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2º ano, Turma A

Patrícia Carneiro da Silva

DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA


Professor Doutor Eduardo Paz Ferreira

Momentos relevantes – adesões, cronologia


Tratado de Roma Pretende-se progresso económico e social, bem como paz e
1958 Criação da Comunidade Europeia (CE) liberdade.
Bélgica, Alemanha, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos.
O Tratado de Fusão de 1965 fundiu os executivos. Instituiu as
Tratado de Fusão
1965 Comunidades Europeias em resultado da fusão das instituições
Entrada em vigor no ano de 1967
criadas pela CECA, CEE e EURATOM
Altura em que as prioridades da Comunidade se prendem com a
1973 Primeiro alargamento união aduaneira, o mercado único e a agricultura.
Dinamarca, Irlanda e Reino Unido
1981 Segundo alargamento Grécia
1986 Terceiro alargamento Portugal e Espanha
Introduziu alterações nos Tratados que instituem as
Acto Único Europeu
1986 Comunidades Europeias e consagrou a cooperação política
Entrada em vigora no ano de 1987
europeia
Tratado de Maastricht Cria-se uma União Europeia baseada em três pilares:
1992 Comunidade Europeia, Política Externa e Segurança Comum e
Entrada em vigora no ano de 1993
Justiça e Assuntos Internos
Exige-se a partir de agora, para a adesão, que estejamos
1995 Quarto alargamento perante instituições estáveis e que garantam a democracia, o
Estado de Direito e os direitos humanos
Áustria, Finlândia e Suécia
Tratado de Amesterdão Altera o Tratado da União Europeia, os Tratados que instituem
1997
Entrada em vigor no ano de 1999 as Comunidades Europeias e alguns actos relativos a esses
Tratados
Tratado de Nice Traz alterações significativas, levando a uma reforma
2001
Entrada em vigor no ano de 2003 institucional, à criação da PESC e a cooperações reforçadas
O Tratado de Amesterdão incorpora Schengen no direito
comunitário. As instituições da UE têm mais poder em política
2004 Quinto alargamento de asilo e imigração e há uma cooperação reforçada
Chipre, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta,
Polónia, Eslováquia e Eslovénia
2007 Sexto alargamento Bulgária e Roménia
Tratado de Lisboa Vem introduzir reformas em várias políticas internas e externas
2007
Entrada em vigor no ano de 2009 da UE
A antiga estrutura de pilares é substituída por uma classificação
de 3 tipos de competências (exclusiva, partilhada e de apoio).
2013 Sétimo alargamento Fala-se agora mais da Cidadania Europeia, tendo a UE mais
poder a nível político.
Croácia
2016 BREXIT (art 50º TFUE) Possível saída do Reino Unido

Países Candidatos
Albânia, Mecedónia, Islândia, Montenegro, Sérvia, Turquia

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Patrícia Carneiro da Silva

CAPÍTULO I – DA CRIAÇÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS ATÉ AO ACTO


ÚNIO EUROPEU
Projectos anteriores às Comunidades Europeias
A Europa como ideia política aparece em força no século VIII, encontrando-se nesta
altura associada à ideia de Cristandade Ocidental. No século seguinte, Carlos Magno
tentou impor um sistema político em toda a região, baseado em múltiplos centros
políticos e administrativos. Desenvolveram-se também prática económicas comuns e
criou-se uma cultura cristã comum. Serão então três os elementos constitutivos da
identidade europeia – sistema político, economia e cultura comuns.
A união cultural, civilizacional e espiritual que se sentia afirma-se na Antiguidade
Clássica e vai manter-se durante a Idade Média em torno da figura do Papa. No século
XIV desenvolve-se a ideia de Europa identificada com a liberdade, a cristandade e a
civilização. Com o surgimento do Estado Moderno impõe-se uma elevada centralização
política, passando o Estado a deter um poder supremo exclusivo e independente em
vários domínios, como o da produção de normas jurídicas, a matéria fiscal e a condução
da política externa. Em termos culturais, a Europa é tida como o estádio mais avançado,
argumento que os Europeus utilizavam para justificar o colonialismo do Novo Mundo.
A afirmação da Europa e da identidade europeia completa-se no século XX,
funcionando depois as Comunidades Europeias como catalisador para a afirmação
dessa identidade. Esta identidade tem fundamento numa certa confluência de
interesses, princípios e valores que, através da União Europeia, se afirmam e
desenvolvem. A identidade europeia define-se a partir de uma semelhança entre os
Estados-membros, que não se verifica entre estes e os terceiros, semelhança essa que
faz com que os outros a reconheçam como um todo. A cidadania da União Europeia
ajuda também à criação de uma consciência europeia marcada pelo sentimento de
pertença. Para esse sentimento contribui em grande escala a existência de uma moeda
única. Fala-se ainda de uma política comercial comum e de uma política externa e de
segurança comuns também.
A ideia de unidade europeia, desde cedo associada à Igreja, acaba por se laicizar. Para
isso, conta com projectos de figuras como Jean-Jacques Rosseau e Emmanuel Kant. No
início do século XIX, verifica-se na Europa a emergência dos nacionalismos, o que em
nada ajudou a integração europeia. A Primeira Guerra Mundial vem estimular aqueles
que viam a União Europeia como o único meio de evitar novas guerras entre os Estados
a responder à crescente concorrência económica dos Estados Unidos, da Argentina e
do Japão. Após a Primeira Guerra Mundial, o que viria a ser Presidente da República
Italiana propôs a união dos povos europeus. No entanto, os conflitos de interesses
resultantes do Tratado de Paz de Versalhes contribuíram para intensificar os
nacionalismos e afastar a aceitação da ideia de uma Europa unida. Desenvolve-se o
movimento pan-europeu, tendo-se realizado o primeiro Congresso desse movimento
em 1926, em Viena. O programa do movimento pan-europeu assentava em nove
pontos:
o Confederação europeia, com garantias recíprocas de igualdade, de segurança e
da soberania dos Estados;

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o Tribunal federal europeu, para regular todos os conflitos entre Estados


europeus;
o Aliança militar europeia, com força aérea comum para garantir o desarmamento
equilateral;
o Criação de uma união aduaneira europeia;
o Colocação em comum das colónias dos Estados europeus;
o Moeda europeia;
o Respeito pelas civilizações nacionais de todos os povos;
o Protecção de todas as minorias;
o Colaboração da Europa com os outros Estados, numa Sociedade das Nações
universal.
Esta proposta teve uma grande adesão nos meios intelectuais da época, mas houve
ainda personalidades que se mostraram mais críticas. O apoio mais importante veio
por via do então Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, que defendeu a criação
de um “laço federal” entre as nações europeias.
O fim da Segunda Guerra Mundial e o desejo de paz na Europa levaram ao
ressurgimento da ideia de unidade europeia. Para isso contribuíram ainda outros
aspectos, como o colapso das economias europeias, a pendência de uma ameaça
exterior (Rússia) e a existência de problemas políticos e económicos comuns. Urgia a
necessidade de reconstruir a Europa. Para isto contribuiu o discurso de Winston
Churchill em 1946, apelando à construção de “uma espécie de Estados Unidos da
Europa”. Para isto, dizia, era necessária a união entre a França e a Alemanha, daí
podendo resultar uma confederação capaz de garantir uma comunhão de destinos. Esta,
no entanto, não incluiria o Reino Unido, já membro da Commonwealth. Realiza-se em
Haia um congresso com o objectivo de discutir a questão da unidade da Europa. Neste
defrontam-se essencialmente duas teses:
o Tese federalista – defendia-se uma instituição imediata de uma federação
política;
o Tese unionista – defendia-se contactos intergovernamentais.
A moção final do Congresso acaba por ser aprovada por unanimidade e desta consta a
convocação de uma Assembleia Europeia constituída por parlamentares nacionais.
Pretende-se criar e exprimir uma opinião pública europeia, recomendar as medidas
imediatas adequadas ao estabelecimento progressivo, examinar os problemas
jurídicos e constitucionais colocados pela criação de uma União ou de uma federação
e ainda a criação de um Tribunal encarregue de assegurar o respeito de uma carta
europeia dos direitos humanos. Após a derrota eleitoral de Churchill, a Europa
reconstrói-se pela via intergovernamental. Assinam-se variados acordos em matérias
de economia, defesa, política e de criação de algumas organizações internacionais
europeias.
No plano económico, a ameaça da guerra fria e os riscos políticos da ruína económica
fizeram com que os americanos propusessem um plano de ajuda económico-financeira
à Europa. A ideia foi lançada num discurso em Harvard, por parte de George Marshall
(1947). A 16 de Julho do mesmo ano reúnem-se em Paris 16 Estados com o objectivo
de apreciar esta proposta americana. Daí resulta o chamado Plano Marshall (Programa

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de Recuperação Económica para a Europa), aprovado pelo Congresso norte-americano


a 2 de Abril de 1948. A Rússia, recusando-se a aceitar esta ajuda, arrasta consigo todos
os seus aliados.
Do Plano Marshall resultava a necessidade de criar uma organização que o gerisse,
implicando-se assim que os países europeus se entendam quanto à forma de utilizar a
ajuda económica que chega. Tal poderia ter sido feito por via da OECE (Organização
Económica da Cooperação Europeia), não fosse a oposição dos ingleses a qualquer
perda de soberania, inviabilizando assim o papel político da organização.
A 16 de Abril de 1948 é assinada, em Paris, a Convenção que criou a OECE. Esta destinar-
se-ia ao relançamento económico, à eliminação gradual das restrições quantitativas
ao comércio, à instituição no seu âmbito de uma União Europeia de Pagamentos, de
maneira a facilitar o desenvolvimento das trocas comerciais entre os países membros.
Tendo esses objectivos sido cumpridos, em 1960 a OECE extingue-se e acaba por surgir
em seu lugar a actual OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Económico – alargada aos EUA e ao Canadá. Em Dezembro de 1949, os EUA
propuseram a criação de uma União Europeia de Pagamentos que tornasse possível
ultrapassar o problema da inconvertibilidade das moedas europeias e eliminar as
restrições ao comércio.
No plano da defesa, é assinado também em 1947 o Tratado de Dunquerque entre a
França e o Reino Unido. A ameaça vinda da Rússia leva cinco Estados europeus –
Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França e Inglaterra – a concretizarem os seus propósitos
de defesa comum. Cria-se, em 1949, a NATO, por via do Tratado de Washington. A esta
juntam-se também os EUA e o Canadá. Destaque-se que a Alemanha apenas passa a
integrar essas políticas de defesa europeia com a revisão do Tratado de Bruxelas,
ocorrida por força dos Acordos de Paris de 1954. Cria-se a União da Europa Ocidental,
tendo o tratado sido assinado por 10 países: França, Reino Unido, Bélgica, Holanda,
Luxemburgo, Alemanha, Itália e, mais tarde, Espanha, Portugal e Grécia.
Já no plano político, os Governos francês e belga decidem em 1948 propor a criação de
uma Assembleia Parlamentar Europeia. Daqui vem a resultar a criação do Conselho da
Europa – a 5 de Maio de 1949, Bélgica, França, Holanda, Luxemburgo, Reino Unido,
Dinamarca, Irlanda, Noruega e Suécia assinam em Londres o Estatuto do Conselho da
Europa. Este tem como principal objectivo a protecção dos direitos humanos, pelo que
é de destacar a Convenção Europeia dos Direitos dos Homens. O texto final da
convenção foi assinado em Roma, a 4 de Novembro de 1950, tendo entrado em vigor
a 3 de Setembro de 1953. Politicamente, a Europa passa a ser tratada numa perspectiva
intergovernamental (e não federalista, como havia resultado do Congresso de Haia).

Os anos 50 – a criação das Comunidades Europeias


O Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Robert Schuman, acabaria por a 9 de
Maio de 1950 apresentar a que ficou conhecida como a Declaração de Schuman1. Desta
resultaria uma união da produção de carvão e aço entre a França e a Alemanha. Foram
cinco os Estados que concordaram com esta declaração – Alemanha, Itália, Bélgica,

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Elaborada por Jean Monnet

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Holanda e Luxemburgo. Através desta, a Alemanha conseguiu reentrar na cena política


europeia em pé de igualdade com os demais.
Apesar de ter sido um fracasso, a verdade é que esta declaração acaba por ser o
primeiro grande documento de integração europeia, tendo dela resultado a criação da
primeira Comunidade Europeia – a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA).
O seu tratado constitutivo foi assinado a 18 de Abril de 1951, tendo o mesmo entrado
em vigor a 25 de Julho do ano seguinte. Neste estava previsto o seu período de vigência
– 50 anos a partir da data de entrada em vigor. Assim, o tratado acaba por expirar a 23
de Julho de 2002, tendo a partir daí a produção de carvão e aço ficado sujeitos ao regime
normal do Tratado Institutivo da Comunidade Económica Europeia (TCEE) até à
entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Actualmente, esta matéria é regulada no
Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
No tratado CECA, França, Itália, República Federal da Alemanha, Bélgica, Luxemburgo
e Países Baixos, decidem sujeitar a uma autoridade comum todo o sector produtivo do
carvão e do aço. Funda-se aqui a ideia de limitação da soberania dos Estados a favor da
sua união. Associados à CECA estavam dois tipos de objectivos:
o Políticos – prossegue-se a manutenção da paz no Mundo;
o Económicos e sociais – pretende-se uma expansão económica, o aumentar do
emprego e o relançar do nível de vida nos Estados-membros. Para isso, urge criar
um mercado comum, objectivos comuns e órgãos comuns.
Criara-se, então, os seguintes órgãos:
o Alta Autoridade – era o órgão com poder de decisão, de funcionamento
independente perante os Estados;
o Assembleia – composta pelos representantes dos povos dos Estados reunidos
na Comunidade;
o Conselho – formado por representantes dos Estados, partilhava com a Alta
Autoridade a capacidade para tomar as decisões mais importantes. Este era
encarregue de harmonizar a acção da Alta Autoridade e dos Governos com a
política económica geral;
o Tribunal – assegurava a conformidade com o Direito, podendo interpretar e
aplicar o Tratado e os regulamentos de execução.
Com o TCECA, os Estados abdicaram de parte dos seus poderes a favor de uma
entidade comum. Era estabelecida uma relação directa entre a Alta Autoridade e as
empresas, sem necessidade de mediação por parte dos Estados. A CECA dispunha de
personalidade jurídica e de capacidade jurídica nas relações internacionais.
Tendo as negociações para o TCECA decorrido durante a guerra da Coreia, verifica-se
um aumento da ameaça da União Soviética de Estaline, o rearmamento da Alemanha
e a sua entrada na NATO, o que não agradou à França. Em resposta a isto, o Ministro
da Defesa francês apresentou em 1950 uma proposta de criação de um exército
europeu ligado às instituições políticas da Europa unida, sob responsabilidade de um
Ministro da Defesa europeu, sob controlo de uma Assembleia europeia e com
orçamento militar comum. A 27 de Maio de 1952 é assinado o Tratado da Comunidade
Europeia de Defesa, o que se deveria traduzir na criação de um exército comum
europeu. Em 1952 constitui-se uma Assembleia ad hoc, composta por membros da

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Assembleia CECA e do Conselho da Europa, com o objectivo de elaborar um projecto


de Comunidade Política Europeia. Apresentando-se sob a forma de Constituição
europeia de estrutura federal, esta não foi aceite pelos Seis, por ser excessivamente
federalista.
Em França, assiste-se a uma mudança de Governo, o que vai facilitar a vida da
Comunidade Europeia de Defesa e, por consequência, possibilitar a Comunidade
Política Europeia. A recusa da Assembleia Nacional francesa à ratificação do TCED fez
com que a CPE e a CED fossem um fracasso. Com base nisso, Jean Monnet anuncia que
não estava disponível para a renovação do mandato como Presidente da Alta
Autoridade. Em Abrir de 1955, o Governo holandês apresenta o Memorando Beyen de
1952, onde se afirma ser necessário criar uma comunidade supranacional global, cuja
tarefa seria realizar a integração económica da Europa. Para isso, deveria começar-se
por uma união aduaneira e, mais tarde, por um amplo mercado comum europeu e uma
união económica e monetária.
Na sequência da crise europeia iniciada por Jean Monnet, são apresentados dois
caminhos possíveis no memorando do Benelux (1955):
o Global – com o apoio de Beyen;
o Sectorial – com o apoio de Spaak
Estas opções são discutidas, daí resultando a aprovação de uma resolução na qual os
Seis defendem o desenvolvimento de novas instituições comuns, a integração
progressiva das economias nacionais, a criação de um mercado comum e a
harmonização da política nacional. Cria-se um comité, do qual resulta o Relatório
Spaak, apresentado em Veneza a 21 de Abril de 1956. Deste resulta a necessidade de
criar duas novas comunidades, com o objectivo de criar um mercado comum geral.
Assim surgem a CEE e o Euratom (CEEA). São a 25 de Março de 1957 assinados os três
Tratados – constitutivo da CEE, institutivo da CEEA e o Tratado relativo a certas
instituições comuns, a entrar em vigor a 1 de Janeiro de 1958.
O Tratado da Comunidade Económica Europeia estabelecia certos objectivos que
punham em causa a soberania dos Estados-membros:
o Crescente paz e união;
o Estabelecimento de bases comuns do desenvolvimento económico;
o Progresso económico e social;
o Melhoria das condições de vida e de emprego.
Falava-se da construção de um mercado comum geral, sendo que para isso o Tratado
criou uma estrutura institucional, dotada de determinados órgãos:
o Conselho – órgão representativo dos Estados, detentor do poder normativo na
aplicação do tratado. Este podia tomar decisões de natureza constitucional,
decidir ao nível do alargamento da competência dos Estados-membros;
o Comissão – é um órgão independente dos Estados-membros, que defendia os
interesses da Comunidade. Esta era como que a guardiã dos tratados, tendo
poder para aplicar sansões às empresas, para desencadear um processo de
incumprimento contra os Estados-membros, para negociar tratados
internacionais de que a Comunidade fosse parte e para gerir os serviços da
Comunidade e dos fundos comunitários;

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o Assembleia Parlamentar (depois Parlamento Europeu) – órgão representativo


dos povos europeus. Detinha poderes em matéria legislativa, sendo esses
essencialmente consultivos. A sua eleição só mais tarde passou a ser feita por
sufrágio directo e universal;
o Tribunal de Justiça – é o órgão jurisdicional, independente dos Estados.
As relações entre a Comunidade e os Estados-membros eram de comunhão de
interesses e solidariedade. Os Estados-membros comprometiam-se a adoptar todas as
medidas necessárias para o cumprimento dos tratados e a não pôr nunca em causa
esses objectivos. O TCEE tinha uma vigência limitada, mas isso não impediu a sua
modificação, nem a sua substituição pelo Tratado sobre o Funcionamento da União
Europeia, parte integrante do Tratado de Lisboa.
O TCEEA, que promovia a utilização de energia nuclear para fins pacíficos e o
desenvolvimento da potente indústria nuclear, continua a existir, mesmo após a
entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

Os anos 60 e 70 – período de estagnação?


