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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA – MG


Departamento de Ciências Sociais e Filosofia (DCSF)

Sala 314 – Campus Nova Suíça – Tel: 3319-7138 www.dcsf.cefetmg.br

Fundamentos de Sociologia Política

Elaboração: Profa. Dra. Ana Lúcia Barbosa Faria; Prof. Dr. Henrique Segall; Prof. Dr.
Rondnelly Diniz Leite

UNIDADE 2- A HEGEMONIA NEOLIBERAL

2.1 A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE1

Muitos pensadores, em especial no período da assim chamada Idade Moderna


(período que se estende do século XVI ao XIX), que se dedicaram a estudar a
fundamentação do poder político, consequentemente, da sociedade e do Estado, se
valeram da hipótese de um estado de natureza, condição na qual os homens se achavam
antes da instituição da sociedade civil e do poder político; e se valeram ainda do
contrato social, como convenção por meio da qual se define a autoridade política
legítima, a titularidade da soberania e seu exercício. Com isso, nota-se que esses
pensadores, que lançam mão do estado de natureza, admitiram a não separação do
problema da origem do Estado de seu fundamento. São representantes dessa corrente
teórica da política os seguintes pensadores: Hugo Grotius* (1583-1654), Samuel
Pufendorf* (1632-1694), Thomas Hobbes* (1588-1679), John Locke* (1632-1704), J.J.
Rousseau * (1712-1778).

1
Este texto foi construído com base nas obras e nos artigos apresentados nas referências.
Os problemas, então, sobre os quais a teoria contratualista conferiria uma
resposta, do fundamento da autoridade política, da origem da sociedade civil e da
origem do estado, acham-se confundidos. Pode-se dizer ainda que, para fundamentar
sua teoria explicativa sobre a origem de uma sociedade politicamente organizada,
alguns desses mesmos pensadores, lançam mão de uma explicação antropológica.
Recorriam, portanto, a uma teoria antropológica que explorava as características
humanas mais importantes e fundamentais a partir das quais uma vida em sociedade
seja, então, explicada.
Em linhas gerais, resumidamente, os pensadores reconhecidos pela historiografia
como contratualistas, fundamentam sua teoria política, a origem do estado ou da
sociedade política, a partir de três aspectos fundamentais: em primeiro lugar, um estado
de natureza. Alguns desses estudiosos entendem ser o estado de natureza uma situação
em que os homens, tomados individualmente, viviam inicialmente numa condição de
absoluta independência, igualdade e liberdade. Nesta situação havia leis 2, muito ligadas
aos costumes, universalmente admitidos, que deveriam ser respeitadas por todos. Além
disso, havia uma ampla liberdade para a satisfação de necessidades. No entanto, nem
sempre havia respeito a essas leis e a vida das pessoas era ameaçada, porque não havia
ninguém que, de forma imparcial, aplicasse as normas ou costumes nos casos em que
ocorressem disputas. Como se vê, no estado de natureza, apesar da liberdade e da
possibilidade de os homens viverem de forma independente, nem sempre a vida era
segura ou tranquila, razão pela qual a saída dessa condição insatisfatória, insegura, até
mesmo precária, se justificaria.
O contrato, por sua vez, pode ser definido como uma convenção, um acordo ou
promessa, para que a vida, após a formalização desse acordo, possa ser melhor, a partir
da instituição do estado civil dele decorrente. Ao se valerem desse artifício (grifo nosso)
os homens justificam a autoridade política comum e imparcial, e o governo, na figura da
assembleia, ou de um monarca, que poderia assumir tanto a função de chefe de estado,
quanto de chefe de governo conjuntamente. Normalmente, o problema central a ser
resolvido pelo contrato é a formalização e instituição de um poder, para resolver os
conflitos que os homens, na independência absoluta de seus modos de vida individuais,
não conseguiam resolver. No entanto, não é qualquer tipo de convenção, acordo, ou

