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DIREITO PENAL II

CASOS PRÁTICOS — OMISSÃO(1)

Caso I
O crime de sábado à noite(2)

Uma vez que o café de que é cliente habitual se encontrava encerrado, Sara decide
dirigir-se ao bar The Mill, localizado numa zona isolada dos arredores da cidade.
Enquanto aguardava a chegada do atrasado Rodrigo, amigo de infância, Sara é
abordada por Mateus, Norberto e Osvaldo, clientes do bar. É então que Alberto, dono
do bar, aproveitando o facto de Sara ser a única cliente além dos seus amigos Mateus,
Norberto e Osvaldo, decide fechar o estabelecimento. Na hora seguinte, Sara acaba por
ser vítima de violação por cada um dos presentes.
Imagine que:

a) Rodrigo se havia atrasado devido ao facto de ter perdido o seu telemóvel. Por
essa razão, no momento em que chega ao bar, o mesmo já se encontrava
encerrado. No entanto, conseguiu espreitar por uma janela e perceber o que se
estava a passar;

Num primeiro momento, cumpre analisar a responsabilidade penal de R,


relativamente a S, pela circunstância de não a ter socorrido. Assim, visto que a conduta de R
se traduziu na não diminuição do risco para o bem jurídico, diremos que está em causa uma
omissão.
Tratando-se de uma omissão, cumpre indagar da concreta capacidade de agir do
agente, visto que apenas nesse caso se poderá punir o omitente por não ter realizado o
comportamento devido. A este propósito, FIGUEIREDO DIAS refere-se à incapacidade
corpórea (ou física) de acção, à incapacidade técnica, falta de conhecimentos ou de meios de
auxílio, considerando que se trata de verdadeiras causas de atipicidade da conduta.
Relativamente à situação descrita, revela-se pertinente distinguir a capacidade
individual de agir em função da possível extensão da vinculação do agente, isto é, caso se
trate de uma omissão pura ou impura. Efectivamente, no cenário em que sobre o agente recaia
um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado (artigo 10.º, n.º 2, do
Código Penal), impõe-se concluir que parece existir uma impossibilidade física de agir, já
que Rodrigo se encontra fora do bar, que está fechado, revelando-se muito difícil – admite-
se – aceder ao interior do estabelecimento. Diferentemente, relativamente a uma potencial
violação do dever de auxílio (artigo 200.º do Código Penal – omissão pura), a ponderação
acerca da concreta capacidade de agir deve ser feita noutros termos. De facto, basta apenas
questionar se R teria alguma forma de chamar socorro. De acordo com os dados do
enunciado, R não tinha telemóvel, e o local onde o crime estava a decorrer situava-se numa
“zona isolada dos arredores da cidade”. Assim, por mais que R gritasse, não lograria obter

(1)
Hipóteses da autoria do Dr. Nuno Igreja Matos.
(2)
O propósito deste exercício é discutir a concreta capacidade de agir do agente à luz da omissão pura e impura,
prescindindo-se, para os presentes efeitos, da específica discussão acerca da existência de uma posição de
garante.

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ajuda. Em conclusão, R não teria capacidade de agir, nem em relação impura, nem quanto à
omissão pura.

b) Rodrigo se havia atrasado devido ao facto de ter ficado à entrada do bar a falar
ao telemóvel com a sua ex-namorada. Por essa razão, quando chegou ao bar, o
mesmo já se encontrava encerrado. No entanto, conseguiu espreitar por uma
janela e perceber o que se estava a passar;

Num primeiro momento, cumpre analisar a responsabilidade penal de R,


relativamente a S, pela circunstância de não a ter socorrido. Assim, visto que a conduta de R
se traduziu na não diminuição do risco para o bem jurídico, diremos que está em causa uma
omissão.
Tratando-se de uma omissão, cumpre indagar da concreta capacidade de agir do
agente, visto que apenas nesse caso se poderá punir o omitente por não ter realizado o
comportamento devido. A este propósito, FIGUEIREDO DIAS refere-se à incapacidade
corpórea (ou física) de acção, à incapacidade técnica, falta de conhecimentos ou de meios de
auxílio, considerando que se trata de verdadeiras causas de atipicidade da conduta.
Relativamente à situação descrita, revela-se pertinente distinguir a capacidade
individual de agir em função da possível extensão da vinculação do agente, isto é, caso se
trate de uma omissão pura ou impura. Efectivamente, no cenário em que sobre o agente recaia
um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado (artigo 10.º, n.º 2 do Código
Penal), impõe-se concluir que parece existir uma impossibilidade física de agir, já que
Rodrigo se encontra fora do bar, que está fechado, revelando-se muito difícil – admite-se –
aceder ao interior do estabelecimento. Diferentemente, relativamente a uma potencial
violação do dever de auxílio (artigo 200.º do Código Penal – omissão pura), a ponderação
acerca da concreta capacidade de agir deve ser feita noutros termos. De facto, basta apenas
questionar se R teria alguma forma de chamar socorro. De acordo com os dados do
enunciado, neste cenário R tinha o seu telemóvel, o que lhe permitiria, por exemplo, chamar
a polícia a intervir. Dessa forma, reduziria – em princípio – o perigo para o bem jurídico,
cumprindo o dever de agir imposto pelo artigo 200.º do Código Penal. Em consequência,
entende-se que R teria capacidade de agir face ao dever de auxílio, mas não quanto ao dever
de evitar o resultado.

c) Rodrigo se havia atrasado e no momento em que chega ao bar, o mesmo já se


encontrava encerrado. No entanto, conseguiu espreitar por uma janela e
perceber o que se estava a passar. Após descobrir uma entrada alternativa pela
porta dos fundos, acabou, no entanto, por não socorrer Sara, uma vez que
percebeu que não teria qualquer hipótese de parar Alberto, Mateus, Norberto e
Osvaldo, considerando também as suas musculadas compleições físicas.

Num primeiro momento, cumpre analisar a responsabilidade penal de R,


relativamente a S, pela circunstância de não a ter socorrido. Assim, visto que a conduta de R
se traduziu na não diminuição do risco para o bem jurídico, diremos que está em causa uma
omissão.
Tratando-se de uma omissão, cumpre indagar da concreta capacidade de agir do
agente, visto que apenas nesse caso se poderá punir o omitente por não ter realizado o
comportamento devido. A este propósito, FIGUEIREDO DIAS refere-se à incapacidade
corpórea (ou física) de acção, à incapacidade técnica, falta de conhecimentos ou de meios de
auxílio, considerando que se trata de verdadeiras causas de atipicidade da conduta.

2
Relativamente à situação descrita, revela-se pertinente distinguir a capacidade
individual de agir em função da possível extensão da vinculação do agente, isto é, caso se
trate de uma omissão pura ou impura. Efectivamente, no cenário em que sobre o agente recaia
um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado (artigo 10.º, n.º 2 do Código
Penal), impõe-se concluir, nesta hipótese, que não se constata uma impossibilidade física de
agir. Conforme descreve o enunciado, R conseguiu aceder ao interior do bar, tendo decidido
não intervir em função do manifesto desequilíbrio fáctico que a situação revelava. R estava
sozinho, contra quatro pessoas de “musculadas compleições físicas”, que tinham iniciado a
execução do facto. Isto dito, não nos parece possível equiparar este contexto a uma verdadeira
impossibilidade fáctica de acção, determinante da atipicidade da conduta. Isto é, sendo
indiscutível que não se revelaria exigível que R confrontasse os quatro violadores,
entendemos que esse facto não determina, por si, uma incapacidade individual de acção, que
justificasse não avançar para a eventual determinação de uma posição de garante.
Em coerência, também quanto à omissão pura (artigo 200.º do Código Penal)
concluir-se-ia pela capacidade de agir, já que R poderia sempre recorrer ao telemóvel para
chamar ajuda(3).

