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Num belo dia de Verão, A e B encontravam-se a conversar à beira da piscina, quando, subitamente,
uma vespa picou A num braço.
A sacudiu bruscamente o braço, empurrando B.
Esta (B) caiu na água em cima de um banhista (C), causando-lhe uma lesão na coluna que o deixou
paralítico (v. artigos 144.º e 148.º do CP).
B praticou um comportamento jurídico-penalmente relevante? E A?
(1)
O presente documento apresenta meras propostas de resolução dos casos práticos tratados nas aulas práticas, e não dispensa
a frequência às aulas teóricas e a consulta dos manuais de referência.
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acção. Como vimos, em momento algum B teve domínio do processo causal que resultou no facto lesivo,
pelo que não poderá ter realizado um comportamento penalmente relevante.
No que concerne a A, afigura-se este cenário menos nítido, desde logo porque releva caracterizar a
sua reacção como um acto reflexo ou um automatismo. Em princípio, os actos reflexos não constituem
qualquer acção, no sentido anteriormente referido, enquanto os automatismos podem ou não assumir-se
como comportamentos penalmente relevantes.
Neste caso, A foi picado por uma abelha; nessa sequência, sacudiu o braço e, finalmente, empurrou
B contra C. Relativamente a este primeiro problema, importa recordar as linhas de distinção entre actos
reflexos e automatismos, que se traduzem fundamentalmente na circunstância de os actos reflexos
constituírem uma reacção endógena, característica do ser humano e, como tal, comum a todas as pessoas.
Configura um acto reflexo a situação em que se levanta a perna na decorrência do estímulo, pelo médico,
com um martelo na rótula. Os automatismos, por seu turno, representam formas de reacção a
circunstâncias externas, que variam de acordo com a própria personalidade do agente. Assim, o padrão
de reacção não é universal, divergindo de acordo com as características específicas do indivíduo.
A hipótese descrita parece aproximar-se à figura dos automatismos, uma vez que nem todos
sacudimos o braço quando somos picados por uma abelha. Ainda assim, dentro da categoria dos
automatismos vale a pena destrinçar os automatismos rotineiros (por exemplo, conduzir) e os
automatismos instintivos (tipicamente, reacções defensivas instintivas). De qualquer modo, importará
indagar da relevância dos automatismos enquanto comportamento penalmente relevante, o que nos
obriga a considerar diferentes perspectivas doutrinárias.
Na opinião de ROXIN, constitui acção todo o comportamento que traduza uma manifestação da
personalidade do agente, assentando tal manifestação no carácter voluntário da conduta. De acordo com
tal concepção, serão voluntárias aquelas acções que emanem do sistema nervoso central, quer dizer, em
que haja um efectivo domínio neurológico (volitivo) do comportamento. No caso dos automatismos, é
possível aferir tal domínio pelo facto de a reacção concreta de cada um depender da sua própria estrutura
pessoal. Assim, ao contrário do que ocorre nos actos reflexos, nos automatismos o processo volitivo que
desemboca na acção ultrapassa a esfera do sistema nervoso periférico, e atinge o sistema nervoso central.
Equivale isto a constatar, através das asserções anteriormente proferidas, que os automatismos serão
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sempre, para ROXIN, comportamentos relevantes, uma vez que configuram – pela sua própria definição
– manifestações da personalidade. Em síntese, diremos que para ROXIN, A teria praticado um
comportamento penalmente significativo.
De acordo com MARIA FERNANDA PALMA, o critério a empregar para aferir da existência de acção
no caso dos automatismos prende-se com a própria previsibilidade do estímulo externo que provoca a
reacção. Com efeito, para esta autora, estaremos perante uma acção quando o comportamento em causa
se coadunar com a própria capacidade de o agente prever o estímulo externo, configurando assim o acto
automático como elemento integrado de um comportamento complexo. Neste sentido, importa pensar se
será previsível que, “num belo dia de Verão”, surja uma abelha à beira da piscina. E, efectivamente, não
surge tal possibilidade como inverosímil, à maioria das concepções. Assim sendo, poder-se-á afirmar que
A teria praticado um comportamento penalmente relevante.
