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Profª. Elsa Maria L. S.

Ferreira Pepino 1
OAB-ES n. 4.962
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TEORIA GERAL DO PROCESSO

Conteúdo programático e bibliografia: No PORTAL UNESC

PONTO 1 - SOCIEDADE E TUTELA JURÍDICA: a função pacificadora do Estado nos


conflitos sociais

1) Homem/Sociedade/Direito

A análise histórica da civilização mostra que o homem sempre viveu em sociedade e


que a vida em comunidade, nas diferentes fases do seu desenvolvimento, sempre se
baseou num conjunto de regras de convivência. Por isso se diz que não há sociedade
sem direito, nem direito sem sociedade (ubi jus ibi societas). Assim, se o direito é
imprescindível para a convivência social, ele próprio é também um produto social.

A conexão existente entre a sociedade e o direito se deve ao papel que o direito


desempenha no meio social. Na verdade, o direito desempenha múltiplas funções
sociais. Nessa multiplicidade duas funções se destacam:

2) Funções do Direito

2.1 ) Função reguladora (ordenadora, de direção de condutas)

Os estudos mostram que toda a convivência social se estrutura sobre um conjunto de


regras sociais, que, na verdade, representam condição essencial de convivência
humana. Entre as regras sociais se destacam as regras jurídicas por estabelecerem um
complexo de regras de conduta (comportamentos humanos) que ordenam a vida em
sociedade, garantindo e preservando a subsistência de valores e bens tidos como
essenciais e, portanto, merecedores de proteção.

Pela via da regulação, o direito harmoniza a vida social, pauta condutas, coordena a
convivência de diferentes interesses, preserva valores e bens, se necessário for,
mediante a aplicação de sanções.

2.2) Função pacificadora (de pacificação social, de tratamento dos conflitos


sociais)
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O Direito normatiza desde atos corriqueiros do dia a dia, que espontaneamente


cumprimos – muitas vezes sem termos consciência de que se trata de um fato jurídico
–, até as mais intrincadas relações humanas. Ocorre que na vida em sociedade nem
todas as pessoas cumprem espontaneamente as regras de conduta criadas pelo
direito.

Quando as normas de conduta são descumpridas surge o conflito social, a ordem


social se desestabiliza e é preciso restabelecer o equilíbrio social. Então, novamente o
Direito entra em cena, agora, para tratar os conflitos. Aqui, o Direito cria os
instrumentos, as ferramentas capazes de garantir e impor a observância das normas
reguladoras.

Os conflitos surgem pela “convergência de interesses” de pessoas diferentes sobre um


mesmo bem jurídico. Há diferentes tipos de interesses que podem levar a uma série de
distintos conflitos.

3) Conflitos de interesses. Pretensão, resistência e lide.

A noção de interesse prende-se à idéia “[...] de ligação entre um sujeito e um objeto


[...]”, uma ligação que se traduz na aspiração que o ser humano tem de possuir
determinados bens capazes de lhe satisfazer alguma necessidade (RODRIGUES,
Elementos de direito processual civil, 3 ed., vol. 1, 2000, p. 43).

O Direito não protege apenas interesses de uma pessoa só, mas protege também
interesses de grupos de pessoas e até de toda a coletividade. Por isso, existem várias
espécies de interesses.

3.1) Espécies de Interesses: Individuais, coletivos e difusos.

Para distinguirmos os diferentes tipos de interesses temos que atentar que, na sua
estrutura, o interesse apresenta dois elementos básicos: o sujeito, titular da
necessidade, e o objeto, aquilo capaz de satisfazer a necessidade do sujeito.

