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Direito Comercial II – Direito das Sociedades Comerciais

Regência: Prof. Doutor Luís Menezes Leitão


Turma B – Exame
18.06.2021 (120 minutos)

A, surfista de fama mundial, convenceu os seus irmãos B, C, D, F e G, a constituírem uma


sociedade para conceção, importação e comercialização de material náutico. Assim, em 4 de
março de 2018, os irmãos celebraram contrato constitutivo da “Águas Turvas – Desportos
Náuticos” S.A., do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas:

i. O capital social é de 120.000, 00 € (cento e vinte mil euros), representado por 120
mil ações nominativas no valor nominal de 1,00 € (um euro) cada;
ii. O valor de emissão de cada ação é de 1,50€ (um euro e cinquenta cêntimos);
iii. A, B, C e D, subscrevem, cada um, ações no montante de 20.000,00 € (vinte mil
euros);
iv. F e G subscrevem, conjuntamente, ações no montante de 20.000,00 € (vinte mil
euros);
v. A entrada de A é efetuada com a transferência da titularidade da marca “Modern
Sea”, pelo mesmo registada em 2000 e de reconhecimento internacional no setor
do desporto náutico;
vi. A entrada de B é efetuada com o direito de uso e fruição de um prédio, que o mesmo
detém na qualidade de usufrutuário, na Ericeira e diferida em seis meses;
vii. As restantes entradas são efetuadas em dinheiro, e diferidas, pela totalidade, pelo
prazo máximo de sete anos;
viii. A sociedade é administrada e representada por três gerentes, sendo, como tal,
nomeados A, C e D, com A como Presidente, que, sem justa causa, não pode ser
destituído da gerência sem o seu consentimento;
ix. A sociedade só se obriga perante terceiros pelas assinaturas de todos os gerentes;
x. A celebração de quaisquer contratos que impliquem a assunção de responsabilidade
financeira superior a 50.000,00 € (cinquenta mil euros) depende de deliberação dos
sócios.

A sociedade foi objeto de registo definitivo em 15 de julho de 2018. Entretanto, em


fevereiro desse ano, aquando de uma deslocação de A, C e D a Sidney, para uma prova
desportiva do primeiro e contactos comerciais, B, deparando-se com o que considerou ser
uma boa oportunidade de adquirir equipamentos industriais para a sociedade na venda de
uma massa insolvente, consultou F e G, tendo os três concordado nessa aquisição. A venda
foi efetuada a crédito.
Regressados de viagem, A, C e D consideram que o equipamento adquirido é o obsoleto
e recursaram efetuar a transferência bancária para pagamento.
Em março de 2021, aquando da elaboração dos documentos anuais de prestação de
contas, já as entradas diferidas haviam sido integralmente realizadas; mais se verificou que
o exercício de 2020 havia produzido um escasso lucro de 15.000,00 € (quinze mil euros). O
capital próprio da sociedade soma, portanto, 135.000,00 €.
Em maio de 2021, A convocou uma reunião da gerência, à qual compareceu apenas D;
ambos decidiram ser vital para a expansão internacional da Águas Turvas o investimento
numa campanha de publicidade junto dos mercados mais significativos de desportos

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náuticos, tendo adjudicado uma proposta de conceção e execução de uma campanha
publicitária, recebida da MarketingTaste Lda., pelo preço de 70.000,00 € (setenta mil euros).
Tomando conhecimento desse contrato, G requereu a B (Presidente da Mesa da
Assembleia Geral) a convocação de uma assembleia geral para deliberar a revogação do
mesmo. B respondeu que G não tinha legitimidade para requerer a convocação da
assembleia, por não ser o titular exclusivo das ações, o que G contesta.
Ainda assim, B convocou uma assembleia geral, com a seguinte Ordem de Trabalhos:
1. Deliberar a devolução aos sócios dos valores pagos que excedam, por cada ação, o
seu valor nominal;
2. Deliberar sobre a aprovação das contas de exercício, relatório de gestão e aplicação
de resultados do exercício de 2020;
3. Deliberar a distribuição do lucro de 2020 aos sócios na proporção da participação no
capital.
4. Outros assuntos de interesse para a sociedade.
A assembleia realizou-se em 8 de junho de 2021, tendo à mesma comparecido os sócios
B, C e D.
As propostas relativas aos pontos 1, 2 e 3 foram aprovadas por unanimidade dos
presentes.
Sob o ponto 4 e sob proposta de B, foi aprovada, por unanimidade, a renúncia da
sociedade à reclamação aos gerentes de quaisquer danos relativos à celebração do contrato
com a MarketingTaste

