Você está na página 1de 4

Etimologicamente, o termo “conflito” é originário do latim, e se relaciona a uma ideia

de choque, de contraposição de posições1. Muito estudado no campo da psicologia e das


ciências sociais, o conflito sempre esteve presente nas sociedades, desde as primeiras formas
de agrupamentos humanos, tendo em vista a pluralidade de percepções de mundo e a
incompatibilidade das diversas necessidades humanas diante de recursos limitados. O conflito
implica, pois, na divergência de metas, em atividades que não podem ser exercidas
simultaneamente em sua plenitude. É, nas palavras de Simmel, “a negação da unidade” 2, e
tem como pressuposto a presença de forças dinâmicas confrontantes. Interessante observar,
nesse sentido, algumas características tradicionalmente convencionadas para delimitar o
conceito de conflito.

Em um primeiro momento, tem-se que, para que seja propriamente definido como
conflito, o enfrentamento em questão deve ter natureza intraespecífica, isto é, faz-se
necessário, para a configuração do conflito, que a disputa se desenvolva entre seres da mesma
espécie. Não é possível haver, dessa maneira, um conflito entre um homem e um cão, por
exemplo3. Faz-se necessário destacar, nesse ponto, que um conflito pode acontecer entre duas
vontades conflitantes dentro de um mesmo sujeito, ao que se denomina de “conflito
subjetivo”. O que interessa ao estudo do Direito e do presente trabalho, no entanto, é o
conflito intersubjetivo de interesses, isto é, aquele que ocorre entre dois ou mais indivíduos e
que pode representar perigo para o Estado, na medida que sua solução, caso não haja controle,
pode ser extremamente violenta4.

Em segundo lugar, destaca-se o caráter voluntário do conflito, sendo essa vontade


conflitiva marcada pela hostilidade perante o outro polo da relação e pela necessidade de fazer
uma vontade prevalecer sobre a outra. Vale ressaltar, aqui, que a hostilidade poderá assumir
diferentes graus, a depender das dimensões e das demais condições do conflito. Um outro
aspecto, por fim, diz respeito ao objeto do conflito. Por mais plural que possam ser os objetos,
trata-se, em geral, de algum direito material em disputa, que, muito além de um direito
formal, traz um anseio por justiça efetiva.

A partir de uma breve análise conceitual do conflito, ratifica-se sua inevitabilidade


dentro de qualquer ambiente social. Afinal, como bem define Benasayag, “O conflito é o
1
MORAIS, José Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: alternativas à
jursidição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
2
SIMMEL, Georg. Sociologia. Tradução de Carlos Alberto Pavanelli et al. São Paulo: Ática, 1983. p. 123.
3
LORENZ, Konrad. A Agressão. Uma história natural do mal. Tradução de Isabel Tamen. Lisboa: Relógio
D’Água, 2001.
4
ALVIM, J. E. Carreira. Teoria Geral do Processo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 5.
princípio material de produção dos seres. Produzindo forma, ele produz corpos, no sentido de
organismos como a física. Os corpos são forma de conflito” 5. A forma como as sociedades o
concebem e a maneira pela qual reagem a ele constitui, nesse âmbito, elemento diferenciador
das estruturas sociais, revelando, dentre outros fatores, aspectos importantes sobre a
concepção e evolução do Direito como instrumento de controle social em cada uma delas.
Nos Estados liberais do século XIX, por exemplo, a forma de dirimir os conflitos estava
intimamente relacionada com a filosofia individualista predominante6. Com o intuito de
estudar a evolução da percepção do conflito, passa-se, então, a observar suas diferentes
formas de composição: a autodefesa, a autocomposição e a heterocomposição.

A autodefesa, presente sobretudo nas primeiras formas de organização humana, em


que não havia um Estado forte o suficiente para regular a sociedade, caracteriza-se pela
imposição da vontade de uma das partes por meio da força. Nessa forma de composição de
conflitos, também denominada de autotutela, vigora a ideia de “vingança privada”, e qualquer
um pode fazer valer sua pretensão mediante sua força (seja essa força física, política,
econômica ou social)7.

Não há, no procedimento da autodefesa, intervenção de um terceiro imparcial para


estabelecer uma decisão. Por meio de uma simples visão desse método de solução de
conflitos, é possível perceber que, por óbvio, não há qualquer garantia de justiça, haja vista
que aquele que dispuser de maiores recursos para impor sua vontade prevalecerá,
independentemente de ser ou não justa sua demanda. Por esse motivo, a partir da ascensão do
Estado como autoridade reguladora da sociedade, tal meio de composição de conflitos foi
afastado.

