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AUTOTUTELA, AUTOCOMPOSIÇÃO E HETEROCOMPOSIÇÃO.

MÉTODOS
EXTRAJUDICIAIS E JUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Conflito: É sinônimo de embate, oposição, pendência,


pleito; no vocabulário jurídico, prevalece o sentido de
entrechoque de ideias ou interesses em razão do qual se
instala uma divergência entre fatos, coisas ou pessoas.

Por haver diversas nomenclaturas para esse recorrente


fenômeno nas relações pessoais, a expressão “conflito”
costuma ser usada como sinônimo de “controvérsia”,
“disputa”, “lide” e “litígio”.

O conflito pode ser visto como uma crise na interação


humana. Conflito expressa a crise vivenciada em sentido
amplo, enquanto disputa remete a uma unidade controvertida.
Assim, um casal recém-separado pode estar em crise
(vivenciando um contexto amplo de conflitos), mas
enfrentar, em certo momento, uma disputa, pontual e
específica, quanto ao tempo de convivência com os filhos.

A expressão “lide”, na clássica definição de Francesco


Carnelutti, retrata o conflito de interesses qualificado
por uma pretensão resistida; a expressão identifica-se com
o vocábulo “litígio” e costuma ser usada quando alguém se
refere a uma controvérsia levada a juízo para apreciação
pelo Estado-juiz.

Para facilitação didática, serão usados os vocábulos


“conflito” e “controvérsia” como sinônimos – postura,
aliás, corrente na legislação nacional.

Na Lei de Mediação brasileira (Lei n. 13.140/2015),


“conflito” e “controvérsia” parecem ser utilizados como
sinônimos: o art. 1.º aponta que a lei versa sobre “meio de
solução de controvérsias entre particulares e sobre a
autocomposição de conflitos no âmbito da administração
pública”.

A mesma situação se verifica no Novo CPC (Lei n.


13.105/2015); coteje-se, por exemplo, o art. 3.º, § 2.º (“o
Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual
dos conflitos”) e o art. 694 (“nas ações de família, todos
os esforços serão empreendidos para a solução consensual da
controvérsia”).

O Direito, em sentido amplo, tem a precípua função de


promover a superação dos conflitos sociais.

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As controvérsias deflagradas por ocasião do convívio em
sociedade podem ser dissipadas não só pelo exercício da
jurisdição, mas, também, pela autotutela, pela
autocomposição (direta ou assistida) e pela
heterocomposição (judicial e não judicial).

Autotutela: No âmbito da autotutela o indivíduo soluciona o


conflito mediante supressão da resistência à sua pretensão,
sem contar com a colaboração de terceiros nem com a
participação do Estado. Numa linguagem coloquial,
a autotutela corresponde a “fazer justiças com as próprias
mãos”.

Embora existam exceções, a autotutela é ordinariamente


repudiada pelo nosso ordenamento jurídico.

Essa conclusão se extraí da leitura do artigo 345, do


Código Penal, ao punir o exercício arbitrário das próprias
razões:

“Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para


satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a
lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês,
ou multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único - Se não há emprego de violência,
somente se procede mediante queixa.”

A excepcional tolerância legislativa para a prática da


autotutela se justifica pelo fato de que nem sempre o
Estado pode estar presente para conceder imediata tutela
jurídica aos indivíduos. Nesses casos, os próprios sujeitos
exercem a tutela dos seus direitos sem o apoio do Estado.

Podem ser citados, como excepcionais exemplos de


autotutela, a autorização para defesa da posse, prevista no
artigo 502, do Código Civil, o direito de retenção, a
legítima defesa, o estado de necessidade, o direito de
greve, entre outros.