Igualmente interessante será considerar o critério de JAKOBS, traduzido pela ideia de eficácia
previsível das normas. Para este autor, seria necessário que a produção do resultado fosse evitável
individualmente para que se pudesse afirmar que haveria acção. Por outras palavras, seria imprescindível
que o agente tivesse tido o tempo necessário para reconhecer o perigo e adaptar o seu comportamento à
norma. De forma sintética, diremos que teria que se verificar a possibilidade de um controlo do
automatismo pela consciência, no sentido de o agente se conseguir motivar pela norma. A aplicação do
presente critério à situação em análise não se assume muito linear. Na verdade, apesar de, como vimos,
ter havido um controlo do automatismo pela consciência, não parece poder afirmar-se que o agente tenha
tido tempo para se motivar pelas incriminações correspondentes às ofensas à integridade física. Deste
modo, não se revela impensável conceber duas soluções distintas à luz desta proposta: por um lado, a
produção do resultado seria, até certo ponto, evitável individualmente – de facto, o automatismo integrou
a consciência do agente; no entanto, parece forçoso afirmar que A tenha tido tempo para se motivar pela
norma, isto é, que tenha havido efectiva oportunidade para intervenção da consciência, de maneira a
evitar a realização dessa acção. Como se compreende, trata-se sobretudo de um problema de prova, que
poderá conduzir à negação deste comportamento como penalmente relevante.
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A tipicidade
Desvalor e tipificação da omissão
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contexto, não parece justificar-se uma tão acentuada distinção entre acção e omissão, especialmente em
termos de exigência para a punibilidade.
Em alternativa, formulou-se o critério da censurabilidade jurídico-penal, que pretende fazer
distinguir a acção da omissão consoante tal juízo de censura se refira a um comportamento activo ou
omissivo. Apesar de assumir uma natureza normativa, esta opção possui a dificuldade de não ser
facilmente demonstrável, e de exigir uma indagação profunda acerca do juízo subjacente à incriminação.
Por isso, surgiram critérios que reconduzem esta problemática à do concurso de normas
(KAUFMANN), prevendo que uma omissão só será relevante quando o comportamento em causa não puder
ser configurado como uma acção. Noutro sentido, sugeriu ROXIN que, em algumas situações, possa
prevalecer o crime omissivo(2).
Corrida toda esta tinta, o critério que se impôs, por surgir como o mais razoável, foi o critério da
ilicitude típica e de imputação objectiva. Esta proposta assenta num juízo acerca da forma de criação do
perigo para o bem jurídico protegido pela incriminação, e identifica a acção como a criação/aumento de
um risco para o bem jurídico – ou bem assim, quando o comportamento piora a situação do bem jurídico
–, e a omissão como a não diminuição de um risco pré-existente – ou, paralelamente, quando não se
melhora a situação (previamente má) de risco para o bem jurídico.
Desta forma, haverá que considerar se o comportamento de C criou ou aumentou o risco que se
concretizou na morte de D ou se, ao invés, a atitude de C traduz a não diminuição desse risco. Como
sugerem os dados da hipótese, o que parece ter ocorrido é uma não diminuição do risco que já tinha sido
autonomamente criado pelo contexto. Nesta medida, diremos que a actuação de C consubstancia uma
omissão.
Tendo já determinado o carácter omissivo da conduta de C, importa antes de mais analisar se existia
capacidade humana de agir. Significa isto perguntar se no caso concreto, C teria possibilidade de evitar
o resultado, tal como o teria qualquer outro ser humano, colocado na situação.
(2)
Pensamos aqui nos casos de comparticipação activa em crime omissivo, omissão livre na causa, tentativa interrompida de
salvamento (quando o processo salvador ainda não atingiu a esfera jurídica da vítima, há omissão; caso contrário, haverá
acção, aplicando o critério do risco), e interrupção técnica de tratamento.
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É nesta sede que a circunstância de C ter inalado cocaína poderá ter relevância, já que poderia
levar-nos a concluir que C não tinha capacidade para agir. Contudo, resulta do enunciado da hipótese que
o agente se colocou voluntariamente na situação, o que nos legitimará a equacionar um paralelismo entre
a figura da actio libera in causa e a omissio libera in causa. De facto, a colocação neste estado configura
uma omissão ilícita na causa, pelo que não podemos afirmar que haveria uma incapacidade humana de
agir. Eventualmente, poderia discernir-se uma incapacidade individual de agir que, como vimos, não
seria relevante para afastar a responsabilidade penal, já que o agente se tinha colocado voluntariamente
em tal situação.