2
Exceção feita à Rousseau, que concebia o estado de natureza como um estado de dispersão.
Consequentemente, se os homens estão longe uns dos outros, não há porque se falar em normas a
regulamentar relações inexistentes.
promessa, que põe termo ao estado de natureza e inaugura a sociedade civil, mas uma
convenção em que haja, então, o consentimento mútuo entre os participantes, a dar
origem a uma sociedade em particular e, por conseguinte, a formar um corpo político
unificado.
A partir de então, por fim, temos o terceiro aspecto da teoria contratualista: a
criação da autoridade política imparcial. Esse poder tem por dever dirimir os problemas
encontrados na vida insegura do estado de natureza, para, com a escolha de leis e
instrumentos jurídico-normativos de decisão de controvérsias, pacificar e melhorar a
vida comum dos homens que não mais podem viver de forma absolutamente
independente, sob risco de terem suas vidas ameaçadas, seus bens confiscados, sua
liberdade suprimida. Com o intuito de manter essa liberdade e todos os benefícios que
dela decorrem, é fundamental a criação de um “corpo político-social” unificado,
composto por aqueles que aderiram ao contrato e que se comprometeram em limitar um
quantum de sua liberdade para que a vida comum fosse possível, sem que a vida
individual fosse ameaçada. Em uma sociedade policiada, administrada politicamente, a
vingança perde o espaço para a justiça, quando são observados os critérios de
proporcionalidade, publicidade, equididade na discussão de conflitos e o respeito a um
conjunto de leis politicamente constituídas decorrentes do pacto fundamental, que são
expressões, em essência, do acordo livre de vontades, ou do consentimento mútuo de
indivíduos.
Nota-se, com isso, que sociedade e estado, sociedade e poder político tem uma
relação umbilical, de tal forma que não se pode pensar a reunião dos homens entre si,
sem que um poder independente, produto de acordo mútuo de vontades, seja o
responsável pela administração da vida em comum, que se formaliza a partir de então.
Cabe a nós, agora, nos voltarmos à argumentação específica dos autores desta tradição
teórica de pensamento político, pelo menos os mais consagrados pela historiografia
(Hobbes, Locke e Rousseau), com o fito de precisarmos mais o sentido que cada um
deles deu a essa forma de explicar a relação originária e fundamental entre estado
político e sociedade.
Para Hobbes, em primeiro lugar, os homens, em sua condição natural, são
entendidos como sujeitos desejantes e racionais autorizados a dispor de qualquer meio
necessário para obterem os bens que julgam importantes para a manutenção da vida. No
entanto, esta liberdade ampla e a igualdade natural (nenhum homem é capaz de subjugar
completamente o outro) de buscar poder e mais poder, bem como a capacidade de todos
fazerem o maior mal uns aos outros, gera um estado, no qual a vida passa a ser mais
ameaçada do que garantida. Essa situação paradoxal é engendrada quando agentes em
relação, ou em composição, buscam tudo aquilo que, segundo o cálculo da razão e o
impulso do seu desejo, lhes assegura a manutenção da vida. Afinal, quem tem direito
aos fins, também possui, nestas circunstâncias, o direito aos meios para a conquista dos
fins. Desse modo, aquilo que, a princípio, é bom para cada um, pode ser terrível para
todos, em um contexto de interação ampla e diversificada. Nesse aspecto, a liberdade
entendida como ausência de impedimento ao movimento, pode não ser efetivada quando
a interposição de alguém ameaça o movimento de outro alguém.
A origem da paz, a partir da consolidação do contrato, vai requerer uma
renúncia, autorizada pela razão, que implica no abandono de uma situação de disputa
sem limites em que os indivíduos são governados pelo auto-interesse – uma situação de
incompatibilidade de interesses – para a produção de uma condição de compatibilização
e composição de interesses. Há, com isso, o reconhecimento de que a condição natural,
de conflito generalizado, é a pior forma de composição possível entre os indivíduos. Ao
reconhecerem a precariedade dessa condição, num cálculo de riscos e benefícios, os
indivíduos concebem ser necessária a criação de um artifício que não pertença a esta
esfera de disputa de vontades particulares, de modo a assegurar o interesse comum e dar
fim ao medo e ao risco da morte iminente. Assim, o ato de renúncia e de pacificação só
é requerido pela razão se, e somente se, no momento do contrato, for confeccionado um
ente que não seja uma pessoa física, mas um construto, com a finalidade última de
assegurar a paz.
Este ser criado tem o estatuto de artifício, porque tem sua gênese na
intencionalidade dos sujeitos, como produto da deliberação humana que não tem, na
ordem da causalidade natural, uma existência determinada. O ser criado pela renúncia
coletiva – o estado político – não existe independentemente dos indivíduos, mas o
estado é o efeito de um gesto criador cuja finalidade primordial, e inalienável para
qualquer indivíduo, é a manutenção da vida dos cidadãos que o compõem. Nesse
sentido, o bem do estado, preservar sua integridade e identidade pela manutenção do
movimento que lhe é interno, coincide e é formalmente semelhante em relação ao bem
último dos homens que lhe servem de matéria. Todavia, Hobbes pretende mostrar que a
sociedade política só seria viável se instituído fosse um poder político absoluto, não
importando, por outro lado, a forma de governo elegida, pois mesmo o monarca
absoluto não teria mais poder do que uma assembleia o teria no regime democrático.
Desse modo, aqueles indivíduos que formalizaram o contrato autorizam, cada um deles,
o soberano (titular do poder político) a governá-los, de tal forma que todas as pessoas
também consintam. Uma vez que os particulares recusaram o exercício do direito de
governarem a si mesmos, decorre do pacto uma transferência ou doação de direito que
obriga os cidadãos perante o soberano, sem que a obrigação, por sua vez, seja recíproca.
Por fim, pode o soberano, legitimamente, dispor das pessoas, de suas forças e de suas
vidas, tal como eles delas dispunham no estado de natureza.
Com relação à Locke, por outro lado, pode-se dizer que seu estado de natureza
tem algo de social, porque esta condição primeira dos homens diz respeito a uma
comunidade moral e que indivíduos detêm reservas potenciais de direitos e de poder
constituinte. Locke, contrariamente a Hobbes, faz questão de sublinhar que o estado de
natureza não se identifica com um estado de guerra, acreditando que seria possível viver
uma vida aceitável, mesmo na ausência de um governo. O estado de natureza de Locke