Com o falhanço das negociações entre os Estados-membros da OECE e da CEE para que
se criasse uma zona de comércio livre entre eles, o Reino Unido, em 1958, decidiu
impulsionar a criação de uma zona de comércio livre entre ele e mais seis Estados
europeus – Noruega, Suécia, Áustria, Suíça, Dinamarca e Portugal. Foi em 1969
assinada a Convenção que criou a EFTA, tendo entrado em vigor a 6 de Maio de 1960.
A EFTA era dotada de objectivos essencialmente económicos, estando associada a um
plano simplesmente intergovernamental.
Com o enfraquecimento da Commonwealth e o sucesso das CEE, o Reino Unido decide
alterar a sua posição referente à integração europeia, apresentando a 9 de Dezembro
de 1961 o primeiro pedido de adesão às CEE, vetado pela França em 1963.
Na conferência de Paris em 1961, o General De Gaulle apresentou um projecto de
união política europeia original – a Europa dos Estados. Foi criada uma comissão para
dar forma à vontade de união política da Europa, tendo sido em 1961 adoptada pelo
Seis uma resolução conhecida como a Declaração de Bad-Godesberg. Nesta decide-se
a criação de uma união de Estados europeus. Para alguns, esta é vista como o acto de
nascimento da ideia da Europa política.
O Plano Fouchet é apresentado em Novembro de 1961, do qual resultava a criação de
uma união indissolúvel de Estados. Esta proposta foi rejeitada em Janeiro de 62, tendo
depois sido apresentada uma segunda proposta. Esta baseava-se numa união de
Estados federalista – a cada Estado é atribuído o direito de veto - que apenas era
apoiada pela França. Não se atingindo qualquer acordo, as negociações são suspensas
e os Planos abandonados. O isolamento francês era crescente, tendo a tensão
aumentado com a recusa à entrada do Reino Unido nas CEE.
Em 1965 sofre-se uma das maiores crises da CEE – França inicia a 1 de Julho de 1965 a
chamada crise da cadeira vazia, através da qual se recusa a participar nas reuniões do
Conselho. Esta apenas viria a ser ultrapassada nos acordos de Luxemburgo. Através
destes institui-se o direito de veto dos Estados do Conselho. Dá-se o afastamento da
necessidade de uma maioria qualificada, o que vem afectar as regras de decisão

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previstas no Tratado. Apesar disso, estes acordos seriam a base da estagnação do


Conselho nas duas décadas seguintes.
Em 1965 são feitos significativos avanços institucionais: os Seis assinam o Tratado de
Fusão. Deste resulta um Conselho único e uma Comissão única, pelo que o quadro
institucional das três Comissões passou a ser um só. Em 1967, o Reino Unido renova o
pedido de adesão às CEE, voltando França a vetar a sua entrada, com bases em razões
económicas e monetárias (relacionadas essencialmente com a questão da política
agrícola comum).
No final da década de 60 decorre a Cimeira de Haia (1 e 2 de Dezembro), durante a qual
se fala sobre o aprofundamento (com a União Económica Monetária), o alargamento
(ao Reino Unido) e o acabamento (da política agrícola comum). Desta Cimeira resulta a
análise aos pedidos de adesão do Reino Unido, da Dinamarca, da Irlanda e da Noruega,
do que resulta pela primeira vez a adesão de um país com desenvolvimento
manifestamente inferior (Irlanda). A Noruega, por realização de referendo, acaba por
não ratificar o Tratado, pelo que a partir de 1973 as CEE passam a unir 9 países. Resulta,
também, a necessidade de os Seis elaborem um relatório sobre os progressos em
matéria de união política. Este seria o Relatório Davignon, adoptado a 27 de Outubro
de 1970 na Cimeira do Luxemburgo. É elaborado um segundo relatório, este
apresentado em 1973, e do qual resultava a necessidade de cooperação entre os
Estados-membros das CEE e de adoptar posições comuns em matéria relativa aos
principais problemas internacionais.
Recorde-se que, da Cimeira de Haia, decorre uma resolução do Conselho (1971),
tendente à instauração de uma união económica e monetária por etapas, inspirada no
Plano Werner de 1970. Aí se previa a criação de uma política monetária comum, a
aproximação das políticas económicas dos Estados e a criação de uma moeda única.
Este plano não vingou, uma vez que França o via como um acentuar da soberania das
instituições europeias. No entanto, em 1971, os Seis decidem pela realização da UEM
em três etapas. Apesar de a crise mundial se ter alastrado e ditado o fracasso desta
união, é aprovada no Conselho Europeu a criação de um Sistema Monetário Europeu
(1977), tendo este sistema entrado em vigor a 13 de Março de 1979 (sem o Reino
Unido).

Os anos 80 – impulso do Acto Único Europeu


O AUE, assinado no Luxemburgo em 17 de Fevereiro de 1986 por nove Estados-
Membros e, em 28 de Fevereiro de 1986, pela Dinamarca, Itália e Grécia, constitui a
primeira alteração de grande envergadura do Tratado que institui a Comunidade
Económica Europeia (CEE). O AUE entrou em vigor em 1 de Julho de 1987.
O principal objectivo do AUE consiste no relançamento do processo de construção
europeia com vista a concluir a realização do mercado interno. Esse objectivo
afigurava-se dificilmente exequível com base nos tratados existentes, nomeadamente
devido ao processo de tomada de decisão a nível do Conselho, que requeria a
unanimidade para se poder proceder à harmonização da legislação.
Altera-se o Tratado CEE, nomeadamente a nível:
o Do processo de tomada de decisão a nível do Conselho.

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o Das competências da Comissão.


o Dos poderes do Parlamento Europeu.
o Do alargamento das competências das Comunidades.
O AUE permitiu a transformação do mercado comum num mercado único, em 1 de
Janeiro de 1993. Mediante a criação de novas competências comunitárias e a reforma
das instituições, o Acto Único Europeu preparou o terreno para a integração política e
para a União Económica e Monetária, posteriormente instituídas pelo Tratado de
Maastricht ou Tratado da União Europeia.
Celebram-se também os Acordos de Schengen, que definiam as medidas de
harmonização necessárias para abolir definitivamente os controlos das fronteiras
internas da Comunidade.

Tratado de Maastricht e sucessivas alterações


O Tratado da União Europeia (TUE) constituiu uma nova etapa na integração europeia,
dado ter permitido o lançamento da integração política. Este Tratado criou uma União
Europeia assente em três pilares: as Comunidades Europeias, a Política Externa e de
Segurança Comum (PESC) e a cooperação policial e judiciária em matéria penal (JAI):
o O primeiro pilar é constituído pela Comunidade Europeia, pela Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e pela Euratom e diz respeito aos domínios
em que os Estados-Membros exercem, conjuntamente, a sua soberania através
das instituições comunitárias.
o O segundo pilar instaura a Política Externa e de Segurança Comum (PESC),
prevista no Título V do Tratado da União Europeia, que substitui as disposições
constantes do Acto Único Europeu e prevê que os Estados-Membros possam
empreender acções comuns em matéria de política externa.
o O terceiro pilar diz respeito à cooperação nos domínios da justiça e dos
assuntos internos, prevista no Tratado da União Europeia. A União deve levar a
cabo uma acção conjunta para proporcionar aos cidadãos um nível elevado de
protecção num espaço de liberdade, segurança e justiça.
Instituiu igualmente a cidadania europeia, reforçou os poderes do Parlamento Europeu
e criou a União Económica e Monetária (UEM).
Assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992, o Tratado entrou em vigor em 1
de Novembro de 1993 e resultou de factores externos e internos. No plano externo, o
colapso do comunismo na Europa de Leste e a perspectiva da reunificação alemã
conduziram a um compromisso no sentido de reforçar a posição internacional da
Comunidade. No plano interno, os Estados-Membros desejavam aprofundar, através de
outras reformas, os progressos alcançados com o Acto Único Europeu. F oi o Conselho
Europeu de Roma, de 14 e 15 de Dezembro de 1990, que finalmente lançou as duas
conferências intergovernamentais, cujos trabalhos conduziram, um ano depois, à
Cimeira de Maastricht de 9 e 10 de Dezembro de 1991.
O Tratado de Maastricht constitui uma resposta a cinco objectivos essenciais:
o Reforçar a legitimidade democrática das instituições;
o Melhorar a eficácia das instituições;
o Instaurar uma União Económica e Monetária;

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o Desenvolver a vertente social da Comunidade;


o Instituir uma política externa e de segurança comum.
Este Tratado foi depois alterado ao longo do tempo:
o Tratado de Amesterdão (1997) – o Tratado de Amesterdão possibilitou o
aumento das competências da União mediante a criação de uma política
comunitária de emprego, a comunitarização de uma parte das questões que
eram anteriormente da competência da cooperação no domínio da justiça e dos
assuntos internos, as medidas destinadas a aproximar a União dos seus cidadãos
e a possibilidade de formas de cooperação mais estreitas entre alguns Estados-
Membros (cooperações reforçadas). Alargou, por outro lado, o procedimento de
co-decisão, bem como a votação por maioria qualificada, e conduziu à
simplificação e a uma nova numeração dos artigos dos tratados.
o Tratado de Nice (2001) – foi essencialmente consagrado ao "remanescente" de
Amesterdão, ou seja, aos problemas institucionais ligados ao alargamento que
não foram solucionados em 1997. Trata-se da composição da Comissão, da
ponderação dos votos no Conselho e do alargamento dos casos de votação por
maioria qualificada. Simplificou igualmente o recurso ao procedimento de
cooperação reforçada e tornou mais eficaz o sistema jurisdicional.
o Tratado de Lisboa (2007) – implementa amplas reformas. Acaba com a
Comunidade Europeia, elimina a antiga arquitectura da UE e efectua uma nova
repartição das competências entre a UE e os Estados-Membros. O modo de
funcionamento das instituições europeias e o processo de decisão são
igualmente sujeitos a modificações. O objectivo é melhorar a tomada de
decisões numa União alargada a 27 Estados-Membros. O Tratado de Lisboa vem
ainda introduzir reformas em várias políticas internas e externas da UE. Permite,
nomeadamente, que as instituições legislem e tomem medidas em novos
domínios políticos.

CAPÍTULO II – A ESTRUTURA INSTITUCIONAL E ORGÂNICA DA UNIÃO


EURPEIA
Com o Tratado de Lisboa, chegam alterações significativas. Estas acabam por vir
simplificar alguns aspectos mas, diz o Professor Eduardo Paz Ferreira, muito ficou por
fazer. Este Tratado vem trazer fim a uma União Europeia assente nos seus três pilares:
o Comunidades Económicas Europeias;
o Política externa e segurança comuns;
o Colaboração em matéria política e penal.
A União Europeia vem substituir-se às Comunidades Europeias, sendo esta dotada de
personalidade jurídica.

Quadro institucional da UE
As Comunidades Europeias começaram por ser três: CECA, CEE e a CEEA. A cada uma
se reportava um diferente Tratado constitutivo, no qual se previa, para cada caso, um
quadro institucional próprio (não obstante a Assembleia e o Tribunal de Justiça se terem

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

unificado em 1957). Quanto ao Conselho e à Comissão, só em 1965, com o Tratado de


Fusão, se unificaram formalmente. Apesar disso, os órgãos dispunham de
competências diversas consoante o Tratado sobre o qual estavam a actuar.
Actualmente, são sete as instituições fundamentais da União Europeia (art 13º TUE). A
saber:
o Parlamento Europeu
o Conselho Europeu
o Conselho da União Europeia
o Comissão Europeia (“Comissão”)
o Tribunal de Justiça
o Banco Central Europeu
o Tribunal de Contas
A estes juntam-se dois órgãos também relevantes:
o Comité das Regiões;
o Comité Económico e Social
PARLAMENTO EUROPEU (art 14º TUE e art 223 e sgts TFUE)
PRESIDENTE: Antonio Tajani
O Parlamento Europeu exerce, juntamente com o Conselho as funções legislativa e
orçamental. É esta a instituição responsável pelo controlo político, detendo funções
consultivas de acordo com o estabelecido nos Tratados.
O Parlamento é composto por representantes dos cidadãos da União, não podendo
ultrapassar os 750 membros (+ 1 contando com o Presidente). Cada Estado-membro
pode ter entre 6 e 96 membros presentes no Parlamento. Estes membros são eleitos
por sufrágio universal, directo, livre e secreto, dispondo de um mandato de 5 anos. A
representação dos cidadãos é regressivamente proporcional, o que significa que vigora
o princípio da representação degressivamente proporcional – quanto menos
população um Estado tiver, menor é o número de habitantes correspondente à
atribuição de um Deputado. O nº 2 do art 14º TUE remete para uma decisão unânime
do Conselho Europeu a composição do Parlamento.
Esta instituição tem para si um direito de auto-organização, o que se retira do art 232º
TFUE, artigo que habilita o estabelecimento do regimento. Os Deputados do
Parlamento Europeu podem organizar-se em grupos políticos, permitindo o art 224º
TFUE a adopção, segundo o processo legislativo ordinário, de um estatuto dos partidos
políticos ao nível europeu. O Parlamento Europeu tem uma sessão anual, reunindo-se
por direito próprio na segunda terça-feira de Março – art 229º TFUE –, funcionando em
comissão. A regra de votação é a maioria de votos expressa no art 238º, excepto nos
casos em que outra regra resulte do Tratado.
As competências do Parlamento Europeu têm vindo a ser alargadas em quase todas as
revisões dos Tratados. Este detém poderes ao nível legislativo e orçamental, de
fiscalização política e de designação de membro de outros órgãos, participando na
revisão dos Tratados. Relativamente ao poder legislativo, este foi reforçado com o
Tratado da União Europeia, através da inclusão do antigo poder de decisão conjunta do
Parlamento e do Conselho como agora integrante do procedimento legislativo ordinário