Responda, fundamentadamente, às seguintes questões:

Salvo expressa indicação em contrário, todas as normas citadas se reportam ao CSC

1. Pronuncie-se sobre a licitude das cláusulas do contrato de sociedade [i. a vii.] relativas
ao capital social e às entradas dos sócios. [4 valores]

i. O capital social é de 120.000, 00 € (cento e vinte mil euros), representado por 120
mil ações nominativas no valor nominal de 1,00 € (um euro cada); [cláusula lícita:
9.º, 1, f); 275, 1, 276, 3, 4 e 5]
ii. O valor de emissão de cada ação é de 1,50€ (um euro e cinquenta cêntimos);
[cláusula lícita: 25,1; prémio de emissão]
iii. A, B, C e D, subscrevem, cada um, ações no montante de 20.000,00 € (vinte mil
euros); [cláusula lícita: 9.º, 1, g); 20, a)]
iv. F e G subscrevem, conjuntamente, ações no montante de 20.000,00 € (vinte mil
euros); [cláusula lícita: 9.º, 1, g); 20, a)]
v. A entrada de A é efetuada com a transferência da titularidade da marca “Modern
Sea”, pelo mesmo registada em 2000 e de reconhecimento internacional do setor
dos desportos náuticos; [cláusula lícita: 9.º, 1, g); 20, a); entrada em espécie: regime
do 28; a patrimonialidade do direito]
vi. A entrada de B é efetuada com o direito de uso e fruição de um prédio, que o mesmo
detém na qualidade de usufrutuário, na Ericeira e diferida em seis meses; [cláusula
lícita quanto ao tipo de entrada: 9.º, 1, g); 20, a); entrada em espécie: regime do art.
28; ilicitude do diferimento, tendo em conta o tipo da entrada: 26, 1 e 3; 277, 2;
1439 CC; a patrimonialidade do direito, apesar de não ser entrada com propriedade]

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vii. As restantes entradas são efetuadas em dinheiro, e diferidas, pela totalidade, pelo
prazo máximo de sete anos; [ilicitude do diferimento, tendo em conta o montante,
excede 70%, o diferimento do próprio prémio, e o tempo: 26, 1; 277, 2; 285, 1]

2. Pronuncie-se sobre a licitude das cláusulas [viii. a x.] do contrato de sociedade


relativas à gestão, representação e vinculação da sociedade. [6 valores]

viii. A sociedade é administrada e representada por tês gerentes, sendo, como tal,
nomeados A, C e D, com A como Presidente, que, sem justa causa, não pode ser
destituído da gerência sem o seu consentimento; [i. 272, g): apesar da nominação
“gerentes”, o órgão é materialmente colegial dada a indicação do presidente; a
cláusula é, nesta parte, lícita; criação, ilícita, de direito especial, à “gerência”, fora
de atribuição categorial: 24, 4, tratando-se de SA; vd., também, 403, 1]
ix. A sociedade só se obriga perante terceiros pelas assinaturas de todos os gerentes;
[cláusula ilícita: 408, 1, “número menor”]
x. A celebração de quaisquer contratos que impliquem a assunção de responsabilidade
financeira superior a 50.000,00 € (cinquenta mil euros) depende de deliberação dos
sócios. [cláusula lícita, mas insuscetível de limitar a capacidade da sociedade ou os
poderes representativos legais dos “gerentes” com eficácia externa”: 6.º, 4; 405, 2]