seria um estado de perfeita liberdade, no qual a lei natural permite-nos fazer o que seria
moralmente permitido. Desfrutam os homens, juntos, de todas as vantagens da natureza,
do uso das ferramentas das faculdades mentais e da inexistência de qualquer
subordinação ou sujeição. Para Locke, os homens são absolutamente livres para decidir
o que podem fazer, dispor de seus bens e de sua pessoa da forma como quiserem, sem
pedir autorização a nenhum outro homem. Pode-se dizer que seu estado de natureza
mostra uma espécie de anarquia, que, segundo Spitz, “não é caracterizada pela ausência
de toda norma comum, nem a ausência de toda a comunidade”, mas é caracterizada pela
ausência de um poder ou princípio de arbitragem e de coerção.
Locke pensa que, mesmo no estado de natureza, há uma lei natural eficaz com a
qual se possa gerar obrigações e punições, apoiada no direito natural, que qualquer
indivíduo tem o direito de ser o executor. Locke, de acordo com Gough, “tem de tomar
o cuidado de não pintar o estado de natureza em tons demasiado idílicos, pois assim terá
dificuldade de explicar por que o abandonamos e criamos o estado”. O problema
original que daria origem e justificaria o estado estaria, por sua vez, na administração da
justiça, pois sem um juiz imparcial e comum a interpretação e execução da lei de
natureza ficam comprometidas. Desse modo, com o intuito de preservar a propriedade
privada dos contratantes, a fundação da sociedade política e do governo administrador
se justifica pela rejeição aos inconvenientes da condição natural, na qual inexiste um
terceiro imparcial a dirimir possíveis conflitos.
Já em Rousseau, célebre pensador, filósofo, ensaísta, músico, cientista amador,
nascido em Genebra, na Suíça, suas reflexões teriam se iniciado a partir de duas
intuições fundamentais: uma primeira que entende o homem contemporâneo como um
ser oscilando da maldade à infelicidade, em função da forma de sociabilidade e
decrepitude das instituições políticas com as quais convive; em segundo lugar, entende
que, embora esteja inserido num quadro de infelicidade e corrupção generalizadas, o ser
humano é naturalmente inocente e livre. A partir de então, o esforço intelectual de
Rousseau gira em torno da concepção e justificação de instituições políticas e sociais
responsáveis a garantir ao homem a felicidade, a bondade e a liberdade, perdidas pela
decrepitude completa das relações de seu tempo presente. Tendo isso em vista, resta ao
pensador genebrino descobrir se o mal que o homem se impõe é uma condição natural
ou necessária, se a sociedade desigual é inalterável, ou se o mal decorre de alterações,
perversões e erros artificiais decorrentes do ser humano historicamente condicionado.
Como solução teórica ao problema contemporâneo, Rousseau entende que seria possível
levar adiante uma reforma institucional ampla, educacional, social e política, para
assegurar o fim da dependência degradante e generalizada entre os indivíduos, em nome
de uma dependência querida por todos na forma de leis.
Para garantir essa proposta, o filósofo vai defender que a desigualdade tem
origem na diferenciação socio-histórica que o homem se deu a si mesmo, tendo em vista
o que foi postulado no estado de natureza, ou seja, o isolamento do homem, sua
docilidade e inocência original e sua simplificação psicológica. O "homem selvagem" é
forte, tem poucas necessidades a serem satisfeitas e desconhece a sujeição e a
subordinação, tampouco conhece o que seja o meu e o teu. Com isso, construindo essa
imagem, essa hipótese metodológica, Rousseau quer indicar, por contraste, a ausência
de diferenciação significativa no estado de natureza, que a associação e a reunião dos
homens entre si, um tipo específico da determinação humana são as principais fontes de
desigualdade que, positiva ou negativamente, contribuem para a compreensão do estado
atual da existência entre os indivíduos e seus reflexos no campo da moral, da educação e
da política. A solução aos problemas adventícios da sociabilidade humana seriam
encontrados pela constituição de uma sociedade, a partir de um contrato social, em que
os homens obedecessem menos à força de uns contra os outros e mais às leis e à
impessoalidade da organização social politicamente determinada.
De acordo com o Rousseau, o isolamento no qual se encontra o homem no puro
estado de natureza impede o conflito generalizado com os semelhantes. Para que o
conflito exista, e a sociedade civil que põe termo a essas tensões, foi preciso que os
homens tenham se aproximado de algum modo e, em razão disso, tenham querido
renunciar à maneira simples de viver, solitária e uniforme, conforme a natureza. Os
homens só se tornaram inimigos após terem tornado-se sociáveis, já que os
desenvolvimentos da sociabilidade e das paixões caminham juntos. Associados os
homens em determinada circunstância, as paixões humanas são sempre fontes de
conflitos intermináveis. O gênero humano teria perecido nessa situação se não tivesse
percebido a necessidade de renunciar à vida independente na natureza e não tivesse
concebido um artifício, ou convenção, para que a vida pacífica fosse possível. O
artifício em questão é o contrato social, que dá origem às sociedades civis. Essa
convenção tem como objetivo instituir a sociedade geral do gênero humano, funda o
Estado e, ao mesmo tempo, a sociedade. Foi necessário que os homens tenham se
despojado de sua condição original de isolamento para que as sociedades políticas e o
regime legal fossem necessários.
De outro modo, foi a utilidade comum, ou seja, o acordo de interesses
particulares que tornou possível a associação civil e, por conseguinte, a formação do
laço social. Já o pacto, seria o fundamento da obrigação a ser observada na relação com
o titular do poder político, o soberano. O problema da sociedade e sua relação com a
política carrega uma questão de fato e uma de direito: em primeiro lugar, a origem da
sociedade e as motivações que levaram os homens a renunciar sua vida natural e, em
segundo lugar, um problema jurídico, ou seja, a fundamentação da autoridade política
legítima.
Em suma, em Rousseau, como também em Hobbes, foi a partir da sociabilidade
que as instituições políticas se fizeram necessárias e porque foram necessárias tornaram-
se possíveis. O contrato social é, por sua vez, uma obra da razão, pois o acordo entre
homens só foi possível porque a sociabilidade teria engendrado, como efeito, o
aprimoramento da razão, a fornecer os remédios para os males dos quais ela é
responsável.
SOCIEDADE CIVIL E ESTADO EM HEGEL