A autodefesa possessória, instituto tradicional em nosso


Direito, vem prevista no art. 1.210, § 1.º, do Código
Civil. O possuidor lesado pode atuar, direta e
imediatamente, para manter sua posse (agindo em legítima
defesa para evitar a invasão) ou para nela se reintegrar
(realizando desforço imediato se já esbulhado), exigindo a
lei, por outro lado, que “o faça logo”, vedando a
autotutela quando a reação ao esbulho ou turbação não seja
imediata.

Pela autotutela (ou autodefesa), o indivíduo resolve o


conflito por sua própria força, agindo por si próprio para

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obter uma posição de vantagem em relação à situação
desejada.

Sua prática costuma ser malvista por trazer a ideia de


violência e ser identificada como um resquício de justiça
privada.

Sua utilização sempre foi considerada uma alternativa ante


a falta de poder do Estado para definir as querelas, o que
ocorreu no Direito romano, anteriormente ao período de
cognitio extra ordinem; a partir de tal fase, o Estado
passou a ditar a solução dos conflitos de interesses.

Tendo sido a primeira resposta encontrada pelo indivíduo


para resolver suas controvérsias, a autotutela era
considerada um instrumento precário e aleatório; por este
prisma, ela não seria apta a garantir propriamente justiça,
mas sim a vitória do mais forte, esperto ou ousado sobre o
mais fraco ou tímido.

Na autodefesa, os antagonistas resolvem o conflito pela


imposição do interesse de um deles com o sacrifício do
interesse do outro; Niceto Alcalá-Zamora y Castillo refere-
se a tal hipótese como solução “egoísta do litígio”.

Segundo Giuseppe Chiovenda, a autodefesa constitui uma


atividade “meramente privada, movida por impulsos e
intenções particulares e egoísticos, embora consentidos e
moderados pelo Estado”. Quanto mais se reforça a
organização política, mais se restringe o campo da
autodefesa, tendo em vista a natural expansão da atuação
estatal.

O autor italiano ressalta que não há como comparar a


autotutela com a atividade estatal de composição de
conflitos, ainda que o resultado econômico possa ser
idêntico.

A autodefesa constituiria “uma atividade meramente privada,


movida por impulsos e intenções particulares e egoísticos,
embora consentidos pelo Estado”.

A conclusão genérica sobre a negatividade da autodefesa,


todavia, nem sempre se revela apropriada: em situações como
a de estado de necessidade ou legítima defesa, a atuação é
pertinente por força do perigo vivenciado. O instinto de
sobrevivência torna natural a pronta reação do indivíduo,
especialmente considerando a impossibilidade de amparo
(suficientemente célere) pelo Poder Estatal em situações
críticas.

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Autocomposição: Na autocomposição as próprias partes
envolvidas no conflito superam a controvérsia sem a
imposição da vontade de terceira pessoa.

No campo autocompositivo, o consenso pode ser alcançado


diretamente pelas partes (autocomposição direta) ou com o
apoio de terceiros (autocomposição assistida).

A autocomposição direta, sem o auxílio de terceiros, pode


ocorrer pela desistência, pela renúncia, pela submissão ou
pela transação. Nos casos da desistência e da renúncia, o
conflito se encerra porque as partes renunciam ou desistem
do direito objeto do conflito. Na submissão, de outro modo,
o encerramento da controvérsia decorre do reconhecimento
jurídico do pedido por uma das partes em favor da outra.
Por fim, na transação as partes superam o conflito mediante
mútuas concessões.

A propósito, a transação, disciplinada nos artigos 840 e


seguintes do Código Civil, não é propriamente um método de
solução de conflito, como a mediação e a conciliação. A
transação, de fato, é um negócio jurídico que pode ser
realizado entre as partes, com ou sem a aplicação de
métodos alternativos de solução de conflitos. No caso da
autocomposição direta, por exemplo, o conflito poderá ser
extinto pela transação sem que necessariamente tenha havido
colaboração de terceiros facilitadores.