Caso II(4)
O serão do fogo

Durante um rigoroso inverno, Anabela decide acender a lareira de sua casa para se
aquecer enquanto se aconchegava no sofá com um livro. Ia já a meio do terceiro capítulo
do romance quando sucumbiu ao cansaço emocional causado pela novela e adormeceu.
Enquanto dorme, o crepitar da lareira provoca uma projecção de uma chama para o
tapete da sala, que imediatamente começa a arder.
Imagine que Bernardo se apercebe da situação e nada faz para evitar que Anabela sofra
queimaduras graves. Suponha agora que Bernardo:

a) É o pai da Anabela

Considerando os dados da hipótese, haverá que determinar a responsabilidade


penal de B, relativamente a A, sua filha, pela circunstância de nada ter feito para evitar
que o incêndio provocasse queimaduras graves na vítima. Encontra-se indiciada a prática
de um crime de ofensa à integridade física (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal).
Para esse efeito, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente
relevante, seja ele activo ou omissivo, que constitua o substrato mínimo da
responsabilidade do agente. A este respeito, resulta inequívoco que B não diminuiu o
risco para a integridade física de A. Consequentemente, de acordo com o critério da
ilicitude típica e imputação objectiva estaremos perante uma omissão.

(3)
Importa reiterar, no seguimento da nota 2, supra, que nestes casos nada se concluiu acerca da eventual
existência de uma posição de garante – na alínea c) – e muito menos se afirmou a punibilidade do agente a
qualquer título. O propósito do enunciado é apenas o de chamar a atenção para o pressuposto prévio das
omissões, a capacidade individual de agir.
O caso suscita ainda o eventual problema da pluralidade de agentes em situação de monopólio, conforme
descreve FIGUEIREDO DIAS, a propósito do caso Kitty Genovese, p. 1109, nota de rodapé n.º 70.
(4)
Sublinhamos, uma vez mais, que as presentes hipóteses se destinam apenas a analisar a questão da omissão
penalmente relevante, e não a afirmar a punibilidade dos agentes. Como é evidente, a conclusão pela efectiva
responsabilidade penal dos agentes dependeria do tratamento de todas as categorias analíticas da teoria geral da
infracção.

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Tratando-se de um comportamento omissivo, urge comprovar se B tinha
capacidade de agir, na situação concreta. Inexistindo indícios em contrário, concluir-se-
á em sentido afirmativo. De seguida, impera averiguar se estará em causa uma omissão
pura ou impura, com o intuito de determinar a extensão da potencial responsabilidade do
agente. Ora, visto que as omissões puras são subsidiárias face às omissões impuras, e que
só será relevante considerar uma omissão imprópria quando se constate a existência de
um dever de garante, comecemos por indagar da existência de tal dever.
Segundo os dados da hipótese, B seria o pai de A, não havendo motivos para
duvidar que estabelecessem uma relação típica de pai e filha, caracterizada pela
proximidade afectiva e dependência emocional própria destes laços. Assim, aplicando a
teoria material-formal das fontes de posição de garante, concluiríamos estar em causa a
função de guarda de um bem jurídico concreto, geradora de deveres de protecção e
assistência, que vincula o agente a remover todos os perigos para o bem jurídico. Em
concreto, tal dever jurídico de evitar o resultado emergiria da própria relação familiar,
que espelha uma posição privilegiada do agente para remover os perigos que ameacem
os bens jurídicos de pessoas que lhe são próximas.
Nessa sequência, assumindo B uma posição de garante face a A, sobre ele recaía
um dever jurídico que pessoalmente o obrigava a evitar o resultado, nos termos do artigo
10.º, n.º 2 do Código Penal. Estamos, por isso, perante uma omissão impura,
reconduzível, em concreto, ao crime de ofensa à integridade física (artigo 143.º, n.º 1, do
Código Penal).

b) Era o baby-sitter contratado pelos pais de Anabela e vem a invocar a nulidade do


contrato de prestação de serviços

Considerando os dados da hipótese, haverá que determinar a responsabilidade


penal de B, relativamente a A, pela circunstância de nada ter feito para evitar que o
incêndio provocasse queimaduras graves na vítima. Encontra-se indiciada a prática de
um crime de ofensa à integridade física (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal).
Para esse efeito, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente
relevante (activo ou omissivo), que constitua o substrato mínimo da responsabilidade do
agente. A este respeito, resulta inequívoco que B não diminuiu o risco para a integridade
física de A. Consequentemente, de acordo com o critério da ilicitude típica e imputação
objectiva estaremos perante uma omissão.
Tratando-se de um comportamento omissivo, urge comprovar se B tinha
capacidade de agir, na situação concreta. Inexistindo indícios em contrário, concluir-se-
á em sentido afirmativo. De seguida, impera averiguar se estará em causa uma omissão
pura ou impura, com o intuito de determinar a extensão da potencial responsabilidade do
agente. Ora, visto que as omissões puras são subsidiárias face às omissões impuras, e que
só será relevante considerar uma omissão imprópria quando se constate a existência de
um dever de garante, comecemos por indagar da existência de tal dever.
De acordo com o descrito, o agente era o baby-sitter de A, que teria celebrado
com os pais da vítima um contrato de prestação de serviços alegadamente nulo. Neste
contexto, afigura-se pertinente recordar a teoria das fontes formais das posições de
garante e constatar a respectiva insuficiência. Com efeito, à luz desta teoria, seriam fontes
de posição de garante a lei, o contrato e a ingerência. Para os presentes efeitos, bastará
concentrarmo-nos na figura do contrato. A este respeito, entendia a teoria formal que a
pessoa que, no exercício da sua autonomia privada, se vinculasse a remover perigos para
um determinado bem jurídico, seria evidentemente responsabilizada pelo incumprimento
de tal obrigação, na estrita medida de tal vinculação. Desse modo – e sobretudo em

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obediência a uma preocupação de segurança jurídica – entendia que, sendo a vinculação
inválida, sê-lo-ia também o dever daí emergente. Equivale isto a afirmar que, in casu,
padecendo o contrato de um vício, B não poderia ser investido no dever emergente de tal
acordo.
Como se compreende, tal argumentação impõe um excessivo formalismo à
realidade dos factos, ignorando que, em concreto, o agente possuía todas as condições
para remover o perigo para o bem jurídico e evitar a lesão. Dito de outro modo, mesmo
aceitando a nulidade do contrato, sempre se dirá que B aceitou tomar conta de A, e
executar o contrato. Com base neste entendimento, a teoria material das fontes de posição
de garante passou a encarar o contrato de forma imaterializada, reconduzindo-o a uma
situação de assunção voluntária de protecção ou guarda de um bem jurídico, assente numa
relação de confiança. Em coerência, diremos que sobre B recaíam deveres de guarda e
assistência da integridade física de A que, juridicamente, o investem numa posição de
garante. Por esse motivo, cumpre aferir da responsabilidade penal de B pela prática de
um crime de ofensa à integridade física por omissão (artigo 143.º, n.º 1 e 10.º, n.º 2, ambos
do Código Penal).

c) A pessoa que inadvertidamente aproximou o tapete da lareira;

