundo diz “se não cumprires A) a tua conduta não é inválida”. Coloca-se a dúvida
de saber qual é o sentido da irregularidade dentro do ordenamento. Isto pode ter duas
explicações: A irregularidade afasta a norma invalidante. A norma invalidante seria a
norma C que seria a resposta sancionatória a invalidade da norma A; A irregularidade
afasta então a imperatividade da norma A. Derroga-se a norma que impõe uma conduta.
Pode por outro lado ser objetivo da irregularidade ser afastar a norma A e não a norma C;
De facto, podem existir efeitos em sede de responsabilidade civil e disciplinar, sendo que
as lesões produzidas ao abrigo de atos meramente irregulares geram responsabilidade por
facto ilícito ou lícito. Contudo, há que questionar se o 163º/5 converte o ato em lícito ou
não.

23. Se, nos termos da lei, o procedimento de formação de um contrato


administrativo envolver a realização de um concurso público, a sua
celebração por justo direto, ao contrário do que impõe a lei, que vício e
desvalor jurídico determina?

Em primeiro lugar será pertinente convocar os princípios fundamentais da atividade


administrativa presentes no momento da formação dos contratos administrativos,
nomeadamente os princípios de natureza material consagrados no artigo 266º CRP. Neste
âmbito, seguindo o professor Freitas do Amaral, devem-se considerar os princípios da
prossecução do interesse publico e dos respeitos dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos particulares, da legalidade e da autonomia pública, da igualdade, da
proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

No procedimento administrativo dirigido à escolha do cocontratante, assume particular


relevo a regra da obrigatoriedade do concurso público.

No CPP, art. 16º, tipifica-se os procedimentos para a formação de contratos – concurso


publico, concurso limitado por prévia qualificação, consulta prévia, ajuste direto,
procedimento de negociação, diálogo concorrencial, parceria para a inovação. De acordo
com o art. 38º do mesmo diploma, a escolha do procedimento deve ser fundamentada e
cabe ao órgão competente para a decisão de contratar.

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O concurso publico é publicitado no Diário da República através de anúncio conforme
modelo aprovado por portaria dos ministros responsáveis pela edição do DR e pelas áreas
das finanças e das obras públicas – art. 130/1 º CPP.

O ajuste direto é o procedimento em que a entidade adjudicante convida diretamente uma


entidade à sua escolha a apresentar proposta – 112º/2 CPP.

24. Quais os efeitos para os atos do delegado decorrentes da falta de delegação


intersubjetiva no âmbito de poderes delegáveis?

Os órgãos administrativos têm a competência que lhes é diretamente conferida por lei –
é a lei que atribui o poder aos órgãos. Cada órgão tem um conjunto de poderes aptos a
prosseguir os fins da entidade pública na qual se integra. Para que um órgão possa delegar
poderes é preciso uma lei habilitante que permite ao delegante exercer os poderes e
habilita a delegação. A delegação intersubjetiva dá-se entre órgãos de pessoas coletivas
diferentes – quando o delegado age sobre poderes delegáveis que não foram delegados,
os atos que o delegado pratica através da declaração intersubjetiva não publicada, são
feridos de incompetência relativa porque ambos os órgãos são competentes sobre a
mesma matéria, apenas faltou requisito. O desvalor correspondente à incompetência
relativa é a anulabilidade.