A partir desses dois elementos os interesses podem ser:

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a) Individuais – os interesses são individuais quando dizem respeito a uma


pessoa ou a algumas pessoas, isoladamente consideradas, sobre um objeto
concreto.

b) Coletivos - os interesses são coletivos quando pertencem a uma classe de


pessoas (grupo, categoria, sindicato, associação etc) ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica (CDC, art. 81, II). Não se trata da soma
de um conjunto de interesses particulares, mas do interesse de um grupo de
pessoas (número indeterminado, mas determinável), sobre um objeto indivisível.

c) Difusos – os interesses são difusos quando titularizados por um número


indeterminável de indivíduos (não se pode identificar cada uma das pessoas),
que ligados por uma circunstância de fato, incidem sobre um objeto indivisível
(CDC, art. 81, I).

O direito cuida de todos esses interesses que, muitas vezes, se confrontam fazendo
surgir os conflitos.

3.2) Conflitos de interesses

Vimos que os conflitos são resultado da convergência de interesses sobre um mesmo


objeto, isto é, os conflitos surgem no meio social quando alguém quer um determinado
bem e não pode obtê-lo, seja porque outro se nega a satisfazer-lhe sua necessidade,
seja porque o Estado proíbe a satisfação voluntária dessa necessidade.

Assim, quando alguém quer ver realizada uma necessidade surge a chamada
pretensão, se essa pretensão encontra resistência (insatisfação, discussão), surge o
conflito (pretensão resistida), se a pretensão é levada ao Judiciário o conflito se
transforma numa lide.

Os conflitos de interesses, porém, podem ser eliminados por diferentes meios, os


chamados mecanismos de pacificação social, também conhecidos como métodos de
solução das controvérsias.

4) Meios de pacificação social

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A solução do conflito pode surgir por diversos meios. A classificação apontada a seguir
toma como referência a titularidade do poder de decidir. Chama-se de autotutela e de
autocomposição quando o poder de decisão é das partes (autonomia), individual ou em
conjunto. Diz-se heterocomposição quando o poder de decisão é atribuído a um
terceiro estranho ao conflito. Assim,

a) Autotutela ou autodefesa (força, coação) = delito (CP, art. 345)

Na autotutela a solução do conflito é imposta pela vontade de um dos sujeitos que, por
ser mais forte, impõe coativamente sua decisão, ou seja, subjuga o outro à sua força. É
a pessoa fazendo a própria “justiça”.

Regra geral a autotutela é proibida pelos ordenamentos jurídicos atuais. É o caso do


sistema brasileiro que define como crime (CP, art. 345) o exercício das próprias razões.
Entretanto, ainda existem na ordem jurídica algumas reminiscências da autodefesa.
São exemplo disso: no Direito Penal, o instituto da legitima defesa (art. 25, CP) e do
estado de necessidade; no Direito Civil, o instituto da retenção do locatário (art. 578,
CC/2002; no Direito do Trabalho, o direito de greve (art. 9º, CF/88) etc.

A autotutela/autodefesa apresenta duas características básicas:

• Ausência de julgador distinto das partes


• Imposição da decisão por uma das partes à outra

b) Autocomposição

Na autocomposição a decisão é obtida pelas partes por meio de métodos de persuasão


e do consenso. A autocomposição pode ser unilateral (vinda de uma das partes) ou
bilateral (vinda de ambas as partes), com ou sem mediação.

São exemplos de autocomposição unilateral, a renúncia ao direito, o


reconhecimento do direito da outra parte e a desistência, que ocorre quando a
parte deixa de oferecer resistência à pretensão da outra.

É exemplo de autocomposição bilateral (ou multilateral) a


transação/conciliação/negociação/mediação, mecanismo em que, por meio de
concessões recíprocas, as partes constroem consensualmente a solução, seja

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diretamente, seja por meio da intermediação de um terceiro imparcial (um mediador ou


conciliador que não possui autoridade para impor a decisão às partes).

Face ao acúmulo de demandas e à consequente morosidade da prestação jurisdicional


pelo Estado, os meios autocompositivos de solução de controvérsia vêm, nos últimos
tempos, redobrando de importância, inclusive no âmbito do direito processual.