Chegados à conclusão de que não se verificava qualquer circunstância que obstasse à afirmação da
capacidade humana de agir, importa averiguar se nos encontramos perante uma omissão pura (p.e., artigo
200.º do Código Penal) ou impura (artigo 10.º do Código Penal, conjugado com o correspondente
preceito da parte especial).
Como se sabe, as omissões puras encontram uma previsão de tipicidade directa, reconduzível a um
concreto preceito da parte especial (p.e., artigo 200.º do Código Penal), e referem-se, na maioria dos
casos, a crimes formais. Aqui, ao agente impõe-se um mero dever de agir, sem vinculação a evitar o
resultado. Diferentemente, as omissões impuras conhecem um processo de tipificação indirecta (artigo
10.º do Código Penal, conjugado com a norma da parte especial), reflectindo os crimes materiais ou de
resultado. Nestes casos, sobre o agente recai o dever de evitar o resultado típico, na decorrência de
assumir uma posição de garante sobre o bem jurídico em causa. Deste modo, estabelece-se entre os dois
tipos de omissão uma relação de subsidiariedade, prevalecendo, porque mais grave, o regime da omissão
impura.
Importa então verificar se estamos perante uma omissão impura. Para tal, revela-se conveniente
identificar os crimes em causa. Tendo em atenção que da queda resultou a morte de C, poderemos estar
perante um homicídio por omissão (artigos 131.º e 10.º do Código Penal) ou, simplesmente, tratando-se
de uma omissão pura, perante a violação do dever de auxílio configurado pelo artigo 200.º do Código
Penal. Verifiquemos, então, se C detinha alguma posição de garante em relação a D, de forma a
determinar a que título poderá ser punido.
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A este respeito, inicialmente propugnava-se a chamada tese formal das fontes de posição de
garante, de acordo com a qual se configuravam como fontes apenas a lei, o contrato e a ingerência. Tal
concepção preocupava-se sobretudo com a imposição de certeza decorrente do princípio da legalidade,
esquecendo algumas situações em que materialmente se justificava a afirmação de uma posição de
garante. Mesmo no que respeita à lei enquanto fonte de posição de garante, obstava-se a tal concepção
afirmando que o Código Civil – de onde se retiravam os deveres de garante no seio familiar – não se
assume como lei penal, sendo tal responsabilidade meramente civil. Em relação ao contrato, compreende-
se a respectiva configuração enquanto fonte de posição de garante, já que tal assunção de protecção de
bens jurídicos resultaria de um consenso entre as partes, manifestação da vontade daqueles que se
vinculavam. No entanto, se interpretada rigidamente, tal perspectiva sustentaria soluções inexplicáveis:
pense-se no caso da baby sitter contratada para vigiar a criança entre as 9h e as 12h, e que não evita que
a criança caia da janela porque o acidente ocorreu às 12h30. No que concerne à ingerência, tal figura
permaneceu nas agora chamadas teorias materiais, já que assenta na ideia de que quem cria um perigo
para um bem jurídico, deve ficar vinculado a evitar posteriores agravações do perigo criado. Deste modo,
faz sentido que quem tenha interferido ilegitimamente na esfera de liberdade de outrem se assuma
responsável pelas consequências de tal intervenção.
Como se disse, tal concepção esquecia a vinculação pessoal e a materialidade inerente a cada
situação, conduzindo a resultados insatisfatórios. Por esse motivo, surge a chamada teoria das funções,
que considera que os deveres de garantia se distinguem em duas funções: função de guarda de um bem
jurídico concreto, gerando deveres de protecção e de assistência – enquadrando-se neste grupo as
situações de protecção familiar ou análogas; comunidade de risco e o próprio contrato, de uma forma
imaterializada –; e a função de vigilância de uma fonte de perigo, gerando deveres de segurança e de
controlo – enquadrando-se aqui as situações de garantia face à actuação de terceiros, a ingerência e o
dever de fiscalização de fontes de perigo no âmbito de domínio próprio.