Já na autocomposição assistida, as partes contam com a


colaboração de terceiro facilitador que, de maneira
imparcial, irá contribuir para a dissipação do conflito. A
autocomposição assistida pode ocorrer pelo emprego das
técnicas de mediação e conciliação, seja no âmbito judicial
ou não.

Em linhas gerais, as diferenças entre a mediação e a


conciliação radicam-se em dois pontos:

i) enquanto o mediador promove o diálogo entre as partes e


facilita a autocomposição, sem sugerir medidas para
superação da controvérsia, o conciliador, além de promover
o diálogo e facilitar o ajuste consensual das partes,
também proporá soluções e sugerirá medidas para o fim da
controvérsia;

ii) recomenda-se que a mediação seja utilizada,


preferencialmente, para os casos nos quais já exista
vínculo anterior com as partes; já a conciliação é deve ser
utilizada, preferencialmente, nas hipóteses em que não haja
vínculo prévio entre as partes.

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Segundo o art. 165, §2º, do Código de Processo Civil, o
conciliador atuará, preferencialmente, nos casos em que não
houver vínculo anterior entre as partes e poderá sugerir
soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de
qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as
partes conciliem.

O art. 165, §3º, do Código de Processo Civil, de outro


lado, preconiza que o mediador atuará, preferencialmente,
nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes
para auxiliar os interessados a compreender as questões e
os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo
restabelecimento da comunicação, identificar, por si
próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

Frequentemente a expressão ADR - Alternative Dispute


Resolution, ou Resolução Alternativa de Disputas - RAD, é
utilizada para se referir ao emprego de variadas técnicas
de superação consensual de controvérsias fora do âmbito
judicial. No entanto, atualmente é adequado também empregar
a referida expressão para designar atividades
autocompositivas exercidas no âmbito judicial. Isso porque
o Poder Judiciário tem promovido larga aplicação desses
métodos, sobretudo nos Centros Judiciários de Solução de
Conflitos (Cejusc’s)

O estímulo às práticas autocompositivas está em diversas


normas do ordenamento jurídico, como por exemplo, no campo
do processo do trabalho, dos Juizados Especiais e do
processo civil.

Conciliação: Por tal técnica de autocomposição, um


profissional imparcial intervém para, mediante atividades
de escuta e investigação, auxiliar os contendores a
celebrar um acordo, se necessário expondo vantagens e
desvantagens em suas posições e propondo saídas
alternativas para a controvérsia, sem, todavia, forçar a
realização do pacto.

O objetivo da atuação do conciliador é alcançar um acordo


que evite complicações futuras, com dispêndio de tempo e
dinheiro.

Como bem esclarece Erica Barbosa e Silva, no exercício de


sua função o conciliador, embora possa sugerir
possibilidades de resolução, deve estimular as partes a
elaborarem soluções próprias.

A conciliação pode operar-se tanto no contexto de uma


demanda judicial como no âmbito de instituições privadas

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voltadas à resolução de controvérsias (a exemplo das
denominadas “câmaras de conciliação e arbitragem”).

No Brasil, sempre predominou quantitativamente a


verificação da conciliação como fenômeno judicial em que as
partes são conduzidas por um terceiro imparcial rumo à
obtenção de um acordo com vistas à extinção do processo.
Nessa perspectiva,
configura fenômeno processual, razão pela qual não deve ser
confundida com a transação, seu possível objeto (contrato
civil que pode ser firmado em juízo ou fora dele).

Cumpre destacar que, no regime do Novo CPC, o magistrado


não é a pessoa responsável por conduzir a sessão
consensual: esta deverá ser realizada necessariamente por
um terceiro facilitador auxiliar do juízo. A Lei de
Mediação retrata a mesma concepção ao trabalhar diretrizes
ligadas à confidencialidade e ao perfil dos mediadores
judiciais.

Mediação: É o meio consensual de abordagem de controvérsias


em que uma pessoa isenta e devidamente capacitada atua
tecnicamente para facilitar a comunicação entre as pessoas
e propiciar que elas possam, a partir da restauração do
diálogo, encontrar formas proveitosas de lidar com as
disputas.

