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Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Vol.

1 – janeiro/dezembro de 2008

FUNDAMENTOS POLÍTICOS DA MODERNIDADE

Filipe Brunelli Falcão


Faculdades Integradas Claretianas – Rio Claro
fbfalcao@hotmail.com

Sérgio Dalaneze
Faculdades Integradas Claretianas – Rio Claro
maser2@uol.com.br

Resumo

As teorias sobre o poder são instrumentos de construção de organismos políticos e de


grande parte dos diplomas jurídicos e políticos dos países ocidentais, incluindo-se, entre
eles, o Brasil. O objetivo do presente trabalho é analisar os fundamentos políticos da
modernidade, ressaltando os ideais de John Locke, Jean Jacques Rousseau e Montesquieu,
extraindo a importância e relevância de suas idéias para a concretização do Estado de
Direito e o fim dos regimes totalitários. Os recursos metodológicos utilizados pautam-se na
análise histórica da filosofia dos iluministas em questão.
Palavras-chave: Locke, Montesquieu, Rousseau, filosofia, fundamentos políticos.

Introdução
O advento da modernidade trouxe ao homem uma série de novos problemas, e, por
conseguinte novas respostas. Um grande problema que necessitava de resposta adequada
ao novo momento vivido pela sociedade, era o da legitimidade do poder. A teoria do direito
divino dos reis não mais respondia aos anseios racionalistas e empiristas da modernidade.
Assim, surgem vários pensadores que se debruçaram sobre o tema. Este artigo procura
evidenciar a importância de três desses pensadores para a formação das idéias e teorias
políticas da modernidade.
A filosofia de John Locke parte da premissa de que o homem é naturalmente social, com
isso, o referido filósofo não possui visão pessimista do estado de natureza, uma vez que
este é um estado de paz, e esta paz apenas seria quebrada pela ausência de um terceiro
que julgasse os conflitos existentes.
O surgimento do contrato está exatamente ligado a idéia de que é imprescindível um
terceiro para decidir as lides surgidas na vida social, ou seja, estado civil e estado de
natureza “caminham” juntos, pois o primeiro é erigido para garantir a proteção aos direitos
naturais, uma vez que estes se encontravam em grande perigo no estado de natureza, em
virtude de sua vulnerabilidade. Sendo assim, o filósofo democrata e liberal afirma que a
guerra e a desordem são os motivos que realmente ameaçam os homens, e, por
conseguinte, dão ensejo à formação das regras e das leis que constituem o modo de vida
regido pelo Estado.

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Uma peculiaridade do filósofo em questão, que se deve ressaltar, é a sua posição em favor
do direito de resistência, uma vez que não é permitido aos magistrados utilizarem sua
autoridade para desrespeitar os direitos naturais, pois tal autoridade lhes foi conferidas para
fins de proteção. Observa-se, portanto, que a originalidade da obra de John Locke encontra-
se na defesa radical dos direitos naturais, direitos estes que não são inatos, mas de fácil
apreensão pela razão, e não podem, em hipótese alguma, serem desrespeitados pelo
estado civil, que é instituído exatamente com o intuito de assegurar sua proteção.
Concernente à Montesquieu, sua obra é repleta de peculiaridades que traz ao leitor uma
série de fatos históricos e curiosidade universal dando ao seu trabalho traços de
enciclopedismo. Talvez por isso, foi lhe atribuído o título de precursor de diversas
disciplinas, tais como da sociologia, do determinismo geográfico, e, quase sempre, como o
1
cientista político que desenvolveu a Teoria dos Três Poderes.
Como era conhecido, o Barão de Montesquieu, que fazia parte da nobreza, não tinha como
objeto de estudo a restauração do poder de sua classe social, mas sim de como tirar
proveito de algumas características do poder nos regimes monárquicos, com o objetivo de
garantir maior estabilidade aos regimes que precederam as revoluções liberais.
Com isso, percebe-se que o estudo do filósofo francês, tem como preocupação central a de
compreensão das razões da decadência das monarquias, assim como dos mecanismos que
garantiram por muito tempo a sua estabilidade, mecanismos estes que Montesquieu
identifica na noção de moderação, isto é, o ponto central de equilíbrio do funcionamento
estável do todo e qualquer governo.
As principais teorias de Montesquieu encontram-se em “O Espírito das Leis”, obra que o
consagrou como um dos grandes filósofos iluministas, uma vez que neste texto estão
contidas não apenas diversas análises políticas e históricas, mas também o
desenvolvimento da Teoria dos Três Poderes, o que foi extremamente importante para
eternizar o Barão de Montesquieu dentro da Ciência Política.
No tocante à Jean-Jacques Rousseau, seus ideais pautam-se no chamado Contrato Social,
isto é, uma deliberação conjunta direcionada á formação da sociedade civil e do Estado,
com o objetivo de garantir liberdade ao homem.
Nesse diapasão, a união proveniente do Contrato objetiva a realização de uma utilidade
geral, portanto, a vontade geral que funda o pacto entre indivíduo e sociedade, destina-se à
realização da igualdade entre os homens. Dentro dessa perspectiva, o valor “igualdade”
deverá governar o pensamento dos pactuantes, pois é ela que garante a realização do
interesse comum dos membros. Sendo assim, a noção do contrato social está exatamente
ligada à idéia de bem comum.
Quando se fala em bem comum, deve-se observar que tal situação provém de uma relação
em que prevalece a paridade dos direitos e deveres, pois, em contrapartida à adesão dos

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indivíduos ao Contrato e sua obediência às leis proclamadas, está o imperativo de que o


soberano deve se condicionar à obediência das referidas leis e objetivar a finalidade do
pacto, ou seja, o interesse comum.
Para Rousseau, o Contrato busca a realização da vontade geral, isto é, a observância do
interesse público, e define esta vontade geral como sendo a participação de todos com a
formação de um senso comum, ou seja, o filósofo remonta de certa forma às bases da
democracia já idealizadas na Antiguidade Clássica, na qual a soberania popular deve ser a
essência do Governo.