25. O subalterno goza de objeção de consciência, diferenciando entre comandos


legais e ilegais; dentro destes últimos, envolvendo anulabilidade ou nulidade

Aos poderes do superior hierárquico correspondem certos deveres dos subalternos. Estes
são de vária índole: há os que dizem diretamente respeito à relação de serviço (como o
dever de obediência; assiduidade, zelo, aplicação, respeitos pelos superiores, etc...), mas
há também outros que extravasa já o âmbito da relação (deveres de obediência).
O dever de obediência consiste na obrigação de o subalterno cumprir as ordens e
instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e sob a
forma legal. Resultam os seguintes requisitos: os comandos hierárquicos provenham de
legitimo superior hierárquico, que sejam dadas em matéria de serviço, e que revistam a
forma legalmente prevista.
Logo, não existe dever de obediência quando o comando emane de quem não seja
legitimo superior do subalterno (por este não ser órgão da Administração ou não pertencer
à cadeia hierárquica onde este está inserido), quando respeite a um assunto da vida
particular ou quando tenha sido dada verbalmente se a lei exigia que fosse escrita. Nestes
casos, a ordem é extrinsecamente ilegal, logo não impende sobre o subalterno a obrigação
de a acatar. Mas o que sucede quando, cumprindo os requisitos apresentados, o comando
seja intrinsecamente ilegal, isto é, implique, se for acatada, a prática de um ato ilegal por
parte do subalterno? Tal divide a doutrina.

26
Enquanto uma parte da doutrina, denominada de corrente hierárquica, onde se
encontra Otto Mayer, defende que existe sempre dever de obediência sendo que admitir
o contrário seria subverter a razão de ser da hierarquia; outra parte da doutrina, a corrente
legalista, defendida por Hauriou, defende que não existe dever de obediência em relação
a ordens julgadas ilegais. Em Portugal, a primeira tese foi defendida pelo Professor
Marcello Caetano ainda que temperada nos termos das leis portuguesas. Já o Professor
João Tello de Magalhães Collaço adotou a segunda tese.
À primeira vista, parece não haver grande problema: se o nosso sistema é
submetido ao princípio da legalidade, então não se pode sequer admitir que os subalternos
cumpram ordens ilegais. Mas não é tão simples: primeiro, admitir o direito/dever de
desobedecer a ordens ilegais é um fator de indisciplina nos serviços público, permitindo
ao subalterno examinar e questionar a interpretação da lei perfilhada pelo respetivo
superior hierárquico; depois, consagra que entre duas interpretações diferentes da lei, o
sistema jurídico deve por princípio preferir a do subalterno. Deste modo, o Professor
Freitas do Amaral inclina-se para a corrente legalista mas numa versão moderada, dadas
as considerações realizadas.
Porém, o mais importante não é explicar uma tese, mas conhecer o que nos diz o
direito vigente. O sistema que prevalece atualmente é um sistema legalista mitigado, que
resulta do art. 271º, n.º2 e 3 CRP e do art. 177º LGTFP (Lei Geral do Trabalho em
Funções Públicas). Logo, não há dever de obediência: senão em relação aos comandos
emanados de legítimo superior hierárquico, em objeto de serviço e com forma legal (art.
271º, n.º2 CRP e art. 73º, n.º8 LGTFP); mesmo em relação a estas, não há dever quando
o cumprimento do comando implique a prática de um crime (art. 271º, n.º3 CRP e 177º,
n.º5 LGTFP) ou quando os comandos provenham de ato nulo (art. 162º, n.º1 CPA). Há
dever de obediência: em relação a todos os restantes comandos, i.e., as que emanarem de
legítimo superior hierárquico, em objeto de serviço, com forma legal, e não implicarem a
prática de um crime nem resultarem de um ato nulo; contudo, se forem comandos ilegais,
o funcionário ou agente que lhes der cumprimento só ficará excluído da responsabilidade
pelas consequências da execução da ordem se antes da execução tiver reclamado ou tiver
exigido a transmissão ou confirmação delas por escrito (objeção de consciência) (art.
177º, n.º1 e 2 LGTFP). Quando, porém, tenha sido dada ordem de cumprimento imediato,
basta para a exclusão da responsabilidade de quem a cumprir que a reclamação seja
enviada logo após a execução (art. 177º, n.º4 LGTFP).
O Professor Paulo Otero levanta a questão do fundamento para a obediência aos
comandos ilegais se traduzir numa exceção ao princípio da legalidade. Conclui, aliás, que
não, porque resulta da própria lei ser legal o cumprimento de uma ordem ilegal. É uma
legalidade especial circunscrita ao âmbito interno da atividade administrativa. Porém, o
Professor Freitas do Amaral não concorda com esta teoria. Para este autor, as leis
ordinárias que imponham o dever de obediência a ordens ilegais só serão legítimas se, e
na medida em que, puderem ser consideradas conformes à CRP. Esta exige a
subordinação aos órgãos e agentes administrativos à lei (art. 266º, n.º2). Porém, há um
preceito constitucional que expressamente legitima o dever de obediência às ordens
ilegais que não impliquem a prática de um crime (art. 271º, n.º3). Conclui, pois, que o