3. O administrador da massa insolvente pretende responsabilizar a Águas Turvas pela


maquinaria não paga. Quid iuris? [2 valores] [regime do art. 40, 1: perante o credor
respondem todos os sócios; B, F e G, ilimitada e solidariamente; ou outros 3, até à
importância das entradas a que se obrigaram, acrescidas das eventuais importâncias
a que se refere o preceito legal (mas que, no caso, não teriam cabimento)]
4. Pronuncie-se sobre o conflito entre B e G quanto ao direito de requerer a convocação
da assembleia geral, determinando a qual deles assiste razão. [2 valores]
G é contitular das ações: 303, 4; 222; B tem razão para o caso, não assinalado, de
não ter sido indicado à sociedade o representante comum; vd. também 375, 2, o
requerente detém, em contitularidade, mais de 10% do capital social]
5. Pronuncie-se sobre validade das deliberações da assembleia geral de junho de 2021
quanto aos pontos 1, 3 e 4, da Ordem de Trabalhos. [6 valores]

• AG convocada por quem tem competência para o efeito; descarta possível


nulidade das deliberações: 377, 1; 56, 1, a), e 2

• Há quórum constitutivo: 383, 1

• Ponto 1: o prémio está sujeito ao regime das reservas; 295, 2, a), 296; o valor
da reserva legal é de 1/5 do capital social, o que, nos termos do caso, não está
atingido; a deliberação procede à distribuição da reserva; deliberação nula: 69, 3

• Ponto 3: deliberação ilícita de lucro: 295, 1, nenhuma parte do lucro é


distribuível, 33, 1 + 34, 1; o capital próprio é inferior à soma do capital e da
reserva legal; deliberação nula: 69, 3.

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• Ponto 4: deliberação sobre assunto não referido na convocatória, deliberação
anulável, 58, 1, c) e 4 + 377, 8; a deliberação viola, ainda, o 74, 2, 1.ª parte,
outra causa de anulabilidade, 58, 1, a).

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2020/2021
Regência: Prof. Doutor Luís Menezes Leitão
Exame de Coincidências
30 de junho de 2021 - Duração: 1h30m

Grupo I (16 valores)


Artur, Berta, Catarina, Diogo e Eva, velhos amigos, decidem dedicar-se à exploração de beringela, tendo
constituído a sociedade “Solanum melongena, S.A.” (“Sociedade”), com sede em Setúbal e com o capital
social de € 200.000,00. Todos integravam o Conselho de Administração da Sociedade.
Artur entraria com o terreno que herdara da sua avó (e que valia pelo menos € 200.000,00) ficando com
uma participação equivalente a 50% do capital, mas só transmitiria o direito de propriedade para a sociedade
dali a três anos ficando a sociedade a pagar-lhe € 5.000,00/mês como retribuição do direito de superfície
por este constituído a favor dele; Berta entraria com uma fórmula ainda não patenteada de produção patê
de beringela (que valeria qualquer coisa como € 50.000,00) ficando com uma participação de 30% do capital;
Catarina entraria com €40.000,00 (ficando com 10% do capital) e Diogo e Eva entrariam cada um com
€10.000,00 (ficando com 5% do capital) a realizar quando a sociedade precisasse. Ficou ainda clausulado
que Catarina não assumiria quaisquer perdas que a sociedade viesse a ter porque o seu contributo já teria
sido extraordinário.
Os 5 acionistas celebraram ainda um acordo parassocial através do qual regulamentavam várias matérias
entre as quais as decisões de investimento. Aí se estipulava que os investimentos iguais ou superiores a
€ 100.000,00 careciam de opinião prévia favorável e escrita por parte de um auditor externo e independente.
Meses mais tarde, o Conselho de Administração reuniu-se com vista a decidir se era feita uma doação de
50.000,00 € à Associação “Vegan à Sexta”, que difundia informalmente juntos dos seus associados os
produtos da Sociedade. Berta manifestou-se contra porque – dizia – “não estamos no Natal e não temos
grande folga para caridade”. Por sua vez, Artur, defendeu que seria um ato de solidariedade que ficaria
muito bem junto dos órgãos da referida Associação.
Ainda em 2020, Filipa, colaboradora histórica da Sociedade, foi designada administradora da Sociedade
para substituir o administrador que tinha o pelouro financeiro da Sociedade (CFO – Chief Financial Officer).
Como não percebia nada de contas, aceitou na condição de Heitor – um financeiro de mão cheia e seu
primo – fosse “promovido” a diretor geral. Deste modo, pensava Filipa, o Heitor trataria de tudo e Filipa
limitava-se a “assinar de cruz”.