1. John Locke (1632 – 1704)

Para entender a parte mais original da filosofia política de Locke 2 , deve-se primeiro analisar
o estado de natureza segundo a sua concepção, pois é por meio dessa idéia que se
estruturam todas as bases para a fundamentação em favor dos direitos fundamentais da
pessoa humana.
Segundo Locke, o estado de natureza é um estado em que todos os homens estão
naturalmente, ou seja, é um estado de perfeita liberdade no qual os indivíduos regulam suas
ações e dispõem de suas posses e pessoas da maneira conveniente, sem depender da
vontade de outrem. Todavia, Locke afirma que toda essa liberdade deve encontrar-se dentro
dos limites das leis da natureza. Não apenas a liberdade é característica marcante do
estado de natureza, mas também a igualdade, uma vez que toda jurisdição e poder são
recíprocos, não havendo ninguém mais importante que outra pessoa, ou seja, todos os
homens da mesma espécie e posição devem ser iguais uns aos outros, sem qualquer tipo
de sujeição ou subordinação.
Portanto, segundo as idéias de John Locke, estado de natureza não se confunde com
estado de guerra, contrapondo-se a Hobbes, e, como conclusão desse pensamento alude:
“Eis a clara diferença entre estado de natureza e estado de guerra, os quais, por mais que
alguns homens os tenham confundido, tão distantes estão um do outro quanto um estado de
paz, boa vontade, assistência mútua e preservação está de um estado de inimizade,
malignidade, violência e destruição mútua. Quando homens vivem juntos segundo a razão e
sem um superior comum sobre a terra com autoridade para julgar entre eles, manifesta-se
propriamente o estado de natureza. Mas a força, ou um propósito declarado de força sobre
a pessoa de outrem, quando não haja um superior comum sobre a terra ao qual apelar em
busca de assistência, constitui o estado de guerra”. 3
Como se pôde depreender das palavras do próprio Locke, o estado de natureza não é um
estado de guerra, mas pode vir a ser em razão da falta de um terceiro competente para
julgar os conflitos existentes na sociedade. E é exatamente essa falta de um juiz imparcial

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que garanta a plena liberdade e igualdade – de maneira que as prerrogativas de um não


impliquem em malefícios a outrem – que faz com que o estado de natureza seja
abandonado pelo homem, dando ensejo à criação do estado civil.
O estado civil é uma espécie de “remédio” para as inconveniências do estado de natureza,
sendo assim, o Estado para Locke é apenas uma instituição que viabiliza a convivência
natural entre os homens. Nesta perspectiva, na concepção do filosofo inglês, o estado de
natureza deve ser apenas corrigido para que haja condições de que este perdure, com
todas as suas vantagens consagradas no estado civil, mediante um sistema que imponha a
todos o dever de respeitar as leis naturais. Portanto, o estado civil tem a função de
conservar o bem – os direitos naturais: a igualdade e a liberdade – e eliminar o mal – a falta
de um juiz imparcial para julgar os conflitos e consagrar o exercício pacífico desses direitos
– do estado de natureza.
Segundo a análise de Bobbio 4 , e é neste ponto em que começa a se estruturar a parte mais
original da filosofia política de Locke, as idéias deste que descrevem o estado de natureza
não estão completas se não integrá-las a descrição de outro direito natural que se encontra
ao lado do direito à liberdade e à igualdade, trata-se neste ponto do direito individual à
propriedade. Com efeito, o cientista político italiano afirma que um dos maiores esforços de
Locke em sua teoria política é exatamente demonstrar que a propriedade é um direito
natural que surge e se aprimora no próprio estado de natureza, de forma independente e
antes da formação do Estado. Dentro dessa perspectiva, John Locke afirma a todo o
momento que um dos fins para os quais os homens se reúnem em uma organização estatal
é a preservação da propriedade.
Outra característica marcante de Locke é sua posição favorável à defesa dos direitos de
resistência, uma vez que o filósofo iluminista contesta em várias passagens de Dois
Tratados Sobre o Governo a legitimidade da ordem impetrada pelo soberano.
Neste contexto, para que o direito de resistência seja legítimo, Locke vislumbra uma
situação em que a sociedade civil entra em crise, e como conseqüência, retorne ao estado
de natureza. Tal retorno implica a volta a uma situação na qual não há outra lei, senão a lei
natural.
Com a finalidade de detectar os motivos pelos quais a sociedade civil pereceria, Locke
examina quatro formas de sua degeneração, são elas: a conquista, a usurpação, a tirania e
a dissolução do governo.
Ao iniciar o Capitulo XVI de sua obra mais expressiva, Locke afirma que a conquista está
longe de ser a causa precursora do estabelecimento de qualquer governo, uma vez que,
segundo o autor, no curso da história da humanidade, “muitos confundiram a força das
armas com o consentimento do povo e consideram a conquista uma das origens do
governo”, e logo em seguida completa: “Mas a conquista está tão longe do estabelecimento