27
dever de obediência às ordens ilegais é uma exceção ao princípio da legalidade, mas é
uma exceção que é legitimada pela própria CRP.

26. Os atos consensuais têm especificidade que os aproxima dos contratos e os


afasta dos atos administrativos

Os atos administrativos consensuais são atos que resultam de uma anterior forma de
autovinculação bilateral da administração traduzida num acordo ou convenção com o(s)
destinatário(s) do ato – acordo endoprocedimental – visando a definição dos termos deste.

Por seu lado o ato administrativo (conceção do prof. Freitas do Amaral) é tido como o ato
jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder
administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual
num caso concreto.

Por sua vez, os contratos administrativos traduzem sempre um vínculo jurídico


plurilateral envolvendo um contraente público e regulado por um regime substantivo de
direito público.

A administração, nos atos consensuais, não deixa de prosseguir o interesse público, nem
ostentando o estatuto de “parte interessada”, deve aplicar-se-lhe o regime da atividade
unilateral da administração. A interpretação e modificação do ato deve processar-se com
especial respeito pelo princípio do contraditório e a revogação do ato pode constitui a
administração na obrigação de indemnizar o administrado em termos de danos
emergentes e de lucros cessantes.

(opinião minha: uma vez que que o ato administrativo consensual não é unilateral e
pressupõe um acordo é mais próximo de um contrato, até porque não se aplica o regime
da atividade unilateral)

27. O princípio do procedimento equitativo: conceito, fundamento de


manifestação

A ideia de um procedimento equitativo envolve as ideias de justo procedimento ou devido


procedimento legal: o princípio do procedimento equitativo é uma decorrência do
procedimento do princípio da justiça e, por essa via, do Estado de Direito material.

Envolve o a obrigatoriedade de ser ouvido todo aquele contra o qual se desenvolve uma
atividade administrativa lesiva da liberdade e da propriedade.

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Este princípio determina que, em todas as matérias suscetíveis de envolver consequências
prejudiciais para os destinatários, os procedimentos devam ser estruturados no sentido de
garantir: a participação dos interessados na formação das decisões ou deliberações que
lhes digam respeito, podendo falar-se num direito “de se explicar”; efetivação do direito
ao contraditório, envolve várias faculdades para os interessados (direito de serem
notificados da audiência com antecedência para poder conhecer o caso e preparar a
defesa, direito de acesso aos documentos, direito efetivo de produção de meios de defesa
antes da decisão, direito a fazerem-se acompanhar de advogado); produção de uma
decisão final, adotada no respeito pelos postulados da igualdade e da imparcialidade;
fundamentação da decisão administrativa, indicando as razões de facto e de direito que
justificaram a solução; a emissão de uma decisão final dentro de um prazo razoável e
dotada de publicidade; o acesso à justiça administrativa, visando a defesa de posições
jurídicas lesadas por condutas procedimentais contrárias à legalidade.

O princípio do procedimento equitativo não se pode desligar do direito fundamental ao


processo equitativo previsto no art. 6º/1 Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

A violação do procedimento equitativo mostra-se suscetível de gerar um efeito


invalidante das respetivas condutas administrativas: se essa violação atingir o “conteúdo
essencial” do direito fundamental, a lei determina a nulidade do ato jurídico.