No caso em estudo, releva apenas considerar a comunidade de risco, já que C e D se propuseram
a encetar o que à partida se apresenta como uma actividade arriscada. O fundamento desta figura como
fonte de posição de garante reconduz-se às relações de confiança e dependência mútuas que se
estabelecem entre os participantes, e ao próprio carácter perigoso do empreendimento conjuntamente
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reconhecido e aceite, que funda em cada um dos intervenientes um dever de garantia face a todos os
restantes. De acordo com FIGUEIREDO DIAS, só se verificará uma posição de garante nas situações em
que se completem estes três pressupostos: a) relações estreitas e efectivas, diferentes daquelas que seriam
fundadas por um mero código social ou moral; b) ocorrência, de facto, da comunidade de perigos; e c) o
perigo tem que atingir o bem jurídico concreto, representando um perigo real para a potencial vítima,
devendo o agente actuar no sentido de o evitar ou diminuir.
A hipótese em estudo poderá não respeitar todos os requisitos, desde logo porque C e D são
“amigos de curta data”. Isto significa que, muito provavelmente, ainda não haverá uma relação de
amizade forte o suficiente para justificar a expectativa de D quanto ao dever de salvamento que recairia
sobre C. Como se referiu, o fundamento desta figura – mais do que a própria partilha de perigo –
reconduz-se à confiança e dependência mútuas que se estabelecem entre os participantes. Deste modo,
parece duvidoso poder afirmar, sem mais, que C detinha uma posição de garante face a D, nos termos da
comunidade de risco.
No entanto, seria ainda possível equacionar tal posição de garante com recurso à figura do
monopólio, o que nos obriga a escrutinar os casos em que se poderá admitir que o monopólio é fonte de
posição de garante.
O monopólio caracteriza-se pelo facto de, numa dada situação, apenas uma pessoa dispor das
condições necessárias para afastar o perigo que ameaça um determinado bem jurídico. Por esse motivo,
FIGUEIREDO DIAS inclui o monopólio nos casos de domínio de uma fonte de perigo, acrescentando,
contudo, que só em algumas hipóteses surgirá o monopólio como fonte de posição de garante. Segundo
tal orientação, seria indispensável que se verificasse um domínio fáctico absoluto da fonte de perigo – o
que implica que, no momento em que o perigo se manifesta, o agente fosse a única pessoa com
capacidade e meios para o afastar; esse perigo teria que ser agudo e iminente para o bem jurídico em
causa – significando tal afirmação que o perigo deverá ser actual e assumir dimensões consideráveis, não
se podendo tratar apenas de um perigo eventual; podendo o agente levar a cabo uma acção de salvamento
sem ter que incorrer numa situação danosa para si mesmo – o que requer uma análise de
proporcionalidade entre o bem jurídico em perigo e o esforço exigido para o competente salvamento.
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bastante, e de forma implícita, uma excessiva oneração a quem apenas se dispôs a fazer montanhismo.
Por este motivo, dir-se-á que para MARIA FERNANDA PALMA não haveria uma posição de garante e, como
tal, C só seria punido por omissão de auxílio, nos termos do artigo 200.º do Código Penal.
Questão ainda a considerar neste caso prende-se com o problema da tipicidade, nomeadamente a
possibilidade de imputar objectivamente a C o resultado morte de D.
Como se sabe, à imputação objectiva preside uma concepção normativa de causalidade, que na
omissão se traduz na circunstância de o comportamento esperado (mas omitido) ser dotado de uma força
causal potencial ou hipotética, que consiste no facto de tal conduta ser idónea a evitar resultado. Em
articulação com esta noção, importa recorrer à teoria do risco e avaliar a conexão de risco entre a omissão
e o resultado que se verifica. Neste sentido, o que importa analisar é se a acção devida teria evitado a
produção do resultado típico. Ou seja, e no nosso caso, haverá que ponderar se a actuação de C teria
evitado a morte de D.
A este respeito, cumpre assinalar uma divergência de entendimentos verificada a propósito do
critério de imputação objectiva nas situações de omissão. Segundo ROXIN e FIGUEIREDO DIAS, esta
questão deverá ser encarada como um problema normativo, apoiada no fim preventivo do direito penal.
Assim, não se deverá exigir, para afirmar a imputação objectiva de um resultado à omissão de um
determinado agente, uma probabilidade próxima da certeza. Com efeito, basta que o comportamento
(omitido) pudesse ter diminuído o risco de ocorrência do resultado.
Na nossa hipótese, ainda que não seja possível afirmá-lo com toda a certeza, parece provável que
se C tivesse encetado as devidas medidas de salvamento, as hipóteses de D morrer seriam bastante mais
reduzidas. Haveria, por isso, uma probabilidade consistente de diminuição do risco pela acção, que
bastaria para afirmar o nexo de imputação objectiva.