O ordenamento brasileiro passou a contar com o conceito


previsto no art. 1.º, parágrafo único, da Lei n.
13.140/2015, segundo o qual, mediação é a atividade técnica
exercida por terceiro imparcial sem poder decisório que,
escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a
identificar ou desenvolver soluções consensuais para a
controvérsia.

Ao propiciar o conhecimento das multifacetadas origens da


controvérsia, a mediação permite aos envolvidos um
conhecimento ampliado dos meandros do conflito e os
habilita
a construir, por si, a composição do litígio da maneira
mais satisfatória (ou menos insatisfatória possível) à sua
realidade interna e externa.

Como ao mediador incumbe trabalhar a comunicação entre as


pessoas, é importante compreender algumas diretrizes. A
comunicação conta com duas partes essenciais: o emissor
(canal pelo qual a mensagem é transmitida) e o receptor;
como falhas podem ser constatadas em algum ou em todos
esses elementos a ponto de gerar conflitos, uma das funções

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do mediador é organizar a comunicação para que ela se
realize de forma eficiente e sem “ruídos”, com atenção,
clareza e aceitação do ponto de vista do outro.

Na mediação, os participantes contam com a contribuição de


uma pessoa imparcial para que a comunicação flua de modo
eficiente; ao promover um diálogo pautado pela clareza, o
mediador contribui para que os envolvidos possam ampliar a
percepção sobre sua responsabilidade pessoal de modo a
encontrar respostas adequadas para os impasses.

Em certa perspectiva, a missão do mediador é aproximar as


pessoas para que elas possam compreender melhor diversas
circunstâncias da controvérsia, proporcionando alívio de
pressões irracionais ou elementos emocionais complicadores
que impeçam a visualização realista do conflito; assim,
elas estarão preparadas para proceder a uma análise mais
equilibrada da situação e, se o caso, atuar para entabular
um possível acordo.

A mediação pode ser abordada segundo diferentes vertentes.


Focada como busca de resolução de conflitos, possui
natureza disciplinar (ou unidisciplinar); quando objetiva
transformar o conflito, a natureza da mediação é
essencialmente interdisciplinar.

Embora venha sendo tratada como um novo paradigma na


metodologia de composição de conflitos, a história revela o
uso da mediação, de forma constante e variável, desde os
tempos mais remotos, em diversas culturas (judaicas,
cristãs, islâmicas, hinduístas, budistas, confucionistas e
indígenas).

Segundo Kazuo Watanabe as distinções entre mediação e


conciliação são: na mediação, o terceiro neutro “procura
criar as condições necessárias para que as próprias partes
encontrem a solução”, não intervindo no sentido de adiantar
alguma proposta de solução; na conciliação, o terceiro
interfere um pouco mais ao tentar apaziguar as partes,
podendo “sugerir algumas soluções para o conflito”.

O mediador atua para que a comunicação evolua a ponto de


permitir que os envolvidos elaborem propostas, enquanto o
conciliador contribui para a sua formulação, podendo até
propor o conteúdo do acordo, desde que não deixe de ser
imparcial.

Quanto à forma de realização, também há diferenças. A


mediação geralmente conta com diversas sessões entre os
envolvidos; por meio de intervenções apropriadas, o

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mediador contribui para que eles protagonizem saídas
consensuais para o impasse.

Diferentemente, a conciliação costuma ser verificada em uma


ou duas sessões em que o conciliador insta as partes a se
comporem e efetivarem um acordo. Na conciliação o objetivo
é o acordo, ou seja, as partes, mesmo adversárias, devem
chegar a um acordo para evitar um processo judicial.

Na mediação, as partes não devem ser entendidas como


adversárias e o acordo é a consequência da real comunicação
entre as partes. Na conciliação, o mediador sugere,
interfere, aconselha. Na mediação, o mediador facilita a
comunicação, sem induzir as partes ao acordo.

