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Profª. Elsa Maria L. S.

Ferreira Pepino 1
OAB-ES n. 4.962
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PONTO 5. JURISDIÇÃO: Princípios fundamentais, espécies e limites da


jurisdição. Jurisdição voluntária.

PONTO 7. LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL E COOPERAÇÃO


INTERNACIONAL

5.1 CONCEITO, CARACTERISTICAS E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Cumprida de forma espontânea a norma jurídica ganha efetividade. Se, por outro lado,
a norma não é espontaneamente cumprida, vedada que é a autotutela, impõe-se
recorrer ao Poder Judiciário, a quem compete dirimir os conflitos, assegurando a
observância e o cumprimento das normas jurídicas.

Assim, tem o Estado a prerrogativa de pacificar os conflitos sociais e o faz mediante o


exercício da Jurisdição. Mas o que vem a ser a Jurisdição?

Segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2004, p. 131), a jurisdição é,


concomitantemente, um poder, uma função e uma atividade. Um poder, no sentido de
que é manifestação do poder estatal que imperativamente decide e impõe decisões;
uma função, porque designa o encargo dos órgãos estatais de promover a pacificação
social, fazendo valer a ordem jurídica; uma atividade, porque é o complexo de atos do
juiz no processo, mediante os quais exerce o poder de que é investido e cumpre “... a
função que a lei lhe comete” (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2004, p. 131).

Portanto, a jurisdição atua por meio dos juízes e tribunais regularmente investidos e
como função típica do Poder Judiciário apresenta algumas características. São elas:

a) Unicidade e indivisibilidade - enquanto poder abstrato do fazer valer o direito a


jurisdição é uma e não comporta divisões;

b) caráter substitutivo ou substitutividade – o Estado se substitui às partes,


dizendo definitivamente com quem está a razão (monopólio do direito de punir);

c) caráter secundário – o Estado realiza coativamente uma atividade que os


próprios sujeitos poderiam pacífica e espontaneamente ter praticado;

d) caráter instrumental (escopo jurídico de atuação do direito material) – a


Jurisdição não tem um fim em si mesma, é um instrumento cujo objetivo único é

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a realização concreta (efetivação) do direito material, de modo a preservar e


garantir a ordem jurídica, a paz e a ordem social;

e) desinteressada – é a imparcialidade (ausência de interesse pessoal no litígio),


requisito indispensável à conservação da credibilidade e da confiança nas
instituições judiciárias;

f) provocada/ inerte – em regra, sua atuação depende da efetiva provocação do


interessado;

g) caráter definitivo ou definitividade – também conhecida como


indiscutibilidade ou imutabilidade das decisões jurisdicionais – significa que
num determinado momento a decisão jurisdicional põe fim à controvérsia e
impede que, no futuro, essa mesma controvérsia possa ser suscitada
novamente. É a impossibilidade de modificação dos atos jurisdicionais que
ocorre depois de transitadas em julgado as decisões (sentenças e acórdãos)
proferidas pelos juízes e tribunais (coisa julgada).

As características apontadas informam que a atuação da Jurisdição se estrutura sobre


um conjunto de princípios fundamentais, que são universalmente aceites. São eles:

a) da investidura – uma vez que a Jurisdição somente pode ser exercida “... por
quem tiver sido regularmente investido na autoridade de juiz” (CINTRA,
GRINOVER e DINAMARCO, 2004, p. 137);

b) da aderência a um território – a Jurisdição somente pode ser exercida dentro


dos limites da soberania nacional. Portanto, em primeiro lugar, a Jurisdição
encontra-se limitada pelo território nacional; em segundo lugar, devido á
pluralidade de juízes e á sua distribuição em comarcas ou seções judiciárias,
cada juiz só é autorizado a exercer sua jurisdição nos limites do território que a
lei lhe confere (o foro);

c) da inércia (ou da demanda) – só cabe ao Estado intervir num conflito quando


provocado para tanto;

d) da indeclinabilidade/ da inafastabilidade (ou do controle jurisdicional) – A


Constituição Federal (art. 5º, XXXV) garante a todos o direito de acesso à justiça
e de obter uma decisão judicial, por consequência, nenhum juiz, sob qualquer