De acordo com HELENA MORÃO, em linha com a orientação de MARIA FERNANDA PALMA, impõe-
se demonstrar, para além de qualquer dúvida razoável, que a conduta omitida teria evitado a produção
do resultado típico. Assim, afigurando-se certo que a actuação do agente não teria impedido tal evento,
fica prejudicada a afirmação da sua capacidade de influenciar o curso dos acontecimentos e, como tal,
haverá que excluir a imputação objectiva. Aplicando este critério à hipótese que nos ocupa, diríamos que
apenas se poderia afirmar a imputação objectiva da morte de D à conduta de C no caso de se lograr
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comprovar, para além de qualquer dúvida razoável, que a sua actuação teria evitado a produção do
resultado típico.
A tipicidade
A imputação objectiva do facto
O desvalor objectivo da acção e a imputação objectiva do resultado
I
Criação de um risco proibido
1. A, convencido da eficácia mortal das aspirinas, deita, com intenção de matar, um aspegic no
café de B, que vem a morrer por padecer de uma rara alergia ao acetilsalicilato de lisina que A
desconhecia.
A morte de B é objectivamente imputável a A?
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introduziu-se uma restrição à teoria das condições equivalentes, conhecida como teoria da
causalidade conforme às leis da natureza, que determina que apenas à luz de um juízo científico /
natural / pericial se poderá estabelecer a necessária relação de causalidade entre a conduta do agente
e o resultado produzido. Entende-se igualmente que, não ficando por esta via demonstrado o nexo
entre a acção e o resultado, se deverá fazer valer o princípio constitucional in dubio pro reo, não
imputando objectivamente o resultado à actuação do agente.
Apesar de tal restrição, esta teoria continua a abarcar soluções intoleráveis no que respeita à
imputação objectiva. De facto, nesta concepção, os casos de interrupção do nexo causal – ou, nas
palavras de ROXIN, de interrupção do nexo de imputação objectiva –, seriam ainda considerados como
objectivamente imputáveis ao comportamento do agente inicial.
Nesta sequência, surge a teoria da causalidade adequada, que se propõe, de certo modo, a filtrar
as causas relevantes para a produção do resultado, através de um juízo de previsibilidade. Tal
previsibilidade seria aferida a partir de um juízo de prognose póstuma, que consiste na necessidade
de o juiz se colocar na situação do agente, no momento da acção, e indagar da previsibilidade de
produção do resultado, a partir daquela acção. Nesta situação, teríamos então que perguntar se
qualquer homem médio, colocado na posição do agente, consideraria previsível, ex ante, que se viesse
a produzir a morte de B em consequência da ingestão de um aspegic. Como facilmente se
compreende, as potencialidades fatais de uma aspegic são inexistentes para a maioria dos seres
humanos, o que significa que não seria previsível que B falecesse na sequência daquele
comportamento.
Outra questão que ainda se colocou no seio desta discussão prende-se com a problemática dos
conhecimentos especiais do agente, e da sua relevância para o referido juízo de prognose póstuma
e para a configuração da questão da imputação objectiva. Na situação que nos foi apresentada,
justificar-se-ia analisar a problemática dos conhecimentos especiais do agente se A conhecesse a
alergia de B. A este respeito, doutrina se afirmava no sentido de considerar que o facto de se introduzir
os dados específicos que o concreto agente possuía à data da prática do facto precludiria o carácter
objectivo do juízo pretendido. Para esta concepção, tal juízo deveria ser despido de quaisquer
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elementos que o agente possuísse na sua tomada de decisão, mas que não estivessem, tipicamente,
na posse do homem médio.
No entanto, tal orientação foi prontamente rebatida pela argumentação de que os especiais
conhecimentos do agente interferem objectivamente na realidade, e constituem elemento
fundamental no processo de motivação criminosa. Em rigor, a necessidade de ponderação de
conhecimentos especiais não é tanto subjectiva, mas individualizadora. De facto, a circunstância de,
por exemplo, A saber que B era alérgico a aspegic deve poder constar do juízo de prognose póstuma
que caberá ao juiz levar a cabo, já que tal circunstância terá sido efectivamente considerada por A.