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

(art 289º, nº 1 TFUE). É sua a competência para aprovar moções de censura (art 234º
TFUE), resultando do art 17º, nº 8 TUE que a Comissão é politicamente responsável
perante o Parlamento. O Tratado de Lisboa prevê ainda a possibilidade de o
Parlamento constituir comissões de inquérito temporárias (art 226º TFUE). Este pode
ainda proceder debates de política geral e votar resoluções sobre quaisquer questões
de actualidade.
O Parlamento Europeu participa na designação de membros de outras instituições,
sendo nesse aspecto a sua competência mais relevante a eleição do Presidente da
Comissão, regulada no art 17º TUE. O Parlamento também elege o Provedor de Justiça
(art 228º, nº 1 TFUE).
CONSELHO EUROPEU (art 15º TUE e art 237º e sgts TFUE)
PRESIDENTE: Donald Tusk
O Conselho Europeu foi criado através de um acto informal dos Estados-membros –
um comunicado final – que resultou da Cimeira de Paris, decorrida no ano de 1974. Aqui
se definiu que o Conselho Europeu deveria ocupar-se dos assuntos comunitários e ser
o órgão da cooperação política europeia. Com o Acto Único Europeu, este passa a estar
previsto de forma expressa. No Tratado de Maastricht, o mesmo é transformado em
Órgão da União Europeia, sendo apenas no Tratado de Lisboa que o mesmo é visto
como uma instituição da UE de pleno direito – art 13º, nº 1 TUE.
Os Estados-membros são, no Conselho Europeu, representados pelo respectivo Chefe
de Estado ou de Governo (art 10º, nº 2 TUE), tratando o art 15º TUE da sua composição.
A essa composição, vai juntar-se o Presidente, o que é uma inovação trazida pelo
Tratado de Lisboa, bem como o Presidente da Comissão. O Conselho reúne duas vezes
por semestre, podendo haver reuniões extraordinárias.
A principal inovação trazida pelo Tratado de Lisboa prende-se com a eleição do
Presidente. Antes, havia um sistema de presidência rotativa semestral, entre os Chefes
de Estado ou de Governo. Agora, o Presidente é eleito pelo próprio Conselho, por um
mandato de dois anos e meio, renovável por uma vez. Este desaparecimento do
sistema rotativo acaba por prejudicar os Estados médios e pequenos, que vêem agora
a possibilidade de ter um Presidente “seu” eleito. Também pela primeira vez são
enumeradas as funções do Presidente do Conselho Europeu – art 15º, nº 6 TUE.
O Conselho Europeu decide por consenso, salvo disposição em contrário – art 15º, nº 4
TUE. Pode ser exigida maioria qualificada ou mera maioria simples, de acordo com as
situações previstas nos arts 235º e 236º TFUE.
Quanto à competência do Conselho Europeu, define o art 15º, nº 1 TUE que este dá à
União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e define as orientações e
prioridades gerais da União, não exercendo a função legislativa. Esta exclusão de
competências legislativas não é, no entanto, absoluta, visto que há situações nas quais
o Conselho Europeu terá de agir em vez do Conselho (arts 48º, n82º, 83º, 87º, nº 3
TFUE).
CONSELHO (art 16º TUE e art 237 e sgts TFUE)
O Conselho passou a ser um órgão comum das três Comunidades com o Tratado de
Fusão de 1965. Com o Tratado da União Europeia, na sua versão de Maastricht,

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

estabelecia-se que o Conselho era composto por um representante de cada Estado-


membro ao nível ministerial, com poderes para vincular o Governo desse Estado e
exercer o direito de voto. Esta disposição surge por influência da Alemanha, mantendo-
se intocada no Tratado de Lisboa – actual artigo 16º. O Conselho é então, neste
momento e desde 2013, composto por 28 membros.
O Conselho reúne em diferentes formações, consoante os temas a abordar. Essas
formações estão presentes no art 236º TFUE. Ao Conselho dos Assuntos Gerais cabe
assegurar a coerência dos tratados das diferentes formações do Conselho, sendo este
aquele que prepara as reuniões do Conselho Europeu, em cooperação com o
Presidente do Conselho Europeu e com a Comissão. A presidência das várias
formações do Conselho, com excepção da Presidência do Conselho dos Negócios
Estrangeiros, é exercida pelos representantes dos Estados-membros, com base num
sistema de rotação igualitária – art 236º TFUE.
Quanto ao funcionamento do Conselho, o mesmo decorre dos dois tratados
mencionados e, ainda, do regulamento interno da instituição. O Conselho reúne por
convocação do seu Presidente, por iniciativa deste, de um dos seus membros ou da
Comissão – art 237º TFUE. Com o Tratado de Lisboa, as reuniões relativas a questões
legislativas passam a ser públicas, o que significa que as reuniões passam a ser
divididas em duas fases: a fase sobre questões legislativas e a fase sobre questões que
não o sejam. O Conselho é assistido por um Secretário-Geral, sendo que o Tratado
prevê ainda alguns Comités.
As regras de votação do Conselho são complexas, sendo que, apesar de a regra ser a
maioria qualificada (art 16º, nº 3 TUE), os Tratados preveem situações de maioria
simples e situações de unanimidade. Tudo variará, portanto, consoante a base jurídica
ao abrigo da qual aquela instituição adopta o acto. A regra geral é objecto de
derrogação no art 238º TFUE. Foi, além disso, criado um regime transitório até 1 de
Novembro de 2014, que podia ser prorrogado até 31 de Março de 2017.
Começando pela regra geral, a maioria qualificada corresponde, a partir de 1 de
Novembro de 2014, a pelo menos 55% dos membros do Conselho, os quais devem
representar Estados-membros que correspondam a pelo menos 65% da população da
União. Quando o Conselho não delibera sob proposta da Comissão ou do Alto
Representante para os NE e para a Política de Segurança, define o art 238º, nº 2 TFUE
que a maioria qualificada corresponde a, pelo menos, 72% dos membros do Conselho,
exigindo-se na mesma os 65% de representação da população da União. Em situações
de integração diferenciada opera o disposto no art 238º, nº 3 TFUE.
Quanto à competência do Conselho, a mesma é definida nos Tratados. Note-se que
este exerce conjuntamente com o Parlamento Europeu a função legislativa e a função
orçamental.
COMISSÃO (art 17º TUE e art 244º e sgts TFUE)
A Comissão tem a sua origem na Alta Autoridade da CECA. Esta é composta, hoje em
dia, por 28 membros. Define o art 17º, nº 4 TUE que, a partir de 1 de Novembro de
2014, a Comissão é composta por um número de membros, incluindo o seu Presidente
e o Alto Representante, correspondente a dois terços do número dos Estados-

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

membros, a menos que o Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, decida


alterar esse número. Do art 244º TFUE resultam critérios a que deve obedecer essa
decisão.
O Presidente deve ser proposto pelo Conselho Europeu (sendo a deliberação feita por
maioria qualificada), tendo este em vista os resultados das eleições do Parlamento. O
candidato é eleito por maioria dos membros do Parlamento Europeu. Se essa maioria
não for atingida, o Conselho deve apresentar novo candidato no prazo de um mês. Os
membros da Comissão são depois definidos pelo Conselho, mediante acordo do novo
Presidente. Esses membros são escolhidos de a cordo com as sugestões apresentadas
por cada Estado-membro, de acordo com o art 17º, nº 7. Segue-se um voto de
aprovação por parte do Parlamento, que recairá sobre todos os membros da Comissão
– Presidente, Alto Representante e restantes membros.
Os membros da Comissão são independentes em relação aos interesses privados, aos
outros órgãos e aos Estados-membros – art 18º TUE. Estes não podem ser destituídos
pelo Conselho, nem pelo conjungo dos Governos. Os comissários têm de exercer as
suas funções em exclusividade, não podendo exercer quaisquer outras tarefas. O seu
mandato tem a duração de 5 anos, podendo o Parlamento Europeu votar moções de
censura à Comissão. Se essas forem aprovadas, a Comissão é obrigada a demitir os
seus membros – art 234º TFUE.
O Tratado de Lisboa veio reforçar os poderes do Presidente em relação aos demais
membros da Comissão. A este cabe:
o Definir as orientações no âmbito das quais a Comissão exerce a sua missão;
o Determinar a organização interna da Comissão, a fim de assegurar a coerência,
a eficácia e a colegialidade da sua acção;
o Nomear vice-presidentes de entre os membros da Comissão, com excepção do
Alto Representante.
As deliberações são tomadas por maioria dos seus membros – art 250º TFUE. Os
poderes da Comissão encontram-se previstos, desde logo, no art 17º TUE. Também o
TFUE, nos seus arts 290º e 292º, lhes faz referência.
ALTO REPRESENTANTE PARA OS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS
O Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de
Segurança (Alto Representante) é responsável pela coordenação e condução
da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e da Política Comum de Segurança
e Defesa da União Europeia. O Alto Representante é também um dos vice-presidentes
da Comissão Europeia e, nessa qualidade, garante a consistência da ação externa geral
da UE. É nomeado para um mandato de cinco anos pelo Conselho Europeu por maioria
qualificada (após acordo do Presidente da Comissão Europeia). A nomeação do Alto
Representante está também sujeita ao voto de aprovação do Parlamento Europeu, em
conformidade com o art 17.o TUE. Isto deve-se ao facto de o Alto Representante ser
também um dos vice-presidentes da Comissão Europeia e de a nomeação deste órgão,
como um todo, requerer a aprovação do Parlamento Europeu.
O Alto Representante contribui para o desenvolvimento da PESC apresentando
propostas ao Conselho da União Europeia e ao Conselho Europeu, garante a

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

implementação das decisões que são adoptadas, garante a acção externa da UE nas
áreas de ajuda ao desenvolvimento, presidindo também às reuniões dos Ministros dos
Negócios Estrangeiros no Conselho da União Europeia.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (art 19º TUE e art 252º e sgts TFUE)
O Tribunal de Justiça da União Europeia inclui o Tribunal de Justiça propriamente dito,
o Tribunal Geral e jurisdições especializadas, actualmente reconduzidas ao Tribunal da
Função Pública. Compete ao Tribunal garantir o respeito do Direito na interpretação e
na aplicação dos Tratados. Este é, para isso, dotado de uma competência muito vasta.
O Tribunal de Justiça da União Europeia tem competência para decidir sobre os temas
presentes no art 19º TUE.
Tribunal de Justiça
São várias as referências feitas ao Tribunal no TFUE. O Tribunal é assistido por oito
advogados-gerais, podendo esse número ser aumentado por deliberação por
unanimidade do Conselho. Aos advogados-gerais cabe apresentar publicamente
conclusões fundamentadas sobre as causas que requeiram a sua intervenção. Estes
advogados, bem como os juízes, são escolhidos de entre personalidades que ofereçam
garantidas de independência e que reúnam as condições exigidas, sendo que há um
juiz por cada Estado-membro. O Tribunal pode, de acordo com o respectivo estatuto,
prescindir das conclusões dos advogados-gerais, se considerarem que não se suscitam
novas questões de direito. Procura-se evitar o acréscimo de trabalhos sobre os
advogados.
Os juízes e os advogados são nomeados de comum acordo, por um período de 6 anos,
de acordo com o disposto no art 255º TFUE. O Tratado de Lisboa traz uma importante
inovação: a nomeação dos juízes e dos advogados gerais radica na criação de um
comité composto por sete personalidades, escolhidas de entre antigos membros do
Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, um dos quais será proposto ao Parlamento
Europeu. Esse dará um parecer sobre a adequação ao exercício das funções de juiz ou
advogado-geral. A seguir, os Governos dos Estados-membros deverão ouvir o referido
comité e só depois deliberar sobre a nomeação desses membros. O mandato é
renovável, sendo prevista a renovação parcial dos juízes de três em três anos.
Os juízes gozam de certos direitos, como a inamovibilidade durante a duração do
mandato, a imunidade de jurisdição para todos os actos que praticaram enquanto durar
o seu mandato ou ainda outros previstos nos Estatutos. Cada juiz dispõe de três
assessores, juristas qualificados. São três as causas de cessação de funções:
o substituições normais
o falecimento
o demissão
O Tribunal de Justiça reúne a três níveis – Secções (3 ou 5 juízes), Grande Secção (13
juízes + Presidentes das Secções de 5 juízes) e Pleno (todos os juízes do Tribunal). A regra
é a da apreciação do processo pelas Secções, sendo as Grandes Secções e o Pleno
excepcionais.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Tribunal Geral
Este Tribunal Geral – Tribunal de Primeira Instância – é criado por via do Acto Único
Europeu, com um duplo objectivo: descongestionar o TJ; instaurar na Ordem Jurídica
comunitária um duplo grau de jurisdição. O Tratado de Lisboa estabelece a
competência do Tribunal Geral no art 256º TFUE, não se afastando do que estava já
previsto no Tratado de Nice. Este tem competência para, em primeira instância,
conhecer dos recursos de anulação (art 263º), de omissão (art 265º), das acções de
responsabilidade (art 268º), dos recursos de funcionários (art 270º) e dos recursos com
fundamento em cláusula compromissória (art 272º). Quanto às questões prejudiciais
previstas no art 267º TFUE, o Tribunal Geral pode conhecer delas em matérias
específicas determinadas pelo Estatuto, podendo remeter as questões prejudiciais ao
TJ – art 256º, nº 3 TFUE.
Os Estatutos do Tribunal Geral são aprovados pelos Estados-membros, de comum
acordo, sem intervenção do Parlamento ou do Tribunal de Justiça. Estes são nomeados
por seis anos, sendo metade substituíveis de três em três anos (art 254º TFUE).
Beneficiam dos privilégios e das imunidades idênticas aos juízes e advogados-gerais do
Tribunal de Justiça (art 254º TFUE). Não dispõe de advogados-gerais permanentes.
A sua organização e o seu funcionamento estão previstos nos arts 50º do respectivo
Estatuto, podendo este Tribunal funcionar em secções de três ou de cinco juízes.
Tribunal da Função Pública (tribunais especializados)
A formação deste Tribunal baseou-se na necessidade de melhorar o funcionamento do
sistema judicial da União Europeia e de melhorar a adaptação às particularidades do
contencioso em causa. Sustenta-se hoje no art 257º TFUE – o Conselho e o Parlamento
Europeu, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, podem criar
tribunais especializados adstritos ao Tribunal Geral. Este tem competência para
conhecer, em primeira instância, dos litígios entre a União e os seus agentes (art 270º
TFUE).
Este Tribunal é composto por sete juízes, podendo esse número ser aumentado a
pedido do Tribunal de Justiça, pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada. A
deliberação do Conselho relativa a estes juízes é feita com base no art 257º TFUE. O
Conselho deve garantir que a composição do Tribunal seja equilibrada e assente na
mais ampla base geográfica, visto que neste Tribunal não há um juiz por cada Estado-
membro. O mandato dos juízes é de seis anos, renovável. Estes designam entre si o
Presidente por um período de três anos, podendo ser reeleito.
BANCO CENTRAL EUROPEU (art 13º TUE e art 282º e sgts TFUE)
O Tratado de Maastricht previu a criação de um Sistema Europeu de Bancos Centrais
e de um Banco Central Europeu. O BCE, diga-se, não é uma instituição como as demais:
a sua competência não se estende a todas as matérias dos Tratados, mas apenas às
matérias monetárias. O BCE conduz, conjuntamente com os bancos centrais, a política
monetária da União – art 282º, nº 1 TFUE.
Os bancos centrais nacionais e o BCE constituem o SEBC, sendo que o BCE é dotado de
personalidade jurídica. As atribuições do SEBC estão previstas nos arts 127º e seguintes
do Tratado sobre o Funcionamento da UE. As atribuições do BCE estão previstas no

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

artigo seguinte. Este pode emitir regulamentos, tomar decisões, formular


recomendações e emitir pareceres. Estes actos podem ser impugnados pela via do
recurso de anulação, podendo ser objecto de questões a título prejudicial.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (art 286º e sgts TFUE)
Foi criado pelo Tratado de Bruxelas em 1975. De acoro com o art 285º, nº 2 TFUE, este
é composto por um nacional de cada Estado-membro – 28 membros. O Tratado de
Lisboa determina que o Conselho, após consulta ao Parlamento Europeu, aprova a lista
dos membros estabelecida em conformidade com as propostas apresentadas por cada
Estado-membro. O seu mandato é de seis anos, renovável. Estes devem garantir ao
máximo a sua independência, bem como exercer as suas funções com total
independência, no interesse geral da União.
Do art 287º resultam as competências do Tribunal de Contas, cujo principal aspecto é
o exame das contas da totalidade das receitas e das despesas da União.