Assim, em uma perspectiva mais ampla, para o êxito da


mediação não é essencial que as partes celebrem um acordo
formalizado, nem que este seja objeto de uma transação
homologada em juízo.

Uma mediação bem-sucedida é aquela em que, promovida


eficientemente a facilitação do diálogo pelo mediador, as
pessoas se habilitam a retomar a comunicação de maneira
adequada, passando a conduzir suas relações de forma
consensual, ainda que não “fechando” um acordo.

Heterocomposição: Na heterocomposição, como a própria


expressão sugere, a resolução do conflito é realizada por
um terceiro, imparcial, não relacionado ao conflito.
Diferentemente do que se passa na autocomposição assistida,
em que um terceiro facilitador colabora com composição
consensual, sem impor sua opinião, na heterocomposição uma
terceira pessoa substituirá a vontade das partes para
decidir sobre o fim do conflito.

Exemplo clássico de heterocomposição judicial é a resolução


do conflito que decorre da prolação de uma decisão
proferida por juiz de direito.

A arbitragem também é uma forma de heterocomposição, um


procedimento utilizado para que terceira pessoa decida
sobre o fim do conflito.

A heterocomposição (heterotutela, adjudicação ou meio


adjudicatório) é o meio de solução de conflitos em que um
terceiro imparcial define a resposta com caráter impositivo
em relação aos contendores.

O estímulo a tal forma de solução de controvérsias foi


marcado pela redução paulatina de situações permissivas da
autotutela (pela proibição da justiça privada) e pelo fato

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de a via consensual ser um fenômeno eventual (por força da
intensa e acirrada litigiosidade).

A heterocomposição pode se verificar por duas vias: a


arbitral, em que o terceiro, de confiança das partes, é por
elas escolhido para decidir o impasse; e a jurisdicional,
em
que uma das partes acessa o Poder Judiciário para obter uma
decisão proferida por uma autoridade estatal investida de
poder coercitivo.
Esse método alternativo de solução de controvérsia só pode
ser utilizado por pessoas capazes, para superar conflitos
relativos a direitos patrimoniais disponíveis. A
Administração Pública, direta e indireta, também poderá
utilizar a arbitragem para resolver disputas relacionados a
direitos patrimoniais disponíveis. Não há consenso
doutrinário sobre a natureza jurisdicional da arbitragem.

Os que reconhecem a natureza jurisdicional alegam que na


arbitragem existe processo, definitividade e executoriedade
da sentença, assim como ocorre com na jurisdição
convencional.

De outo passo, os quer rejeitam a natureza jurisdicional da


arbitragem se apoiam nas seguintes premissas: i) a
arbitragem decorre da manifestação da autonomia da vontade
das partes que, ao optarem por ela, renunciam à jurisdição;
ii) a atividade jurisdicional só poderia ser exercida por
magistrado regularmente investido no cargo; iii) embora a
sentença arbitral seja título executivo, o árbitro não tem
poder para executar suas decisões; iv) o art. 3º, §1º, do
Código de Processo Civil, ao tratar da inafastabilidade da
jurisdição, faz ressalva à arbitragem; v) no mesmo sentido,
o art. 42, do Código de Processo Civil, prevê que as causas
cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites
de sua competência, ressalvado às partes o direito de
instituir juízo arbitral.

Sem embargo dessas colocações, o certo é que a arbitragem


não veda o acesso ao Poder Judiciário e não representa
ofensa ao princípio da inafastabilidade. Em primeiro lugar,
porque as partes têm plena liberdade para escolher a
arbitragem. Em segundo lugar, porque a arbitragem sofre
controle do Poder Judiciário.