Ou seja, tal dado integrou objectivamente a realidade, não obstando de forma alguma ao carácter
objectivo do juízo a empreender.
Até agora vimos que, segundo a teoria das condições equivalentes, a morte de B teria sido causada
por A, enquanto para a teoria da causalidade adequada, na formulação originária, haveria que concluir
em sentido contrário. Porém, a teoria actualmente aceite nesta sede é, de facto, uma teoria da
imputação objectiva, que se desprende da ideia central de causalidade entre acção e resultado.
Assim, a teoria do risco coloca o seu enfoque em três pontos fundamentais: a) criação ou
aumento de um risco para o bem jurídico; b) o risco criado deverá constituir um risco proibido; e c)
o risco criado ou aumentado deverá ter concretização no resultado típico. Neste sentido, costuma
afirmar-se que a teoria do risco parte da função de protecção dos bens jurídicos pelas normas,
prevendo que a conduta concreta tenha que corresponder ao comportamento que a norma pretende
evitar.
Na situação em causa, o segundo pressuposto não se encontra verificado, já que dar aspegic a
pessoas não constitui um risco proibido. Por outras palavras, diremos que, tipicamente, a acção de
colocar aspegics na bebida das pessoas não representa a criação de um perigo proibido para bens
jurídicos, o que nos impede de imputar objectivamente o resultado morte à conduta de A.
2. C empurra D de forma a que uma pedra que foi violentamente arremessada contra a cabeça
deste apenas lhe acerte num braço.
A ofensa à integridade física de D é objectivamente imputável a C?
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A hipótese descrita retrata um caso típico de diminuição do risco, em que apesar de se verificar,
de facto, uma lesão para um bem jurídico, tal lesão constitui um mal menor relativamente àquela que
teria ocorrido, não fosse a intervenção do agente. Significa isto que o agente diminuiu um risco para
um bem jurídico, sem que contudo tivesse conseguido eliminar completamente o risco criado pela
situação.
Tanto a teoria das condições equivalentes como a teoria da causalidade adequada afirmariam a
imputação da ofensa à integridade física de D à conduta de C. Como se intui, suprimindo a actuação
de C – o empurrão – a pedra não teria atingido o braço de D, pelo que aquela concreta lesão da
integridade física não se teria produzido. Paralelamente, poderia afirmar-se previsível, à luz de um
juízo de prognose póstuma, e atendendo às circunstâncias do caso, que a pedra arremessada atingisse
o braço de D na sequência do empurrão.
Neste âmbito, compreende-se a específica formulação do primeiro pressuposto da teoria do risco:
criação ou aumento de um risco para o bem jurídico. Assim, nas hipóteses de diminuição / atenuação
desse risco, o resultado não será objectivamente imputável ao agente e, como tal, não se indagará da
respectiva responsabilidade penal. Segundo ROXIN, nas hipóteses de diminuição do risco não fará
sequer sentido afirmar que a acção é típica, isto é, que reclama o juízo de desvalor associado à ideia
de ilícito típico. Assim, a ofensa à integridade física de D não será objectivamente imputável à
conduta de C, pelo facto de C ter, efectivamente, diminuído o risco anteriormente criado.
No entanto, o autor sublinha a relevância da distinção entre os casos de diminuição e substituição
de riscos, explicitando que naquelas hipóteses o agente diminui um risco que está em curso, revelando
um comportamento conforme à tutela do bem jurídico inicialmente ameaçado.
Para HELENA MORÃO, as situações tipicamente reconduzidas aos casos de diminuição do risco
reflectem hipóteses de menor gravidade da lesão, discernível apenas ex post. Assim, afirma-se o
desvalor objectivo da conduta, remetendo a ponderação entre a lesão ocorrida e a lesão potencial para
a análise da justificação(3).
(3)
A propósito dos casos de diminuição do risco, ver PAULO SOUSA MENDES, Sobre a Capacidade de Rendimento da Ideia de
Diminuição do Risco – Contributo para uma crítica à moderna teoria da imputação objectiva em Direito Penal, Lisboa, 2007.
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3. E, observando todas as regras de trânsito aplicáveis, conduz numa zona propícia a acidentes,
quando F, que corre para apanhar o autocarro, se atravessa na sua frente e é atropelado,
acabando por não resistir aos ferimentos.
A morte de F é objectivamente imputável a E?