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de qualquer governo quanto demolir uma casa está de construir uma nova no lugar dela” 5 .
Nesse diapasão, depreende-se dos pensamentos de Locke dois tipos de conquistas, sendo
elas as injustas e justas.
Segundo a linha de pensamento do filósofo inglês, aquele que conquista um Estado
injustamente não poderá nunca ter direitos sobre os conquistados, uma vez que o agressor
estaria em uma posição semelhante ao de um bandido, ou melhor, o conquistador o seria
em sua essência, com um único detalhe: portaria uma coroa em sua cabeça.
Quanto às conquistas justas, Locke advoga que o conquistador tem um direito despótico
contra aqueles que concorreram e ajudaram para a guerra contra ele, podendo, inclusive,
compensar seus danos e custos com o trabalho dos conquistados. Todavia, tal direito possui
limites e não pode ser exercido sobre aqueles que não consentiram na guerra, sobre os
filhos dos conquistados, e, nem tampouco sobre a propriedade deles, pois o direito do
conquistador recai exatamente sobre o próprio conquistado, de modo que, se atentar contra
a propriedade, passará a ser um agressor, e, por conseguinte, estabelecerá um estado de
guerra. Portanto, é facilmente perceptível que até mesmo em um caso de conquista justa é
viável, dentro das hipóteses mencionadas, que se configure a desobediência civil, isto é, o
direito de resistência.
Ao tratar da usurpação, Locke afirma ser esta uma espécie de conquista interna,
ressaltando que em hipótese alguma o usurpador pode ter o direito ao seu lado, uma vez
que apenas se pode usurpar o que a outro por direito pertence. Ainda na análise dessa
espécie de degeneração da sociedade civil, o filósofo iluminista alude que a mudança é
apenas de pessoas no poder, e não das formas e regras de governo.
No § 198 do Capítulo XVII da obra Dois tratados sobre o Governo, John Locke alude ser
parte necessária e natural de um governo legítimo a designação por parte do povo das
pessoas que exercerão o mando. Portanto, toda sociedade com forma de governo
estabelecida possui suas regras para nomear aqueles que exercerão as atividades de
cargos públicos, e, por tal motivo, qualquer um que chegue a ocupar tais cargos por meio de
outra via que não seja a pré-estabelecida pela ordem vigente não terá o direito de ser
obedecido
A terceira hipótese que legitima o direito de resistência é a tirania. Segundo a análise de
Bobbio sobre os pensamentos de Locke, tirano é aquele que recebeu o poder de maneira
legítima e o exerce com fulcro de adquirir vantagens pessoais, ou seja, o bem comum não é
tratado como prioridade pelo governante. Consoante as idéias de Locke, faz-se oportuno
transcrever suas palavras: “Onde termina a lei, começa a tirania, se a lei for transgredida
para prejuízo de outrem. E todo aquele que investido de autoridade exceda o poder que lhe
é conferido por lei e faça uso da força que tem sob seu comando para impor ao súdito o que

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a lei não permite, deixa, com isso, de ser magistrado e, agindo sem autoridade, pode ser
combatido, como qualquer outro homem que pela força invade o direito alheio”. 6 .
A última hipótese em que Locke vislumbra a possibilidade de resistência é no caso de
dissolução do governo. Encontra-se, neste ponto, uma dissolução interna que não atinge
toda a sociedade, mas apenas o poder constituído, isto é, tal situação não libera os
cidadãos do contrato social, somente limita a confiança nos governantes.
Locke afirma que a dissolução do governo pode ocorrer por meio de uma ação ilegítima
tanto do Executivo quanto do Legislativo, ou seja, quando um dos referidos poderes
sobrepõe-se ao outro.
Configura-se o despotismo do Executivo quando este substitui o Legislativo e o impede de
funcionar, ameaçando o princípio da subordinação dos poderes. Quanto à ação arbitrária do
Legislativo, configura-se por violação da confiança, essencialmente quando desrespeitados
os direitos naturais dos indivíduos. Em ambas as hipóteses, Locke defende que o poder
deve retornar ao povo, para que este retome a sua liberdade original e institua um novo
Legislativo.
Como conclusão de seu pensamento, Locke advoga a idéia de que não são as teorias que
dão ensejo às revoltas dos povos, mas sim os maus governantes, pois aqueles não se
rebelam por motivos torpes, somente após serem provocados longa e duramente. Portanto,
rebelde não é o povo, mas o abuso demasiado do poder, e, por tal motivo, a resistência não
pode ser chamada de rebelião, mas sim de justiça.
Por fim, com respaldo nas palavras de Bobbio, afirma-se que a “construção política de
Locke encerra-se com um apelo à resistência, à desobediência civil, ao direito que tem os
7
cidadãos de não se deixarem oprimir por governantes sem escrúpulos”. E ainda mais, o
filósofo inglês não poupa esforços para encontrar uma forma de governo em que a ordem
não seja o oposto à liberdade, e sim a sua forma de garantia. Com isso, a liberdade natural
deve preceder o estado civil, pois este é concebido como meio de preservação da liberdade
individual, e, por conseguinte, quando a ordem se torna ameaçadora a liberdade deve
prevalecer.