Arbitragem: A arbitragem consiste em um antigo método de


composição de controvérsias consistente na escolha pelas
partes de uma terceira pessoa para definir o destino da
controvérsia. Seu uso se verificou longamente no Direito
romano, tanto no período das ações da lei quanto no período
formulário; a atividade do pretor se limitava a admitir ou

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não a dedução da querela em juízo. Sendo positivo seu
juízo, passavam às partes a escolha do arbiter para definir
a questão.

Carlos Alberto Carmona define a arbitragem como a técnica


de solução de controvérsia pautada pela intervenção “de uma
ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção
privada, decidindo com base nesta convenção sem intervenção
do Estado, sendo destinada a assumir eficácia de sentença
judicial”.
Na arbitragem, a decisão sobre o conflito será proferida
por uma pessoa de confiança, mas equidistante em relação às
partes; o árbitro, embora desprovido de poder estatal
(porquanto não integrante do quadro dos agentes públicos),
profere decisão com força vinculativa.

Em nosso sistema jurídico, o objeto da controvérsia


submetida à arbitragem, nos termos do art. 1.º da Lei n.
9.307/1996, deve corresponder a direitos patrimoniais
disponíveis, tendo sido eleita a via arbitral por pessoas
capazes de contratar.

Em tal hipótese, dispõe o art. 18 da Lei que o árbitro


validamente escolhido pelas partes é o juiz de fato e de
direito da controvérsia, não ficando sua decisão sujeita a
recurso ou homologação perante o Poder Judiciário.

A constitucionalidade da arbitragem, dada a exclusão da


apreciação da lesão pelo Poder Judiciário por ser o árbitro
o juiz natural da causa, foi objeto de análise pelo Supremo
Tribunal Federal em 2001. Em histórico julgamento,
reconheceu-se o poder das partes para, no exercício de sua
autonomia e nos termos da lei, optarem validamente pela via
arbitral como meio idôneo de solução de controvérsias.
Desde então, a arbitragem se firmou como meio eficiente
para gerar decisões hábeis à definição de conflitos
envolvendo direitos patrimoniais disponíveis.

Assim, ante a existência de aspectos pecuniários na relação


jurídica em questão, é possível ocorrer a atuação arbitral
se presentes duas circunstâncias:

(i)possibilidade de as partes livremente disporem sobre o


objeto controvertido;

(ii)ausência de reserva específica do Estado quanto ao seu


conteúdo (pelo resguardo de interesses coletivos
fundamentais).

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Diante de uma controvérsia sobre um contrato
administrativo, seria possível a adoção da via arbitral
para resolver o impasse que envolve a Administração?

A utilização da arbitragem para dirimir conflitos em que


está envolvida a Administração Pública, outrora alvo de
intensos debates, passou a ser prevista expressamente no
ordenamento brasileiro.

Considerando os princípios da eficiência, da razoabilidade


e da continuidade do serviço público, o uso da via arbitral
para compor conflitos envolvendo a Administração condiz
plenamente com o interesse público. Por tais argumentos,
não
deve pairar dúvida sobre a admissibilidade da arbitragem em
conflitos envolvendo a Administração Pública direta ou
indireta.

O ordenamento processual brasileiro confere à sentença


arbitral a eficácia de título executivo judicial. Para a
realização prática de seu comando, em caso de resistência,
a parte irá se valer do aparato estatal executivo.

Vale destacar que, embora o árbitro não seja dotado dos


poderes de coerção e execução de suas decisões (que são
vinculativas), é considerado equiparado ao juiz togado e
aos funcionários públicos, devendo agir com imparcialidade,
eficiência e diligência em sua participação na
administração da justiça.

Uma das grandes vantagens da arbitragem é a chance de maior


efetividade da decisão. Como as partes participaram
consensualmente da escolha do árbitro e arcaram com os
custos do procedimento, por não ser interessante para os
negócios a existência de uma longa disputa judicial, a
decisão arbitral proferida tende a ser cumprida, não
precisando ser executada em juízo. Apenas em casos
realmente excepcionais buscam-se os meios coercitivos
disponibilizados pelo Poder Judiciário.