Considerando os dados da hipótese, haverá que determinar a responsabilidade


penal de B, relativamente a A, pela circunstância de nada ter feito para evitar que o
incêndio provocasse queimaduras graves na vítima (5). Encontra-se indiciada a prática de
um crime de ofensa à integridade física (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal).
Para esse efeito, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente
relevante (activo ou omissivo), que constitua o substrato mínimo da responsabilidade do
agente. A este respeito, resulta inequívoco que B não diminuiu o risco para a integridade
física de A. Consequentemente, de acordo com o critério da ilicitude típica e imputação
objectiva estaremos perante uma omissão.
Tratando-se de um comportamento omissivo, urge comprovar se B tinha
capacidade de agir, na situação concreta. Inexistindo indícios em contrário, concluir-se-
á em sentido afirmativo. De seguida, impera averiguar se estará em causa uma omissão
pura ou impura, com o intuito de determinar a extensão da potencial responsabilidade do
agente. Ora, visto que as omissões puras são subsidiárias face às omissões impuras, e que
só será relevante considerar uma omissão imprópria quando se constate a existência de
um dever de garante, comecemos por indagar da existência de tal dever.
Atendendo à descrição do enunciado, afigura-se relevante considerar a figura da
ingerência como fonte de posição de garante. Com efeito, ao aproximar o tapete da
lareira, B criou um perigo para o bem jurídico, que o poderá investir no dever de cuidar
que tal risco não venha a actualizar-se num resultado típico. A este propósito, cumpre
recordar que a ingerência consta do elenco das fontes de posição de garante, tanto para a
teoria formal como para a teoria material – correspondendo à função de vigilância de uma
fonte de perigo, geradora de deveres de segurança e controlo – baseando-se na ideia de
que quem cria um perigo para um bem jurídico se encontra numa situação privilegiada
para garantir que esse perigo não se materializa numa lesão de tal bem jurídico.

(5)
É verdade que, nesta alínea, B aproximou o tapete da lareira e tal comportamento activo terá contribuído para
a ocorrência do incêndio. No entanto, uma vez que o objectivo do exercício é analisar o caso à luz da relevância
penal da omissão, assumiremos, para os presentes efeitos, que não seria possível imputar objectivamente a
ofensa à integridade física de A à atitude inicial de B, impondo-se questionar se seria ainda possível efectivar
tal imputação quanto ao comportamento omissivo.

5
Isto dito, consideraremos, no presente contexto, que a actuação inicial de A traduz
um comportamento lícito, porque enquadrável na esfera de risco permitido, não
correspondendo à violação de qualquer norma. Estaremos, por isso, perante um caso de
ingerência lícita. Nestas hipóteses, alguma doutrina entende que não será possível
sustentar que uma atitude tolerada pelo sistema seja apta a gerar um dever jurídico que
pessoalmente obriga o agente a evitar o resultado, sobretudo para efeitos de
responsabilidade criminal. Para quem assim o defenda, B não teria uma posição de
garante relativamente a A, com fundamento da ingerência, e só poderia ser
responsabilizado a título de omissão de auxílio (artigo 200.º, n.º 1 e 2 do Código Penal).
No entanto, MARIA FERNANDA PALMA destaca que, mesmo em casos de
ingerência lícita, poderá verificar-se uma ultrapassagem da esfera de risco própria e de
intervenção, ainda que permitida, na esfera jurídica alheia, que legitima uma assunção de
responsabilidade pelos bens jurídicos do terceiro. Nesse enquadramento, parece-nos que,
a partir do momento em que B se apercebe das potenciais consequências da sua actuação
(lícita), fica investido numa posição privilegiada para evitar a concretização do risco por
si criado, na integridade física de A. Por esse motivo, considera-se que, na presente
hipótese, recaía sobre B um dever jurídico que pessoalmente o obrigava a evitar o
resultado (artigo 10.º, n.º 2 do Código Penal), originado por uma situação de ingerência
lícita. Consequentemente, a responsabilidade de B deveria ser analisada por referência
ao crime de ofensa à integridade física por omissão (artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal).

d) Um sobrinho neto do tio da Anabela;

Considerando os dados da hipótese, haverá que determinar a responsabilidade


penal de B, relativamente a A, pela circunstância de nada ter feito para evitar que o
incêndio provocasse queimaduras graves na vítima. Encontra-se indiciada a prática de
um crime de ofensa à integridade física (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal).
Para esse efeito, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente
relevante, seja ele activo ou omissivo, que constitua o substrato mínimo da
responsabilidade do agente. A este respeito, resulta inequívoco que B não diminuiu o
risco para a integridade física de A. Consequentemente, de acordo com o critério da
ilicitude típica e imputação objectiva estaremos perante uma omissão.
Tratando-se de um comportamento omissivo, urge comprovar se B tinha
capacidade de agir, na situação concreta. Inexistindo indícios em contrário, concluir-se-
á em sentido afirmativo. De seguida, impera averiguar se estará em causa uma omissão
pura ou impura, com o intuito de determinar a extensão da potencial responsabilidade do
agente. Ora, visto que as omissões puras são subsidiárias face às omissões impuras, e que
só será relevante considerar uma omissão imprópria quando se constate a existência de
um dever de garante, comecemos por indagar da existência de tal dever.
Atendendo ao descrito na hipótese, B estabelecia uma relação de parentesco
afastado com A, surgindo como o sobrinho neto do tio da vítima. Conforme sabemos, a
teoria material indica como fonte de posição de garante as relações familiares ou
análogas, considerando-as geradoras de deveres de protecção e assistência. No entanto,
cumpre precisar, neste contexto, que a mera verificação de uma relação de parentesco
não se assume como substrato bastante para fundar um dever de garante na esfera jurídica
do omitente. Com efeito, exige-se que tal vínculo formal conheça correspondência numa
relação material de proximidade e dependência, que permita sustentar que a protecção
dos bens jurídicos dos intervenientes nessa mesma relação corresponde ainda ao
conteúdo do vínculo estabelecido. Em coerência, haverá que esclarecer que o facto de B
ser um parente afastado B não viabiliza a conclusão de que B teria o dever de evitar a

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lesão da integridade física de A, com base nessa relação familiar(6). Isto dito, haveria que
testar a possibilidade de enquadrar a omissão de B no artigo 200.º, n.º 1 do Código Penal,
que estabelece a punição pela violação de um dever de acção.

e) O segurança contratado para fiscalizar o condomínio;

Considerando os dados da hipótese, haverá que determinar a responsabilidade


penal de B, relativamente a A, pela circunstância de nada ter feito para evitar que o
incêndio provocasse queimaduras graves na vítima. Encontra-se indiciada a prática de
um crime de ofensa à integridade física (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal).
Para esse efeito, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente
relevante (activo ou omissivo), que constitua o substrato mínimo da responsabilidade do
agente. A este respeito, resulta inequívoco que B não diminuiu o risco para a integridade
física de A. Consequentemente, de acordo com o critério da ilicitude típica e imputação
objectiva estaremos perante uma omissão.
Tratando-se de um comportamento omissivo, urge comprovar se B tinha
capacidade de agir, na situação concreta. Inexistindo indícios em contrário, poderá
entender-se que B não se encontrava numa situação de absoluta incapacidade de agir, isto
é, sempre se diria que B podia, pelo menos, chamar ajuda no sentido de evitar a
propagação do incêndio. No entanto, no que se refere à concreta capacidade de agir no
sentido de evitar o resultado danoso para a esfera jurídica de A, tal conclusão não se
afigura tão evidente. Isto porque poder-se-ia verificar, por exemplo, uma impossibilidade
total de acesso ao apartamento, até em consequência do incêndio. Nesse cenário,
impunha-se afirmar que B não detinha, em concreto, possibilidade de agir no que respeita
à produção do resultado típico, restando apenas avaliar a respetiva responsabilidade penal
no âmbito do artigo 200.º do Código Penal. Porém, não parece ser esse o cenário descrito
no texto, assumindo-se por isso que B conseguiria entrar no apartamento de A, revelando
capacidade de agir também quanto à eventual omissão impura.
Aqui chegados, impera averiguar se estará em causa uma omissão pura ou impura,
com o intuito de determinar a extensão da potencial responsabilidade do agente. Ora,
visto que as omissões puras são subsidiárias face às omissões impuras, e que só será
relevante considerar uma omissão imprópria quando se constate a existência de um dever
de garante, comecemos por indagar da existência de tal dever.
Aludindo ao descrito, sendo B um segurança contratado para zelar pela segurança
do condomínio, poder-se-ia discutir se um eventual dever de garante face aos condóminos
emergiria do próprio contrato de prestação de serviços celebrado. Efectivamente, o
contrato enquanto fonte de posição de garante constitui ainda um elemento de ponderação
relevante para a teoria material, traduzindo a assunção fáctica de uma função de protecção
materialmente baseada numa relação de confiança. A este respeito, cumpre assinalar a
precisão expressa por FIGUEIREDO DIAS, ao destacar que, relativamente a autoridades e
funcionários, a conclusão pela existência de um dever de garante só será legítima quando
se demonstre que o concreto bem jurídico ameaçado lhe está confiado de forma imediata,
a tal ponto que a respectiva incolumidade dependa, em situações de directa necessidade,
da ação daqueles.
Perante estas considerações, impera determinar se as funções assumidas por B,
ao abrigo do contrato celebrado com o condomínio, permitem afirmar que este se
vinculou a evitar acidentes dentro das casas dos condóminos, às quais nem teria que ter