2. Montesquieu (1689 – 1755)

O Livro Primeiro da obra de Montesquieu alude a respeito “Das leis quanto às relações para
com os diversos seres”, ”Das leis da natureza” e “Das leis positivas”.
Ao tratar “Das leis quanto às suas relações para com os diversos seres”, no Capítulo I
Montesquieu define que “as leis, no seu significado mais amplo, são as relações
necessárias que derivam da natureza das coisas”. 8 . Neste contexto, o filósofo afirma que

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todos os seres têm suas leis, isto é, a divindade tem suas leis, assim como o mundo
material tem suas leis, e o homem tem suas leis.
Entretanto, quando as leis são concernentes aos homens, não se pode afirmar que estes
apenas estão submetidos às suas próprias leis, pois há aquelas que os seres particulares
inteligentes não concorreram para a sua existência.
A análise do Capítulo II do Livro Primeiro foca-se nas leis da natureza.
Segundo o autor, as leis da natureza vêm antes de qualquer outra, uma vez que decorrem
da constituição do nosso ser, e para conhecê-las, faz-se mister considerar o ser humano
antes do estabelecimento da sociedade.
Divergindo do pensamento de Hobbes, o qual concebe o estado de natureza como estado
de guerra, Montesquieu afirma que “todos se sentem inferiores, e é muito difícil alguém se
sentir igual. Por conseguinte, ninguém tentaria atacar o outro, e a paz seria, dessa forma, a
primeira lei natural” 9 .
Mais a frente, em sua explicação sobre as leis naturais, Montesquieu afirma que o temor
levaria os homens a se afastar uns dos outros. Todavia, o sentimento recíproco os fariam
aproximar-se, em razão do prazer que sente um animal à aproximação do outro de sua
espécie.
A última alusão feita por Montesquieu no Livro Primeiro, é a respeito das leis positivas.
O autor começa a sua exposição afirmando que o estado de guerra tem início logo que os
homens se reúnem em sociedade, pois eles perdem o sentido de fraqueza, e como
conseqüência, a igualdade entre eles desaparece.
Com isso, as sociedades e os homens passam a sentir a própria força, e, por conseguinte, a
ânsia de trazer para si as principais vantagens que possam existir, vantagens estas de
qualquer natureza, social, econômica ou até mesmo moral, gerando, deste modo, o estado
de guerra.
Seguindo essa trilha de raciocínio, consoante ao exposto, Montesquieu vislumbra três tipos
de leis positivas que nascem em virtude das circunstâncias criadas pelo estado de guerra,
quais sejam: Direito das Gentes, Direito Político e o Direito Civil.
Quanto ao Direito das Gentes, o autor francês afirma serem tais leis responsáveis pela
relação entre os diversos povos existentes no planeta. Já o Direito Político é aquele que visa
conservar a sociedade, ou seja, são as leis que devem ser aplicadas nas relações entre os
que governam e os que são governados. E, por fim, no tocante ao Direito Civil, têm-se as
leis que regulam a relação dos cidadãos entre si.
Ainda se tratando das leis positivas, Montesquieu advoga a idéia de que a lei, em geral 10 , é
a razão humana, pois ela governa todos os povos da terra, ao passo que, as leis civis e
políticas de cada nação, devem representar somente as peculiaridades dos casos em que
se aplica essa razão humana.

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Nesse diapasão, o filósofo iluminista complementa o seu raciocínio rezando: “As leis devem
ser de tal forma adequadas ao povo para o qual foram feitas que, apenas por um
causalidade, as de uma nação podem convir a outra” 11

2.1 Os três Governos

Em princípio, Montesquieu conceitua as três espécies de governo: o republicano, o


monárquico e o despótico. Eis as palavras do filósofo iluminista: “o governo republicano é
aquele em que o povo, como um só corpo, ou somente uma parcela do povo, exerce o
poder soberano; o governo monárquico é aquele em que um só governa, de acordo,
entretanto, com leis fixas e estabelecidas; e, no governo despótico, um só indivíduo, sem
obedecer a leis e regras, submete tudo a sua vontade e caprichos” 12 .
Neste contexto, é imperativo que se faça uma sucinta distinção entre a natureza e o
princípio do governo, uma vez que dessa distinção tiram-se muitas conseqüências, pois é a
chave de uma infinidade de leis. Portanto, quando se fala em natureza do governo, deve-se
vislumbrar o que tal governo realmente é, ao passo que o seu princípio é aquilo que o faz
agir.
Segundo os estudos de Montesquieu, o princípio da democracia é o que ele chama de
virtude. Tal princípio nada mais é que o amor pela república, ou seja, é um sentimento e não
uma série de conhecimentos.
Sendo assim, a virtude é elemento essencial para a manutenção de uma democracia, pois
as conseqüências causadas pelo seu desaparecimento resultariam em males irremediáveis
13
à sua existência.
Quanto ao governo monárquico, Montesquieu afirma ser a honra o seu princípio, uma vez
que esta movimenta todas as partes do corpo político, fazendo com que elas se liguem
umas as outras por sua própria ação, isto é, cada uma dessas partes se dirige para o bem
comum, acreditando servir os seus interesses particulares.
Nesse diapasão, segundo a filosofia do iluminista francês, nas monarquias a política
viabiliza a execução das grandes coisas, com o mínimo de virtude possível, ou seja, este
Estado subsiste independente do amor pela pátria, uma vez que as leis ocupam o lugar de
todas essas virtudes.
Seguindo este raciocínio, o governo monárquico supõe preeminências, categorias e uma
nobreza de origem, viabilizando que a ambição produza bons resultados neste governo.
Superado as análises concernentes à república e à monarquia, Montesquieu debruça-se
sobre o estudo do princípio do governo despótico.
Em breves palavras o autor define com exatidão qual o princípio do referido governo, não
sendo necessário mais que suas próprias palavras para explanar sobre o tema: “Do mesmo