1. Pronuncie-se quanto ao teor do contrato de sociedade e respetivas estipulações (4


valores)

Regime das entradas (20.º/a) e 277.º do CSC) ; qualificação de cada uma das entradas (em especial qualificação
da entrada como entrada em espécie e sua a admissibilidade - 277.º/1 a contrario, do CSC); admissibilidade
do diferimento das entradas em espécie e em dinheiro (problemática do diferimento superior a 70% - 277.º/2 do
CSC), proibição de diferimento do ágio (277.º/2 in fine) problemática relativa ao diferimento da entrada de
Artur (em espécie) e a retribuição do direito de superfície como forma de esvaziar a obrigação de entrada (e sua
relação com os princípios da conservação e intangibilidade do capital social – o valor que a sociedade pagaria pelo
direito de superfície seria de € 180.000,00, valor superior aos € 150.000,00 do capital por si subscrito); proibição
de pacto leonino (Catarina) e explicitação do regime das perdas relacionado com a limitação da responsabilidade
dos sócios nas S.A. (22.º/1 a 3 do CSC vs 271.º do CSC).

1
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2020/2021
Regência: Prof. Doutor Luís Menezes Leitão
Exame de Coincidências
30 de junho de 2021 - Duração: 1h30m

2. Em reunião do Conselho de Administração, foi aprovado a aquisição de um terreno por


€ 110.000,00, com os votos favoráveis de Artur, Berta e Catarina.
Diogo ficou fulo porque não se pediu a opinião ao dito auditor externo. Artur retorquiu:
“Diogo, esse acordo vincula os acionistas, e nós estamos a decidir isto enquanto
membros do órgão de gestão”. Quid juris? (4 valores)

Trata-se de um Acordo parassocial ominlateral; densificação do art. 17.º do CSC.


Efeitos inter partes alguma doutrina entende que um acordo deste teor concretiza, também, o interesse social. Ora,
o Conselho de Administração – que conhecia aquele teor – tinha de o ponderar, porquanto ele densifica o interesse
social.
Mais: o argumento de Artur é formal: Artur podia até nem ser acionista que – conhecendo um acordo parassocial
– deveria relevá-lo.

3. Pronuncie-se quanto à viabilidade dos argumentos utilizados por Berta e Artur quanto
à doação feita à Associação. (4 valores).

Estava em causa a liberalidade praticada pela sociedade. Assim, haveria que analisar o art. 6.º, n.º 3, em
particular: (i) a usualidade segundo as circunstâncias da época; (ii) a usualidade atendendo às condições da própria
sociedade.
Quanto à argumentação de Berta: por um lado refere-se a uma circunstância específica – o Natal – onde é usual
e social (e empresarialmente) aceita a oferta de presentes. Por isso, a contrario, A entende que o momento da
doação não corresponde a um momento em que tipicamente sejam aceites concessões de tais liberalidades. Por outro
lado, invoca a falta de folga financeira. Donde, dir-se-á, que a Sociedade não apresentava condições que
justificassem a concessão de tal doação.
Quanto à argumentação de A: deixe antever uma lógica “interesseira” nesta doação, pois que constituía uma
“operação de charme” a um “angariador” da Sociedade. Donde, muito embora fosse difícil de subsumir no art.
6.º, n.º 2, sempre se poderia invocar a aplicação do art. 6.º, n.º 1 como forma de “salvar” esta doação, atendo o
fim ser interesseiro e – até – prosseguir (remotamente) o lucro.