Órgãos consultivos da União Europeia


Falamos do Comité Económico e Social e do Comité das Regiões (arts 13º, nº 4 TUE e
300º, nº 1 TFUE).
o Comité Económico e Social – já estava previsto na versão originária do Tratado
de Roma. É composto por representantes dos diferentes sectores da vida
económica e social. O número de membros não será superior a 350, sendo a
composição concreta definida por deliberação do Conselho (por unanimidade),
sob proposta da Comissão. O seu mandato é de 5 anos, renovável. Quanto à sua
competência, esta é meramente consultiva.
o Comité das Regiões – foi instituído no Tratado de Maastricht, resultando
actualmente dos arts 300º e 305º a 307º TFUE. Este é composto por
representantes das autarquias regionais e locais que sejam quer titulares de um
mandato eleitoral a nível regional ou local, quer politicamente responsáveis
perante uma assembleia eleita. O seu número de elementos não será superior a
350, sendo a composição concreta definida pelo Conselho, que delibera por
unanimidade. O mandato é de 5 anos, renovável. Tem competência consultiva,
muitas vezes obrigatória.

Provedor de Justiça da União


Foi criado pelo Tratado de Maastricht, sendo o seu titular eleito pelo Parlamento
Europeu – art 228º TFUE. O Provedor de Justiça exercerá as suas funções com total
independência, não solicitando nem recebendo instruções de qualquer organismo e não
podendo exercer quaisquer outras actividades profissionais, remuneradas ou não. O seu
estatuto é fixado elo Parlamento, por meio de regulamentos adoptados por iniciativa
própria de acordo com um processo legislativo especial.
A sua competência implica poderes para receber queixas apresentadas por qualquer
cidadão da União Europeia ou por qualquer pessoa, singular ou colectiva, com
residência ou sede estatutária num Estado-membro.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Agências europeias
Estas representam um fenómeno de descentralização do Direito da União Europeia.
Estas são entidades com personalidade jurídica e independência em relação às
instituições da União em sentido próprio. São agências dotadas de autonomia
financeira e são-lhes atribuídos uma série de poderes de natureza técnica ou científica.
Podemos ter agências de três tipos diferentes:
o Agências e organismos descentralizados;
o Agências de execução;
o Agências e organismos da Euratom

CAPÍTULO III – AS ATRIBUIÇÕES DA UNIÃO EUROPEIA


Princípios fundamentais da UE
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO LEAL
Também chamado de princípio da solidariedade ou da lealdade, este integra o Direito
da União Europeia desd’o início do processo de integração europeia. A ideia base é a
de que existe uma comunhão de interesses que fundamenta vínculos de solidariedade
entre a União e os seus Estados-membros e vice-versa. Destaca-se, neste, a coesão
entre os Estados e os vários povos europeus.
A Professora Ana Guerra Martins defende que este deve ser visto como uma
manifestação do princípio da boa-fé. Este é mais amplo que o princípio pacta sunt
servanda, pois que a União tem com os Estados que a compõem uma relação muito
mais estreita que a que se verifica entre Estados ao nível do Direito Internacional. Este
princípio está hoje consagrado no art 4º, nº 3 TUE, do qual resulta que a UE e os Estados-
membros respeitam-se e assistem-se mutuamente no cumprimento das missões
decorrentes dos Tratados. Este princípio tem uma vertente positiva – que vincula os
Estados a tomar todas as medidas necessárias a cumprimento da missão da União – e
uma vertente negativa – que vincula os Estados a absterem-se de praticar actos que
ponham em perigo a aplicação dos Tratados.
Este princípio é um princípio base, invocado várias vezes pelo Tribunal de Justiça da
União Europeia.
PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO
Do art 9º TUE resulta que as instituições, órgãos e organismos da União devem
observar o princípio da igualdade dos seus cidadãos. Do art 10º resulta que o
funcionamento da União se baseia no princípio da democracia representativa, estando
assim os cidadãos representados no Parlamento Europeu e os Estados-membros no
Conselho Europeu e no Conselho. Também os princípios da transparência, da
publicidade e da coerência das acções da União – art 11º - e a participações das
associações representativas e da sociedade civil são expressamente mencionados.
Os parlamentos nacionais devem contribuir activamente para o bom funcionamento
da União. Assim, os mesmos devem:
o Ser informados pelas instituições da União e notificados dos projectos de actos;
o Garantir o respeito pelo princípio da subsidiariedade;
o Participar nos mecanismos de avaliação da execução das políticas da União;

18
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Participar nos processos de revisão;


o Ser informados dos pedidos de adesão à União;
o Participar na cooperação interparlamentar entre os Parlamentos nacionais e o
Parlamento Europeu.
PRINCÍPIO DA SUBSIDARIEDADE
Este incide sobre o exercício das atribuições por parte da União Europeia, acabando
por constituir um filtro entre a atribuição da União e a possibilidade de exercer essa
competência.
O princípio da subsidiariedade foi introduzido no Direito da União Europeia pelo
Tratado de Maastricht, sendo neste introduzido para compensar as modificações
acentuadas e que demonstravam uma lógica centralizadora. Através deste, dá-se uma
maior participação dos cidadãos no processo de integração europeia, o que permite
também um reforço do princípio democrático.
O Tratado de Lisboa prevê o princípio da subsidiariedade no art 5º, nº 3 TUE. A sua
aplicação compete, em primeira análise, às instituições da União Europeia e deve
integrar a fundamentação dos actos legislativos. Este é hoje, sem espaço para dúvidas,
um princípio jurídico.
COMPETÊNCIAS EXCLUSIVA PARTILHADA E DE APOIO
A União Europeia dispõe apenas das competências que lhe são atribuídas pelos Tratados
(princípio de atribuição). Ao abrigo deste princípio, a União só pode atuar dentro dos
limites das competências que os países da União lhe tenham atribuído nos Tratados
para alcançar os objetivos fixados por estes últimos. O Tratado de Lisboa clarifica a
repartição de competências entre a União Europeia e os países da União. Estas
competências estão divididas em três categorias principais:
o Competências exclusivas – art 3º TFUE – domínios nos quais a UE é a única a
poder legislar e adotar atos vinculativos. Os países da União só podem fazê-lo se
habilitados pela UE para darem execução a esses atos. A União Europeia dispõe
de competência exclusiva nos seguintes domínios:
• União aduaneira;
• Estabelecimento das regras de concorrência necessárias ao
funcionamento do mercado interno;
• Política monetária para os países da área do euro;
• Conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política
comum das pescas;
• Política comercial comum;
• Celebração de acordos internacionais em determinadas condições
o Competências partilhadas – art 4º TFUE – a União e os países da União estão
habilitados a legislar e a adotar atos juridicamente vinculativos. Os países da UE
exercem a sua competência na medida em que a União Europeia não tenha
exercido a sua ou tenha decidido não o fazer. As competências partilhadas entre
a UE e os países da União aplicam-se nos seguintes domínios:
• Mercado interno;

19
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

• Política social, no que se refere aos aspetos especificamente definidos no


Tratado;
• Coesão económica, social e territorial (política regional);
• Agricultura e pescas (exceto a conservação dos recursos biológicos do
mar);
• Ambiente;
• Defesa dos consumidores;
• Transportes;
• Redes transeuropeias;
• Energia;
• Espaço de liberdade, segurança e justiça;
• Problemas comuns de segurança em matéria de saúde pública,
circunscritos aos aspetos definidos no TFUE;
• Investigação, desenvolvimento tecnológico, espaço;
• Cooperação para o desenvolvimento e ajuda humanitária
o Competências de apoio – art 6º TFUE – a União Europeia só pode intervir para
apoiar, coordenar ou completar a ação dos países da União. Os atos
juridicamente vinculativos da UE não devem exigir a harmonização das
disposições legislativas ou regulamentares dos países da União. As competências
de apoio dizem respeito aos seguintes domínios de intervenção:
• Proteção e melhoria da saúde humana;
• Indústria;
• Cultura;
• Turismo;
• Educação, formação profissional, juventude e desporto;
• Proteção civil;
• Cooperação administrativa.

CAPÍTULO IV – PRINCÍPIOS E FONTES DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA


Fontes do Direito da União Europeia
O Tratado de Lisboa procurou simplificar o sistema, através do abandono da sua
estrutura tripartida. Procurou ainda estabelecer uma hierarquia de normas e actos da
União Europeia pela distinção entre actos legislativos e não legislativos. Temos, com
base nisso, fontes imediatas – Direito Primário, princípios gerais de Direito, Direito
Derivado e Direito Internacional – e fontes mediatas – jurisprudência e Doutrina.
DIREITO PRIMÁRIO
Este é o parâmetro de validade de todas as outras regras da União Europeia. Aqui se
integram os Tratados institutivos das CEE e agora da União Europeia, bem como por
todos aqueles que os modificaram, completaram ou adaptaram. O último desses é o
Tratado de Lisboa. Também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia se
integra no Direito Originário, sendo a mais importante fonte aqui integrada que não
representa um Tratado constitutivo.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Os três tratados originários são o Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do


Aço, o Tratado da Comunidade Económica Europeia (substituído pelo Tratado Sobre o
Funcionamento da União Europeia) e o Tratado da Comunidade Europeia de Energia
Atómica. Estes Tratados foram modificados.
O Tratado de Lisboa, hoje em vigor, faz com que a União se funde em dois Tratados: o
Tratado da União Europeia e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. O
TUE apresenta algumas características do tratado-base, fixando as regras fundamentais
da União. O TUE e o TFUE têm o mesmo valor jurídico, o que significa que não se verifica
qualquer relação de subordinação do TFUE perante o TUE. Nenhum destes Tratados é
autossuficiente.
O Direito Originário compreende ainda os vários Tratados de adesão de novos Estados-
membros. Também aqui se integram os Protocolos e os Anexos dos Tratados. Quanto
ao âmbito de aplicação dos Tratados, o mesmo determina o limite das atribuições
normativas da União Europeia, criando um bloco de constitucionalidade que não pode
ser ultrapassado. Em matéria de âmbito de aplicação temporal, a mesma está definida
no art 53º, nº 1 TUE e no art 356º TFUE – os Tratados têm vigência ilimitada.
Relativamente ao âmbito de aplicação territorial, o art 52º TUE determina que estes
Tratados se aplicam à totalidade do território dos Estados-membros. Esta questão é
também tratada pelo art 349º TFUE, relativamente a certos territórios (incluindo os
Açores e a Madeira).
Relativamente à revisão dos Tratados, o Tratado de Lisboa determina uma distinção
entre o processo de revisão ordinário e os processos de revisão simplificados. O
processo de revisão ordinário permite modificações em qualquer parte dos Tratados;
os processos de revisão simplificada apenas permitem modificar casos específicos.
O processo de revisão ordinário opera em três etapas: transnacional, internacional e
interna. O poder de iniciativa é partilhado pelos Governos dos Estados-membros, pelo
Parlamento e pela Comissão, que podem submeter projectos de revisão à apreciação
do Conselho. Este deve enviá-los ao Conselho Europeu e notificar os Parlamentos
nacionais. Chegando-se à conclusão de que deve haver revisão, pode seguir-se uma via
convencional ou uma via intergovernamental: ou o Presidente do Conselho Europeu
convoca uma convenção composta por representantes dos parlamentos nacionais, os
Chefes de Estado ou de Governo, do Parlamento e da Comissão; ou deverá o Conselho
Europeu decidir, por maioria simples, após aprovação do Parlamento Europeu.
DIREITO DERIVADO
A classificação dos actos depende conteúdo.
o Regulamentos – estes são dotados de carácter geral, sendo obrigatório em todos
os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-membros (art
288º, nº 2 TFUE). São aplicáveis a uma generalidade de pessoas e a uma
generalidade de casos, assim se distinguindo das decisões. O facto de estes
serem vinculativos em todos os seus elementos tornam-nos diferentes das
recomendações e dos pareceres (actos não vinculativos), e dos actos
obrigatórios somente quanto a alguns elementos (directivas). A sua
obrigatoriedade significa que os Estados não podem aplicar o regulamento

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

selectivamente ou de forma incompleta. Estes são directamente aplicáveis, não


se exigindo interposição do poder normativo nacional. Os regulamentos podem
ser de base (actos legislativos por excelência) ou de execução (actos normativos
de execução). Destacam-se ainda os regulamentos internos (aqueles que são
internos as instituições e aos órgãos da União)
o Directivas – estas vinculam o Estado-membro destinatário quanto ao resultado
a alcançar, deixando às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos
meios. Esta, tal como o regulamento, pode ser um acto legislativo, mas pode
também não o ser. Distingue-se, no entanto, do regulamento, por vincular
apenas quanto ao resultado. Os Estados têm o dever de proceder à transposição
das directivas para o Direito interno. Em Portugal, a Constituição exige no seu art
112º, nº8 que a transposição dos actos jurídicos da União para a Ordem Jurídica
seja feita sob a forma de lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional. Os
destinatários das directivas só podem ser os Estados-membros. Esta não serão,
então, aplicáveis directamente junto dos indivíduos. Para que tal aconteça, é
necessário que haja uma transposição das mesmas para o Direito interno. Certas
normas das directivas podem ser dotadas de efeito directo (produzem efeitos
em relação aos indivíduos, mesmo antes da sua transposição).
o Decisões – estas são obrigatórias em todos os seus elementos. Se estiver
designado o destinatário, esta só é obrigatória para esse. Com o Tratado de
Lisboa, a decisão passou a ser o acto principal da PESC, podendo também esta
ser ou não um acto legislativo. Pode, também, ter ou não efeito directo, em
função dos seus destinatários e do seu conteúdo. Se se dirigir aos particulares ou
às empresas, poderá ser invocada directamente em tribunal. Tal já não se verifica
quando a decisão se dirige aos Estados-membros, pois que aí se pode defender
que só as medidas nacionais de aplicação poderiam modificar a situação jurídica
dos particulares.
Pode ainda falar-se em recomendações e pareceres, sendo estes não vinculativos. As
recomendações destinam-se a todos ou a determinados Estados-membros, podendo
também dirigir-se a outras instituições da União ou a pessoas singulares. Os pareceres,
por sua vez, dirigem-se também a todos os Estados ou apenas a Estados
indeterminados, podendo também dirigir-se a destinatários indeterminados ou a
outras instituições da União.
PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO
Representam não só parâmetros de legalidade, mas também mecanismos de integração
de lacunas, tanto do Direito Primário como do Direito Secundário. A posição dominante
considera que os Princípios Gerais de Direito são, simplesmente, princípios comuns aos
diversos sistemas jurídicos internos dos Estados. São, assim, normas reconhecidas pela
maioria dos Direitos internos. Esta, remontando a matéria de Direito Internacional
Público, é uma das fontes presentes no ETIJ (art 38º).
JURISPRUDÊNCIA E DOUTRINA
A jurisprudência é essencial no âmbito da União Europeia. É essencialmente por via
jurisprudencial que a União conseguiu demarcar a respectiva Ordem Jurídica. São de

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

extrema relevância as respostas do Tribunal a questões que lhe são enviadas a título
prejudicial.
Quanto à interpretação por parte do TJUE, a análise da jurisprudência respectiva
permite identificar quatro métodos de interpretação:
o Interpretação em função da intenção dos autores das normas;
o Interpretação de acordo com o elemento textual;
o Interpretação de acordo com o elemento teleológico e funcional;
o Interpretação de acordo com o elemento sistemático.
O TJUE privilegia, desta maneira, o procedimento objectivista da interpretação e a
interpretação extensiva.
Quanto à Doutrina, esta é constituída por jurisconsultos. Esta não assume grande
relevância em sede de Direito da União Europeia.