28. Nos contratos administrativos, o princípio do reequilíbrio financeiro

As condições financeiras são sempre determinantes na celebração de um qualquer


contrato, seja este submetido ao direito publico como ao direito privado, sendo sempre
uma matéria essencial na decisão de celebrar o contrato. Claro que, nos contratos
administrativos, a celebração do contrato, pelo contraente público, tem como principal
objetivo a satisfação de um determinado interesse público mas, nem por isso, as condições
económicas em que este é conformado, são deixadas para um segundo plano.

Mas, se as condições económico-financeiras do contrato administrativo são determinantes


para o contraente público, mas o são do ponto de vista dos interesses do cocontratante. O
cocontratante não age apenas como colaborador do contraente público, na prossecução
do interesse público que justifica a celebração de um dado contrato administrativo. Ele é,
também, um agente interessado nos benefícios económicos que advém da celebração
desse mesmo contrato. Aliás, é esse o seu principal objetivo aquando a celebração do
contrato: as vantagens económicas que retira com a sua celebração. O equilíbrio
financeiro é um dado objetivo que é assumido pelas partes como determinante na decisão
de contratarem nos termos em que o fazem, exprimindo, assim, a base de valoração
contratual correspondente ao projeto inicial de que partem. Os factos essenciais em que
assenta o equilíbrio financeiro do contrato não podem deixar, portanto, de ser
reconhecidos como a base negocial em que, objetivamente, se fundou a celebração do
contrato.

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O equilíbrio financeiro do contrato é tanto mais importante, quanto maior a duração
previsível do vínculo contratual que se estabelece. O equilíbrio financeiro “consiste na
manutenção das bases económicas inerentes à realização pelo cocontratante das
prestações contratuais, vigentes à data da celebração do contrato, em obediência ao
princípio da honesta equivalência das prestações” (SILVA, 2010,p.196)

O princípio do equilíbrio financeiro reconduz-se a uma contrapartida indemnizatória ao


cocontratante, sempre que a relação inicial seja desvirtuada por atos do contraente público
ou pela sua atuação, mesmo que fora da relação contratual, mas com produção direta de
efeitos na mesma. Deste princípio não resulta uma obrigação indemnizatória da
Administração pela alteração anormal e imprevisível das circunstâncias alheia à vontade
das partes, mas antes “manter um equilíbrio que, por respeito ao significado do contrato,
a Administração não pode romper” (CORREIA,1990,p.83).

29. O princípio do caso decidido (ou julgado) administrativo: conceito e efeitos

As decisões administrativas que põem termo ao procedimento administrativo levantam


questões quanto à sua duração temporal. São, assim, chamados a testemunhar o princípio
da segurança jurídica e da tutela da confiança dos destinatários destas decisões, que levam
à sua imodificabilidade, e, em sentido contrário, o princípio da melhor prossecução do
interesse público, que conduz à sua modificabilidade.

É necessário distinguir, no âmbito do caso decidido administrativo, duas diferentes


situações: o caso decidido formal, quando a imodificabilidade da decisão apenas se
reporta a questões de índole procedimental ou processual (em nada se refere ao conteúdo
do ato); o caso decidido material, aqui sim, quando a imodificabilidade da decisão respeita
à relação material/substantiva subjacente, incidindo sobre o conteúdo do ato.

Se se concluir que as decisões administrativas gozam de imodificabilidade, surge assim


um paralelismo entre estas e as sentenças judiciais (caso julgado), num cenário de
cristalização na ordem jurídica. Este paralelismo alicerça-se no entendimento de que o
caso decidido administrativo ocorre sempre que, terminado o prazo de impugnação das
decisões, o tribunal ou a AP deixem de as poder remover da ordem jurídica. No entanto,
ao contrário dos tribunais, a AP goza da competência de modificar as suas próprias
decisões, independentemente de pedido dos interessados, ou seja, tem iniciativa própria.