4. Entretanto, os restantes administradores da Sociedade tomaram conhecimento de


sucessivas transferências bancárias promovidas por Filipa para a sua conta pessoal e
pela utilização das instalações da Sociedade para promover os encontros mensais com
alguns amigos onde discutiam poesia japonesa. Catarina pretende reagir. Que
fundamentos podiam ser invocado por Artur com vista a essa responsabilização? (5
valores)

2
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2020/2021
Regência: Prof. Doutor Luís Menezes Leitão
Exame de Coincidências
30 de junho de 2021 - Duração: 1h30m

Densificação dos deveres fiduciários dos administradores enquanto gestores de património alheio; não prossecução do
interesse social: colocação do interesse pessoal acima do social;
Todos os administradores estão – pela sua função – adstritos a deveres de vigilância. Claro que pode variar de intensidade
(e.g. consoante pelouros ou se são não executivos) mas ela existe e releva para efeitos de responsabilização.
Incumprimento gestão diligente e dever de cuidado: ausência de competências técnicas

5. Considera que Heitor está adstrito aos deveres constantes do art. 64.º do CSC? (3 valores)

Caracterização de Heitor como administrador de facto e densificação dos requisitos necessários para a sua qualificação.
Em concreto: (i) o sujeito não seja administrador de direito. (ii) realização de atividade positiva; (iii) atividade de direção,
administração e gestão; (iv) exercida com total independência; e (v) de forma constante.
Densificação da possível aplicação do art. 64.º aos administradores de facto.

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Direito Comercial II | Sociedades Comerciais
REGÊNCIA: Professor Doutor Luís Menezes Leitão
Exame da época de recurso | Turma B
90 minutos
22.07.2021

A, B, C, D, E e F constituíram, em 2018, a sociedade “Sublime Vegetação, Lda.”, com o objeto


social de venda de árvores de grande porte, sita no Porto.

A e B disponibilizaram um tereno em Leiria, que herdaram dos seus pais. C e D desembolsaram


EUR 25.000,00, cada. E, vinculou-se a entregar EUR 10.000,00 quando pudesse, visto que na altura
encontrava-se com dificuldades financeiras. F comprometeu-se a prestar os seus serviços de
jardinagem.

Dos estatutos constava (i) uma cláusula que atribuía a B o direito a receber lucros no montante de
50%, do que for distribuível, (ii) uma cláusula nos termos da qual cada um dos sócios se obrigava
a financiar a sociedade, caso esta necessitasse, em EUR 50.000,00, e (iii) uma cláusula que conferia
poderes de gerência a A, B e C, no qual se deixou expresso que qualquer um deles poderia vincular
a sociedade perante terceiros.

Em 14 de junho de 2021, A convocou todos os sócios para uma assembleia geral, na sede da
sociedade, pelas 18 horas, no dia 15 de agosto de 2021, por carta registada, à qual não compareceu
B, com a seguinte ordem de trabalhos:

(i) deliberar sobre a alteração do contrato de sociedade, alterando a localização da sede


para Lisboa (todos os sócios presentes, com exceção de D, votaram contra);
(ii) deliberar sobre a alteração do contrato de sociedade, eliminando-se a cláusula sobre a
quota-parte de B nos lucros (aprovada por unanimidade dos sócios presentes); e
(iii) deliberar sobre a suscetibilidade da sociedade se dedicar à venda de pneus, com a
correspondente alteração do contrato de sociedade (todos os sócios votaram contra,
com exceção de C, que votou a favor).