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) erigiu sua filosofia política a partir
de um esforço mais amplo e coerente de traduzir teoricamente, ou seja, no conceito, o
fenômeno histórico do surgimento do Estado moderno. Embora o filósofo não tenha
destacado alguns elementos que serão fundamentais para a filosofia política posterior
(divisão e luta de classes, partidos políticos...), a figura do Estado hegeliano antecipa o
destino do Estado moderno nos últimos dois séculos.

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que o pensamento hegeliano se coloca em


franca polêmica com a tradição jusnaturalista (dissolução), ele, por outro lado, assume a
tarefa iniciada pelos filósofos do direito natural de justificar o Estado como o momento
supremo da vida associada (realização).

A filosofia política de Hegel sustenta que o todo, entendido como totalidade


ética, precede lógica e historicamente as partes, isto é, os indivíduos. De fato, essa
totalidade ética se identifica com a realidade concreta e social que compreende todos os
indivíduos que, por serem pessoas humanas, são essencialmente livres e iguais e que,
portanto, devem se constituir como sujeitos de direito. Dito de outro modo, o indivíduo
existe na mediação sócio-histórica da liberdade, concebida como liberdade na
totalidade, isto é, como liberdade concreta que é liberdade de obedecer à lei, na medida
em que esta é a expressão do Estado considerado como “racional em si e para si” 3.
Trata-se, destarte, da liberdade como autonomia.

3
As categorias “em-si” e “para-si” têm, em Hegel, um uso mais fluido e distinto do que sugerem as
descrições de seu sistema filosófico. Por isso, é muito difícil apreender completamente seus significados.
Além disso, o todo é superior às partes das quais é composto. Por isso, a vontade
do povo é absoluta e deve prevalecer sobre a vontade do indivíduo. No entanto,
diferentemente de Rousseau, a vontade do povo em Hegel é a vontade como
racionalidade “em-si” e “para-si”. Isso significa que o filósofo reconhece a categoria do
contrato tão-somente como figura jurídica, cuja validade se restringe ao direito privado.
Portanto, a teoria do contrato social é uma transposição indevida de uma categoria
exclusiva da esfera privada para a esfera pública. A consequência disso é que, do ponto
de vista político, a vontade objetiva da Constituição Estatal resulta submetida aos
ditames da vontade arbitrária dos indivíduos. O Estado, portanto, não pode ser o
resultado do arbítrio dos indivíduos, senão fruto de um processo de racionalização.

Já com o conceito de “totalidade ética” ou “eticidade”, Hegel introduz uma nova


dimensão à vida política e social, superando o dualismo jusnaturalista entre público e
privado e interesse individual e interesse coletivo. Trata-se de uma concepção
organicista da relação Estado e sociedade civil, segundo a qual há uma identidade entre
a vontade particular e a vontade universal, cuja figura é uma comunidade popular
concebida como totalidade viva e histórica, na qual o sujeito é a coletividade, um todo
orgânico, e não o indivíduo ou a soma dos indivíduos. Em outras palavras, essa relação
requer que cada cidadão identifique seus interesses com os interesses do Estado.

Assim sendo, a esfera da sociedade civil é o domínio das necessidades e dos


conflitos dos interesses individuais, da corrupção física e ética dos indivíduos,
abandonados aos seus impulsos mais egoístas. As instituições que surgem daí para
normatizar e administrar o sistema de necessidades constituem tão-somente um
momento de ordenação, não de superação do Estado de Natureza jusnaturalista. No
pensamento político de Hegel a sociedade civil é a união da sociedade natural e
sociedade política de John Locke. Nesse sentido, uma concepção puramente econômica
do escopo do Estado articulada a uma visão fundamentalmente privatista do direito não
é capaz de transcender os limites da sociedade civil.