Outra propalada vantagem é a flexibilidade procedimental.


Segundo Carlos Alberto Carmona, diversamente do que ocorre
em nossas “abafadas cortes estatais”, tal flexibilidade é
natural e “torna os árbitros muito menos engessados que o
juiz togado, permitindo-lhes experimentar novos e variados
meios de descobrir fatos e aumentar sua capacidade de
entender o Direito que devem aplicar”.

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Além da atividade jurisdicional tradicional e da
arbitragem, o ordenamento jurídico brasileiro admite outras
modalidades de heterocomposição.

Entre outras, se destacam os julgamentos proferidos por


tribunais e conselhos administrativos, como o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE, os Conselhos de
Contribuintes, os Tribunais de Contas etc. Nestes casos há
resolução de conflitos pela imposição da vontade de
terceira pessoa, de maneira semelhante à atividade
jurisdicional. Entretanto, as decisões proferidas por esses
tribunais e conselhos, além de não gozarem de
definitividade, podem sofrer controle posterior do Poder
Judiciário.
A superação dos conflitos pode ocorrer dentro de três
cenários: i) autotutela; ii) autocomposição (direta ou
assistida); iii) heterocomposição (judicial e não
judicial).

Pela autotutela a parte soluciona o conflito sem contar com


a colaboração de terceiros nem com a participação do
Estado.

Já na autocomposição as próprias partes envolvidas no


conflito superam a controvérsia sem a imposição da vontade
de terceira pessoa. O consenso pode ser alcançado
diretamente pelas partes (autocomposição direta) ou com o
apoio de terceiros (autocomposição assistida).

Por fim, na heterocomposição a resolução do conflito é


realizada pela imposição da vontade de uma terceira pessoa.

Situação-problema: Em uma reunião, eclode um conflito entre os


sócios, gestores e funcionários de uma empresa. O diálogo parece
impossível. Os sócios não conseguem um diálogo entre si, sendo
que dois sócios foram casados durante anos e somam-se às
divergências no negócio os desentendimentos na criação da filha
menor, fruto do casamento. Além disso, os sócios constantemente
querem opinar e não conseguem um entendimento com os gestores
sobre o melhor rumo do negócio. A empresa parece sem rumo, mas
sócios e gestores apenas culpam os funcionários pelo mau
desempenho. Isso sem contar que os gestores possuem perspectivas
diferenciadas e não conseguem chegar a um consenso. Já os
funcionários se queixam de que a constante pressão dos sócios e
dos gestores não permite um ambiente saudável. Após muito
refletir, os gestores conseguem sentar e dialogar. Porém, a
queixa dos funcionários apenas aumenta e a ausência de diálogo
agrava o cenário, comprometendo o próprio futuro do negócio.
Como poderia ser solucionada a Que forma (s) de solução de
conflito você identificaria como mais adequada para esta
situação conflituosa?

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Estudo de caso: Em muitos países, não há uma diferenciação entre
a mediação e a conciliação. No Brasil, o Código de Processo
Civil, em seu artigo 165, §2º e §3º, deveríamos manter essa
diferenciação? Quais seriam os pontos positivos e negativos?

Bibliografia

Artigo de SOUZA, A. E. de.; LONGO, S. M. Superação de conflitos:


autotutela, autocomposição e heterocomposição. Disponível em
https://jus.com.br/artigos/82145/superacao-de-conflitos-
autotutela-autocomposicao-e-heterocomposicaoEXTO Acesso em 11
Abr. 2021.

MIRANDA, Maria Bernadete E.outro. Curso Teórico e Prático de


Mediação, Conciliação e Arbitragem. 1ª Edição, Rio de Janeiro:
GZ Editora, 2013.

TARTUCE, F. Mediação nos conflitos civis. 5ª Edição, São Paulo:


Método, 2019.

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