Em setembro de 2021, C, inconformado com a decisão dos demais, adquire para revenda, em
representação da sociedade, um conjunto de pneus à Pneus, S.A..
1. Pronuncie-se sobre as entradas convencionadas pelos sócios da “Sublime Vegetação, Lda.”
(6 valores)

- Entrada de A e B: identificação de uma entrada em espécie (terreno), i.e., uma entrada que tem por objeto
um bem suscetível de penhora diferente de dinheiro; necessidade de aplicação do regime constante do artigo
28.º, CSC: verificação do valor do bem através de um relatório de um ROC sem interesses na sociedade,
densificando a ratio legis do referido artigo;

- Entradas de C e D: identificação como entradas em dinheiro, lícitas, cumprindo com o disposto nos arts.
202.º, n.º 1 e n.º 4 e 26.º do CSC;

- Entrada de E: referência à possibilidade genérica de diferimento da realização de entradas em dinheiro


nas sociedades por quotas (artigo 26.º/3 do CSC em articulação com o art. 203.º/1 do CSC); no entanto,
não era admissível a cláusula cum potuerit, uma vez que o vencimento da obrigação de pagamento da entrada
tem que ficar aprazado para datas certas ou ficar dependente de factos certos e determinados (artigo
203.º/1); tendo em conta o princípio do aproveitamento dos negócios jurídicos, poderia no entanto
equacionar-se a conversão desta cláusula de diferimento numa cláusula de âmbito máximo (exigibilidade a
partir do momento em que se cumpra o período de cinco anos sobre a celebração do contrato: artigo 203.º/1,
CSC).

- Entrada de F: identificação como uma entrada em indústria, inadmissível nos termos do artigo 202.º, n.
º1 do CSC.

2. Analise as cláusulas previstas pelos sócios no contrato de sociedade (5 valores)


cláusula (i): ponderar se a cláusula equivale a um direito especial de B, admissível nos termos dos artigos
22.º, n. º1 e 24.º, n. º1 do CSC;
cláusula (ii): qualificação da obrigação estabelecida, distinguindo entre o regime das obrigações de prestações
acessórias (209.º) e das prestações suplementares nas sociedades por quotas (arts. 210.º a 213.º do CSC);
admitir-se-ia classificações diferenciadas, consoante a justificação apresentada; desenvolvimento sobre a
matéria das obrigações de financiamento a dispor dos sócios;
cláusula (iii): densificação do regime estabelecido nos artigos 252.º e seguintes do CSC; ponderação da
admissibilidade da cláusula, à luz do artigo 261.º do CSC; distinção entre a gerência plural conjunta e
disjunta nas sociedades por quotas.

02
3. Analise as deliberações tomadas em sede de assembleia geral, considerando que a respetiva
ata não foi assinada. (5 valores)
A é gerente, logo, tem legitimidade para convocar a Assembleia Geral; equacionar se foram cumpridos a
forma e o prazo de antecedência da convocação (art. 248.º, n.º 3 do CSC);
Ponto (i) da ordem de trabalhos: A mudança da sede corresponde a alteração do pacto social: necessita de
maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital, que, in casu, não cumprida, logo, a proposta não obteve
a maioria legalmente necessária à aprovação (art. 265.º, n.º 1 do CSC);
Ponto (ii) da ordem de trabalhos: porque se trata de alterar o contrato de sociedade e embora tendo obtido
a maioria de ¾ dos votos legalmente necessária (art. 265.º, n.º 1 do CSC), tendo B faltado, e tratando-se
de um direito especial do mesmo, a deliberação é ineficaz (arts. 55.º e 24.º, n.º 1 do CSC).
Ponto (iii) da ordem de trabalhos: admissibilidade da Assembleia Geral de deliberar sobre a alteração do
objeto da sociedade, nos termos do art. 6.º, n. º4 do CSC; Discussão doutrinária sobre o princípio da
especialidade; distinção entre a capacidade de gozo da sociedade e o objeto social;
Ausência de assinatura da ata: em abstrato, as deliberações dos sócios podem ser provadas pela
correspondente ata (63.º, n.º 1 do CSC), assinada, no caso das sociedades por quotas, por todos os sócios
que tenham participado na Assembleia Geral (248.º, n.º 6 do CSC). Dada a inexistência de ata, ponderar
a eficácia da deliberação social, considerando as posições doutrinárias existentes.