No que toca ao caso decidido material, este consubstancia uma autovinculação


administrativa, levando a que a Administração disponha de uma limitada margem para
fazer cessar os efeitos de uma decisão anterior. É necessário, então, analisarmos o regime
legal da revogação e anulação administrativa (165º e ss., CPA).

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Neste contexto, há duas distinções essenciais: se o ato administrativo é ou não constitutivo
de direitos, envolvendo a temática da segurança jurídica em torno dos direitos adquiridos;
se a situação de facto que se encontra na base da decisão administrativa é ou não variável,
sendo que falamos em caso decidido administrativo quando a situação de facto é
insuscetível de ser alterada no futuro (invariável).

30. A rescisão de um contrato administrativo por razões de interesse público


envolve sempre uma lesão do direito de propriedade privada

O agir administrativo nem sempre assenta numa estrutura unilateral, existindo casos em
que este se expressa num ato multilateral, envolvendo um acordo entre duas (ou mais)
vontades, e adotando a forma final de um contrato.

O contrato administrativo pode extinguir-se por revogação, ou seja, por acordo mediante
o qual as partes extinguem o contrato (artigo 331º, do CCP), ou unilateralmente, através
da resolução (rescisão), que tanto pode ocorrer por iniciativa do cocontratante, como por
iniciativa do contraente público.

Dentro da resolução por decisão do contraente público, é, ainda, necessário proceder à


distinção entre resolução sancionatória e resolução por razões de interesse público.
Quanto à primeira, é a mais severa e mais grave sanção em que o cocontratante privado
pode incorrer, verificando-se quando o contraente particular não cumpre ou não cumpre
plenamente, de forma culposa, as suas obrigações por modo a determinar grave prejuízo
para o interesse público (devido à sua gravidade, apenas deve ser aplicada em última
ratio) – 333º, CCP.

No que toca à segunda, tal como a sua designação indica, verifica-se por razões de
interesse público, que se inscrevem necessariamente na órbita das funções do Estado e da
Administração Pública. A resolução contratual com fundamento consagrado no artigo
334º do CCP, apresenta uma vertente objetiva, traduzida no emergir de novas
necessidades, e uma vertente subjetiva, manifestada na reponderação ou reavaliação das
circunstâncias preexistentes ou contemporâneas da decisão de contratar.

Neste contexto, é importante atender ao conceito de propriedade privada, na sua aceção


constitucional, enquanto direito de aceder à propriedade e, mais concretamente, não ser
arbitrariamente privado dela (62º, nº2, CRP). É permitido, neste nº2, que os poderes
públicos, por razões de interesse ou utilidade pública, procedam ao legítimo sacrifício de
direitos patrimoniais privados. Assim, apesar de serem postos em causa estes direitos, os
atos de privação da propriedade apenas poderão ser praticados com base em lei que regule
a respetiva emissão, e com fundamento em razões bastantes de interesse geral. No
entanto, apenas se pode proceder a este sacrifício mediante o pagamento de justa
indemnização.

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Assim, o contraente público, na margem de discricionariedade que lhe assiste, reinterpreta
as necessidades resultantes do interesse público, bem como a adequação da sua
prossecução através do contrato, e conclui pela necessidade de pôr termo àquele, optando
pela via de resolução. Esta via apenas é possível mediante o pagamento ao cocontratante
de justa indemnização, correspondente aos danos emergentes e lucros cessantes (devendo,
quanto a estes, ser deduzido o benefício que resulte da antecipação dos ganhos previstos).

31. O ajuste direto e o concurso público na formação dos contratos têm fundamentos
distintos à luz dos princípios gerais do procedimento administrativo

O artigo 1º, nº4, do CCP diz-nos, desde logo, que os princípios aplicáveis à contratação
pública são os da transparência, da igualdade e da concorrência; por seu turno, as diretivas
comunitárias fazem referência aos princípios da igualdade de tratamento, da não
discriminação e da transparência.