(6)
Se o enunciado incluísse elementos que justificassem tal análise, poder-se-ia avaliar a existência de um dever
de garante com base num outro fundamento, por exemplo, monopólio dos meios de salvamento. No entanto, o
caso não parece apontar nesse sentido, pelo que, nesta sede, prescindimos de tal aferição.

7
acesso para o cumprimento da respetiva obrigação. De facto, se pretendemos identificar
tal contrato, ainda que de forma substantiva, como fonte de um eventual dever jurídico
que pessoalmente obriga o agente, haverá que comprovar que tal vinculação permite essa
extensão. Tanto quanto nos parece, o objeto imediato desse acordo não incluiria as
funções de controlo de acidentes dentro das habitações particulares. Desde logo, porque
as funções típicas de um segurança assentam sobretudo na vigilância do edifício como
um todo, e não relativamente a cada uma das fracções. Para além disso, recorrendo à
construção de FIGUEIREDO DIAS, não é certo que B, enquanto segurança, tivesse o tal
domínio imediato do bem jurídico, que lhe permitisse remover, com sucesso, os riscos de
lesão. Neste sentido, consideramos que não seria possível afirmar que B detinha uma
posição de garante face a A, com base na circunstância de desempenhar funções de
segurança do condomínio onde a vítima habitava. Do nosso ponto de vista, tal vinculação
revela-se excessiva, onerando o agente de forma desproporcional. Por esse motivo,
cumpriria aferir da responsabilidade de B à luz do disposto no artigo 200.º do Código
Penal, relativo à omissão de auxílio(7).

f) Um agente da Polícia de Segurança Pública;

Tendo em conta os elementos do enunciado, haverá que determinar a


responsabilidade penal de B, relativamente a A, pela circunstância de nada ter feito para
evitar que o incêndio provocasse queimaduras graves na vítima. Encontra-se indiciada a
prática de um crime de ofensa à integridade física (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal).
Para esse efeito, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente
relevante (activo ou omissivo), que constitua o substrato mínimo da responsabilidade do
agente. A este respeito, resulta inequívoco que B não diminuiu o risco para a integridade
física de A. Consequentemente, de acordo com o critério da ilicitude típica e imputação
objectiva estaremos perante uma omissão.
Tratando-se de um comportamento omissivo, urge comprovar se B tinha
capacidade de agir, na situação concreta. Inexistindo indícios em contrário, poderá
entender-se que B não se encontrava numa situação de absoluta incapacidade de agir, isto
é, sempre se diria que B podia, pelo menos, chamar ajuda no sentido de evitar a
propagação do incêndio. No entanto, no que se refere à concreta capacidade de agir no
sentido de evitar o resultado danoso para a esfera jurídica de A, tal conclusão não se
afigura tão evidente. Isto porque poder-se-ia verificar, por exemplo, uma impossibilidade
total de acesso ao apartamento, até em consequência do incêndio. Nesse cenário,
impunha-se afirmar que B não detinha, em concreto, possibilidade de agir no que respeita
à produção do resultado típico, restando apenas avaliar a respetiva responsabilidade penal
no âmbito do artigo 200.º do Código Penal. Porém, não parece ser esse o cenário descrito
no texto, assumindo-se por isso que B conseguiria entrar no apartamento de A, revelando
capacidade de agir também quanto à eventual omissão impura.
Aqui chegados, impera averiguar se estará em causa uma omissão pura ou impura,
com o intuito de determinar a extensão da potencial responsabilidade do agente. Ora,
visto que as omissões puras são subsidiárias face às omissões impuras, e que só será
relevante considerar uma omissão imprópria quando se constate a existência de um dever
de garante, comecemos por indagar da existência de tal dever.
Considerando o descrito, comprovamos que B surge como um agente da
autoridade que se apercebe de um incêndio em casa de A. Deste modo, cumpre recordar
a teoria material das fontes de posição de garante, em concreto no que se refere à função
de guarda de um bem jurídico. Neste cenário, releva aludir aos casos de assunção

(7)
Conferir nota 6, supra.

8
voluntária, assente numa relação de confiança e, em especial, à função desempenhada
pelas autoridades na protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Como sugere FIGUEIREDO
DIAS, as questões relacionadas com autoridades e funcionários inserem-se neste âmbito,
já que o desempenho de determinadas profissões – como a de agente da PSP, por exemplo
– supõe a assunção de um dever genérico de protecção dos cidadãos, no uso das
competências legalmente atribuídas. Consequentemente, surgindo B como um agente das
forças de segurança, e tendo tido conhecimento da ocorrência do incêndio em casa de A,
diremos que sobre ele recaía um dever jurídico que pessoalmente o obrigava a evitar o
resultado. Deste modo, estaria em causa a eventual prática de um crime de ofensa à
integridade física por omissão (artigo 143.º, n.º 1 e 10.º, n.º 2, ambos do Código Penal).

g) Um estranho que passeia perto do local;