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II
Concretização do risco proibido
a) Causalidade
4. G mata H a tiro no aeroporto, antes de este poder entrar num avião que veio a explodir 30
minutos mais tarde devido a um ataque de um bombista-suicida.
Quid juris?
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5. I atropela mortalmente J, que vem a morrer num incêndio que deflagra nas urgências para
onde teve de ser imediatamente transportado.
Quid juris?
A hipótese descrita demonstra nitidamente a melhor adequação da teoria do risco para a resolução
dos problemas de imputação objectiva, quando confrontada com a proposta da teoria da conditio sine
qua non. De facto, de acordo com a teoria das condições equivalentes, num caso como este haveria
causalidade, já que se I não tivesse atropelado J este não teria dado entrada nas urgências e, não seria,
com toda a probabilidade, vítima do incêndio.
Contudo, urge sublinhar que o risco proibido criado por I, no atropelamento, não é aquele que se
revela como causa da morte de J. Com efeito, J vem a falecer do risco criado pelo incêndio,
observando-se uma interrupção do nexo de imputação objectiva entre o atropelamento – da
responsabilidade de I – e o incêndio.
Nestes cenários, e até com a valoração exigida pela causalidade científico-natural, tende a afastar-
se a imputação objectiva do resultado à conduta do agente, visto que esse resultado surge por força
de um evento alheio ao seu comportamento. Efectivamente, só é legítimo atribuir resultados a agentes
quando estes possam controlar o processo causal que conduziu a esses resultados.
A morte de J não seria, por isso, objectivamente imputável a I.
6. L e M, sem conhecimento um do outro, deitam, cada um, uma dose de veneno mortal e de
eficácia rápida no chá de N, que, ao bebê-lo, tem morte instantânea. Quid juris?
O caso descrito constitui uma das hipóteses de cumulação de causas que, na concreta situação, se
apresentam como alternativas. Com efeito, qualquer uma das causas que concorreram para a
produção do resultado surgem, ab initio, como idóneas a produzi-lo. Isto é, a acção tanto de L, como
de M, seria suficiente, por si só, para produzir o resultado morte de N, o que significa que mesmo que
apenas um deles tivesse actuado, N morreria pela actuação do outro.
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A situação descrita nesta hipótese não é inteiramente coincidente com a atrás considerada, uma
vez que neste cenário não se consegue determinar qual das balas produziu a morte de N. Desta
maneira, ainda que não se duvide que L e M criaram um risco para a vida de N – traduzido na
circunstância de ambos terem disparado sobre N –, sendo esse risco inequivocamente proibido, terá
que se negar a existência de uma conexão de risco entre a conduta e o resultado. Na verdade, trata-se
de um problema de prova de não de causalidade.
Conforme se indicou, subsiste a dúvida acerca da proveniência da bala que, em concreto,
provocou o resultado típico. Nestes casos, impõe-se considerar o princípio constitucional in dubio
pro reo, o que implica que se valore a dúvida persistente a favor do arguido. Isto é, concluindo pela
não imputação do resultado à conduta. Em consequência, afirma-se a punibilidade a título de tentativa
(possível).
Noutra hipótese, L e M, sem conhecimento um do outro e convencidos da eficácia letal dos seus
actos, deitam, cada um, uma dose não mortal de veneno no chá de N, que, ao bebê-lo, vem a
morrer apenas pela conjugação das duas doses. Quid juris?
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7. O conduz o automóvel pelo lado esquerdo de uma estrada ladeada de árvores, quando P, que
andava aos ninhos, cai de cima de uma das árvores, é atropelado por O e morre.
Quid juris?
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(4)
1 - A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou
passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes.
2 - Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção.
3 - Sempre que, no mesmo sentido, existam duas ou mais vias de trânsito, este deve fazer-se pela via mais à direita, podendo,
no entanto, utilizar-se outra se não houver lugar naquela e, bem assim, para ultrapassar ou mudar de direcção.
4 - Quem infringir o disposto nos n.os 1 e 3 é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300, salvo o disposto no número
seguinte.
5 - Quem circular em sentido oposto ao estabelecido é sancionado com coima de (euro) 250 a (euro) 1250.