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modo que é preciso que exista virtude em uma república e honra em uma monarquia, em
um governo despótico é preciso que exista o temor (...)” 14 .
Consoante ao exposto, é mister aludir a respeito da corrupção dos três governos, uma vez
que tal prática, é uma das atividades mais antigas que se conhece na historia da
humanidade.
Ao iniciar o livro oitavo da obra “O Espírito das Leis”, Montesquieu afirma que a corrupção
de cada governo inicia-se, quase sempre, pela corrupção dos seus princípios. Nesta trilha, o
autor estuda o princípio da corrupção de cada forma de governo, a começar pela república
democrática.
Afirma Montesquieu que o espírito da democracia corrompe-se não apenas quando se
perde o princípio da igualdade, mas também quando cada cidadão se apodera do princípio
de igualdade ao extremo, tencionando ser igual aquele que elegeu para governar. Sendo
assim, o povo não é capaz de suportar o próprio poder que escolheu, e, por conseguinte,
busca fazer tudo por si, ou seja, quer deliberar pelo senado, executar pelos magistrados e
destituir todos os juízes.
Portanto, consoante ao exposto, Montesquieu advoga a idéia de que a democracia tem dois
extremos que se devem evitar, se o objetivo é manter a sua máxima de excelência. A
primeira é o princípio de desigualdade que faz da democracia uma aristocracia. Quanto à
segunda, é o espírito de igualdade extrema que a leva ao despotismo de um só.
Ao tratar da corrupção do princípio da monarquia, Montesquieu descreve em cada parágrafo
algumas situações que levam à corrupção da monarquia, como se fosse um rol taxativo de
hipóteses.
Nesse sentido, o autor francês prevê, em primeira instância, a possibilidade da monarquia
se corromper quando se suprimem as prerrogativas das corporações ou os privilégios das
cidades, configurando, deste modo, o despotismo de um só.
Para melhor ilustrar o tema, importante transcrever as palavras de Montesquieu: “A
monarquia se corrompe quando um príncipe acredita demonstrar mais o seu poder
mudando a ordem das coisas do que as seguindo; quando retira as funções naturais de uns
para outorgá-las arbitrariamente a outros; e, quando prefere suas fantasias a suas
vontades” 15 .
Prosseguindo no mesmo sentido, o filósofo iluminista vislumbra ainda outras situações que
levam à corrupção da monarquia: quando os poderosos suprimem o respeito pelos súditos,
transformando estes em simples instrumentos do poder arbitrário; corrompe-se também o
princípio da monarquia quando o príncipe transforma sua justiça em severidade.
E, por fim, é mister explanar novamente as idéias de Montesquieu quanto ao assunto
abordado: “O princípio da monarquia se corrompe quando as almas singularmente covardes

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se envaidecem da grandeza que poderia ter a sua servidão, e julgam que o fato de tudo se
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dever ao príncipe faz com que se deva nada à pátria”
Quanto à corrupção do princípio do governo despótico, Montesquieu afirma que o referido
governo já é corrompido por sua natureza, ou seja, os outros governos se corrompem em
virtude de causas que violam o seu princípio, ao passo que, o governo em questão, perece
em razão de um vício que lhe é inerente.
Como conclusão, depreende-se do pensamento de Montesquieu, que o seu foco de análise
era exatamente compreender as razões das decadências da monarquia, tendo a sua obra
uma característica peculiar, em virtude do método empregado para desenvolver seus
pensamentos, uma vez que o filósofo iluminista a todo o momento utiliza-se da análise
histórica para estruturar os seus ideais.

3. Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778)

Estudar as idéias de Rousseau é mergulhar em um plano hipotético que não consiste em


uma busca de acontecimentos ou fatos reais, mas sim em sua proposta filosófica que se
pauta na formação de um contrato social.
O contrato social é um pacto entre os homens que vislumbra a formação da sociedade civil
e do Estado, ou seja, é uma deliberação conjunta que constrói um sentido de justiça e tem
como uma das questões primordiais, a idéia de que o contrato está intimamente relacionado
com a vontade geral de seus pactuantes. Em suma, a partir da união de um grupo de
homens em torno de um único objetivo há a formação de um corpo maior e diverso daqueles
individuais que o compõe, emergindo-se, deste modo, um corpo moral ou coletivo criado
exatamente pelo que se chama pacto social.
Garantir e proteger a liberdade dos pactuantes é a principal finalidade do contrato, ou seja, a
vontade geral que funda o pacto objetiva a realização da igualdade, e é essa igualdade que
propicia a realização do interesse comum dos membros. Portanto, pode-se afirmar que a
teleologia do contrato social é exatamente o bem comum. Dentro desse diapasão,
Rousseau prelecionava: “Cada um de nós reúne sua pessoa e todo seu poder sob a
suprema direção da vontade geral; e nós recebemos num corpo cada membro, como parte
indivisível do todo”. 17 . E mais a frente menciona: “(...) a vontade geral apenas pode dirigir as
forças do Estado, segundo a finalidade de sua instituição, que é o bem comum (...) 18 ”.
O bem comum é atingido pela vontade geral, que é muito mais que a somatória das
vontades particulares dos pactuantes. Portanto, não se deve concluir erroneamente que
aquela está ligada à idéia de unanimidade, pelo contrário, ela é geral pelo fato de conter
todas as contribuições dos membros, inclusive discordâncias quanto ao assunto discutido.
Com isso, o critério para definir a vontade geral é a participação de todos, com a formação