O novo CPC/2015 mostra bem a relevância da autocomposição, diversos são os


dispositivos que a fomentam. A título de exemplo, destacam-se os seguintes
dispositivos: art. 3º, § 3º “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, inclusive no curso do processo judicial”; art. 139, V, “O juiz dirigirá o processo conforme as
disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição,
preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais”; art. 334, que prevê a
audiência e conciliação ou de mediação e estabelece as regras da sua realização; e o
art. 165 que institui os centros judiciários de solução consensual de conflitos, “Os
tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de
sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a
auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. (...)”.

c) Heterocomposição

No campo da heterocomposição a decisão é ditada por um terceiro, que não


representa nem auxilia as partes (imparcial), por isso também são chamados de modos
impositivos de solução dos conflitos. Dois são os mecanismos essenciais da
heterocomposição: a arbitragem e a jurisdição.

a) a arbitragem – na arbitragem o conflito é resolvido por um terceiro (que pode


ser um particular) escolhido livremente pelas partes em conflito. Atualmente, a
arbitragem é regulada pela Lei n. 9.307/96 e a sentença arbitral produz os
mesmos efeitos da sentença judicial. Só podem ser submetidos à arbitragem
conflitos cujo objeto envolva direitos patrimoniais disponíveis – art. 1º, Lei
9.307/96 (bens livremente negociáveis pelos seus titulares). A utilização da
arbitragem pressupõe dois elementos essenciais: 1) a opção livre (autonomia da
vontade) dos sujeitos em conflito, ou seja, ninguém pode ser coagido a se

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submeter à arbitragem, 2) a disponibilidade do bem jurídico objeto da


controvérsia.

A decisão de utilização da arbitragem pode ser fixada em dois momentos


distintos: antes do surgimento do conflito, por meio da fixação de cláusula
compromissória (previsão contratual anterior à existência da controvérsia em
que os contratantes estipulam que na eventualidade de virem a existir conflitos
eles serão resolvidos pela arbitragem); e após o surgimento do conflito, por meio
do chamado compromisso arbitral, um aditivo contratual em que as pessoas
estipulam a arbitragem como o modo de resolver o conflito existente. Escolhida
pelas partes a arbitragem tem a mesma autoridade da jurisdição estatal, a
sentença arbitral que vier a ser proferida é impositiva e irrecorrível (o Poder
Judiciário não pode rever por meio de recurso o que foi decidido pelo árbitro –
porém, em caso de vícios pode decretar a nulidade – art. 33, Lei 9.307/96) e
constitui um título executivo extrajudicial (caso a sentença não seja cumprida
espontaneamente pelo vencido, é necessário valer-se do Poder Judiciário para
proceder à sua execução).

b) a jurisdição estatal – na jurisdição a decisão é tomada pelos juízes estatais, as


pessoas investidas pelo Estado do Poder/Dever de fazer valer a ordem jurídica.
A jurisdição é um dos tripés do direito processual e da teoria geral do processo e
será estudada detalhadamente dentro de algumas aulas.

A importância do uso de meios alternativos de solução de controvérsias à jurisdição


estatal se revela, além das previsões do novo CPC, nas recentes Leis n. 13.140/2015
(conhecida como Lei de Mediação) – que inova a ordem jurídica autorizando o uso da
mediação e da arbitragem como mecanismos de solução de conflitos que envolvam a
Administração Pública – e 13.129/2015, que altera a Lei de arbitragem (Lei 9.307/96)
para adequá-la às novas previsões.

5) Controle Jurisdicional indispensável (nulla poena sine judicio)

Há situações em que a utilização da jurisdição estatal ainda é o único meio de se obter


a efetivação do direito material. São pretensões que pela sua natureza passam
necessariamente pelo exame judicial, pois não se encontram na livre disposição das
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partes em conflito. Nesse caso, estão em jogo direitos indisponíveis e o controle


jurisdicional é indispensável. É o que acontece em grande parte do Direito Penal.

Sugestão de leitura: CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido


Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. SP:Malheiros. Cap. 1.

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