Aludindo aos elementos do enunciado, haverá que determinar a responsabilidade


penal de B, relativamente a A, pela circunstância de nada ter feito para evitar que o
incêndio provocasse queimaduras graves na vítima. Encontra-se indiciada a prática de
um crime de ofensa à integridade física (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal).
Para esse efeito, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente
relevante (activo ou omissivo), que constitua o substrato mínimo da responsabilidade do
agente. A este respeito, resulta inequívoco que B não diminuiu o risco para a integridade
física de A. Consequentemente, de acordo com o critério da ilicitude típica e imputação
objectiva estaremos perante uma omissão.
Tratando-se de um comportamento omissivo, urge comprovar se B tinha
capacidade de agir, na situação concreta. Inexistindo indícios em contrário, poderá
entender-se que B não se encontrava numa situação de absoluta incapacidade de agir, isto
é, sempre se diria que B podia, pelo menos, chamar ajuda no sentido de evitar a
propagação do incêndio. No entanto, no que se refere à concreta capacidade de agir no
sentido de evitar o resultado danoso para a esfera jurídica de A, tal conclusão não se
afigura tão evidente. Isto porque poder-se-ia verificar, por exemplo, uma impossibilidade
total de acesso ao apartamento, até em consequência do incêndio. Nesse cenário,
impunha-se afirmar que B não detinha, em concreto, possibilidade de agir no que respeita
à produção do resultado típico, restando apenas avaliar a respetiva responsabilidade penal
no âmbito do artigo 200.º do Código Penal. Porém, não parece ser esse o cenário descrito
no texto, assumindo-se por isso que B conseguiria entrar no apartamento de A, revelando
capacidade de agir também quanto à eventual omissão impura.
Aqui chegados, impera averiguar se estará em causa uma omissão pura ou impura,
com o intuito de determinar a extensão da potencial responsabilidade do agente. Ora,
visto que as omissões puras são subsidiárias face às omissões impuras, e que só será
relevante considerar uma omissão imprópria quando se constate a existência de um dever
de garante, comecemos por indagar da existência de tal dever.
Partindo do cenário descrito, a afirmação de uma eventual posição de garante só
poderia advir da figura do monopólio. De forma breve, estabeleceremos que o monopólio
se caracteriza pelo facto de, numa dada situação, o agente se encontrar numa posição de
domínio fáctico absoluto da fonte de perigo, isto é, numa posição, face ao bem jurídico
ameaçado, capaz de remover o perigo prestes a concretizar-se. Por esse motivo,
FIGUEIREDO DIAS inclui o monopólio nos casos de domínio de uma fonte de perigo,
acrescentando, contudo, que só em algumas hipóteses surgirá o monopólio como fonte
de posição de garante. Segundo tal orientação, seria indispensável que se verificasse um
efectivo domínio fáctico absoluto da fonte de perigo – o que implica que, no momento
em que o perigo se manifesta, o agente tivesse capacidade e meios para o afastar; esse
perigo teria que ser agudo e iminente para o bem jurídico em causa – significando tal
9
afirmação que o perigo deverá ser actual e assumir dimensões consideráveis, não se
podendo tratar apenas de um perigo eventual; para além disso, o agente deve poder levar
a cabo uma acção de salvamento sem ter que incorrer numa situação danosa para si
mesmo – o que requer uma análise de proporcionalidade entre o bem jurídico em perigo
e o esforço exigido para o competente salvamento.
Olhando à situação em estudo, diremos que o perigo que se concretizou no
resultado era iminente e gravoso, subsistindo todavia dúvidas acerca do risco associado
à acção de salvamento a empreender. De facto, dependendo da extensão do incêndio, da
concreta localização do apartamento de A e da própria estrutura do edifício, poderia
verificar-se que B não conseguiria salvar A sem colocar em perigo a sua integridade
física. Sendo esse o caso, o último pressuposto anteriormente referenciado não se acharia
preenchido, o que impediria a afirmação de uma posição de garante, para efeitos do artigo
10.º, n.º 2 do Código Penal. Nessa hipótese, cumpriria indagar da verificação do tipo de
crime previsto no artigo 200.º do Código Penal. Num cenário distinto, em que se
demonstrasse o cumprimento do referido requisito – isto é, que a acção salvadora não
implicava um perigo para o agente – , a situação de monopólio manifestar-se-ia como
fonte de posição de garante, o que implicaria que a responsabilidade penal de B
pudesseser analisada à luz do crime de ofensa à integridade física por omissão, nos termos
dos artigos 143.º, n.º 1 e 10.º, n.º 2, ambos do Código Penal.
No entanto, releva olhar a uma outra orientação doutrinária respeitante à
configuração das fontes de posição de garante, em geral, mas que assume especial
pertinência nos casos de monopólio. Para MARIA FERNANDA PALMA, afirmam-se
princípios unificadores das posições de garante, que nos permitiriam compreender o
fundamento de tais deveres, e que se devem verificar em todas as situações em que se
conclua que o omitente detinha uma posição de garante sobre a vítima. Desde logo,
importa que se observe um equilíbrio entre uma ideia de presunção legítima da aceitação
da responsabilidade pela protecção de bens jurídicos – que fundaria os chamados deveres
de protecção – e a responsabilidade inerente à função de conformação do mundo
(JAKOBS) – que fundaria os deveres de vigilância e legitimaria a punibilidade das
situações de ingerência. Assim, esta ideia de JAKOBS corresponderia aos âmbitos que se
inserem na esfera de organização, liberdade de conformação e competência (geral) do
agente, pelos quais ele deverá ser responsável. Todavia, uma restrição se impõe quando
estes deveres de protecção decorrem de uma competência ou responsabilidade
específicas.
Consequentemente, a legítima atribuição desta aceitação residiria na
determinação da auto-vinculação do agente, implícita na relação social. Neste sentido,
nos casos de monopólio não se poderá ficcionar, sem mais, uma qualquer aceitação ou
auto-vinculação do agente, sobretudo nas hipóteses de monopólio acidental. Impõe-se
demonstrar, com recurso aos dados disponíveis, que ao decidir tomar parte naquela
concreta relação social, o agente assumiu, ainda que implicitamente, a responsabilidade
pela protecção do bem jurídico. Especificando, importa perguntar se será justificado
entender que, ao ir passear naquela zona, B aceitou implicitamente a responsabilidade de
evitar a morte de terceiros que corressem perigo, vinculando-se a tal dever. Como se
compreende, tal conclusão afigura-se excessiva, desde já porque B era um estranho que,
por acidente, se encontrava no local. Por este motivo, dir-se-á que para MARIA FERNANDA
PALMA não haveria uma posição de garante e, como tal, B só poderia ser punido por
omissão de auxílio, nos termos do artigo 200.º do Código Penal.

h) Um estranho que passeia perto do local e que se apercebe que Anabela está sozinha
em casa e que não há mais ninguém em redor.