A autocomposição, por sua vez, apesar de também não possuir a figura de um terceiro
imparcial responsável por tomar uma decisão coercitiva, já se mostra mais avançada em
termos de garantir a justiça efetiva. Caracteriza-se sobretudo por ser uma forma de solução
altruísta, na qual uma das partes, estabelecendo diálogo com a outra, opta voluntariamente,
através de um acordo, por renunciar total ou parcialmente sua pretensão em face do
reconhecimento da pretensão do adversário8. O fato de não haver um terceiro responsável por

5
BENASAYAG, Miguel. Éloge Du Conflit. Apud: BUITONI, Aldemir. Mediar e conciliar: as diferenças
básicas. Jus Navigandi, n. 2.707, ano XV, Teresina, nov. 2010. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/17963/mediar-e-conciliar-as-diferencas-basicas/2. Acesso: 22 dez. 2016.
6
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. p. 9
7
GRINOVER, Ada Pellegrini. et al. Teoria Geral do Processo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda.,
2013. p. 29.
8
ALVIM, Op. cit. p. 9.
proferir e impor uma decisão, não significa, em absoluto, a impossibilidade de participação de
terceiros nos processos autocompositivos. Afinal, dois dos principais métodos de
autocomposição – a mediação e a conciliação – fazem uso de um terceiro (mediador e
conciliador, respectivamente) para auxiliar na resolução de controvérsias.

Considera-se mediação, de acordo com o art. 1º, Parágrafo único da Lei nº


13.140/2015, “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que,
escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções
consensuais para a controvérsia”9. Em linhas gerais, pode-se inferir que o alvo principal na
mediação está no conflito, e não em sua solução. A função do mediador, destarte, é a de
provocar nas partes o reconhecimento de suas próprias ações, estimulando-as a reestabelecer o
contato e a comunicação entre si e, a partir daí, chegar a uma solução. Afinal, como bem
definido no art. 165, § 3o  do Código de Processo Civil10, o mediador deverá atuar
preferencialmente nos conflitos em que houver vínculo anterior entre as partes, jurídico ou
pessoal, e quando há, em geral, a pretensão da continuidade de um vínculo harmonioso.
Cumpre pontuar, aqui, que determinados países, tais como a China e o Japão, possuem forte
tradição nessa modalidade de composição de conflitos, existente há mais de 4.000 anos.
Estima-se que, em todo o território chinês, existam cerca de 10 milhões de mediadores, contra
110 mil advogados11, evidenciando que, ao contrário do Brasil, que conta com 1 milhão de
advogados, segundo dados do cadastro nacional de profissionais mantido pelo Conselho
Federal da OAB, o conflito, na China, é encarado de forma menos contenciosa.

A conciliação, por outro lado, acontece, de maneira geral, quando não há vínculos
anteriores entre as partes, e o foco do procedimento não está no conflito, mas em sua
resolução. Nesse sentido, o conciliador não ultrapassa, como faz o mediador a “superfície do
conflito”12, preocupando-se mais com a realização de um acordo e menos em entender as
razões intersubjetivas que levaram ao conflito. Faz-se necessário, assim, um alto grau de
criatividade por parte do conciliador, a fim de que possa criar alternativas de acordos que
equilibrem os interesses de ambas as partes. É mister pontuar, aqui, que o conciliador poderá,

9
BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm. Acesso: 22 dez. 2016.
10
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso: 22 dez. 2016.
11
CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem: mediação, conciliação, Resolução CNJ 125/2012. 5ª ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 87.
12
BUITONI, Aldemir. Mediar e conciliar: as diferenças básicas. Jus Navigandi, n. 2.707, ano XV, Teresina,
nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17963/mediar-e-conciliar-as-diferencas-basicas/2. Acesso:
22 dez. 2016.
conforme previsto no art. 165, § 2º do CPC, sugerir às partes possíveis soluções para o
conflito, desde que não ocorra nenhum tipo de constrangimento para que as partes se
conciliem, haja vista o caráter voluntário da autocomposição.

Vê-se, portanto, que apesar de sutil, a diferenciação entre as duas modalidades


autocompositivas faz-se importante para a devida aplicação do procedimento. Resta pontuar,
por fim, que a conciliação e a mediação são regidas, como leciona Didier 13, pelos princípios
da independência e da imparcialidade do mediador e conciliador, do autorregramento da
vontade das partes, que deve prevalecer sobre quaisquer interesses de agentes externos e a
confidencialidade do procedimento. Cabe salientar, ainda, que os métodos em análise se
orientam pela oralidade e informalidade, com vistas a alcançar resultados mais efetivos e
maior satisfação das partes. Cuida-se, nessa toada, em observar uma linguagem mais acessível
para as partes e criar um ambiente mais propício para que o diálogo aconteça.

13
DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e
Processo de Conhecimento. Vol. 1. 17ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. p. 277-278.

Você também pode gostar