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e com os elementos que o enunciado nos fornece, seria possível afirmar que S detinha uma posição
de garante face a R, atendendo desde logo aos deveres que lhe são legalmente impostos. Assim,
apenas se excluiria a punição de S a título de homicídio por omissão (artigo 131.º e 10.º, número 2
do Código Penal) se se entendesse inviável a afirmação de um nexo de imputação objectiva entre a
respectiva omissão e a produção do resultado típico.
Aqui, releva novamente questionar se a acção omitida teria que ter evitado a morte de R, ou se
bastava que tivesse diminuído o risco de verificação desse resultado. Concluindo-se pela existência
de uma conexão de risco entre a omissão de S e a morte de R, punir-se-ia o médico por homicídio por
omissão, excluindo a responsabilidade de Q. Com efeito, o agente que tem um comportamento
arriscado para o bem jurídico não pode contar com o comportamento ilícito de terceiros, e muito
menos por ele ser responsabilizado. Defendendo-se que a intervenção do médico se limitou a não ter
impedido a materialização do primeiro curso causal e, por esse motivo, negando a imputação
objectiva, sempre haveria que considerar as previsões dos artigos 200.º e 284.º do Código Penal,
consagrando omissões puras.
.
c) Comportamento lícito alternativo
9. T, vítima de um acidente rodoviário, foi transportado para o hospital mais próximo, onde os
médicos rapidamente constataram a necessidade de o submeter a uma cirurgia de carácter
urgente. U, médico anestesista, com a pressa e sem se aperceber, trocou o frasco da anestesia
por um outro similar que continha uma substância venenosa e ministrou-a a T, que veio, por
isso, a morrer, ainda antes de dar entrada na sala de operações.
Todavia, T padecia de uma rara alergia ao excipiente anestésico ministrado naquele
estabelecimento de saúde que nunca poderia ter sido detectada em tempo útil, pelo que este
teria morrido de qualquer forma, ainda que U não se tivesse enganado.
Quid juris?
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10. V monta uma emboscada a X para o matar. Perante a aproximação da vítima, V dispara,
abatendo-a.
Em seguida, V foge do local e alguns quilómetros adiante ultrapassa um ciclista a uma distância
muito curta. O ciclista, que conduzia embriagado e de forma oscilante, tombou quando o
automóvel passava por ele, vindo a ser esmagado por uma roda traseira e sofrendo morte
imediata.
Determine a imputação objectiva da morte de X e do ciclista aos comportamentos de V, tendo
em conta que:
a) A poucos metros do local onde X foi abatido, Z aguardava, emboscado, a sua passagem
para o matar.
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b) Medições feitas no local do acidente indicam que mesmo que V tivesse mantido uma
distância prudente na ultrapassagem, o ciclista dificilmente evitaria ter sido apanhado
pela roda do automóvel na queda.
Por seu turno, esta segunda hipótese configura um caso de comportamento lícito
alternativo. Segundo o descrito, mesmo que o agente tivesse observado as imposições
normativas, não conseguiria evitar a produção daquele concreto resultado. Questão
complicada nesta sede será então a de discernir a solução para os casos em que não existe
certeza que o comportamento lícito evitaria o resultado. É neste contexto que ROXIN
desenvolve a teoria do aumento do risco, sugerindo que a constatação destas dúvidas indica,
pelo menos, um aumento ou potenciação do risco e que, portanto, o resultado deverá ser
objectivamente imputável à actuação do agente.
Tem-se entendido, no entanto, que esta posição enferma de duas dificuldades,
reconduzíveis, por um lado, à circunstância de propor que se resolva normativamente um
problema que, em boa verdade, se refere à prova (porque respeitante a dúvidas na matéria de
facto); e por outro, ao facto de se estar a valorar a dúvida contra o arguido, o que choca com
o princípio constitucional in dubio pro reo.
De facto, nas situações de comportamento lícito alternativo observa-se, tipicamente, uma
impossibilidade de controlo da produção do resultado. Isto é, para o concreto agente não
existe maneira de não provocar esse resultado, o que preclude, desde logo, a liberdade para
decidir nesse sentido. Assim sendo, afigura-se mais sensato negar o nexo de imputação
objectiva em casos como este, em que nem o comportamento conforme à ordem jurídica teria
sido idóneo a evitar a produção do resultado típico. Como propõe MARIA FERNANDA PALMA,
havendo dúvida razoável sobre se o cumprimento do dever evitaria a produção do resultado,
impõe-se excluir a imputação.
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