10
Aludindo aos elementos do enunciado, haverá que determinar a responsabilidade
penal de B, relativamente a A, pela circunstância de nada ter feito para evitar que o
incêndio provocasse queimaduras graves na vítima. Encontra-se indiciada a prática de
um crime de ofensa à integridade física (artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal).
Para esse efeito, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente
relevante (activo ou omissivo), que constitua o substrato mínimo da responsabilidade do
agente. A este respeito, resulta inequívoco que B não diminuiu o risco para a integridade
física de A. Consequentemente, de acordo com o critério da ilicitude típica e imputação
objectiva estaremos perante uma omissão.
Tratando-se de um comportamento omissivo, urge comprovar se B tinha
capacidade de agir, na situação concreta. Inexistindo indícios em contrário, poderá
entender-se que B não se encontrava numa situação de absoluta incapacidade de agir, isto
é, sempre se diria que B podia, pelo menos, chamar ajuda no sentido de evitar a
propagação do incêndio. No entanto, no que se refere à concreta capacidade de agir no
sentido de evitar o resultado danoso para a esfera jurídica de A, tal conclusão não se
afigura tão evidente. Isto porque poder-se-ia verificar, por exemplo, uma impossibilidade
total de acesso ao apartamento, até em consequência do incêndio. Nesse cenário,
impunha-se afirmar que B não detinha, em concreto, possibilidade de agir no que respeita
à produção do resultado típico, restando apenas avaliar a respetiva responsabilidade penal
no âmbito do artigo 200.º do Código Penal. Porém, não parece ser esse o cenário descrito
no texto, assumindo-se por isso que B conseguiria entrar no apartamento de A, revelando
capacidade de agir também quanto à eventual omissão impura.
Aqui chegados, impera averiguar se estará em causa uma omissão pura ou impura,
com o intuito de determinar a extensão da potencial responsabilidade do agente. Ora,
visto que as omissões puras são subsidiárias face às omissões impuras, e que só será
relevante considerar uma omissão imprópria quando se constate a existência de um dever
de garante, comecemos por indagar da existência de tal dever.
Partindo do cenário descrito, a afirmação de uma eventual posição de garante só
poderia advir da figura do monopólio. De forma breve, estabeleceremos que o monopólio
se caracteriza pelo facto de, numa dada situação, o agente se encontrar numa posição de
domínio fáctico absoluto da fonte de perigo, isto é, numa posição, face ao bem jurídico
ameaçado, capaz de remover o perigo prestes a concretizar-se. Por esse motivo,
FIGUEIREDO DIAS inclui o monopólio nos casos de domínio de uma fonte de perigo,
acrescentando, contudo, que só em algumas hipóteses surgirá o monopólio como fonte
de posição de garante. Segundo tal orientação, seria indispensável que se verificasse um
efectivo domínio fáctico absoluto da fonte de perigo – o que implica que, no momento
em que o perigo se manifesta, o agente tivesse capacidade e meios para o afastar; esse
perigo teria que ser agudo e iminente para o bem jurídico em causa – significando tal
afirmação que o perigo deverá ser actual e assumir dimensões consideráveis, não se
podendo tratar apenas de um perigo eventual; para além disso, o agente deve poder levar
a cabo uma acção de salvamento sem ter que incorrer numa situação danosa para si
mesmo – o que requer uma análise de proporcionalidade entre o bem jurídico em perigo
e o esforço exigido para o competente salvamento.
Olhando à situação em estudo, diremos que não só o enquadramento objectivo
dos casos de monopólio se encontra satisfeito, como o agente tem a consciência de que é
o único capaz de remover o perigo que ameaça o bem jurídico. Neste contexto, importa
recordar que a afirmação de uma posição de garante equivale à imposição não só de um
dever de agir, mas de uma obrigação de evitar o resultado típico, susceptível de gerar
responsabilidade penal. No caso, questiona-se se B teria a obrigação de impedir a lesão
da integridade física de A. Tanto quanto nos parece, a circunstância de o agente saber
que surge como a única pessoa capaz de garantir a protecção do bem jurídico assumirá
11
relevância em sede de tipicidade subjectiva, podendo também interferir no concreto juízo
de culpa. Efectivamente, num cenário em que o agente constata que a subsistência do
bem jurídico se encontra totalmente dependente da sua acção, mais facilmente se
comprovará uma eventual conformação com a produção do resultado típico. No entanto,
entendemos que tal conhecimento não deverá influir na aferição da existência de uma
posição de garante, que se pretende um juízo sobretudo objectivo. Assim, considera-se
irrelevante, para os presentes efeitos, que o agente soubesse que se encontrava numa
posição de exclusividade, no que respeita à possibilidade de remoção de perigo para o
bem jurídico.
Isto dito, consideraremos que o perigo que se concretizou no resultado era, com
efeito, iminente e gravoso, subsistindo todavia dúvidas acerca do risco associado à acção
de salvamento a empreender. De facto, dependendo da extensão do incêndio, da concreta
localização do apartamento de A e da própria estrutura do edifício, poderia verificar-se
que B não conseguiria salvar A sem colocar em perigo a sua integridade física. Sendo
esse o caso, o último pressuposto referenciado por FIGUEIREDO DIAS não se acharia
preenchido, o que impediria a afirmação de uma posição de garante, para efeitos do artigo
10.º, n.º 2 do Código Penal. Nessa hipótese, cumpriria indagar da verificação do tipo de
crime previsto no artigo 200.º do Código Penal. Num cenário distinto, em que se
demonstrasse o cumprimento do referido requisito, a situação de monopólio manifestar-
se-ia como fonte de posição de garante, o que implicaria que a responsabilidade penal de
B pudesse ser analisada à luz do crime de ofensa à integridade física por omissão, nos
termos dos artigos 143.º, n.º 1 e 10.º, n.º 2, ambos do Código Penal.
No entanto, releva olhar a uma outra orientação doutrinária respeitante à
configuração das fontes de posição de garante, que assume especial pertinência nos casos
de monopólio. Para MARIA FERNANDA PALMA, observam-se princípios unificadores das
posições de garante, que nos permitiriam compreender o fundamento de tais deveres, e
que se devem verificar em todas as situações em que se conclua que o omitente detinha
uma posição de garante sobre a vítima. Desde logo, importa que se observe um equilíbrio
entre uma ideia de presunção legítima da aceitação da responsabilidade pela protecção
de bens jurídicos – que fundaria os chamados deveres de protecção – e a responsabilidade
inerente à função de conformação do mundo (JAKOBS) – que fundaria os deveres de
vigilância e legitimaria a punibilidade das situações de ingerência. Assim, esta ideia de
JAKOBS corresponderia aos âmbitos que se inserem na esfera de organização, liberdade
de conformação e competência (geral) do agente, pelos quais ele deverá ser responsável.
Todavia, uma restrição se impõe quando estes deveres de protecção decorrem de uma
competência ou responsabilidade específicas.
Consequentemente, a legítima atribuição desta aceitação residiria na
determinação da auto-vinculação do agente, implícita na relação social, sendo que esta
auto-vinculação depende não só da relação social prévia reconhecida pelos intervenientes
e por terceiros, mas também da própria condicionalidade associada ao desempenho de
uma actividade (reconhecimento, aceitação implícita e condicionalidade). Neste sentido,
nos casos de monopólio não se poderá ficcionar, sem mais, uma qualquer aceitação ou
auto-vinculação do agente, sobretudo nas hipóteses de monopólio acidental. Impõe-se
demonstrar, com recurso aos dados disponíveis, que ao decidir tomar parte naquela
concreta relação social, o agente assumiu, ainda que implicitamente, a responsabilidade
pela protecção do bem jurídico.
Nestes termos, afigura-se igualmente irrelevante para este juízo de auto-
vinculação o elemento relativo ao conhecimento do agente quanto à situação
“privilegiada” em que se encontra. Em rigor, importa perguntar se será legítimo defender
que, ao ir passear naquela zona, B aceitou implicitamente a responsabilidade de evitar a
morte de terceiros que corressem perigo, vinculando-se a tal dever. Como se compreende,
12
tal conclusão afigura-se excessiva, desde já porque B era um estranho que, por acidente,
se encontrava no local. Por este motivo, dir-se-á que para MARIA FERNANDA PALMA não
haveria uma posição de garante e, como tal, B só poderia ser punido por omissão de
auxílio, nos termos do artigo 200.º do Código Penal.

Caso III
Fumar mata

Imagine que, na sequência de um incêndio que fez arder um prédio no centro da cidade e
que causou dois mortos, José presta as seguintes declarações à Polícia:

“Last night I went out for a few drinks and at closing time I went back to the house. I went
upstairs into the back bedroom where I've been sleeping. I lay on my mattress and lit a
cigarette. I must have fell to sleep because I woke up to find the mattress on fire. I just got up
and went into the next room and went back to sleep. Then the next thing I remember was the
police and fire people arriving. I hadn't got anything to put the fire out with so I just left it”(8).