Relações entre o Direito da União Europeia e o Direito interno


PRIMADO DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
O princípio do primado do Direito da União Europeia surge para resolver, a favor do
Direito Comunitário, conflitos entre regras de Direito Internacional e regras de Direito
Interno. Só faz sentido falar-se em primado se estivermos perante um conflito de
normas que provêm de ordenamento distintos. Assim, só se fala em primado quando
estamos perante normas de Direito da União Europeia que foram directamente
aplicáveis na ordem jurídica nacional. Coloca-se ainda a questão de saber quem deve
resolver essa questão – se o Tribunal de Justiça, se os Tribunais Constitucionais.
Excluíndo a situação alemã (caracterizada por ter um Tribunal Constitucional forte e de
posição vincada), a verdade é que cabe ao Tribunal de Justiça o papel principal nestas
questões.
Este foi um princípio desenvolvido por via jurisprudencial, com destaque, por exemplo,
para os acórdãos Costa ENEL e Simmenthal. Também da jurisprudência resulta outro
dado essencial: é aos tribunais nacionais que cabe assegurar a prevalência da norma
comunitária. Através disto, o Tribunal acaba por arranjar maneira de estar muito mais
próximo destas situações de conflito, conseguindo marcar a sua posição mesmo sem
estar desde logo a par da situação – a sua posição será, em princípio, a que os tribunais
nacionais aplicarão.
Os Tratado originários não tinham qualquer referência à supremacia do Direito
Comunitário sobre os Direitos nacionais, pelo que o TJ se fundamentava numa
interpretação global dos Tratados. Posto isto, o Tribunal de Justiça muito se apoiou,
para esta construção, no princípio da cooperação leal (art 4º, nº 3 TUE), do qual resulta
que os Estados se devem abster de tomar todas as medidas susceptíveis de pôr em
perigo a realização dos objectivos da União. Tal implica, então, que os Estados não
devem emanar actos legislativos que ponham em causa outros, contrários, de Direito
Europeu. Diziam ainda que era posto em causa o princípio da não discriminação em
razão da nacionalidade (art 18º TFUE) se cada Estado-membro pudesse,
unilateralmente, afastar o Direito Comunitário. Se os Estados pudessem legislar em
sentido contrário, era afastado o carácter obrigatório e directamente aplicável dos
regulamentos, consagrado no art 288º TFUE.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

O Tribunal consegue assim fundar o princípio do primado do Direito da União Europeia


nesse próprio Direito, defendendo que a própria natureza do Direito Comunitário exige
que este se sobreponha ao Direito interno. Note-se que o primado abrange não só o
Direito Originário, mas também todas as demais fontes de Direito da União Europeia,
incluíndo o Direito Derivado e o Direito Internacional que vincula a UE. Este primado
do Direito da UE só foi possível graças a dois factores:
o Execução deste Direito competir aos Estados-membros, o que permitiu a sua
colaboração;
o Existência do chamado efeito directo, que muito resumidamente consiste na
possibilidade de os particulares invocarem a norma comunitária perante as
autoridades nacionais
Da jurisprudência do Tribunal de Justiça resultam um conjunto de deveres impostos
às Autoridades dos Estados-membros:
o Não aplicação do direito nacional incompatível;
o Interpretação do Direito nacional conforme o Direito da UE;
o Supressão das consequências de um acto nacional contrário ao Direito Europeu;
o Controlo jurisdicional efectivo da aplicação do Direito da União Europeia;
o Respeito pelos Estados-membros, a todo o custo, do Direito Comunitário.
Apessar de a jurisprudência que desenvolveu estes corolários ser relativa ainda ao
tempo das Comunidades Europeias, a verdade é que em nada mudou relativamente à
União Europeia e ao Tratado de Lisboa em concreto. É, inclusive, dito num anexo à Acta
Final dos Tratados , que consiste num parecer do Serviço Jurídico do Conselho sobre
esta matéria: “Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o primado do direito
comunitário é um princípio fundamental desse mesm direito. (…) O facto de o princípio
do primado não ser inscrito no futuro Tratado em nada prejudica a existência do
princípio nem a actual jurisprudência do Tribunal de Justiça” (22 de Junho de 2007)
Quanto à perspectiva dos Estados-membros perante este princípio do primado, a
verdade é que cabe ter em conta que o mesmo implica uma cedência do Direito
Constitucional de cada um, em prol do Direito Europeu. Tal faz com que o primado
nunca tenha sido muito bem aceite, quer pela jurisprudência interna, quer pela
Doutrina. Quanto aos tribunais nacionais, muitos deles fundam o primado na própria
Constituição nacional, por via das “cláusulas Europa”. Assim sendo, areditam que o
fundamento do primado depende de Estado para Estado, não sendo por isso uniforme.
Daí, tornar-se-á normal que os Tribunais Constitucionais sempre se tenham visto como
competentes para, em certas alturas, fiscalizar a consitucionalidade de normas de
Direito da União contrárias às respectivas Constituições. Note-se que, apesar de tudo
isto e mais uma vez com excepção do Tribunal Constitucional Alemão, toda esta questão
tem sido hoje em dia pacífica. O primado está, agora, geralmente aceite. No caso
português, o art 7º, nº 6 CRP legitima todas as formas de repartição de atribuições entre
a União e os Estados-membros. Também o art 8º, nº 4 CRP é relevante. Deste resulta
que se a União respeitar as competências que lhe foram atribuídas e se forem
respeitados os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, as
disposições dos Tratados que regem a UE e as repectivas normas por ela emanadas
vigora na ordem jurídica interna, nos termos definidos pelo Direito da União – ou seja,

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

pela jurisprudência do TJ. Até ao momento, no entanto, o Tribunal Constitucional


Português ainda não foi verdadeiramente confrontado com a questão do primados. São
poucos os que ainda defendem a supremacia do Direito interno. Entre eles, o Professor
Jorge Miranda e o Progessor Marco Capitão Ferreira. A nível jurisprudencial, como já
referido, o Tribunal Constitucional Alemão.
A Professora Ana Guerra Martins afirma que o primado do direito da UE sobre a CRP
existiria mesmo que tal não estivesse previsto na Constituição. Há hoje uma habilitação
constitucional clara para que o Direito da União Europeia tenha a prevalência que ele
deseja ter. Esta realidade é, no entanto, limitada: as normas de Direito da UE têm de
respeitar as normas de competência da UE, sob pena de caírem no âmbito dos actos
ultra vires.
APLICABILIDADE DIRECTA E EFEITO DIRECTO
A aplicablidade directa representa a susceptibilidade de aplicação de um acto ou
norma da União, sem necessidade de transposição por parte do Estado. O efeito
directo, por sua vez, é a susceptibilidade de invocação de uma norma de Direito da
União Europeia, por parte daquele a quem essa norma confere direitos ou obrigações,
num tribunal nacional ou perante qualquer autoridade pública, quer essa norma tenha
sido impetentada, quer não, por parte do respectivo Estado-membro.
A aplicabilidade funda-se no art 288º TFUE, o qual estabelece que os regulamentos são
directamente aplicáveis – os regulamentos gozam, assim, de aplicabildiade directa. As
decisões, apesar do mesmo não estar expresso, também.
Já quanto ao efeito directo, o mesmo representa outra criação jurisprudencial. A sua
primeira manifestação aparece no Acórdão Van Gend & Loos. Numa primeira fase, o
Tribunal de Justiça exige como condições para que seja directamente invocável uma
norma comunitária a clareza e a precisão. Posteriormente, a estas duas características
vai juntar-se uma terceira: a incondicionalidade. Assim, para que uma norma possa ser
dotada de efeito directo, exige-se que seja clara, precisa e incondicional.
Sabe-se hoje que o efeito directo pode ser horizontal ou vertical:
o O efeito direto vertical exerce-se nas relações entre os particulares e o país, o
que significa que os particulares podem invocar uma norma europeia em relação
ao país.
o O efeito direto horizontal exerce-se nas relações entre os particulares, o que
significa que um particular pode invocar uma norma europeia em relação a outro
particular.
Relativamente às normas dos Tratados, o Tribunal de Justiça reconheceu-lhes efeito
directo vertical e efeito directo horizontal. Daí resulta que as disposições dos Tratados
pode ser invocadas nos litígios entre particulares e entre particulares e Estados-
membros.
Note-se que também o Direito Derivado está sujeito a efeito directo. Os regulamentos,
pela sua natureza e da aplicabilidade directa que o art 288º TFUE lhes garante, são
dotados de efeito directo vertical – esses são fontes de direitos e obrigações junto dos
particulares. No entanto, esse efeito directo não é absoluto: tudo depende de saber se
o regulamento necessita, ou não, de medidas de execução. O Tribunal, mais tarde,

25
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

acabou por reconhecer também a presença de efeito directo nas normas das directivas.
Estas, são de natureza incompleta, só se tornando efectivas após a sua transposição
para o Direito interno nos prazos previstos. O reconhecimento do efeito directo das
directivas ocorre já pela década de 70, tendo principal fundamento no facto de o
Conselho ter começado a adoptar directivas cada vez mais completas, que acabam por
impor obrigações incondicionais que se assemelhavam às impostas pelos
regulamentos. O TJ reconheceu, pela primeira vez, o efeito directo de uma directiva
no Acórdão Van Duyn. Quanto à posibilidade de a directiva ser dotada de efeito directo
horizontal, o Tribunal de Justiça começou por negar de forma firme essa possibilidade,
de modo a evitar conflitos com os tribunais nacionais. No entanto, tal chegou a tornar-
se incomportável, situações nas quais o Tribunal se viu obrigado a criar outras vias de
afirmação do direito dos particulares. É isso que acontece no Acórdão Marshall.
O Tribunal reconhece também efeito directo às deciões. Se os seus destinatários forem
um ou mais Estados-membros, o efeito directo opera nos mesmos termos que o da
directiva, tendo o Tribunal algumas dúvidas quanto ao efeito directo horizontal. Se,
por contrário, a decisão se dirige às empresas ou aos particulares, o efeito directo
horizontal é admitido.

CAPÍTULO IV – PROCEDIMENTOS DE DECISÃO DA UNIÃO EUROPEIA


Procedimentos legislativos especiais
Existem vários processos legislativos especiais. Estes representam aqueles que
permitem a adopção de actos legislativos segundo modalidades diferentes do
processo legislativo ordinário, estando previstos no art 289º, nº 2 TFUE. A
determinação do processo legislativo especial depende das várias disposições dos
Tratados.
o Processo de consulta – a iniciativa pertence, geralmente, à Comissão. O poder
de decisão, por sua vez, costuma pertencer ao Conselho e o Parlamento é apenas
consultado. O Conselho decide, em regra, por unanimidade. Esse não tem
qualquer obrigação de seguir o parecer do Parlamento, embora o mesmo seja
em muitos casos obrigatório.
o Processo de aprovação pelo Parlamento – o Conselho decide com base numa
proposta da Comissão, após aprovação da mesma por parte do Parlamento
Europeu. O Tratado de Lisboa reduziu o âmbito de aplicação deste
procedimento;
o Processo em que o Parlamento decide e o Conselho ou a Comissão aprovam.
Também aqui há casos em que a Comissão é chamada para dar o seu parecer.

Procedimento de adopção de actos não legislativos


Este compreende todos os actos que devam ser adoptados pelas instituições e pelos
órgãos da União sem observar um processo legislativo. São três os tipos de actos não
legislativos:
o Actos que resultam directamente de disposições específicas dos Tratados;

26
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Actos delegados, através dos quais um acto legislativo autoriza a Comissão a


completar ou alterar certos elementos não essenciais de um acto legislativo;
o Actos de implementação da Comissão ou do Conselho quando sejam necessárias
condições uniformes de aplicação dos actos juridicamente vinculativos.

Procedimento legislativo ordinário da União


O procedimento legislativo ordinário resulta do art 294º TFUE:
A Comissão apresenta uma proposta ao Parlamento Europeu e ao Conselho.
Essa proposta é analisada pelo Parlamento, daí resultando a sua posição,
Primeira leitura

acompanhada pelos pareceres dos Comités (Comité das Regiões e Comité


Económico e Social Europeu). O projecto segue para o Conselho.
O Conselho, neste momento, pode aceitar ou rejeitar a posição do Parlamento.
a) Se a aceitar sem alterações, é essa adoptada como posição do Conselho e
está concluído o procedimento;
b) Se não, o Conselho adopta a sua posição e transmite-a ao Parlamento. Essa
posição deve ser acompanhada das fundamentações da decisão.
O Parlamento pode, no prazo de três meses:
a) Aprovar a posição do Conselho em primeira leitura ou nada dizer,
considerando-se que o acto em questão foi adoptado com a formulação
correspondente à posição do Conselho.
b) Rejeitar a posição do Conselho em primeira leitura, não sendo o acto
Segunda leitura

adoptado;
c) Propor alterações ao Conselho, aprovadas por maioria de deputados. O
texto alterado é transmitido ao Conselho e à Comissão, que emitirá um
parecer positivo ou negativo sobre tais alterações.
Considerando ocorrida a terceira possibilidade, pode no prazo de três meses o
Conselho, deliberando:
a) Aprovar as alterações feitas pelo Parlamento, por maioria qualificada (se o
parecer da Comissão tiver sido positivo) ou por unanimidade (se o parecer
tiver sido negativo). Em ambos os casos, o acto jurídico é adoptado;
b) Rejeitar as emendas feitas pelo Parlamento.
Verificada a segunda possibilidade, o Presidente do Conselho, de acordo com o
Presidente do Parlamento Europeu, convoca o Comité de Conciliação no prazo de seis
semanas. A partir daqui, apenas existem duas possibilidades:
a) Há acordo, por maioria qualificada – é aprovado um projecto comum;
b) Não há acordo – o acto tem-se como não adoptado e dá-se o fim do
Terceira leitura

procedimento legislativo.
Se esse projecto for aprovado dentro do prazo, o Parlamento e o Conselho terão seis
semanas par adoptar o acto em causa de acordo com o projecto comum. O Parlamento
delibera por maioria de votos expressos e o Conselho por maioria qualificada.

Uma vez aprovado, o acto jurídico é transcrito nas 23 línguas oficiais da União, é
assinado pelos Presidentes do Parlamento Europeu e do Conselho e, depois, publicado

27
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

no Jornal Oficial da União Europeia ou é enviada notificação aos seus destinatários, se


o acto for apenas destinado a Estados específicos.

CAPÍTULO VI – GARANTIA JURISDICIONAL DO DIREITO DA UE


Princípio da tutela jurisdicional efectiva
Deste retira-se um direito de acesso ao Direito e aos Tribunais, o direito de obter uma
decisão judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo e o direito à
efectividade das sentenças proferidas.
Desenvolve-se depois o princípio da tutela cautelar perante os tribunais nacionais. Este
princípio impõe que os tribunais nacionais concedam protecção cautelar a direitos
reconhecidos anteriormente pelo Direito Comunitário e hoje pelo Direito da União
Europeia nas mesmas circunstâncias em que o devem fazer os Tribunais da União
europeia à luz do art 279º TFUE. A sua primeira manifestação a nível jurisprudencial
encontra-se no Acórdão Factortame.

Mecanismo das questões prejudiciais (processo de reenvio)


Este é o processo previsto no art 267º TFUE. Do mesmo resulta que um juiz nacional,
ao resolver um caso concreto, pode ver-se confrontado com a necessidade de aplicar
uma norma da União (por via da existência do efeito directo e da aplicabilidade directa).
Assim sendo, o juiz nacional pode ter dúvidas sobre a interpretação ou a validade da
concreta norma ou acto de Direito da União Europeia. Para tentar resolver essa
questão, o mesmo pode submeter ao Tribunal de Justiça questões de interpretação ou
de validade do Direito da União que sejam relevantes para a boa decisão da causa.
Há situações nas quais o tribunal nacional está obrigado a submeter a questão ao
Tribunal – sempre que julga em última instância. Note-se que foi este mecanismo que
permitiu ao Tribunal, na maioria dos casos, criar o Direito Europeu por via
jurisprudencial. Este mecanismo de reenvio prejudicial presente no art 267º TFUE
existe, essencialmente, por cinco razões:
o Aplicação descentralizada do Direito da União – o juiz nacional é o juiz comum
do Direito da União;
o Necessidade de assegurar a uniformidade de interpretação e aplicação do
Direito da União;
o Necessidade de assegurar a estabilidade do Direito Derivado;
o Favorecimento do desenvolvimento do Direito da União;
o Protecção jurídica dos particulares;
o Compensação das restrições impostas aos particulares em sede de recurso de
anulação (art 263º TFUE)
O Tribunal de Justiça não pode apreciar o Direito nacional, mas pode fornecer ao juiz
nacional todos os elementos que lhe permitam ele próprio fazer essa apreciação. Não
pode, também, avaliar as situações sem elementos de conexão com o Direito da União
Europeia.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Contencioso perante o TJUE e o TGUE


Em matéria de meios contenciosos, o Tratado de Lisboa introduz algumas alterações
significativas perante o TCE. Temos:

a) Recurso de anulação (art 263º TFUE)