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do consenso da maioria. Nessa perspectiva, o pacto social traz em seu bojo uma relação em
que prevalece a paridade dos direitos e deveres, pois se os particulares aderem e
obedecem as lei proclamadas como comuns, o soberano, em contrapartida, deve se
condicionar a observâcia delas e visar, acima de tudo, a finalidade do contrato social, que é
o interesse comum.
Nesse diapasão, é certo que a teoria contratualista de Rousseau delega ao povo o poder
estatal, ou seja, a soberania popular deve governar o estado cívico, pois o poder
concentrado nas mãos de um só soberano é algo extremamente maléfico ao interesse
comum, com raras exceções, mas que mesmo assim devem ser analisadas
cuidadosamente, em razão da vulnerabilidade em que se encontram os direitos dos
cidadãos.
Sendo assim, quando o indivíduo adere ao contrato social encontra-se diante de um
compromisso recíproco, isto é, como membro do soberano em relação aos particulares, e
como membro do Estado – ou seja, como cidadão – em relação ao soberano.
Dentro da perspectiva de reciprocidade, importante aludir a respeito dos limites do poder
soberano, uma vez que prevalecendo a paridade dos direitos e deveres, é imperativo que
aquele não desvirtue a sua função, o bem comum.
Com efeito, Rousseau menciona que tudo o que cada pessoa aliena pelo pacto social – de
bens e de liberdade – é apenas a parte de interesse da comunidade, ou seja, é somente
aquilo que lhe é útil, pois não se pode deixar de considerar as pessoas privadas que
compõe a pessoa pública, em virtude de suas vidas e liberdade serem independentes do
referido ente. Dentro deste contexto, Rousseau prelecionava: “Todos os serviços que um
cidadão pode prestar ao Estado, ele os deve assim que o soberano lho solicite; mas o
soberano, por seu lado, não pode encarregar os súditos de nenhum jugo inútil à
comunidade; não pode nem desejá-lo, pois sob a lei da razão nada se faz sem causa, não
mais que sob a lei da natureza” 19 .
Por fim, Rousseau afirma que o pacto social busca essencialmente a igualdade plena de
seus pactuantes, de tal modo que eles se encontram todos nas mesmas condições e devem
gozar dos mesmos direitos. Sendo assim, todo ato de soberania, isto é, todo ato autêntico
da vontade geral, obriga ou favorece igualmente todos os cidadãos, de modo que o
soberano não distingue os membros que compõe o corpo da nação, apenas reconhecendo
este como um todo. Nesse diapasão, é importante transcrever algumas palavras
esclarecedoras do filósofo: “Vê-se por aqui que o poder soberano, que é absoluto, sagrado,
inviolável, não passa e nem pode passar dos limites das convenções gerais, e que todo
homem pode dispor plenamente daquilo que lhe foi deixado de seus bens e de liberdade,
por estas convenções; de modo que o soberano jamais tem o direito de sobrecarregar mais

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a um súdito que outro, porque então, se o caso se tornar particular, seu poder já não é
competente” 20 .

3.1 Da lei e do legislador

Rousseau advoga a idéia de que o objeto das leis deve ser sempre geral, entendendo que
elas consideram os súditos como corpos e as ações como abstratas, nunca um homem
21
como indivíduo, tampouco uma ação particular. . Com efeito, o filósofo em questão até
admite que a lei possa estatuir privilégios para determinadas classes de cidadãos, mas
nunca para uma pessoa específica. Com isso, segundo os pensamentos do autor, afirma-se
que toda função referente a um objeto particular não compete ao poder legislativo.
Segundo Rousseau, não se faz necessário perguntar a quem compete elaborar as leis, já
que são atos da vontade geral; nem se o Príncipe está acima delas, uma vez que é membro
do Estado; tampouco se a lei pode ser injusta, pois nada é injusto em relação a si mesmo.
Entretanto, como a lei é condição indiscutível da associação civil, e o poder deve ser
delegado ao povo, é imperativo que este seja o autor das leis a que estará submetido. É
neste ponto que surge um problema de ordem administrativa, levando o filósofo iluminista a
perguntar: “quem regulará as leis?” “Quem lhe dará a previsão necessária para formar-lhe
os atos e publicá-los antecipadamente, ou como irá pronunciá-los no momento de
necessidades?”. “Como é que uma multidão cega, que não sabe o que quer, porque
raramente sabe o que lhe é bom, executará por si mesma uma empresa tão grande, tão
22
difícil quanto um sistema legislativo?” . Rousseau afirma que a “vontade geral é sempre
correta, mas o julgamento que a dirige nem sempre é esclarecido” .Eis que surge, neste
momento, a necessidade de um legislador.
As primeiras palavras de Rousseau referentes ao legislador são exemplos de pura utopia e
idealismo, e o próprio filósofo reconhece a inviabilidade de encontrar alguém tão virtuoso
capaz de legislar da maneira ideal. “Para descobrir as melhores regras da sociedade que
convêm às nações, será preciso uma inteligência superior, que veja as paixões dos homens
e que não experimente nenhuma, que não tenha nenhuma relação com nossa natureza e
que a conheça a fundo, cuja felicidade seja independente de nós e que, entretanto, queria
ocupar-se da nossa; enfim, que o progresso dos tempos, valendo-se de uma glória
longínqua, possa trabalhar num século e desfrutar em outro. Serão necessários deuses para
23
dar leis aos homens”. . Ainda neste contexto, Rousseau afirma que o legislador é um
homem extraordinário no Estado, pois exerce uma função particular e superior que nada tem
a haver com o império humano, pois, do mesmo modo que aquele que comanda os homens
não deve comandar as leis, aquele que comanda as leis não deve comandar os homens.