Considerando os dados da hipótese, haverá que determinar a responsabilidade penal de


José, relativamente às vítimas dos crimes de homicídio, pela circunstância de nada ter feito para
evitar que o incêndio alastrasse pelo prédio e provocasse a morte destes dois moradores(9).
Encontra-se indiciada a prática de um crime de homicídio (artigo 131.º, n.º 1, do Código Penal).
Neste contexto, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente relevante
(activo ou omissivo), que constitua o substrato mínimo da responsabilidade do agente. A este
respeito, resulta inequívoco que José não diminuiu o risco para vida dos moradores, quando
acordou e se apercebeu que tinha provocado um incêndio. Consequentemente, de acordo com o
critério da ilicitude típica e imputação objectiva estaremos perante uma omissão.
Tratando-se de um comportamento omissivo, urge comprovar se José tinha capacidade
de agir, na situação concreta. Apesar de o enunciado indicar que José tinha estado a ingerir
bebidas alcoólicas durante a noite, os dados do caso não permitem concluir que se encontrasse
numa situação de incapacidade de agir, por este motivo. Com efeito, já teria decorrido algum
tempo desde a ingestão destas bebidas, José já teria descansado e, nos termos sugeridos, teria tido
consciência do perigo da situação. Deste modo, entendemos que José manifestava capacidade de
agir.
De seguida, impera averiguar se estará em causa uma omissão pura ou impura, com o
intuito de determinar a extensão da potencial responsabilidade do agente. Ora, visto que as
omissões puras são subsidiárias face às omissões impuras, e que só será relevante considerar uma
omissão imprópria quando se constate a existência de um dever de garante, comecemos por
indagar da existência de tal dever.
Atendendo à configuração da hipótese, entende-se relevante considerar a figura da
ingerência como fonte de posição de garante. Com efeito, ao provocar o incêndio, José criou um
perigo para o bem jurídico, que o poderá investir no dever de cuidar que tal risco não venha a
actualizar-se num resultado típico. A este propósito, cumpre recordar que a ingerência consta do

(8)
Caso Regina v. Miller, de 17.03.1982, julgado no House of Lords.
(9)
É verdade que, nesta hipótese, a responsabilidade penal de José poderia ser aferida, num primeiro momento,
por referência ao crime de incêndio (artigo 272.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal), surgindo nesse caso como
uma conduta activa. Todavia, uma vez que o objectivo do exercício é analisar a situação à luz da relevância
penal da omissão, concentraremos a análise na verificação do tipo de homicídio (artigo 131.º do Código Penal),
tendo em conta as duas mortes que ocorreram.

13
elenco das fontes de posição de garante, tanto para a teoria formal como para a teoria material –
correspondendo à função de vigilância de uma fonte de perigo, geradora de deveres de segurança
e controlo – baseando-se na ideia de que quem cria um perigo para um bem jurídico se encontra
numa situação privilegiada para garantir que esse perigo não se materializa numa lesão.
Isto dito, consideraremos, no presente contexto, que a actuação inicial de José traduz um
comportamento ilícito, reconduzível à criação de um risco proibido. Estaremos, por isso, perante
um caso de ingerência ilícita. Nestes casos, a maioria da doutrina entende que, em consequência
da sua atitude inicial, recaía sobre José um dever jurídico que pessoalmente o obrigava a evitar o
resultado (artigo 10.º, n.º 2 do Código Penal). Consequentemente, a responsabilidade do agente
deveria ser analisada por referência ao crime de homicídio por omissão (artigo 131.º, n.º 1 do
Código Penal).

Caso IV
Pico letal

Carlos e Daniel, amigos de curta data, combinaram ir praticar montanhismo para a


Montanha do Pico. Antes de iniciarem uma escalada livre, Carlos inalou uma dose
considerável de cocaína; por isso, ficou num estado extremo de entusiasmo e começou a
escalada em grande velocidade, apesar dos protestos de Daniel, que não conseguia
acompanhá-lo. A dado momento, Daniel deu um passo em falso, perdeu o equilíbrio e caiu
numa ravina, sofrendo, em consequência, ferimentos graves que lhe provocaram uma
intensa hemorragia. Carlos, que já ia bastante mais acima, apercebeu-se da queda de Daniel
mas, no seu estado de euforia, decidiu prosseguir a escalada e acudir o companheiro apenas
quando descesse. Quando, no regresso, se aproximou de Daniel, era já tarde demais: Daniel
morrera em consequência da hemorragia. Pode Carlos ser responsabilizado penalmente?
Por que crime?

Hipótese igual ao caso “Montanhismo na Arrábida”, já resolvido e remetido.

Caso V
Corda bamba

Paulo, pescador, encontrava-se no seu bote em alto mar quando se apercebeu que um corpo
chapinhava acima das ondas do Atlântico. À medida que se foi aproximando, Paulo ouviu
os gritos de socorro de Quitério, que estava prestes a afogar-se. Instantaneamente, atirou
uma corda na direcção do aflito. No entanto, quando estava já bastante próximo de
Quitério, conseguiu visualizar que o mesmo trajava uma camisola do Vitória de Guimarães
— clube que Paulo desprezava veementemente —, pelo que imediatamente recolheu a
corda.
Imagine que:

a) Quando Paulo recolhe a corda, Quitério já se havia agarrado à mesma;


Atendendo ao cenário descrito, haverá que analisar a responsabilidade penal de
Paulo, relativamente a Quitério, pela circunstância de não ter levado a cabo a acção salvadora
que permitiria remover o perigo para a vida da vítima. Nesse sentido, e para os presentes
efeitos, entenderemos que estará indiciada a prática de um crime de homicídio (artigo 131.º
do Código Penal), admitindo-se que Quitério veio a falecer.

14
Em primeiro lugar, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente
relevante (activo ou omissivo), que constitua o substrato mínimo da responsabilidade
penal do agente. A este respeito, destaca-se desde logo o carácter misto da actuação de
Paulo que, apesar de ter dado início à acção salvadora – atirando a corda na direcção de
Quitério – acabou por interromper tal processo – quando recolhe a mesma corda.
Conforme se intui, impõe-se determinar o sentido global da actuação de Paulo, aferindo
se o respectivo comportamento assume, de um ponto de vista normativo, características
de acção ou omissão.
Com esse intuito, impera aludir à construção desenvolvida por ROXIN,
concretamente aos casos de interrupção de um processo salvador desencadeado pelo
próprio. Segundo este autor, “se a vítima já agarrou a corda salvadora (…), a acção de
arrancá-la (…) deve encarar-se, respectivamente, caso acarrete a morte, como crime de
homicídio (…) pois nesse momento a pessoa que deve ser salva tinha alcançado uma
posição na qual podia prosseguir valendo-se de si própria, e destruí-la pesa mais do que
a mera inactividade”(10). Assim, quando o processo salvador tenha já atingido a esfera
jurídica da vítima, a actuação subsequente de impedir a concretização do salvamento
deverá ser encarada como uma conduta activa. Com efeito, nesses cenários o agente
acaba por aumentar o perigo para o bem jurídico que estava prestes a ser salvo.
Aplicando este entendimento ao presente caso, diremos que, uma vez que
Quitério tinha já agarrado a corda, a conduta de Paulo deverá ser qualificada como um
comportamento activo. Nestes termos, a sua eventual responsabilidade penal seria aferida
com base no crime de homicídio (artigo 131.º do Código Penal).

b) Quando Paulo recolhe a corda, Quitério ainda não se havia aproximado


suficientemente para alcançar a mesma;
Atendendo ao cenário descrito, haverá que analisar a responsabilidade penal de
Paulo, relativamente a Quitério, pela circunstância de não ter levado a cabo a acção salvadora
que permitiria remover o perigo para a vida da vítima. Nesse sentido, e para os presentes
efeitos, entenderemos que estará indiciada a prática de um crime de homicídio (artigo 131.º
do Código Penal), admitindo-se que Quitério veio a falecer.
Em primeiro lugar, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente
relevante (activo ou omissivo), que constitua o substrato mínimo da responsabilidade
penal do agente. A este respeito, destaca-se desde logo o carácter misto da actuação de
Paulo que, apesar de ter dado início à acção salvadora – atirando a corda na direcção de
Quitério – acabou por interromper tal processo – quando recolhe a mesma corda.
Conforme se intui, impõe-se determinar o sentido global da actuação de Paulo, aferindo
se o respectivo comportamento assume, de um ponto de vista normativo, características
de acção ou omissão.
Com esse intuito, cumpre aludir à construção desenvolvida por ROXIN,
concretamente aos casos de interrupção de um processo salvador desencadeado pelo
próprio. De acordo com este autor, quando o processo salvador tenha já atingido a esfera
jurídica da vítima, a actuação subsequente de impedir a concretização do salvamento
deverá ser encarada como uma conduta activa. Com efeito, nesses cenários o agente
acaba por aumentar o perigo para o bem jurídico que estava prestes a ser salvo. Ao invés,
quando a acção salvadora inicial ainda não tenha diminuído, efectivamente, o perigo, e o
agente a interrompe, entende-se que nunca se chegou a observar uma alteração nas

ROXIN, Claus (2004): “Do limite entre comissão e omissão”, Problemas Fundamentais de Direito Penal.
(10)

Vega, 176.