Permite que as instituições europeias ou os particulares possam interpor, perante o
TJUE, recurso para a anulação de um acto adoptado por uma instituição, um órgão ou
um organismo da União. Este meio contencioso permite ao TJUE fiscalizar a legalidade
o acto em questão. Note-se que há uma presunção de legalidade dos actos
juridicamente vinculativos da União, que apenas pode ser posto em causa pelos
tribunais.
O Tribunal tem competência para fiscalizar:
o Todos os actos legislativos;
o Actos adoptados pelo Conselho, pela Comissão ou pelo Banco Central Europeu,
que não sejam recomendações ou pareceres;
o Actos do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, destinados a produzir
efeitos jurídicos em relação a terceiros;
o Actos dos órgãos ou organismos da União destinados a produzir efeitos jurídicos
em relação a terceiros.
São quatro os possíveis fundamentos do Tribunal para proceder à anulação:
o Incompetência;
o Violação de formalidades essenciais;
o Violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relevante à sua aplicação;
o Desvio de poder.
Quanto aos recorrentes, podemos ter:
o Recorrentes privilegiados – Estados-membros, Parlamento, Comissão e
Conselho. São considerados privilegiados na medida em que podem interpor um
recurso de anulação perante o TJUE sem terem de demonstrar um interesse em
agir;
o Recorrentes semi-privilegiados – são os que podem interpor recursos espefícos.
Falamos do Tribunal de Contas, do BCE e do Comité das Regiões, que podem
interpor recursos de anulação contra os actos europeus que atentem contra as
suas prerrogativas;
o Recorrentes não privilegiados – são os particulares. A estes é exigido que
demonstrem interesse em que o acto seja anulado. Assim, exige-se que o acto
impugnado tenha incidênica na sua situação pessoal ou o afecte directamente e
de forma individual.
Os recursos devem ser interpostos no prazo de dois meses, a contar da publicação do
acto, da sua notificação ao recorrente ou, em falta desta, do dia em que o recorrente
tenha tomado conhecimento do acto.
Quanto à repartição de competências entre o TJUE e o Tribunal Geral:
o Tribunal de Justiça – tem competência para analisar os recursos interpostos
pelos Estados-membros contra o Parlamento ou o Conselho, bem como para
analisar recursos interpostos por uma instituição contra outra instituição;

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Tribunal Geral – tem competência para conhecer, em primeira instância, todos


os outros tipos de recurso, incluíndo os recursos interpostos por particulares.

b) Recurso por omissão (art 265º TFUE)


Estamos perante a situação na qual Estados-membros, instituições da União Europeia,
qualquer pessoa singular ou colectiva, se dirige ao Tribunal de Justiça invocando a
omissão por parte do Parlamento, do Conselho Europeu, do Conselho, da Comissão ou
do Banco Central Europeu. Nestes casos, só é relevante a omissão se a instituição, o
órgão ou o organismo tiverem já ser convidados a agir.
O Tribunal deve agir de acordo com o previsto no art 266º TFUE.

c) Acção por incumprimento (acção ou omissão – art 260º TFUE)


É um mecanismo atípico, através do qual um órgão acusa outro de não ter cumprido
com o Direito da União Europeia. Neste caso, pode o Estado-membro que não cumpriu
ser interpelado no sentido de cumpra, de modo a garantir a boa-fé e a minimizar o
número de casos em Tribunal.
Este mecanismo tem normalmente sido usado pela Comissão contra os Estados-
membros, sendo um mecanismo que teve especial importância no desenvolvimento
do mercado comum: impunha-se a livre circulação de pessoas, mercadorias, serviços e
capitais. Enquanto guardiã dos Tratados, a Comissão tem não só o dever de os cumprir,
mas também o dever de fazer com que os demais os cumpram.
A multa associada a esse incumprimento é normalmente diária, mantendo-se até ao
dia em que o Estado-membro cumprir com a obrigação. Do art 260º TFUE resulta que a
Comissão pode submeter o caso a Tribunal, após considerar que o Estado-membro em
causa não tomou as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal. Será a
Comissão a indicar o montante da quantia fixa ou da sanção pecuniária compulsória a
pagar pelo Estado-membro.
Caso o incumprimento se baseie na não transposição em tempo de uma directiva para
o ordenamento jurídico interno, o Tribunal, a pedido da Comissão, pode aplicar uma
sanção pecuniária ao Estado-membro em causa, cuja obrigação de pagamento produz
efeitos na data estabelecida pelo Tribunal no seu acórdão.

CAPÍTULO VII – LIBERDADES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS,


SERVIÇOS, CAPITAIS E CIDADANIA
O mercado interno
No art 3º, nº 3 TUE pode ler-se “a União estabelece um mercado interno”. Também do
art 26º TFUE resulta esse objectivo. Cabe, desde logo, definir o conceito2 de integração:
integração consiste na reunião de elementos para formar um todo ou aumentar a
coesão de um todo já existente. Assim, a integração económica internacional implica
a criação de uma nova unidade, para constituir um todo através da várias unidades
económicas nacionais.

2
Definição adoptada por F. Perroux

30
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Esta integração internacional é mais forte que a mera cooperação – na integração não
é mantida a independência dos principais, deixando de haver poder de decisão
autónomo.
VANTAGENS E DIFICULDADES DA INTEGRAÇÃO ECONÓMICA
A integração traz consigo, desde logo, inegáveis vantagens:
o Economia de escala – resulta de uma eficiência acrescida das unidades
produtivas. Essa resulta do alargamento do mercado, que faz aumentar essas
unidades e possibilita mais produção a custos mais baixos.
o Desenvolvimento de actividades dificilmente compatíveis com a dimensão
nacional – fala-se, aqui, do facto de os países mais pequenos não conseguirem,
normalmente, atingir uma situação na qual lhes seja possível chegar a certos
mercados (por se exigir muito dinheiro ou tecnologia demasiado avançada).
o Formulação mais coerente e rigorosa das políticas económicas – exige-se, para
que tudo isto funcione, que os Estados aperfeiçoem as suas políticas
económicas, monetárias e fiscais, de modo a fazer face à concorrência sentida
no seu mercado e nos mercados dos demais Estados. A integração faz sempre
diminuir a liberdade de definição das políticas nacionais.
o Transformação das estruturas económicas e sociais – isto resulta de, em
sistema de intgração, os Estados trabalharem para atingir o nível do Estado mais
avançado que esteja nesse determinado conjunto.
o Reforço da capacidade de negociação – resulta do aumento de investimentos
estrangeiros, que faz aumentar o mercado e fortalecer a posição de cada Estado
no mercado.
o Aceleração do ritmo de desenvolvimento – a concorrência sentida no mercado
comum faz com que os Estados sintam necessidade de se desenvolver, para se
conseguirem manter no mercado.
o Intensificação da concorrência – resulta do facto de estarmos a falar de várias
empresas, presentes em mercado aberto, que actuam em competição com os
produtores de outros Estados. Gera-se uma redimensão e restruturação das
empresas, uma necessidade de redução de custos, uma melhoria da qualidade
dos produtos…
o Vantagens para os consumidores – no limite, estes poderão adquirir produtos
de melhor qualidade decorrente do progresso tecnológico e de preços mais
baixos, possível pela redução dos custos de produção.
Podemos também, no entanto, apontar como desvantagens ou dificuldades da
integração económica, por exemplo, as disparidades do desenvolvimento económico e
social entre os participantes nessa integração ou a resistência dos vários sistemas
nacionais às regras colectivas que se impõem. Também razões de natureza histórica e
questões de opinião pública podem afectar negativamente esse processo integrativo.
CARACTERÍSTICAS DE UM ESPAÇO ECONOMICAMENTE INTEGRADO
Desde logo é necessário entender o conceito de mercado – conjunto dos compradores
que podem ser abastecidos pelos produtos. Se um determinado produtor deseja apenas

31
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

chegar ao mercado nacional, não enfrenta hoje, com uma integração económica
nacional plenamente realizada, grandes problemas. Terá:
o Livre circulação de mercadorias – as mercadorias circulam livremente no interior
das fronteiras de cada país;
o Liberdade de estabelecimento – o produtor pode instalar as unidades fabris e
montar os armazéns e os postos de venda que lhe forem necessários para escoar
os bens produzidos;
o Livre circulação de trabalhadores – o produtor pode recrutar livremente os
trabalhadores de que precisa, podendo também estes movimentar-se
livremente em todo o espaço nacional para esse efeito;
o Liberdade de prestação de serviços – os profissionais independentes podem
desenvolver a sua actividade onde desejarem, prestando livremente os serviços
que lhes forem solicitados;
o Livre circulação de capitais – o produtor vende e é pago em moeda nacional,
resolvendo-se assim problemas de câmbio
o Princípio da livre concorrência e da igualdade de tratamento – todos os
operadores económicos estão submetidos às mesmas regras da concorrência e
à mesma legislação.
Estes são os traços gerais de uma integração económica estável. Se é hoje
relativamente fácil atingir isto a nível nacional, a verdade é que tudo se complica
quando um produtor pretende alcançar um mercado de outro país. Para que um
produtor possa livremente entrar no mercado estrangeiro, é necessário que ele não se
depare com problemas em qualquer um dos aspectos supracitados.
Tudo isto foi a base para que se desenvolvesse um mercado comum aos Estados-
membros da União Europeia – falamos de um mercado único, no qual existe um espaço
económico liberalizado e integrado. Neste, os produtos de cada Estado-membro
circulam livremente e atigem consumidores dos restantes Estados, beneficiando todos
eles de um tratamento não discriminatório. No mercado comum é valorizada a
vantagem comparativa de cada país na produção de certos bens.
Para atingir este estádio a nível Comunitário, foi necessário ir progressivamente
eliminando as várias barreiras restritivas que existiam. Todo o processo teve base em
cinco alicerces essenciais:
o Zona de comércio livre – trata-se de um grupo de dois ou mais territórios
aduaneiros entre os quais os direitos aduaneiros e as outras regulamentações
comerciais restritivas são eliminadas para o essencial das trocas comerciais
relativas aos produtos originários dos territórios da zona de comércio livre. Este
ponto enloba a livre circulação de mercadorias (possível através da proibição de
restrições quantitativas ou medidas equivalentes). Note-se que isto não
prejudica a possibilidade de, nas suas relações com terceiros Estados, cada um
dos Estados-membros reserve a sua liberdade de acção. No entanto, esse factor
leva a que se possam gerar grandes complicaçõe (p.e. se os produtos de países
terceiros podem circular livremente dentro dessa zona, então estes tenderão a
entrar por via do Estado que lhes impuser uma tarifa aduaneira mais baixa).
Assim, conclui-se que os produtos importados de terceiros países não podem

32
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

circular livremente no interior desta ZCL, sob pena de prejuízos graves das
produções nacionais.
o União aduaneira – é a forma mais perfeita de comércio livre, incluindo a livre
circulação de mercadorias em geral (sejam elas originárias dos Estados-
membros ou legalmente importadas de terceiros países). Isto implica que os
Estados adoptem uma pauta aduaneira comum, de modo a que os produtos
importados do exterior estejam sujeitos a imposições iguais, qualquer que seja
a fronteira da união pela qual pretendem entrar.
o Mercado comum – a noção de mercado comum, de acordo com o art 3º TUE,
comporta a união aduaneira, uma pauta aduaneira comum e as chamadas
“quatro liberdades”.
o União económica e monetária – a união económica exige que as legislações
nacionais sejam harmonizadas, tendo de haver uma autoridade comum. Esta
união implica a transformação de vários mercados nacionais num mercado
único, o que exige igualdade das actividades económicas de produção,
distribuição e consumo. Para que se verifique uma união monetária não é
exigido que se adopte uma moeda única, apesar de tudo se facilitar se assim for.

O MERCADO INTERNO DA UNIÃO EUROPEIA


As características desde mercado interno são-nos dadas, desde logo, pelos arts 26º e
seguintes TFUE. Aqui se referem as medidas relativas à abolição das barreiras estatais
e, ainda, as que visam interditar comportamentos anticoncorrenciais (arts 101º e
seguintes TFUE). O quadro jurídico do mercado interno conta ainda com normas
relativas à política comercial comum, à política comum de transportes e à política
agrícola comum.
“O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre
circulação de mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de
acordo com as disposições dos Tratados”
(art 26º, nº 2 TFUE)

A união aduaneira da União Europeia


Esta assenta em dois pilares – a livre circulação das mercadorias e a pauta aduaneira
comum. A união aduaneira é a base do mercado interno da União, o que se retira desde
logo do art 28º, nº 1 TFUE. Já do art 28º, nº 2 resulta que a proibição de direitos
aduaneiros de importação e de exportação é proibida tanto para produtos originários
como para produtos legalmente importados. Também a proibições das restrições
quantitativas entre os Estados-membros se lhes aplicam por igual.
A pauta aduaneira comum é imposta pelo art 31º TFUE, destinando-se esta a proteger
o conjunto dos Estados-membros em relação ao exterior e a evitar distorçoes na
concorrência. Quanto aos arts 34º e 35º, destes resulta que, para que seja plenamente
assegurada a livre circulação de mercadorias no espaço aduaneiro da União, são
proibidas entre os Estados todas as restrições quantitativas à importação ou à
exportaçaõ bem como quaisquer medidas de efeito equivalente.
A união aduaneira da União Europeia comporta:

33
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o A livre circulação das mercadorias no espaço da União, o que leva à supressão


de direitos aduaneiros e de encargos de efeito equivalente entre os Estados-
membros, bem como à eliminação de quaisquer restrições quantitativas à livre
circulação das mercadorias ou medidas equivalentes.
o A substituição das diversas pautas aduaneiras por uma pauta aduaneira
comum;
o A instauração de uma política comercial exterior comum (arts 206º e 207º
TFUE).
Tudo isto se retira também de jurisprudência do Tribunal de Justiça, com destaque
neste ponto para o caso Diaman-Tarbeiders. A livre circulação de mercadorias foi a
base do desenvolvimento deste processo de integração económica, desde logo porque
foi a primeira das “quatro liberdades” a ser discutida.

A liberdade de circulação de mercadorias


A livre circulação de mercadorias está definida nos arts 28º, 34º e 35º TFUE. Esta implica
a proibição de direitos aduaneiros de importação ou exportação, bem como a
proibição das restrições quantitativas à importação e exportação (assim como todas
as medidas de efeito equivalente).
Cabe perguntar: que mercadorias estão abrangidas por estas regras? Falam-se, aqui,
de mercadoris em geral – quaisquer produtos apreciáveis em dinheiro e susceptíveis,
como tais, de ser objecto de transacções comerciais independentemente da sua
natureza ou das suas qualidades. Estas mercadorias podem ser, desde logo, divididas
em produtos originários da União e mercadorias provenientes de terceiros países.
Quanto aos primeiros, nenhum problema se coloca; quanto aos segundos, por sua vez,
podem existir complicações. Estes são também abrangidos por esta livre circulação de
mercadorias, até porque se assim não fosse, sempre que qualquer mercadoria fosse
exportada para outro Estado-membro da União, a sua origem determinaria o regime ao
qual este se deveria sujeitar. A diferença entre estes produtos esbate-se por via do art
29º, que trata as mercadorias vindas de países terceiros como produtos em livre
prática, bastando-lhes para que isso se verifique que sejam desalfandegados em
qualquer Estado-membro.
Para implementar esta liberdade de circulação, foi necessário eliminar as barreiras
aduaneiras (art 28º TFUE). Neste aparece o conceito de direitos aduaneiros, que
podem ser definidos como imposições pecuniárias que incidem sobre os produtos
importados no momento de desalfandegamento. Quanto à noção de “encargos de
efeito equivalente”, um Acórdão do Tribunal de Justiça diz-nos que se tratam de
encargos pecuniários unilateralmente impostos e que incidem sobre mercadoiras
nacionais ou estrangeiras em razão do facto de elas transporem a fronteira que não
devam ser considerados direitos aduaneiros propriamente ditos.
De nada serviria a eliminação desses direitos aduaneiros se se mantivessem as restrições
às importações e às exportações – daí se retira a importância dos arts 34º e 35º TFUE.
Está assim vedada aos Estados-membros a possibilidade de restringir as trocas através
da sua simples proibição ou através de medidas limitadoras das quantidades a
exportar ou a importar.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