Para Hegel, uma verdadeira ultrapassagem da sociedade civil exige a


transformação de uma universalidade meramente formal (noção de Estado vazio de
conteúdo) em uma realidade orgânica, cujo processo consiste em um movimento que

Para os propósitos deste texto, grosso modo, utilizaremos a categoria “em-si” significando: imediato,
potencial e consciência que não adquiriu a autoconsciência. Já o “para-si” significando: mediato, efetivo
(real) e autoconsciência.
procede da família (universal abstrato), passando pelas instituições intermediárias da
sociedade civil (particular) e culminando no Estado (universal concreto ou
singularidade), reconhecido como momento supremo e não mais superável da vida
coletiva.

Nesse sentido, o processo de racionalização do Estado iniciado pelos filósofos


jusnaturalistas encontra em Hegel sua expressão mais radical. Como bem nota Bobbio:

E justamente porque o homem só encontra no estado sua salvação, deve tentar


construir o Estado à sua imagem e semelhança. A racionalização do Estado
procede pari passu com a convicção de que o Estado é a forma mais alta ou
menos imperfeita da convivência humana, e só no Estado o homem pode
conduzir uma vida em conformidade com a razão. (BOBBIO, Norberto, 1989,
p. 41)

Hegel morreu no auge de sua carreira, deixando como legado um sistema


filosófico completo e com uma posteridade importantíssima para a teoria política
ocidental. No período compreendido entre sua morte e o advento das Revoluções de
1848, diversos sistemas filosóficos emergem com base no pensamento hegeliano,
sustentando perspectivas filosóficas díspares entre si e problematizando elementos
constitutivos do sistema filosófico desse pensador. Entre os discípulos de Hegel,
destacavam-se os jovens hegelianos de direita e de esquerda.
OS JOVENS HEGELIANOS DE ESQUERDA

Fotos: da esquerda para a direita - Bruno Bauer, Max Stirner, David Strauss,
Ludwig Feuerbach, Edgar Bauer.

Os Jovens Hegelianos de esquerda se reuniam no Hippel’s Weinstube (Taberna de


vinhos de Hippel) em Berlim nos agitados anos de 1840 a 1845. Oriundos, em sua
maioria, da Universidade de Berlim, eles constituíam um grupo profundamente
intelectualizado, cujo objetivo comum consistia na aplicação contínua do método
dialético de Hegel. Os hegelianos de esquerda realizaram críticas densas à religião e
buscavam extrair inferências da filosofia de Hegel para fundamentar a necessidade de
democratizar as relações políticas na Prússia. O movimento dos hegelianos de esquerda
era representado nomeadamente por David Strauss, Bruno Bauer e Edgar Bauer (os
irmãos Bauer), Max Stirner e outros. Integraram também a essa corrente de pensamento,
por algum tempo, Ludwig Feuerbach, bem como Karl Marx e Friedrich Engels na sua
juventude.
Os hegelianos de esquerda consideravam haver na concepção de Estado em Hegel
um conteúdo humanista, emancipador. Consideração essa alicerçada na ideia de
superação do regime monárquico na Prússia e na instituição de Estado racional e livre,
inspirada na construção filosófica hegeliana de monarquia constitucional. Entretanto, a
partir de 1841, alguns hegelianos de esquerda, nomeadamente Marx e Engels, passaram
por uma profunda inflexão, desencantados com as contradições expressas na reforma
constitucional de cunho liberal, implementada no reinado de Frederico Guilherme IV. A
reforma instituiu uma monarquia constitucional fundada em um genuíno pacto entre a
aristocracia e a burguesia. Esse arranjo político leva Marx a colocar sob questionamento
a compreensão hegeliana do Estado como expressão da racionalidade e da
universalidade.
Em 1842, quando Marx era redator-chefe da Gazeta Renana, as controvérsias
envolvendo a lei que estabelecia a criminalização de práticas sociais seculares levam o
jovem hegeliano a um reexame de seus pressupostos teóricos. Tratava-se do
recolhimento pelos camponeses da Mosela da madeira caída nas propriedades florestais.
A Dieta da Renânia (atos da assembleia dos Estados) dedicou-se, entre outubro e
novembro de 1842, a instituir sanções àqueles que entrassem nas matas e nos bosques
privados para coletar os galhos e os gravetos caídos. A lei passa a tratar essa prática,
tolerada durante séculos e avalizada pelo direito consuetudinário, como furto de
madeira, passível de anos de prisão, multa e indenização.
Os embates envolvendo o processo de transformação do direito consuetudinário
de coletar madeira nas propriedades florestais em delito, em furto, representou um
marco crucial no amadurecimento intelectual de Marx. Ao enfrentar as tensões políticas
e sociais, sem precedentes, desencadeadas por esse episódio, ele é impelido a buscar,
celeremente, chaves de compreensão teórica para essa realidade. Se, por um lado, o
jovem jornalista assume posição na luta de classes a favor dos camponeses da Mosela,
por outro, ele ainda não tem categorias germinadas que permitam a passagem do
democrata revolucionário ao socialista consciente. Não obstante, os debates sobre o
furto da lenha contribuíram para que o hegeliano de esquerda compreendesse o Estado
moderno, bem como a relação Estado e sociedade civil de forma mais adensada, para
além da concepção hegeliana.
Essa compreensão mais adensada da relação Estado e sociedade civil em Marx
decorre de seu reexame teórico-crítico das formulações basilares do pensamento social
produzido na modernidade. Portanto, as reflexões desse pensador sobre a questão do
Estado e a visão hegeliana da monarquia constitucional, apresentada na obra de 1843 –
Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – marcam o início de seu percurso em direção
ao materialismo histórico. Marx compreende, entre outras coisas, que não era o Estado a
base da “sociedade civil”, como sustentava Hegel, mas sim a sociedade civil que
constitui o alicerce e a força motriz do Estado.
ESTADO E SOCIEDADE CIVIL EM MARX