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Vol. 1 – janeiro/dezembro de 2008 31


Fundamentos políticos da modernidade

3.2 Da democracia e do sufrágio

Ao analisar as idéias de Rousseau pertinentes à democracia tem-se uma grande surpresa,


em razão do realismo e pessimismo com que este filósofo trata tal forma de governo, uma
vez que, na maior parte de sua obra, suas idéias não são pautadas em uma busca de fatos
e acontecimentos reais, mas sim em uma proposta filosófica essencialmente hipotética e
24
utópica. .
No capítulo IV do Livro III de “O Contrato Social”, o filósofo genebrino admite que a melhor
constituição seja aquela em que o poder executivo é unido ao legislativo. Todavia, expõe
que é exatamente este fato que torna a democracia um governo insuficiente em certos
aspectos, pois muitas coisas que devem ser distinguidas não o são, uma vez que, não raro,
os interesses particulares influenciam os negócios públicos, acarretando, entre diversas
situações maléficas, até mesmo na corrupção do legislador, o maior mal de uma sociedade.
Neste contexto, tomando o termo rigorosamente em sua acepção, Rousseau afirma que a
verdadeira democracia jamais existiu e jamais existirá, pois, segundo as suas palavras, “é
contra a ordem natural que um grande número governe e que um número pequeno seja
governado”. 25 .
O filósofo genebrino ainda acrescenta que não há governo mais suscetível às guerras civis e
às agitações populares quanto o democrático, pois esse tipo de governo tende forte e
continuamente a mudar de forma. Consoante ao exposto, é importante transcrever algumas
palavras do iluminista em questão, por traduzirem de forma clara os seus pensamentos
quanto ao governo democrático: “Se houvesse um povo de deuses, ele se governaria
democraticamente. Um governo tal perfeito não convém aos homens”. 26 .
Rousseau também alude a respeito do sufrágio, o que não poderia deixar de fazer, pois não
há que se falar em soberania do povo sem mencionar o referido direito público subjetivo.
Nesse sentido, prelecionava o filósofo: “Quanto mais acordo reina nas assembléias, significa
que mais as opiniões se aproximam da unanimidade e mais dominante também é a vontade
geral; mas os longos debates, as discordâncias, o tumulto, anunciam a ascendência dos
interesses particulares e o declínio do Estado” 27 .
Adentrando à explicação do sufrágio, Rousseau afirma, de maneira óbvia, que o maior
número de votos obriga sempre os demais, isso é uma conseqüência do contrato social.
Todavia, a questão consiste em responder a seguinte pergunta: “Como é que os opositores
são livres e submetidos a leis às quais não deram consentimento?” 28 .
Rousseau responde a questão dizendo que os cidadãos ao aderirem ao contrato social
concordam com todas as leis, mesmo as que são aprovadas sem a sua anuência, assim
como as que os punem quando viola alguma. Afirma que a vontade de todos os membros
do Estado é a vontade geral, e que é por ela que os cidadãos são livres. Por isso, quando

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Vol. 1 – janeiro/dezembro de 2008 32


Fundamentos políticos da modernidade

uma lei é proposta na assembléia do povo, o que lhes é perguntado não é precisamente se
aprovam ou se rejeitam a proposta, mas se ela encontra-se em consonância com a vontade
geral ou não, que é exatamente a vontade dos cidadãos como um todo. Sendo assim, cada
um vota e exprime a sua opinião, e, por conseguinte, do cálculo dos votos tira-se a
declaração da vontade geral. Por fim, Rousseau arremata: “Quando, pois, a opinião
contrária à minha vence, isso não prova outra coisa senão que me enganei e que o que eu
achava que fosse a vontade geral não o era. Se minha opinião particular venceu, eu terei
feito coisa diferente do que quis, e então eu não teria sido livre” 29 .
Como conclusão, importante mencionar que as idéias de Rousseau são pautadas em uma
filosofia essencialmente hipotética não consistente em uma busca de acontecimentos ou
fatos reais, entretanto, em determinados pontos de sua obra o leitor depara-se com um
realismo que destoa da proposta filosófica do iluminista, tal fato evidencia que, mesmo
dentro de uma filosofia utópica, Rousseau encontrou espaço para tratar da realidade que
cerceia o homem.

Considerações Finais

Tendo em vista os ideais de Locke, Rousseau e Montesquieu, conclui-se facilmente que os


referidos autores contribuíram para a formação do Estado de Direito, que, por sua vez,
culminou com a queda dos regimes totalitários vigentes na Europa durante toda a Idade
Média.
De fato, por um longo período de tempo, as monarquias absolutistas vigoraram naquele
continente, inviabilizando que os direitos individuais fossem assegurados pelo Estado, uma
vez que os déspotas eram legitimados no governo pelo que se chamava de Poder Divino
dos Reis, e as suas vontades eram emanadas como se nada mais houvesse além de seus
caprichos.
Neste contexto, o referido poder divino era o único embasamento que justificava a
manutenção dos déspotas à frente do Estado, o que era fortalecido com o suporte da Igreja
Católica, a qual contribuía para a perpetuação de tal entendimento na cultura medieval. Os
interesses no poder eram mútuos, e, com isso, enquanto os caprichos de um só homem
eram moldados por meio da atividade estatal, o clero se estabelecia no poder como sendo a
“tabua de sustentação” dos regimes totalitários.
Sendo assim, após um período caracterizado pelo desrespeito à pessoa humana, começam
a surgir pensadores que vislumbram uma ordem diferente a que vigia na época, tal
movimento foi chamado de Iluminismo, no qual Locke, Rousseau e Montesquieu fizeram
parte.