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pretexto, pode recusar-se a prestar a tutela jurisdicional, ou seja, nenhum juiz


pode recusar-se a sentenciar, mesmo que inexista lei aplicável ao caso
específico em julgamento;

e) da inevitabilidade – significa que, como manifestação do Poder estatal, a


autoridade dos órgãos jurisdicionais se impõe por si mesma, independente da
vontade das partes. Não há como evitar o exercício da autoridade estatal;

f) da indelegabilidade – significa que as atribuições constitucionais do Poder


Judiciário só podem ser exercidas pelos órgãos que integram esse poder, não
podem, por lei ou por determinação dos membros deste, ser transferidas a outro
qualquer órgão estatal;

g) do juiz natural – significa que todos devem ser julgados por juiz independente e
imparcial indicado pelas normas constitucionais e legais. Proibindo-se os
tribunais de exceção (CF, art. 5, XXXVII).

5.2 CLASSIFICAÇÃO OU ESPÉCIES DE JURISDIÇÃO

Apesar da unidade e indivisibilidade da jurisdição, para fins didáticos, admitem-se


algumas classificações e espécies de jurisdição. Na verdade, o CPC em vigor faz
referência e deixa antever essas várias espécies de jurisdição. Assim, tem-se:

a) atentando para o objeto (matéria – natureza da pretensão de direito material): a


jurisdição civil (todas as ações não penais - civis, trabalhistas, comerciais,
administrativas etc) e a jurisdição penal (causas penais, pretensão punitiva);

b) quanto à forma como é exercida a jurisdição civil: jurisdição contenciosa e


jurisdição voluntária ou graciosa (NCPC, art. 719 a 770);

c) quanto aos órgãos judiciários que a exercem: jurisdição comum (Justiça Federal –
CF, arts. 106-110-, e Justiças Estaduais ordinárias – CF, arts. 125 e 126) e jurisdição
especial (Justiça do Trabalho - CF, arts. 111-116 -, Justiça Militar - CF, arts.122-124 -,
Justiça Eleitoral - CF, arts. 118-121-, e Justiças Militares Estaduais – CF, arts 125,§);

d) quanto á posição hierárquica dos órgãos que a exercem: jurisdição inferior (1ª
instância) e jurisdição superior (2ª e 3ª instância).

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5.3 JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA (NCPC, art. 719 a 770);

Alguns atos jurídicos particulares têm tamanha importância que interessam a toda a
coletividade. Por esse motivo o legislador impõe que a validade desses atos privados
que repercutem na vida social depende da intervenção de um órgão público. A
intervenção estatal nesses atos jurídicos privados pode dar-se através de:

• órgãos de foro “extrajudicial. Por exemplo, o tabelião (escritura pública), o oficial


de registro civil (nascimento, casamento, morte), o oficial de registro de imóveis
(registro de imóveis)

• órgãos administrativos, como, por exemplo, a Junta Comercial (registro dos


contratos e os estatutos sociais das sociedades) ou a atuação do Ministério
Público.

• órgãos jurisdicionais – jurisdição voluntária - quando a participação do Estado


nos atos privados se dá por meio de órgãos jurisdicionais. A atuação judiciária
não é para viabilizar a solução de um conflito, mas para integrar/velar situações
jurídicas que apresentam repercussão social, como ocorre, por exemplo, na
“separação consensual” (NCPC, art. 731 a 734).

Assim, ao lado da sua atividade precípua e ordinária que é solucionar os conflitos de


interesse, o Poder Judiciário pode desempenhar outro papel, quando a lei
expressamente exigir em razão do interesse público presente. Por isso a lei
jurisdicionaliza e condiciona os efeitos de determinados negócios privados à
apreciação e autorização judicial. Essa é a atividade de jurisdição voluntária, ou seja,
os casos em que o Judiciário, obrigatoriamente, intervém (por provocação do
interessado), porque sua atuação é essencial e indispensável à realização de
determinado ato ou à obtenção de determinado efeito jurídico. Didier (2015, p.186)
define jurisdição voluntária como “uma atividade estatal de integração e fiscalização”. A
Jurisdição voluntária atua nas hipóteses previstas em lei, mas nessas hipóteses não é
uma opção ou seja, nada tem de voluntária. E, apesar de em alguns casos se
apresentar como uma faculdade, a regra é seu caráter obrigatório.