Fotos: da esquerda para a direita - Karl Marx e Friedrich Engels.

A produção de Marx inaugura um referencial teórico sobre a relação entre as


categorias Estado e sociedade civil. Marx se debruça sobre esse tema influenciado pelo
materialismo de Feuerbach (que se pretendia uma crítica ao idealismo hegeliano), pela
filosofia do direito de Hegel, pelas leituras dos economistas políticos clássicos e pela
situação política concreta dos alemães do século XIX.
A acepção de Marx em torno do Estado e da sociedade civil pode ser encontrada
no decorrer de sua vasta produção, desde 1843-1844 até a publicação de O capital.
Entretanto, os textos produzidos em Paris, conhecidos como Manuscritos Econômico-
Filosóficos, juntamente com a Crítica da filosofia do direito de Hegel - Introdução e A
questão judaica, podem ser considerados os marcos iniciais da crítica marxiana à
produção da filosofia idealista e política da época.
Nessas obras, Marx evidencia que as contradições e os fetiches da sociedade
capitalista impregnam as filosofias idealista e política, marcadas pela não ultrapassagem
do nível aparente da realidade. Para Marx, era preciso alcançar o conteúdo essencial da
sociedade burguesa. Sua crítica dizia respeito às operações da filosofia idealista, que
insistia em considerar o Estado, a população, o dinheiro e assim por diante categorias
descoladas da totalidade social.
Marx alerta para a necessidade de reconstrução histórica das seguintes categorias:
Estado, sociedade civil, mercadoria, capital, dentro de uma abordagem histórica, uma
vez que elas não fazem parte de uma “natureza humana” imutável e eterna. Elas são
construções históricas e precisam ser analisadas nessa perspectiva. Nesse momento,
Marx descarta toda a herança contratualista, que pressupunha a existência abstrata de
uma “natureza humana”. Para ele, mesmo a essência das relações entre os homens é
construída historicamente e precisa ser explicada pela história.
Com o intuito de demonstrar que o Estado não é um “princípio de universalidade
e racionalidade” nem uma instância para além dos “interesses particulares”, como
queria Hegel, nem uma esfera instituída a partir da elaboração de um suposto e abstrato
pacto (que nunca fora comprovado), como queriam os contratualistas, Marx recorre ao
estudo do Estado burguês concreto e aos princípios ideológicos que o orientam, isto é, a
Declaração dos Direitos do Homem.
Toda linha de argumentação construída em A questão judaica está elaborada no
sentido de crítica aos valores burgueses edificados na Revolução de 1789. Ali, pode-se
observar que o homem abstrato coincide com a figura do burguês capitalista – é um
indivíduo proprietário privado, preocupado com seus interesses particulares e com a
ampliação de seus negócios. Na Declaração estão ausentes considerações que pudessem
ser o suporte à emancipação de todas as classes sociais. A Declaração como marco ideal
e a Revolução Burguesa como marco histórico-concreto asseguram o início do que
Marx chama emancipação política, ou seja, a garantia de direitos invioláveis para a
burguesia e a instauração de um Estado liberal.
Os dois marcos históricos favoreceram largamente a burguesia como classe social,
pois ela incorporava o imenso acúmulo de riquezas econômicas e poder político,
reunidos durante o período que Marx chamaria, em sua obra, O capital, de acumulação
primitiva de capital. Esse período decorre entre os séculos XV e XVIII, quando a
burguesia adquire um papel fundamental nas relações mercantis internacionais.
Marx demonstra que as disputas entre os interesses particulares se materializam
na anarquia dos mercados, onde a mercadoria será a mediação universal das relações
sociais. Longe de ser o “reino da liberdade”, a sociedade civil-política burguesa, regida
pela lógica da acumulação de capital, lança milhares de seres humanos em uma situação
de pobreza extremada – será criada uma superpopulação relativa que será
sistematicamente expulsa do mercado de trabalho, único meio de preservação de sua
sobrevivência. Em outras palavras, a sociedade civil-política inaugurada a partir da
Revolução de 1789 liberta a burguesia das amarras da aristocracia feudal. De posse da
propriedade privada dos meios de produção, a burguesia passa a requerer, ou descartar,
a força de trabalho necessária às suas atividades de acumulação de capital. Isso implica
a incorporação e a expulsão sistemática de trabalhadores do mercado de trabalho.
Ele constata que no período de acumulação primitiva a expropriação dos
camponeses de suas terras e a consequente destituição desses trabalhadores de seus
meios de produção os submeteram à condição de mercadoria, restando-lhes apenas para
sua sobrevivência a venda de sua capacidade de trabalho, em um mercado dominado por
burgueses enriquecidos. Marx observa que o Estado burguês vai ter seu principal papel
na regulação dessas que são as relações fundamentais da sociedade civil-política
burguesa – as relações de produção. Sendo assim, o Estado é sempre uma instância em
desfavor dos trabalhadores, pois pode regular, mas nunca extinguir, esta mediação
fundamental: a exploração do trabalho pelo capital.
Na compreensão de Marx, o Estado é uma esfera a favor das classes dominantes
desde seus primórdios, nas sociedades escravistas da Antiguidade. Surgiu para proteger
os interesses da classe dominante e controlar as revoltas dos escravos. Inicialmente,
havia apenas alguns traços essenciais do Estado moderno, como a presença de um corpo
policial-militar, de uma burocracia hierárquica, cobradores de impostos, escribas e
mensageiros, em suma, um corpo de funcionários públicos. Posteriormente, novas
configurações vão se aglutinando a esses traços essenciais.
Esses traços constitutivos do Estado pré-burguês desautorizam as idealizações dos
contratualistas, que viam o Estado como esfera positiva da sociabilidade. O Estado
burguês incorpora essas características. Do mesmo modo, características inéditas
ganham espaço, por exemplo, a incorporação de interesses organizados pela força de
trabalho.
O que é a sociedade, qualquer que seja a sua forma? O produto da ação
recíproca dos homens. Os homens podem escolher livremente esta ou aquela
forma social? Nada disso. Pegue determinado estágio de desenvolvimento das
faculdades produtivas dos homens e terá determinada forma de constituição
social, determinada organização da família, das ordens ou das classes; numa
palavra, determinada sociedade civil. Pegue determinada sociedade civil e terá
determinado Estado político, que não é mais que a expressão oficial da
sociedade civil. (MARX, Karl, 2017, p. 188)
Portanto, em Marx, o Estado não inaugura a sociedade civil, antes, ele se ergue a
partir dela em consonância com o interesse de determinada classe social. A recuperação
histórica do surgimento do Estado permite que Marx demonstre a vinculação orgânica
entre Estado e capital. A emancipação política garantida pela Revolução de 1789 não
assegura o próximo passo no avanço da emancipação da humanidade. Para dar esse
passo, seria necessário extinguir o Estado como esfera alienada das relações sociais,
extinguir o capital como força centrífuga que domina as relações humanas. A radical
alteração da sociabilidade burguesa apresenta-se como eixo dos princípios
revolucionários marxianos que deveriam ser levados a cabo pelo proletariado, única
classe social que nada teria a perder com o fim da sociedade burguesa.
O ESTADO AMPLIADO DE ANTONIO GRAMSCI