Para a formação dos contratos cujo objeto abranja prestações que estão ou sejam
suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado dispõe o n.º 1 do artigo 16.º,
do CCP que as entidades adjudicantes devem adotar um dos seguintes tipos de
procedimentos: (a) Ajuste direto; (b) Concurso público; (c) Concurso limitado por prévia
qualificação; (d) Procedimento de negociação; (e) Diálogo concorrencial.

Começando pelo concurso público, este pressupõe a concorrência na sua maior


amplitude: o concurso diz-se público quando todas as entidades que se encontrem nas
condições gerais estabelecidas por lei podem apresentar proposta.

Repare-se que a exigência de realização de concursos no domínio do emprego público


recebe consagração no artigo 47.º, n.º 2, da CRP, de acordo com o qual todos têm direito
de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de
concurso.

A melhor forma de salvaguardar os vários interesses públicos envolvidos – realização da


melhor escolha, garantia de competência, capacidade e idoneidade do cocontratante,
transparência e seriedade do processo de seleção, igualdade de oportunidades dos
interessados – consiste em fazer a escolha do contraente particular por meio de concurso
público.

O concurso público, aceitando a livre competição dos interessados e não excluindo


ninguém, é o sistema que melhor garante tanto o direito de livre acesso dos particulares à
contratação pública, como a seriedade e transparência, tendo como base uma efetiva
igualdade de oportunidades entre todos os interessados. Deste modo, permite-se que a
escolha recaia efetivamente na melhor proposta, tornando o concurso público uma
verdadeira expressão do princípio da concorrência, e consequentemente, dos princípios
da igualdade, publicidade e transparência.

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De acordo com a noção contida no artigo 112.º do CCP, o ajuste direto é o “procedimento
em que a entidade adjudicante convida uma ou várias entidades à sua escolha a apresentar
propostas, podendo com elas negociar aspetos da execução do contrato”. Assim, é o
procedimento mediante o qual a entidade adjudicante convida a apresentar proposta as
poucas empresas que livremente escolhe, excluindo quem não tenha sido convidado,
privilegiando-se certos operadores económicos.

Assim, através da escolha deste procedimento, não se garante o mais amplo acesso ao
procedimento, não se estimulando a máxima auscultação do mercado. Devido à sua
característica de procedimento fechado, mais facilmente colide com o princípio da
concorrência.

De acordo com o disposto no artigo 18.º, do CCP, as entidades adjudicantes podem


escolher livremente entre os procedimentos de ajuste direto, de concurso público ou de
concurso limitado. O que sucede é que essa liberdade de escolha vai condicionar o valor
do contrato a celebrar, que não pode ultrapassar determinados limites, fixados no código,
para cada tipo de procedimento.

32. O princípio da sustentabilidade, sendo uma manifestação específica da boa


administração, tem uma especial aplicabilidade ao nível da contratação pública
duradoura e na decisão judicial concretizadora da responsabilidade civil da
Administração Pública

O princípio da sustentabilidade diz-nos que o agir administrativo, apesar de ter como


referência o tempo presente na sua tomada de decisões, nunca pode colocar de parte a
ponderação dos seus efeitos no futuro. Assim, este princípio procura salvaguardar as
gerações futuras, não podendo satisfazer as necessidades do presente à custa de sacrifícios
impostos às seguintes gerações, sendo então necessário um justo equilíbrio
intergeracional.

Assim, no âmbito da sustentabilidade, são fundamentais certos princípios como o da boa


administração (artigo 5º, CPA) – envolve uma remissão dos critérios/ pautas de decisão
para normas não jurídicas, fazendo apelo a valores e parâmetros extrajurídicos; e o da
proporcionalidade (artigo 7º, CPA), que determina a proibição do excesso e da
necessidade, não podendo haver sacrifícios de tudo o que se considere além do
indispensável à satisfação do interesse público.