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A controvérsia doutrinária fica por conta da determinação da natureza jurídica da


atividade exercida pelo Judiciário nos procedimentos de jurisdição voluntária. Para a
doutrina clássica a atividade desenvolvida tem natureza administrativa (por isso
dizem tratar-se de administração pública de interesses privados) e não jurisdicional. A
doutrina clássica distingue a jurisdição voluntária da contenciosa pelos seguintes
aspectos:

Jurisdição Contenciosa Voluntária

Atividade Jurisdicional Administrativa

Um conflito de interesses uma


Causa Um negócio, ato ou providência jurídica
“LIDE”

“Interessados” (NCPC, art. 720 e 721) na


Aspectos Partes contrapostas (inter
tutela de um mesmo interesse (inter
subjetivos nolentes)
volentes)

Por meio simples “requerimento”, em que


Por meio de ação, em que se
se indica a providência judicial postulada.
Iniciativa formula o pedido do autor contra
Essa providência não é contra ninguém,
o réu.
mas apenas em favor do requerente

Embora a citação do Ministério Público e de


eventuais interessados, há um simples
Maneira de Mediante um “processo”, sob o
procedimento administrativo, facultada
proceder princípio do contraditório
eventual controvérsia quanto à melhor
maneira de administrar o negócio em jogo.

Não é obrigatória a “legalidade estrita”,


Em regra, o da “legalidade”, com
Critério de podendo o juiz ater-se a critérios de
a aplicação do direito objetivo
julgamento conveniência e oportunidade (NCPC, art.
para eliminação do conflito
723, § único), ou seja, equidade.

A doutrina mais moderna e atual defende tratar-se a jurisdição voluntária de uma


atividade de natureza jurisdicional, rejeitando a doutrina clássica, entre outros, com
os seguintes argumentos: a redação legal, é a própria lei que fala de jurisdição
voluntária (NCPC, arts. 719 a 770); a impossibilidade de negar a Lide, face à existência
de controvérsias em alguns dos procedimentos de jurisdição voluntária (por exemplo a
interdição ou a retificação de registro); jurisdição voluntária é a atividade exercida por
juízes integrantes do Poder Judiciário, que agem imparcial e desinteressadamente; a
jurisdição voluntária se exerce por meio de formas e atos processuais (petição inicial,

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sentença etc), não sendo razoável negar a existência de relação jurídica entre o juiz e
os interessados.

5.4 LIMITES DA JURISDIÇÃO

O próprio ordenamento impõe restrições à Jurisdição. Essas podem ser de dois tipos:

a) Limites Externos (internacionais) - A atividade jurisdicional está restrita ao


território onde é exercida a soberania. E, mesmo quando dentro do território
nacional, há pessoas que não se sujeitam à atividade jurisdicional brasileira. É o
caso dos que gozam de imunidade de jurisdição, respectivamente: os Estados
estrangeiros, os Chefes de Estados estrangeiros e os agentes diplomáticos.

b) Limites Internos – internamente a Jurisdição é limitada pela própria ordem


jurídica, seja quando permite a atuação jurisdicional de órgãos não judiciais, como
quando atribui ao Senado Federal a competência para julgar o Presidente da
República e os Ministros de Estado nos crimes de responsabilidade (CF/88, art. 52,
I); seja quando reconhece o instituto da arbitragem (Lei de Arbitragem – Lei n.
9.307/96), permitindo que litígios privados relativos a direitos patrimoniais
disponíveis sejam dirimidos por um juízo arbitral, cuja decisão não precisa ser
homologada pelo Judiciário e impede a rediscussão da matéria judicialmente; seja,
finalmente, porque o próprio Direito não protege determinadas pretensões, como,
por exemplo, a cobrança de dívidas de jogo ou de outras causas ilícitas (CC, art.
814).

