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Faculdade de Direito de Lisboa – Ano letivo 2019/2020

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO II

Casos Práticos- Integração de Lacunas

Caso Prático 1

MÁRIO, operário de construção civil, é mortalmente atropelado por DUARTE,


estudante de Direito que vinha a conduzir embriagado depois de sair da Festa da Cerveja
da FDL.
MÁRIO tem cinco filhos menores e é o único “sustento” da casa pois que a esposa,
EPIFÂNIA, está há mais de dez anos impossibilitada de trabalhar.
Privado do apoio do marido, e sem ter como sustentar a família com a sua parca
pensão de reforma, EPIFÂNIA exige de DUARTE, em tribunal, o pagamento de uma
pensão de alimentos por este ter provocado ilícita e culposamente a morte do marido.

Admitindo que esta pretensão não tem qualquer cobertura legal (e, portanto,
desconsiderando o Código Civil ou outros diplomas “reais”), diga como pensa que o juiz
deveria decidir o caso.

Subhipótese- Suponha que ao direito a pensão de alimentos por falecimento de


familiar próximo, se reporta a Lei n.º x/2010, nos termos da qual: “(artigo único) Quem
ilícita e culposamente provocar a morte de uma pessoa, de quem depender o sustento
económico da respetiva família, fica obrigado ao pagamento de uma pensão de alimentos:
a) ao cônjuge; b) aos filhos; c) a quem com ela viva em união de facto”.

Admita que o operário referido na hipótese anterior morre nas mesmas


circunstâncias, mas é viúvo e tem a seu cargo dois “enteados” menores, filhos do primeiro
casamento da esposa. Poderão estes reclamar, junto de DUARTE, uma pensão de
alimentos, com base no disposto na Lei n.º x/2010?

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Subhipótese 2- Suponha que MÁRIO não era casado, nem tinha filhos ou
enteados, mas tinha a seu cargo uma velha prima tetraplégica, sem mais parentes, e
impedida de trabalhar, que dele dependia para sobreviver (visto receber uma exígua
pensão de reforma). Poderia essa prima exigir de DUARTE o pagamento de uma pensão
de alimentos?

Caso Prático 2

Nos termos do artigo 2194.º do Código Civil «é nula a disposição a favor do


médico ou enfermeiro que tratar do testador, ou do sacerdote que lhe prestar assistência
espiritual, se o testamento for feito durante a doença e o seu autor vier a falecer dela».

Tem-se entendido que o preceito visa impedir que estas pessoas sejam
beneficiadas, em virtude ascendente que possam ter obtido sobre o de cujus (=a pessoa
que morreu e de cuja sucessão se está a tratar) pelo seu estado de saúde e pelos cuidados
que lhe prestaram.

FARIA padecia de um cancro em estado terminal, que lhe veio a causar a morte.
Durante a fase final da sua vida, debatendo-se em agonia com a doença, lançou mão de
todos os recursos imagináveis para procurar algum alívio.

Tendo em conta este preceito, responda às seguintes questões:

1. É nula a disposição testamentária feita por FARIA, durante a doença, a


VILLEFORT, homeopata que lhe prestara assistência?
2. É nula a disposição testamentária feita a DANTÈS, padre que lhe prestou
assistência espiritual durante a doença, mas sujeita a uma substituição

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fideicomissária nos termos da qual, os bens deixados àquele reverteriam, por sua
morte, a favor de MERCÈDES, filha menor de FARIA?1
3. É nula a doação feita por FARIA ainda em vida, mas na fase final da doença, a
CADEROUSSE, enfermeiro que diariamente cuidava dele?

Caso Prático 3

Na sequência de uma grave crise económica e financeira, e depois de terem sido


tornadas públicas estatísticas do INE que davam conta da insolvência e do encerramento
de centenas de pequenas e médias empresas incapazes de resistir à crise, só no ano de
2089, é aprovada, sob proposta do partido do Governo (em cujo programa eleitoral,
constava a promessa de tomar medidas de auxílio às empresas em crise) a Lei n.º 1/2090,
de 3 de janeiro, que adita ao Código do Emprego, entre outros, os seguintes preceitos:
«(artigo 281.º) 1 – As empresas que, por motivos de mercado, atravessem uma situação
de quebra da procura dos seus serviços, poderão reduzir temporariamente o período de
trabalho dos respetivos trabalhadores. 2 – A redução do tempo de trabalho será
acompanhada de uma redução proporcional na retribuição. (artigo 282.º) Durante o
período de execução da medida, a empresa não poderá aumentar a retribuição dos
membros dos seus corpos sociais, distribuir lucros ou dividendos aos sócios, ou pagar
juros de “empréstimos” que lhe tenham sido feitos».

Após a passagem do Carnaval, o hotel «Quem fica, Paga, Lda.» situado em Faro,
registou uma acentuada quebra na procura dos seus serviços, ficando praticamente sem
hóspedes e só recebendo esporadicamente alguns eventos. Essa quebra era mais ou menos
normal naquela época do ano e depois compensada nos meses seguintes. Porém,
invocando o disposto na Lei n.º 14/90, a administração decidiu, a 1 de março, reduzir até
junho o período de trabalho dos seus funcionários, com a corresponde redução na
retribuição. Além disso, querendo compensar o seu gerente BERNARDO SOARES,
pelos excelentes serviços prestados, mas não desejando desrespeitar o disposto no artigo


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Nos termos do artigo 2286.º do Código Civil «diz-se substituição fideicomissária, ou
fideicomisso, a disposição pela qual o testador impõe ao herdeiro instituído o encargo de
conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem».

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282.º daquela Lei, decidiu, no final desse mês, aumentar de 1.000 para 2.000 Euros o
plafond do cartão de crédito da empresa, que este poderia livremente utilizar – e que,
aliás, esgotava todos os meses.

Tendo em conta apenas os dados fictícios fornecidos, pronuncie-se quanto às


seguintes questões:
1. RICARDO REIS, sócio do Hotel «Quem fica, Paga, Lda»., “emprestou” à
empresa 2.500 Euros. A obrigação de pagamento da quantia emprestada
vencia a 1 de maio de 2090, mas a Administração recusa-se a pagar invocando
o disposto no artigo 282.º do Código do Emprego. RICARDO REIS, por seu
turno, sustenta que o referido preceito apenas proíbe o pagamento de juros,
não do capital “emprestado”. Quid iuris?

2. No dia 1 de abril de 2090, a Administração do «Quem Fica, Paga, Lda.», como


fazia todos os anos por essa altura, doou cerca de 25.000 Euros a instituições
de caridade do concelho de Faro. A Comissão de Trabalhadores considera
porém que tal não seria possível na pendência da medida de redução – pois
que, embora nenhum preceito do Código do Emprego o interdite
expressamente, da articulação do artigo 282.º com outras disposições que
proibiam, designadamente, que uma empresa nessa situação (i) renuncie a
direitos com valor patrimonial ou (ii) se constitua como fiador de obrigações
de terceiros, resultava que tal é proibido. Terá razão?

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