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Fundamentos políticos da modernidade

É importante mencionar que o referido movimento foi de suma importância para mudar a
ordem estatal vigente na chamada “Idade das Trevas”, uma vez que, por meio dos ideais
iluministas, a história ocidental tomou rumos que afastaram os déspotas do comando do
Estado.
Por óbvio, tal mudança não aconteceu em pouco tempo, mas durante um longo período em
que as revoltas populares tomaram força e chocaram-se contra o despotismo vigente.
Tais revoltas tiveram como suporte os pensamentos dos filósofos iluministas, que
possibilitaram o esclarecimento por parte do povo. Sendo assim, as lutas se intensificaram
com o passar do tempo, até o ponto em que se chegou ao Estado de Direito e à valorização
da pessoa humana.
Neste ínterim, não apenas durante a Idade Média, mas também na Idade Moderna e
Contemporânea, os pensamentos de Locke, Rousseau e Montesquieu estiveram presentes
para consagrar diversos diplomas políticos e jurídicos, a exemplo da Constituição do Brasil
de 1988, que teve como sustentáculo alguns dos pensamentos dos referidos filósofos
expressos em artigos que compõe a Carta Magna brasileira.
Seguindo esta trilha, uma das contribuições de John Locke na Constituição do Brasil de
30
1988 está no artigo 5º, inciso XXII, o qual alude à respeito do direito de propriedade. .
Quanto à Rousseau, uma das influências de seu pensamento está consagrada no artigo 1º,
31
§ único da Carta Magna de 1988, a qual diz respeito à soberania popular .
Concernente à Montesquieu, seus estudos são essencialmente voltados à teoria política, e
embora a Teoria dos Três Poderes tenha sido desenvolvida na Inglaterra e apenas
sistematizada pelo filósofo francês, pode-se afirmar que uma de suas contribuições na
32
Constituição Federal de 1988 está no artigo 2º da referida Carta .
Portanto, a teoria política desenvolvida pelos autores clássicos da filosofia, principalmente
aqueles que fizeram parte do Iluminismo, é de suma importância no estudo de qualquer
ciência social, uma vez que os alicerces de toda a mudança ocorrida em centenas de anos,
assim como os movimentos populares mais expressivos da história ocidental, tiveram por
base os ideais surgidos das mentes de filósofos como Locke, Rousseau e Montesquieu,

Notas

1
Entendemos que a Teoria dos Três Poderes foi apenas sistematizada por Montesquieu, uma vez que tal forma
de controle do poder vigorava há tempos na Inglaterra, por tal motivo a Tripartição dos Poderes não será tratado
neste artigo.
2
BOBBIO, N. Locke e o direito natural. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Universidade de Brasília, 1997.
189 p.
3
LOCKE, J. Dois Tratados Sobre o Governo. Tradução de Julio Fischer. São Paulo: Martinz Fontes, 1998.
397 p.
4
BOBBIO, N. Locke e o direito natural. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Universidade de Brasília, 1997.
193 p.

Revista das Faculdades Integradas Claretianas – Vol. 1 – janeiro/dezembro de 2008 34


Fundamentos políticos da modernidade

5
Ibid, 542 p.
6
Ibid, 563 p.
7
Ibid, 245 p.
8
MONTESQUIEU, C. L. S.. O Espírito das Leis, Coleção A Obra Prima de Cada Autor. Tradução de Jean
Melville. São Paulo: Martin Claret, 2004. 17 p.
9
Ibid, 20 p.
10
Entenda-se “lei em geral” como sendo as relações necessárias que derivam da natureza das coisas.
11
Ibid, 22 p.
12
Ibid, 23 p.
13
Concernente ao assunto são as palavras de Montesquieu: “Quando essa virtude desaparece, a ambição entra
nos corações que a podem acolher, e a avareza penetra em todos eles. Os desejos mudam de objetivo: não mais
se ama o que antes de amava. Antes o indivíduo era livre, vivendo segundo as leis; hoje quer-se ser livre,
trabalhando contra elas; cada cidadão é semelhante ao escravo que fugiu da cada do senhor; aquilo que antes
era máxima, hoje chama-se rigor; o que era regra, chama-se imposição; o que era respeito, hoje chama-se
temor. A frugalidade agora é avareza, e não desejo de possuir. Outrora, os bens dos particulares constituíam o
tesouro publico; no entanto, nesse tempo, o tesouro público torna-se o patrimônio dos particulares. A república
é um despojo, mas sua força não é mais do que o poder de alguns cidadãos e a licença de todos”. Ibid, 36 p.
14
Ibid, 41 p.
15
Ibid, 129 p.
16
Ibid, 129 p.
17
ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social: Princípios do Direito Político. Tradução de J. Cretella Jr e Agnes
Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 32 p.
18
Ibid, 45 p.
19
Ibid, 52 p.
20
Ibid, 53 p.
21
Entendemos que essa idéia de Rousseau é extremamente pertinente e óbvia para se manter uma ordem justa
em uma sociedade, pois, não considerar o objeto das leis de maneira geral é exemplo claro e incontestável de
arbitrariedade.
22
Ibid, 59 p.
23
Ibid, 60 p.
24
Interessante observar as idéias pessimistas de Rousseau quanto à democracia, pois a todo o momento o autor
advoga a favor da soberania popular. Eis então que se faz pertinente perguntar: há alguma outra forma de
governo que traduz melhor a idéia de soberania popular que a democracia? Estamos aqui diante de uma
contradição do pensamento rousseauniano.
25
Ibid, 91 p.
26
Ibid, 92 p.
27
Ibid, 140 p.
28
Ibid, 141 p.
29
Ibid, 142 p.
30
Constituição Federal 1988: “Art. 5º, XXII – É garantido o direito de propriedade”.
31
Constituição Federal 1988: “Art. 1º, § único – Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
32
Constituição Federal 1988: “Art. 2º - São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Referências bibliográficas

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Brasília, 1997.

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