A noção de “medidas de efeito equivalente” foi já precisada pelo Tribunal de Justiça,


no Acórdão Dassonville – qualquer regulamentação comercial dos Estados-membros
susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou parcialmente, o comércio
intracomunitário. As medidas de efeito equivalente são, então, comportamentos
imputáveis ao Estado, que podem resultar de acto legislativo, regulamentar ou
administrativo. Podemos, dentro destas, distinguir entre medidas claramente
discriminatórias e medidas indistintamente aplicáveis aos produtos importados e a
produtos nacionais que só aparentemente são lícitas.
a) Medidas discriminatórias
São medidas discriminatórias:
o Medidas de imposição de condições à importação ou exportação de bens –
estão em causa quaisquer disposições que subordinem a importação ou
exportação de bens à obtenção de uma licença, um certificado, uma autorização,
(…);
o Exigências relativas à comercialização dos produtos – falamos de medidas
nacionais que imponham indicações de origem das mercadorias que não sejam
exigidas em relação aos produtos nacionais, medidas que estabeleçam
regulamentações de preços aplicáveis apenas a produtos importados, medidas
que impeçam a utilização de produtos importados ou, ainda, medidas que
estabeleçam preferências regionais ou nacionais. Estas são vista como medida
de efeito equivalente a uma restrição quantitativa;
o Concessão de vantagens às produções nacionais – essas vantagens atribuídas
aos produtos nacionais vão fazer com que estes tenham uma melhor posição no
mercado do que os produtos importados;
o Medidas de imposição de controlos específicos – muito usadas pelos Estados-
membros para conseguir dificultar as importações e facilitar assim o escoamento
dos produtos nacionais, estas medidas materializam-se num conjunto de
controlos que são impostos aos produtos e que mostram ser mais exigentes para
os produtos importados do que para os produtos nacionais;
o Regulamentações relativas à publicidade – são consideradas medidas de efeito
equivalente a uma restrição quantitativa as que levarem a discriminação na
publicidade que é feita às importações;
o Aplicação de sanções aduaneiras desproporcionadas – o Tribunal de Justiça
entende que é medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa a
imposição pelos Estados de sanções aduaneiras desproporcionadas a
irregularidades praticadas nas importações ou exportações;
b) Medidas não discriminatórias, indistintamente aplicáveis a produtos nacionais
ou importados
Os Estados-membros não estão impedidos de fixar as condições de comercialização dos
bens produzidos localmente ou importados, se essas condições não fixarem entraves
à livre circulação. Essas medidas restritivas podem dizer respeito aos próprios bens, aos
processos da sua comercialização ou, ainda, aos preços.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Medidas relativas aos próprios bens – podem constituir medidas de efeito


equivalente a uma restrição quantitativa as que impeçam a comercialização de
bens legalmente produzidos noutro Estado-membro, por no seu fabrico não
terem sido respeitadas normas relativas à composição do produto impostas pelo
Estado de importação em relação a produtos nacionais.
o Medidas relativas às modalidades de comercialização e distribuição dos
produtos – diz o TJUE que as regulamentações nacionais que se apliquem
indistintamente e que limitem determinadas modalidades de venda não
constituem medidas de efeito equivalente a uma restrição quantitativa. Veja-se
o Acórdão Dassonville. São já vistas como medidas de efeito equivalente a uma
restrição quantitativa: disposições que limitem os horários de abertura dos
estabelecimentos comerciais e interdição de certas técnicas de venda em
determinados produtos.
o Tratamento diferenciado do comércio interno e das exportações – decorre de
jurisprudência que o art 35º TFUE visa as medidas nacionais que têm por objecto
ou por efeito restringir especificamente as correntes de exportação, de modo a
estabelecer uma diferença entre o comércio interno e o seu comércio de
exportação.
o Regulamentação de preços – esta regulamentação será vista como medida de
efeito equivalente a uma restrição quantitativa se afectar directa ou
indirectamente o comércio intracomunitário. Fala-se, por exemplo, das medidas
que estabelecem preços máximos ou preços mínimos indistintamente aplicáveis
a produtos originários e importados, mas que não tenham em conta os custos
de importação, ou a qualidade superior dos produtos importados (p.e.). Também
é vedada a possibilidade de fixar preços mínimos tão altos que neutralizem a
vantagem concorrencial dos produtos importados. É vista como medida de
efeito equivalente a uma restrição quantitativa aquela que, apesar de se aplicar
indistintamente, impeça que o eventual custo de produção mais baixo dos
produtos importados se repercuta no preço de venda ao consumidor.
A injuntividade destas disposições foi várias vezes confirmada pelo Tribunal de Justiça.
Note-se que nem sequer é necessário que se prove que as medidas restringem
efectivamente as importações, sendo suficiente que elas tenham um efeito potencial
sobre as importações que poderiam ocorrer na sua ausência.
RESERVAS À REGRA DA LIVRE CIRCULAÇÃO DAS MERCADORIAS
Estas podem resultar directamente do Tratado ou encontrar nele o seu fundamento.
Há desde logo possibilidade de existência de cláusulas de salvaguarda, através das
quais o Estado-membro poderá fazer face a uma situação intolerável, causada pela
invasão do mercado interno por produtos que por serem de qualidade superior ou de
preços mais baixos podem arruinar a produção nacional. Falamos, por exemplo, das
derrogações dos arts 36º, 346º e 347º, que podem ser adoptadas sem autorização das
instituições da União. Pode também acontecer que a União tenha de intervir, antes ou
depois da adopção de certas medidas, autorizando a adopção da medida em causa.
Essa competência, em princípio, será da Comissão.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Fale-se do art 36º TFUE. Deste resulta que os arts 34º e 35º não prejudicam a
possibilidade de um Estado-membro adoptar medidas justificadas pela moralidade
pública, ordem pública ou segurança pública.

A liberdade de circulação de pessoas


Os arts 45º e 46º TFUE consagram a livre circulação de trabalhadores. No entanto, estas
disposições apenas têm em vista trabalhadores por conta doutrem que sejam
nacionais dos Estados-membros. Sendo possível retirar tal conclusão do espírito desses
artigos, conclui-se que um trabalhador assalariado, nacional de um Estado-terceiro, não
beneficia de livre circulação para exercício da sua actividade laboral na União.
A liberdade de circulação de pessoas em geral é actualmente reconhecida, por ser
inerente à qualidade de cidadão europeu. O acordo de Schengen (1985) facilitou essa
liberdade de circulação dos cidadãos da União Europeia, abolindo os controlos
aduaneiros a que anteriormente estavam sujeitos.

O princípio da livre circulação comporta a liberdade de deslocação, de residência e de


permanência no território de qualquer Estado-membro, assim como a liberdade de
acesso aos empregos disponíveis no espaço da União. A liberdade de deslocação
implica a liberdade de deixar o território nacional e a liberdade de acesso aos
territórios de qualquer Estado-membro.
RESERVAS À REGRA DA LIVRE CIRCULAÇÃO DAS PESSOAS
Do art 45º, nº 3 TFUE resultam três reservas justificadas à livre circulação das pessoas:
o Ordem pública;
o Saúde pública;
o Segurança pública.
A Directiva 2004/38/CE (2004) tenta delimitar estes conceitos. O Tribunal de Justiça
declarou já em jurisprudência a aplicabilidade directa desta directiva.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

A liberdade de prestação de serviços e o direito de estabelecimento


A liberdade de prestação de serviços está presente nos arts 56º a 62º TFUE; o direito
de estabelecimento, por sua vez, encontra-se nos arts 49º a 55º TFUE. Na liberdade de
prestação de serviços cabem prestações realizadas mediante remuneração, na medida
em que não sejam reguladas pelas disposições relativas à livre circulação de
mercadorias, de capitais e de pessoas – art 57º TFUE.
São beneficiários das liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços tanto
as pessoas físicas como certas categorias de pessoas morais. Quanto às pessoas físicas,
o princípio dominante é o do exclusivismo (arts 49º e 56º TFUE) – reserva-se para os
nacionais do Estado-membro a liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços
no território de outro Estado-membro. A definição de quem deve ser considerado como
nacional de um Estado-membro compete a esse próprio Estado, competência que deve
ser exercida no respeito pelo Direito da União. As pessoas morais estão previstas no
art 54º TFUE. A tudo isto é transversal o princípio da não discriminação – art 2º TUE.
Destaca-se, neste âmbito, a Directiva Bolkenstein. A mesma define que a prestação de
serviços apenas pode ser subordinada à existência de autorização em condições de
"não descriminação", "razão imperiosa de interesse geral" e no caso de não se
conseguir nenhum dos anteriores com medida menos restritiva. Neste contexto,
estabelece, dentro da Comunidade Europeia, a liberdade de estabelecimento e a
liberdade de prestação de serviços, visando o reforço dos direitos dos utilizadores dos
diversos serviços, o reforço da qualidade dos vários serviços e o estabelecimento de
um regime.
RESERVAS À LIBERDADE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E DE ESTABELECIMENTO
Em conformidade com o TFUE, as disposições relativas à liberdade de estabelecimento
e de prestação de serviços não são aplicáveis às atividades que estejam ligadas ao
exercício da autoridade pública (art 51º TFUE). Esta exclusão é, contudo, limitada por
uma interpretação restritiva: as exclusões só podem abranger atividades e funções que
impliquem o exercício de autoridade; e uma profissão no seu conjunto só pode ser
excluída se toda a sua atividade for dedicada ao exercício de autoridade oficial, ou se
a parte que é dedicada ao exercício de autoridade pública for inseparável da restante.
As derrogações permitem aos Estados-Membros excluir do âmbito de aplicação destas
disposições a produção e o comércio de armas, munições e material de guerra e manter
um regime especial para os estrangeiros por razões de ordem pública, segurança
pública e saúde pública (art 52º, nº 1 TFUE).

A liberdade de circulação de capitais


Esta está prevista, desde logo, no art 63º TFUE, que nos fala tanto da liberdade de
circulação de capitais como da liberdade de pagamentos – são proibidas todas as
restrições aos pagamentos entre os Estados-membros e entre Estados-membros e países
terceiros. De nada serviria assegurar a livre circulação de pessoas, o direito de
estabelecimento, a liberdade de prestação de serviços e a liberalização das trocas
comerciais se, depois, não houvesse a liberdade de conversão e transferência de
moeda para a efectivação dos pagamentos exigidos.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

No entanto, o art 63º TFUE têm maior alcance, proibindo também as restrições aos
pagamentos entre Estados-membros e terceiros – tal funda-se na ideia de que a
economia da União não pode estar isolada da do resto do Mundo. Para além disso, o
normal funcionamento do mercado seria afectado por eventuais restrições aos
pagamentos internacionais. Note-se, ainda, que estas restrições seriam facilmente
ultrapassáveis, bastando para isso que os agentes económicos realizassem todos os
pagamentos através de Estados-membros que não tivesse adoptado tais restrições.
O Tratado não define o conceito de movimento de capitais. No entanto, a directiva
88/361/ CEE, do Conselho (1988), contém uma lista indicativa das operações
consideradas como movimentos de capitais. O Tribunal de Justiça, por sua vez, tem
julgado as disposições susceptíveis de impedir ou limitar as aquisições de acções nas
empresas como restrições, na letra do art 63º TFUE.
RESERVAS À REGRA DA LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
Decorre desde logo uma limitação do art 63º, nº 1 e 2 TFUE – esta liberdade apenas se
implica “no âmbito das disposições do presente Capítulo”. Daí se retira que os Estados
podem limitar esta liberdade quando os pagamentos ou movimentos de capitais visam
domínios em que a União Europeia não dispõe de competência para intervir.
Do art 64º, nº 1 TFUE resulta que a União pode aplicar a países terceiros restrições que
estivessem em vigor a 31 de Dezembro de 1993. O Conselho, para além disso, pode
adoptar medidas restritivas dos movimentos de capitais com países terceiros, ainda
que essas constituam um retrocesso no Direito da União e mesmo tendo em conta que
o Conselho está vinculado, “na medida do possível, a esforçar-se por alcançar a livre
circulação de capitais entre Estados-membros e países terceiros.
Os arts 63º e seguintes (Capítulo IV) são aptas a produzir efeito directo nas esferas
jurídicas dos particulares. O Tribunal tem reconhecido esse facto.

CAPÍTULO VIII – POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA


Art 101º TFUE - o regime dos cartéis
O art 101º TFUE contém as regras de fundo relativas aos cartéis; o art 102º TFUE trata
dos abusos de posição dominante. As disposições em causa são aplicáveis tanto a
empresas públicas como a empresas privadas, apesar de as públicas serem
merecedoras de tratamento específico.
O art 101º é a primeira linha de defesa do direito da concorrência. Este começa por
vedar a constituição de cartéis que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir
ou falsear a concorrência. O nº1 torna imperativo definir:
o Empresa – qualquer entidade que exerça uma actividade económica que
consista na oferta de bens ou serviços, independentemente do seu estatuto
jurídico e modo de funcionamento. Assim, são acordos entre empresas os
bilaterais ou multilaterais através dos quais os participantes num cartel se
obrigam a conduzir o exercício das suas activdades económicas de modo a
prosseguir um objectivo comum e, para efeitos deste artigo, anticoncorrencial;
o Associação de empresas – qualquer agrupamento de pessoas físicas, sociedades
ou outras entidades, habilitado a tomar decisões relativas às empresas

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

associadas. Assim, são decisões de associações de empresas os actos de vontade


colectiva que represente o interesse das empresas associadas;
o Práticas concertadas – implicam prévio acordo entre empresas ou decisão de
uma associação de empresas, sendo autonomizadas pelo art 101º para evitar
que se pudessem contornar as regras de concorrência por não ser possível
identificar esse acordo ou essa decisão.
Os carteis são, então, criados através de práticas concertadas, acordos entre empresas
ou decisões de associações de empresas, que expressam uma vontade colectiva. O
concurso de vontades que aqui se exige pode ser de apreciação difícil, uma vez que
nem sempre é simples perceber se estamos perante um concurso de vontades
independentes ou se temos uma situação de dependência que não permite à empresa
em causa exprimir uma vontade autónoma. Note-se que a avaliação tem em conta a
intenção das partes envolvidas no cartel – o facto de as suas práticas não resultarem
para restringir a concorrência não basta para isentar a ilicitude se era esse o objectivo.
É dispensada a intenção das partes se o resultado for essa restrição.
O art 101º dá-nos alguns exemplos de acordos vedados:
a) Fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda, ou
quaisquer outras condições de transacção – estes acordos podem ser entre
vendedores ou mesmo entre compradores, na medida em que uns ou outros
podem organizar-se de modo a impor um preço de venda ou de compra que lhes
convenha. Podemos ter acordos horizontais (entre empresas que estão no
mesmo estádio do processo de produção ou distribuição), verticais ou ambos
(situação na qual diversas empresas se associam para criar uma distribuidora dos
seus produtos, à qual conferem o poder de fixar os preços e condições de venda).
b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou
os investimentos – estes são acordos através dos quais se consegue impedir as
empresas de actuar, seja no plano da produção ou no plano da comercialização.
Aqui se incluem os acordos pelos quais se fixam quotas de produção.
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento – esta repartição é feita
por via de acordos horizontais e de acordos verticais:
• Acordos horizontais – as empresas repartem entre si a área do mercado,
afirmando-se na área que lhes foi reservada;
• Acordos verticais – aqui se incluem os contractos pelos quais uma
empresa se obriga perante outra a só a esta fornecer um produto, bem
como aqueles em que uma empresa se obriga perante outra a só a esta
comprar um produto. Através destes acordos as empresas conseguem
compartimentar o mercado.
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de
prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na
concorrência – estão em causa práticas discriminatórias, na medida em que a
concorrência entre os compradores ou os destinatários das prestações é
falseada.
e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros
contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos – trata-
se de impingir produtos alvos de menor procura para que os consumidores
possam adquirir o produto que efectivamente querem.
Qualquer acordo ou decisão que puser em causa estas disposições é nulo. Essa nulidade
afecta todo o acordo, pelo que este não produzirá qualquer efeito e não será oponível
a terceiros.
Cabe aos juízes nacionais determinar a extensão dos efeitos da nulidade. O art 101º
TFUE tem condições para ser dotado de aplicabilidade directa. Assim, estas disposições
produzem efeitos imediatos nas esferas jurídicas dos particulares, podendo ser
invocados junto dos tribunais nacionais. A estes caberá, portanto, sancionar os acordos
e as decisões proibidas pelo artigo em apreço. Essas sansões, claro, terão de ser
superior ao que as empresas lucram com a adopção de práticas proibidas – se assim
não for, compensa pagar a multa e praticar as medidas ainda assim:
o Se for determinável o montante que a empresa ganhou, a multa pode ir até
esse valor – empresa perde tudo o que ganhou;
o Se não for determinável, a multa poderá chegar até aos 10% de tudo o que a
empresa ganhou num ano.
O primeiro membro do cartel a dar informações sobre o cartel em causa escapa à multa,
o que lhe é preferível, visto que acabará por ficar em melhores condições económicas
perante os restantes, que terão de pagar multas pesadas.
Note-se que estas proibições impostas pelo art 101º só se aplicam se não estivermos no
âmbito de aplicação do nº 3: as disposições no n.º 1 podem, todavia, ser declaradas
inaplicáveis:
a) (…) que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos
ou para promover o progresso técnico ou económico – aqui se integram, por
exemplo, acordos que tenham por objectivo a especialização das tarefas
produtivas: se cada empresa consegue, por via dessa especialização, aumentar a
sua produção e eventualmente a qualidade dos seus produtos, então isso
favorecerá a rentabilidade dos investimentos e pode até levar a uma redução do
preço a pagar pelo consumidor. Esta melhoria, no entanto, tem de se traduzir
em vantagens objectivas, de modo a compensar os inconvenientes de um acordo
no plano da concorrência.
b) (…) contanto que aos utilizadores se reserve uma parte equitativa do lucro daí
resultante
c) e que não imponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam
indispensáveis à consecução desses objectivo – para que um cartel, que terá
certamente efeitos anticoncorrenciais, seja admitido, é necessário que as
vantagens que estes prosseguem não possam ser atingidas por qualquer outra
via, ou seja, se que sejam impostas essas restrições.
d) Nem dêem a essas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência
relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa – só é possível
permitir a existência de um cartel se disso não resultar uma supressão total da
concorrência. Assim, a existência desse cartel não deverá impedir outros