Inicialmente, é fundamental que possamos compreender o contexto sócio-


histórico no interior do qual Gramsci elabora suas reflexões concernentes à questão das
relações entre o Estado e a sociedade civil. Nascido na Sardenha, Itália, em 22 de
janeiro de 1891, Antonio Gramsci estudou em Turim, ingressando no Partido Socialista
Italiano em 1913; participou da fundação do Partido Comunista Italiano (PCI) em 1921,
o qual era parte integrante da Internacional Comunista, a chamada III Internacional.
Com a ascensão do fascismo na Itália, a partir de 1922, o filósofo italiano foi preso em
1926, sendo condenado no ano seguinte a 20 anos de prisão, período no qual produziu,
em condições bastante adversas, sua obra de maturidade. Corporificada em 33 cadernos
de tipo escolar, essa obra foi resgatada do cárcere fascista por Palmiro Togliatti,
secretário do PCI, com a ajuda de Tatiana Schucht, cunhada de Gramsci. Esses cadernos
foram publicados postumamente como Cadernos do Cárcere. Após adoecer na prisão,
Gramsci morreu em 27 de abril de 1937, vítima de um derrame.

Nesse cenário, Gramsci vivenciou um contexto sócio-histórico peculiar, cujos


eventos centrais foram a 1.ª Guerra Mundial, a Revolução Russa de 1917, a crise do
Estado liberal, em 1929, e a recessão econômica que se seguiu a essa crise nos anos
1930. De fato, essa época foi marcada por uma complexificação das relações entre
Estado e sociedade civil, decorrente da intensificação dos processos de socialização e
participação política, pela formação de sindicatos, dos partidos de massa e pela
conquista do sufrágio universal. Foi, portanto, nesse contexto de complexificação dessas
relações que o pensador italiano elaborou sua concepção de Estado Integral, ou, como
ficou conhecido posteriormente, “Estado ampliado”.