A sustentabilidade é um pilar essencial das estratégias políticas, transversal a qualquer


Estado, empresa e cidadão. No âmbito da contratação pública, as entidades adjudicantes
procuram a proposta que tire o melhor desempenho do investimento realizado.

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Contrariamente, a contratação pública sustentável rege-se por alguns princípios de
atuação que passam pela adoção de estratégias que visem a racionalização do consumo
(público), privilegiem os produtos/serviços com menor impacto ambiental e social e
concretizem ideias economicamente sustentáveis.

De facto, neste âmbito, os decisores políticos e administrativos não podem criar


obrigações financeiras que onerem em termos excessivos as gerações futuras, não
devendo adotar uma conduta predadora, esgotando os recursos financeiros, numa postura
egoísta e utilitarista a favor da geração presente.

Passemos agora para o âmbito da decisão judicial concretizadora da responsabilidade


civil. A responsabilidade administrativa determina sempre a utilização do erário público,
isto é, aquilo que a coletividade paga através dos seus impostos, ou, no limite, onerando
as gerações futuras, através do recurso ao crédito. A conduta administrativa geradora de
responsabilidade civil consubstancia uma forma de os agentes do poder público criarem
uma obrigação financeira, recaindo a sua satisfação sobre toda a coletividade.

Deste modo, o poder judicial tem a obrigação de não condenar o Estado à ruína,
procedendo a situações de levantamento da personalidade jurídica pública, procurando
não criar obrigações financeiras que onerem as gerações futuras – há, novamente, uma
vinculação ao princípio da sustentabilidade face às gerações futuras.

33. A exigência de um procedimento administrativo equitativo não traduz um mero


princípio geral de Direito Administrativo, antes revela um verdadeiro direito
fundamental de natureza federativa e entre estas duas perspetiva há uma
diferença abissal de efeitos.

O princípio do procedimento equitativo é uma decorrência do princípio da justiça, e, por


essa via, do Estado de Direito material.

Este princípio determina que, em todas as matérias suscetíveis de envolver consequências


prejudiciais para os destinatários, os procedimentos devam ser estruturados no sentido de
garantir a participação e audiência dos interessados, a efetivação do direito ao
contraditório, a fundamentação da decisão administrativa, etc.

Ora, o princípio em causa não pode ser afastado do direito fundamental ao processo
equitativo, consagrado no artigo 6º, nº1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Assim, apesar de, em Portugal, a Constituição não consagrar expressamente este
princípio, tanta este como os seus subprincípios nucleares (informação, fundamentação
notificação e participação), têm sido acolhidos pela jurisprudência constitucional, deles
se extraindo a existência de um princípio implícito de justo procedimento.

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Assim, não falamos de princípio geral de Direito Administrativo, que apenas teria como
consequência da sua violação a mera anulabilidade. Falamos sim de um direito
fundamental ao procedimento administrativo, resultante do artigo 41º da Carta Dos
Direitos Fundamentais da União Europeia, estando o Estado português sujeito à sua
aplicação, por via da sua vinculação ao Direito da União Europeia (assim, este princípio
tem origem europeia/federativa). É, ainda, acolhido constitucionalmente, através da
cláusula aberta do artigo 16º, nº1, CRP.

Deste modo, a violação do princípio do procedimento equitativo, traduzindo-se na ofensa


ao direito fundamental a um procedimento equitativo, determina a nulidade do ato
jurídico (161º, nº2, d), CPA), caso essa violação atinja o conteúdo essencial do direito.
Noutros casos em que este conteúdo essencial não seja atingido, gera-se um efeito
invalidante das respetivas condutas administrativas, sem prejuízo de responsabilidade
civil por danos morais.

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