15
condições de subsistência do bem jurídico, qualificando-se a actuação do agente como
uma omissão.
Aplicando este entendimento ao presente caso, diremos que, uma vez que
Quitério ainda não se tinha aproximado suficientemente da corda, a conduta de Paulo
deverá ser qualificada como um comportamento omissivo. Nestes termos, a sua eventual
responsabilidade penal seria aferida com base no crime de homicídio (artigo 131.º do
Código Penal).
Tratando-se de um comportamento omissivo, urge comprovar se Paulo tinha
capacidade de agir, na situação concreta. Inexistindo indícios em contrário, poderá
entender-se que Paulo não se encontrava numa situação de incapacidade de agir,
sobretudo considerando que estava num barco e tinha ao seu alcance uma corda. Aqui
chegados, impera averiguar se estará em causa uma omissão pura ou impura, com o
intuito de determinar a extensão da potencial responsabilidade do agente. Ora, visto que
as omissões puras são subsidiárias face às omissões impuras, e que só será relevante
considerar uma omissão imprópria quando se constate a existência de um dever de
garante, comecemos por indagar da existência de tal dever.
Partindo do cenário descrito, a afirmação de uma eventual posição de garante só
poderia advir da figura do monopólio. De forma breve, estabeleceremos que o monopólio
se caracteriza pelo facto de, numa dada situação, o agente se encontrar numa posição de
domínio fáctico absoluto da fonte de perigo, isto é, numa posição, face ao bem jurídico
ameaçado, capaz de remover o perigo prestes a concretizar-se. Por esse motivo,
FIGUEIREDO DIAS inclui o monopólio nos casos de domínio de uma fonte de perigo,
acrescentando, contudo, que só em algumas hipóteses surgirá o monopólio como fonte
de posição de garante. Segundo tal orientação, seria indispensável que se verificasse um
efectivo domínio fáctico absoluto da fonte de perigo – o que implica que, no momento
em que o perigo se manifesta, o agente tivesse capacidade e meios para o afastar; esse
perigo teria que ser agudo e iminente para o bem jurídico em causa – significando tal
afirmação que o perigo deverá ser actual e assumir dimensões consideráveis, não se
podendo tratar apenas de um perigo eventual; para além disso, o agente deve poder levar
a cabo uma acção de salvamento sem ter que incorrer numa situação danosa para si
mesmo – o que requer uma análise de proporcionalidade entre o bem jurídico em perigo
e o esforço exigido para o competente salvamento.
Olhando ao caso em estudo, diremos que o perigo que se concretizou no resultado
era iminente e gravoso, não havendo elementos para considerar a acção salvadora
especialmente perigosa para o agente. Neste cenário, a situação de monopólio manifestar-
se-ia como fonte de posição de garante, o que implicaria que a responsabilidade penal de
Paulo pudesse ser analisada à luz do crime de homicídio por omissão, nos termos dos
artigos 131.º, n.º 1 e 10.º, n.º 2, ambos do Código Penal.
No entanto, releva olhar a uma outra orientação doutrinária que assume especial
pertinência nos casos de monopólio. Para MARIA FERNANDA PALMA, afirmam-se
princípios unificadores das posições de garante, que nos permitiriam compreender o
fundamento de tais deveres, e que se devem verificar em todas as situações em que se
conclua que o omitente detinha uma posição de garante sobre a vítima. Desde logo,
importa que se observe um equilíbrio entre uma ideia de presunção legítima da aceitação
da responsabilidade pela protecção de bens jurídicos – que fundaria os chamados deveres
de protecção – e a responsabilidade inerente à função de conformação do mundo
(JAKOBS) – que fundaria os deveres de vigilância e legitimaria a punibilidade das
situações de ingerência. Assim, esta ideia de JAKOBS corresponderia aos âmbitos que se
inserem na esfera de organização, liberdade de conformação e competência (geral) do
agente, pelos quais ele deverá ser responsável. Todavia, uma restrição se impõe quando

16
estes deveres de protecção decorrem de uma competência ou responsabilidade
específicas.
Consequentemente, a legítima atribuição desta aceitação residiria na
determinação da auto-vinculação do agente, implícita na relação social. Neste sentido,
nos casos de monopólio não se poderá ficcionar, sem mais, uma qualquer aceitação ou
auto-vinculação do agente, sobretudo nas hipóteses de monopólio acidental. Impõe-se
demonstrar, com recurso aos dados disponíveis, que ao decidir tomar parte naquela
concreta relação social, o agente assumiu, ainda que implicitamente, a responsabilidade
pela protecção do bem jurídico. Especificando, importa perguntar se será justificado
entender que, ao ir pescar naquela zona, Paulo aceitou implicitamente a responsabilidade
de evitar a morte de terceiros que corressem perigo, vinculando-se a tal dever. Como se
compreende, tal conclusão afigura-se excessiva, desde já porque Paulo era um estranho
relativamente a Quitério que, por acidente, se encontrava no local. Por este motivo, dir-
se-á que para MARIA FERNANDA PALMA não haveria uma posição de garante e, como tal,
Paulo só poderia ser punido por omissão de auxílio, nos termos do artigo 200.º do Código
Penal.

c) A corda é recolhida por Rubem, que se encontrava a bordo do barco de Paulo.


Atendendo ao cenário descrito, haverá que analisar a responsabilidade penal de
Rubem, relativamente a Quitério, pela circunstância de ter recolhido a corda lançada por
Paulo, e destinada ao salvamento da vítima. Nesse sentido, e para os presentes efeitos,
entenderemos que estará indiciada a prática de um crime de homicídio (artigo 131.º do
Código Penal), admitindo-se que Quitério veio a falecer.
Em primeiro lugar, impõe-se verificar se existe um comportamento penalmente
relevante (activo ou omissivo), que constitua o substrato mínimo da responsabilidade
penal do agente. A este respeito, destaca-se desde logo que Rubem interrompeu o
processo salvador posto em marcha por Paulo, na medida em que impediu que o meio de
salvamento assegurasse a protecção do bem jurídico ameaçado. A propósito deste
enquadramento, ROXIN sublinha que “existe amplo acordo em punir como autor de um
homicídio por comissão aquele que agarra o salva-vidas lançado por outrem,
provocando o afogamento de uma pessoa que, de contrário, se teria conseguido
salvar”(11). Assim, quando recolhe a corda, Rubem aumenta o perigo para o bem jurídico
vida de Quitério, estando em causa um comportamento activo.
Equivale isto a afirmar que, para os presentes efeitos, a responsabilidade penal de
Rubem seria aferida com base no crime de homicídio (artigo 131.º do Código Penal).

Abril 2020.

ROXIN, Claus (2004): “Do limite entre comissão e omissão”, Problemas Fundamentais de Direito Penal.
(11)

Vega, 171-172.

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