5.5 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Cooperar é atuar conjuntamente na obtenção de um mesmo objetivo. Cooperação


internacional é toda a forma de colaboração entre Estados soberanos para a
consecução de um objetivo jurídico comum. Assim, a cooperação internacional é o
intercâmbio entre Estados para o cumprimento de medidas processuais (Poder
Judiciário) ou administrativas (Receita, Polícia, Ministério Público etc).

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Muito embora o CPC/15 regule a cooperação internacional nos artigos 26 a 41, não se
trata de algo novo, pois já vinha sendo praticada (principalmente no âmbito penal) com
base em tratados, convenções, resoluções e Regimento Interno do STJ.

Ao regular a cooperação jurídica internacional o CPC/15 destaca dois dos instrumentos


que servem à cooperação internacional: o auxílio direto e a carta rogatória.

O auxílio direto não tem juízo de delibação (reconhecimento, homologação – analise


da legalidade do ato) pelo Estado requerido (que no Brasil é feito pelo Superior Tribunal
de Justiça – STJ). O auxílio direto é um mecanismo de cooperação internacional
direta entre autoridades que pode ou não necessitar de prestações jurisdicionais. Por
exemplo, o Ministério Público de um país que pede informações sobre determinada
pessoa ou empresa ao Ministério Público de outro ou a Receita Pública de um país que
pede à Receita Federal brasileira dados bancários de determinada pessoa ou empresa.

No auxílio direto não há delibação porque não há ato a ser delibado (não há decisão ou
sentença estrangeira a ser cumprida) o que existe é um pedido para que o Estado
receptor execute o ato solicitado de acordo com suas próprias normas jurídicas.

A carta rogatória é instrumento de cooperação internacional indireta compõe-se de


pedido de um estado a outro para a realização de algum ato jurisdicional necessário a
algum procedimento em curso no Estado requerente. Neste caso, depois de passar
pelas autoridades centrais, tanto do Estado requerente quanto do Estado requerido, a
carta é encaminhada a um órgão ou tribunal (no Brasil o STJ) para verificar o pedido,
analisar se não há afronta à ordem jurídica nacional (juízo de delibação) e obter o
exequator.

Também é meio de cooperação internacional a ação de homologação de sentença


estrangeira (no Brasil de competência do STJ), regulada no artigo 960 e seguintes do
CPC/15.

Tanto a carta rogatória quanto a homologação de sentença estrangeira são


instrumentos de cooperação internacional indireta, pois em ambos os casos dependem
de juízo de delibação (pelo STJ) para obter o exequator.

Para melhor compreender as diferenças entre auxílio direto e carta rogatória atentem
para o seguinte caso hipotético:

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José, brasileiro, foi trabalhar nos USA (Estados Unidos da América). Lá conheceu
Gracy, americana, com quem se casou e teve um filho. Após alguns desentendimentos
com a esposa, José fugiu com seu filho para o Brasil, afastando-o de sua mãe. A mãe
pretende obter o filho de volta por isso contrata um advogado.

Neste caso, o advogado pode:

a) dirigir-se à Justiça americana e pedir a busca e apreensão da criança. O juiz


americano analisa e decide determinando o que foi pedido. Emite carta rogatória
contendo sua decisão e a envia à Autoridade Central americana que a transmite à
Autoridade Central brasileira, que a encaminha ao STJ para que seja submetida a juízo
de delibação e obtenha o exequator, para só então ser encaminhada ao juiz federal
brasileiro competente para cumprir o mandado de busca e apreensão da criança. A
decisão judicial aqui é do juiz americano, para ser cumprida no Brasil precisa passar
pelo STJ.

b) Por meio do auxílio direto o advogado pode formular diretamente ao Órgão


americano pedido que será enviado diretamente ao Órgão Central brasileiro, que o
encaminhará à Advocacia-Geral da União ou Ministério Público, para que requeira em
juízo a busca e apreensão desejada (CPC/15, art. 33 e § único). Neste caso, quem vai
decidir é o juiz brasileiro.

Sugestões de leitura:
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada
Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 28ª edição. SP: Malheiros, 2012. Capítulos
11,12, 13 e 14.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17ª edição. Salvador: Ed. Jus
Podium, 2015. Volume 1. Capítulo 3.

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