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

operadores económicos de entrar no mercado interno para aí produzirem ou


venderem os seus produtos.
Note-se que estes quatro factores são cumulativos para que seja possível conceder esta
isenção individual de interdição do cartel. Essa isenção pode ser concedida caso a caso
ou, diferentemente, pode a Comissão determinar a isenção perante uma determinada
categoria de cartéis.
o Isenções individuais – durante muito tempo, a competência para decretar estas
isenções era competência exclusiva da Comissão. No entanto, o Regulamento
1/2003 veio instaurar profundas modificações. Com este, passa a presumir-se a
licitude dos acordos que caírem no âmbito de previsão do art 101º, nº 3 TFUE.
Para além disso, as autoridades nacionais de concorrência e os tribunais
nacionais têm agora competência para verificar se as condições de isenção de
>ilicitude aqui prevista estão preenchidas.
o Interdições por categoria – nestes casos, a Comissão, devidamente habilitada
pelo Conselho, poderá determinar a isenção automática (sem necessidade de
notificação) de certas categorias de cartéis.
Os cartéis que têm mais impacto no mercado são os que estabelecem um preço fixo,
uma vez que isso leva a que se fixe, no mercado, um preço superior ao devido,
prejudicando os consumidores. A cartenização é um fenómeno que se perpetua no
tempo e que é difícil prova de existência, até por que a mera aproximação dos preços
entre estabelecimentos ou empresas não é suficiente para provar a existência de um
cartel – empresas num mercado a funcionar bem podem atingir resultados idênticos.
Para que se prove a existência do cartel, exige-se prova de que havia um acordo
estabelecido entre essas empresas. Há cartéis que levam à existência de mini-
monopólios, casos nos quais as empresas chegam a acordos não sobre o preço, mas
sobre onde vender – dá-se a compartimentação do mercado, já referida.
Os grandes objectivos dos cartéis são fixar preços altos e afastar a concorrência.
Desenvolve-se agora, no entanto, carteis ligados à troca de informação. Outra das
consequências da cartenização é a falta de inovação no mercado, resultado de haver
pouca concorrência.
Quanto à relação de competência entre as instâncias europeias e nacionais:
afecta o mercado Competência da
europeu Comissão
Cartel
Competência da
afecta o mercado
Autoridade Nacional
nacional
da Concorrência

Artigo 102º TFUE – a interdição do abuso de posição dominante


O art 102º TFUE determina que é incompatível com o mercado interno e proibido, na
medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, o
facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante
no mercado interno ou numa parte substancial deste. Ao contrário do que acontecia
com o art 101º TFUE, o art 102º não sanciona a existência de uma empresa em posição

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

dominante – sanciona, sim, a exploração abusiva dessa posição. Tal significa que não é
sancionada a situação de monopólio ou o atingir dessa situação por via de uma
concentração de empresas, mas tão só o abuso dessa posição dominante no mercado.
Esse abuso exclui a possibilidade beneficiar de qualquer isenção da interdição imposta.
O art 102º, nº 1 TFUE é directamente aplicável, pelo que pode ser invocado por
qualquer interessado perante os tribunais nacionais. Para a correcta aplicação deste,
exige-se desde logo a definição de posição dominante.
A definição de posição dominante não é referida nos Tratados. Assim, coube à
Comissão elaborar uma primeira noção e ao Tribunal de Justiça precisá-la. A Comissão
define posição dominante como aquela em que as empresas dispõem da possibilidade
de comportamentos independentes, colocadas como estão em posição que lhes
permite agir sem ter de tomar em grande conta os seus concorrentes. O núcleo deste
conceito reside, portanto, na ideia de que uma empresa em posição dominante é capaz
de influenciar de forma determinante os comportamentos das outras empresas que
com ela tentam concorrer no mercado. Esta empresa será capaz de decidir ou, pelo
menos, de influenciar a decisão das demais, influenciando acentuadamente os trâmites
nos quais a concorrência se desenvolve. Assim se explica que, regra geral, a detenção
por parte de uma empresa de uma grande parcela do mercado seja indicador de que
essa empresa tem uma posição dominante - há presunção de posição dominante se a
quota de mercado da empresa é superior a 80%. Note-se que a criação de posição
dominante depende, muitas vezes, do facto de a empresa em causa ser a primeira a
afirmar-se no mercado.
Para concluir se uma empresa tem ou não uma posição dominante no mercado não
importa só olhar para a sua dimensão – é também relevante olhar para o seu
comportamento relativo à fixação de preços, às condições de distribuição dos produtos
ou ainda em relação ao seu relacionamento com os restantes agentes económicos.
A análise de posição dominante de uma empresa num determinado mercado implica,
previamente, determinar o mercado em causa. Para conseguir determinar o mercado
que se está a analisar, relevam dois critérios – o critério geográfico e o critério do
produto em causa.
o Critério geográfico – é muito difícil que uma empresa consiga dominar todo o
mercado interno. Assim, mais provável será termos uma empresa que tem
posição dominante numa parte substancial do mercado interno. Para analisar
este factor, exige-se olhar a outros elementos economicamente relevante, como
a população que o constitui, a capacidade de consumo…
o Critério económico – visto que a posição determinante de uma certa empresa
numa parte substancial ou na totalidade do mercado interno só o é em relação
a determinado produto. Esta posição dominante supõe uma posição de
autonomia dessa empresa, que só existirá se ela não estiver sujeita à
concorrência efectiva de produtos idênticos, que apesar de diferentes possam
ser adquiridos com o mesmo fim. Para saber se dois produtos estão ainda no
mesmo mercado: analisa-se se o aumento acentuado no preço de um deles leva
a uma transferência de consumidores para o outro bem.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Os Tratados não nos oferecem qualquer definição de abuso de posição dominante.


Assim, esta resulta da junção do que já foi sobre isso dito, tanto pela Comissão como
pelo Tribunal. Podemos então dizer que há abuso de posição dominante quando uma
empresa utiliza esse poder de que dispõe para obter vantagens que de outra forma
não obteria. Haverá também abuso se uma empresa usa a sua posição no mercado
para se reforçar, restringindo substancialmente a concorrência que poderia existir e
prejudicando, então, o objectivo de livre concorrência que o Tratado tenta assegurar.
Atente-se à ideia de que é falacioso provar que há posição dominante por prova de
que há abuso de posição dominante – a definição da posição dominante tem de ocorrer
antes de se olhar para as práticas da empresa.
A noção de abuso da posição dominante é uma noção objectiva, pelo que não olha à
verificação ou não de culpa por parte da empresa em causa. O art 102º TFUE dá-nos, à
semelhança do art 101º, uma lista exemplificativa de modalidades de abuso da posição
dominante.
a) Impor, de forma directa ou indirecta, preços de compra ou de venda ou outras
condições de transacção não equitativas – estamos perante preços de compra
ou de venda não equitativos quando não temos uma razoável relação
qualidade/preço. Este é um critério vago e de difícil utilização;
b) Limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo
dos consumidores – verifica-se, por exemplo, quando uma empresa, querendo
reservar para si certas matérias primas, se recusa a fornecê-las ou só o faz se for
em quantidades inferiores às solicitadas ou em condições de preço menos
favoráveis. Também aqui se enquadram as situações em que uma empresa
recusa abastecer os negociantes que não apoiam a sua política concorrencial,
privilegiando aqueles que se lhe submetem. Falamos, ainda, de casos em que
essas empresas obrigam os seus clientes a fornecer-se exclusivamente junto
delas, ainda que isso lhes garanta certos descontos ou prémios de fidelidade.
c) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de
prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na
concorrência – são situações de discriminação abusiva entre os parceiros
comerciais, que se pode manifestar na recusa de venda ou na recusa de
celebração de um contracto. Esta pode ser praticada em razão da nacionalidade
ou de outras circunstâncias. Note-se que a jurisprudência do Tribunal de Justiça
não impede que seja concedido um tratamento diferente aos vários clientes,
consoante os laços particulares existentes com cada um deles.
d) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros
contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo
com os usos comerciais, não têm ligação com o objecto desses contratos – é a
chamada venda ligada. São situações nas quais uma empresa com posição
dominante num determinado mercado usa essa posição dominante para se fazer
evidenciar num outro mercado. Isso é feito através, p.e., da obrigatoriedade de
comprar certo produto (que tem menos procura) para que se possa adquirir o
produto que o consumidor verdadeiramente procura. A venda ligada tem forte

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Patrícia Carneiro da Silva

impacto na concorrência do mercado, até porque acaba por vedar a entrada de


pequenas empresas, visto que estas não têm como oferecer ambos os produtos.
A violação do disposto no art 102º TFUE permite à Comissão agir contra essa empresa
ou empresas, por sua própria iniciativa ou por queixa de qualquer interessado. A
Comissão pode exigir informações, proceder a inquéritos ou verificações junto das
empresas, etc. Considerada a infracção, pode a Comissão exigir uma sanção pecuniária
e impor a adopção de medidas que visam reparar os efeitos anticoncorrenciais que se
fizeram sentir. Desta decisão da Comissão cabe recurso de plena jurisdição para o
Tribunal Geral e deste para o Tribunal de Justiça.
A criação e a defesa de uma posição dominante é essencialmente feita por via de preços
predatórios. Também se tem visto a utilização da técnica de rising rival costs – provoca-
se o aumento dos custos para os concorrentes (p.e. através da compra de toda a
publicidade mais barata, obrigando as concorrentes a pagar mais para ser publicitadas).

Concentração de empresas
Nada se diz de forma expressa, nos arts 101º e 102º, sobre a concentração de empresas.
Esta, que pode resultar de fusão, absorção, tomada de capital accionista ou até de
situações de capitais cruzados, pode levar a uma restrição da concorrência. Assim, a
efectividade de todo este regime sobre a concorrência não poderia deixar
desacauteladas estas situações – o controlo sobre a concentração de empresas
encontra fundamento em irrecusáveis exigências de eficácia, num acto de direito
derivado.
Combinando as orientações da Comissão e do Tribunal de Justiça, segue-se pela
importância de verificar a aplicabilidade dos artigos já analisados a estas situações:
o art 101º TFUE – este seria aplicável se o acordo de concentração de empresas
não provocasse uma modificação irreversível da titularidade das empresas.
Assim, havendo fusão, absorção ou aquisição de activos, o artigo não teria
aplicação. Resta, então, o art 102º TFUE;
o art 102º TFUE – este poderia ser aplicado se uma empresa que já detém uma
posição dominante no mercado a reforça, através da concentração (Ac
Continental – 1973). No entanto, note-se, aplicando o art 102º a estas situações,
estar-se-ia a sancionar o abuso de posição dominante e não a concentração
propriamente dita.
Dada a insuficiência dos Tratados para fazer face a esta questão, foi proposto pela
Comissão (em 1973) e adoptado pelo Conselho (em 1989) o Regulamento 4054/89, no
qual se estabeleciam as regras de fundo sobre a concentração de empresas e as
sanções aplicáveis.
Perante um pedido de concentração, pode acontecer uma de três hipóteses:
1. Operação é autorizada;
2. Operação é rejeitada;
3. Operação é autorizada com condições, relacionadas com o permitir a
concentração evitando que as empresas atinjam posição dominante. São os
chamados remedies, que podem ser estruturais ou comportamentais.

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Patrícia Carneiro da Silva

• Estruturais – aproveita-se parte da concentração, impedindo-se a parte


que leva a uma posição dominante;
• Comportamentais – altera-se o comportamento da empresa nova, por
via positiva (imposição de determinadas acções) ou por via negativa
(abstenção de determinadas acções).
Com tudo isto, pode dizer-se que a Comissão vive num impasse: se, por um lado, esta
quer autorizar a concentração para melhorara a economia, por outro, não quer que isso
gere posições dominantes (o que é até contraditório, tendo em conta que a aquisição
de uma posição dominante não é sequer proibida).

Os auxílios de Estado
O princípio geral é o da interdição dos auxílios estatais – São incompatíveis com o
mercado interno, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-
Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais,
independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a
concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.
A noção de auxílios de Estado é uma noção muito ampla, que engloba subvenções,
isenções de impostos e de taxas, bonificações de juros (…), bem como qualquer outra
medida de efeito equivalente. São medidas de efeito equivalente, por exemplo, o
fornecimento de bens ou serviços a preço de favor, a concessão de adiantamentos às
empresas, a concessão de edifícios ou terrenos a título gratuito ou facilitado, entre
muitas outras. A ideia a reter é a de que os auxílios estatais não incluem apenas os
subsídios, mas também as medidas que façam diminuir os encargos. O critério decisivo
é, portanto, o de verificação de uma redução de custos, independentemente das razões
ou dos objectivos que determinam as acções do Estado.
O objectivo desta interdição é, precisamente, evitar situações de concorrência desleal,
em consequência da concessão a certas empresas de ajudas que as beneficiem face às
restantes. Esta interdição, porém, pode ser objecto de derrogações: no caso de certas
empresas, é viável o apoio por parte do Estado, para que a empresa sobreviva. Assim,
os nº 2 e 3º do preceito admitem ajudas que sejam compatíveis com o mercado
comum.
O problema de tudo isto é que a Comissão tem usado estas autorizações de auxílios do
Estado para modelar os comportamentos das empresas – muitas vezes, esta
autorização é dada sob condições de adotar ou não determinados comportamentos
(remedies). A União consegue, assim, ingerir-se no que seria competência dos Estados-
membros.

Artigo 106º TFUE – o regime concorrencial das empresas públicas


O regime do art 106º TFUE aplica-se a três categorias de empresas:
o Empresas públicas – a noção de empresa pública que resulta da Lei portuguesa
não é idêntica à noção de empresa pública adoptada para aplicação do art 106º
TFUE. Mesmo entre as instituições da União Europeia, a posição da Comissão é
idêntica à que o Tribunal de Justiça tem adoptado em sede de jurisprudência.

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Patrícia Carneiro da Silva

Para o Tribunal de Justiça, são empresas públicas as empresas sobre as quais,


independentemente da sua forma jurídica, os Estados possam exercer uma
influência dominante determinando o seu comportamento, as suas decisões
comerciais e as suas relações com outros operadores ou agentes económicos.
Estas estão sujeitas, nas mesmas condições que as empresas privadas, às regras
da concorrência dispostas nos artigos 101º e 102º TFUE.
o Empresas que beneficiam de direitos especiais ou exclusivos concedidos pelos
Estados – aqui se integram as empresas sobre as quais o Estado exerce um poder
de tutela, de orientação da sua política empresarial, ditando o seu
comportamento em face de determinadas circunstâncias. Relembre-se, no
entanto, que o art 106º apenas se aplica às empresas que estão submetidas a
uma intervenção ou influência directa por parte dos órgãos do Estado. Assim,
nem todas as empresas que se submetem a regulação especial estão abrangidas
por este preceito.
o Empresas encarregues da gestão de serviços de interesse económico geral ou
que tenham o carácter de monopólio fiscal – estas são empresas que
dificilmente serão outra coisa que não públicas, visto que dificilmente o Estado
concederá um monopólio fiscal a uma empresa que não seja pública (ou seja,
que não esteja sobre uma influência dominante). A noção de serviços de
interesse económico geral é difícil, pelo que acaba por vigorar a concepção de
cada Estado-membro (sem prejuízo de poder o Tribunal de Justiça fixar
concepção própria).
Note-se que, em teoria, a decisão sobre se uma empresa deve ser pública ou privada é
uma decisão que compete a cada Estado-membro, e não à União Europeia – art 345º
TFUE. Este é um artigo que existe desd’o Tratado de Roma. Apesar da existência desta
norma, o que se verifica é que os requisitos para que estes auxílios sejam autorizados
são muito mais apertados nas empresas públicas. A Comissão chega, inclusive, ao
ponto de apenas conceder a concentração se a empresa for, depois, privatizada. Chega
também a permitir que se faça um teste, dizendo que se se provar que o Estado está a
agir como um privado agiria, então esse dinheiro não será visto como auxílio de Estado.
O problema deste “teste” prende-se com o facto de estar assente em critérios que são
impossíveis de cumprir por parte dos Estados-membros.
Há pouca litigância sobre esse tema no Tribunal de Justiça, porque os Estados tendem
a tentar resolver estas questões directamente com a Comissão, o que acaba por
prejudicar os Estados mais pequenos, como Portugal, que não têm essa capacidade de
negociação junto das instâncias europeias.

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