No pensamento gramsciano, a relação entre o Estado e a sociedade civil é


orgânica, ou seja, o Estado é ampliado porque é caracterizado pelo arranjo sistemático
entre ambos e os aparelhos privados de hegemonia. Trata-se, portanto, de uma
totalidade relacional e complexa, cujas estruturas são inseparáveis. Nesse sentido,
qualquer separação entre o Estado e a sociedade civil é meramente metodológica.
Ambos mantêm uma relação de identidade na diferença, segundo a qual os dois
possuem aparelhos que os definem e distinguem, constituindo-se organicamente como o
fundamento do poder do Estado em sentido ampliado. Segundo Gramsci:

[...] especula-se inconscientemente [...] sobre a distinção entre


sociedade política e sociedade civil e se afirma que a atividade
econômica é própria da sociedade civil e a sociedade política não deve
intervir na sua regulamentação. Mas, na realidade, essa distinção é
puramente metodológica, mas não orgânica (Gramsci apud Liguori,
2007, p. 16).

Com relação ao trecho acima, é oportuno esclarecer o que Gramsci entende por
“sociedade política” e “sociedade civil”. A primeira, que pode ser entendida também
como o “Estado em sentido estrito” ou “Estado-coerção”, se constitui como o conjunto
de instituições políticas e de controle legal constitucional que compreende os aparelhos
de coerção e repressão do Estado (exército, polícia, a administração pública e os
tribunais). Em outros termos, trata-se do rol de mecanismos por meio dos quais a classe
dominante possui o monopólio legal da repressão e da violência. Já a segunda, que pode
ser concebida também como Estado ético, é formada pelo conjunto dos aparelhos
privados de hegemonia, cujo escopo é a elaboração e/ou difusão de ideologias. Esse
conjunto de organizações – escolas, igrejas, partidos políticos, sindicatos, organizações
profissionais, meios de comunicação, etc. – são o âmbito da sociedade civil onde se
formam as consciências com relação à aceitação ou não da ordem que se encontra em
vigor.

Assim sendo, para Gramsci, diferentemente dos contratualistas, não é possível


separar a sociedade política (Estado) da sociedade civil, muito menos identificá-los,
pois, embora distintos, são componentes constitutivos e inseparáveis do Estado
ampliado. Dito de outro modo, o Estado ampliado consiste na união orgânica entre
Estado em sentido estrito (sociedade política) e sociedade civil, lócus da disputa entre as
classes sociais pelo exercício da hegemonia 4.

Nesse sentido, o acesso à conservação da hegemonia dos grupos que já dominam


ou à construção de uma nova hegemonia se dá por intermédio dos aparelhos privados de
hegemonia. Por meio destes, as classes divulgam sua mundividência e tentam formar
um consenso em torno dela. Como artífices das lutas contra-hegemônicas na sociedade
civil, esses aparelhos podem tanto garantir conquistas sociais, quanto avançar no
enfrentamento do Estado em sentido estrito.

Por outro lado, o Estado ampliado, diferentemente do Estado restrito liberal,


para além de ser entendido como a ampliação de agências e instituições públicas,
incorporando reivindicações, demandas ou representações de grupos sociais distintos;
para além de ser entendido como uma ampliação dos serviços oferecidos pelo Estado
em sentido estrito para camadas cada vez mais extensas da população; significa, mais
fundamentalmente, uma trincheira avançada por meio da qual se pode penetrar através
das defesas do Estado capitalista, ultrapassando as fronteiras de sua própria
institucionalidade.

Portanto, de acordo com Gramsci, a sociedade civil não se eleva acima das
relações sociais dominantes. Pelo contrário, ela está imersa nessas relações. Além disso,
nem o Estado e, nem mesmo o mercado, são entidades sui generis, exteriores à
sociabilidade promovida pelo capital, visto que estão indelevelmente imiscuídos na
trama complexa da vida social.

4
No que diz respeito ao significado que deve ser atribuído a “hegemonia”, desde o início (Q 1, 44, 41), G.
ele oscila entre um sentido mais restrito de “direção” em oposição a “domínio”, e um mais amplo e
compreensivo de ambos (direção mais domínio). Com efeito, ele escreve que “uma classe é dominante em
dois modos, isto é, é ‘dirigente’ e ‘dominante’. É dirigente das classes aliadas, é dominante das classes
adversárias. Portanto, uma classe desde antes de chegar ao poder pode ser ‘dirigente’ (e deve sê-lo):
quando está no poder torna-se dominante, mas continua sendo também ‘dirigente’”. LUGUORI, Guido e
VOZA, Pasquale (orgs.). Dicionário Gramsciano: 1926-1937. São Paulo: Editora Boitempo, 2014, p.
693.
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