4. Aprecie a conduta de C, e em que termos tal conduta poderá ser suscetível de (i) vincular a
sociedade, bem como de (ii) responsabilizar o gerente. (4 valores)
O ato praticado não caberia no objeto, mas não limita capacidade da sociedade (art. 6.º, n.º 1 e 6.º, n.º 4
do CSC, art. 11.º do CSC, em articulação com o art. 260.º, n.º 2 e n.º 3 do CSC).
Ponderação da possibilidade de vinculação da sociedade quanto à compra para revenda à Pneus, S.A.(art.
260.º, n.º 1 do CSC), em particular, tendo em conta o disposto no artigo 260.º, n. º2 do CSC.
Análise da suscetibilidade de se responsabilizar C pelo ato praticado em violação do dever legal de não
exceder o objeto social (art. 6.º, n.º 4 do CSC). Análise do preenchimento dos pressupostos do art. 72.º do
CSC; Referência à ausência de discricionariedade na ação do gerente, pois é imposta uma atuação ou uma
omissão concreta pelo artigo 6.º, n. º4 do CSC.
Enunciação dos diversos regimes de responsabilidade dos administradores – na ausência de referência
expressa no enunciado ao tipo de ação em causa.
Ponderação da eventual destituição de C (art. 257.º do CSC) por justa causa (art. 257.º, n.º 6 do CSC).

03
Direito Comercial II | Sociedades Comerciais
REGÊNCIA: Professor Doutor Luís Menezes Leitão
Exame da época de recurso - Coincidências | Turma B
90 minutos
28.07.2021

Tópicos de Correção

A, B, C, D e E constituíram, em 2019, a sociedade “Arquipélago Dourado, Lda.”, com o objeto social


de promoção e organização de viagens turísticas.

Convencionaram no contrato o seguinte quanto às entradas (equivalendo a respetiva participação


social ao valor da entrada):

a) A e B entram com EUR 20.000,00 cada um, no prazo de 10 anos;

b) C entra com EUR 10.000,00 que renderão juros à taxa de 0,5%/ano durante 5 anos;

c) D entra com 50.000,00 ações do Sportsloosers,S.A., cotadas em mercado a EUR 1/ação;


d) E entra com um pequeno imóvel rústico avaliado na Autoridade Tributária e Aduaneira com
valor de EUR 100,00.

Aquando do registo, o conservador levantou dúvidas sobre a ausência de avaliação independente das
entradas de D e E. Estes retorquiram que (i) as ações estão cotadas em mercado e dispensam
avaliação e (ii) no caso do imóvel “quem melhor que o fisco para saber quanto é que o terreno vale?”.
O conservador ficou convencido e lá fez o registo do contrato de sociedade.

Constava ainda do contrato de sociedade o seguinte:

a) Apenas por maioria qualificada de 2/3 do capital social poderá ser aprovada a distribuição de
mais de 50% dos lucros distribuíveis.

b) Considerando a reforma de 2011 do CSC, não haverá lugar à constituição de reservas legais;
c) Todos os sócios estão impedidos de concorrer com a sociedade, pelo prazo de 10 anos,
mediante a contrapartida de EUR 10.000,00/anuais.

O ano de 2020 gerou um resultado de EUR 10.000,00. Sucede que, logo em fevereiro de 2021, houve
um grande incêndio na sede da sociedade que destruiu por completo os equipamentos informáticos e
arquivo, produzindo avultados prejuízos para a sociedade. Em 20.07.2021, o sócio A. (que também era
gerente da sociedade) convocou para o dia 28.07.2021 uma assembleia geral para deliberar sobre:
ponto um: distribuição da integralidade dos lucros de 2020; ponto dois: aumento de capital no valor de
EUR 100.000, entrando cada sócio com EUR 20.000, com o objetivo de permitir à sociedade substituiro
material perdido no incêndio e continuar a sua atividade (que estava em risco).

Durante a assembleia geral (a que compareceram todos os sócios) e aproveitando o facto do sócio A
ter saído da sala para atender o telemóvel, os demais sócios discutiram e aprovaram por unanimidade
o ponto um da ordem de trabalhos.
Já quanto ao ponto dois da ordem de trabalhos, B e C votaram contra o aumento de capital
argumentando que a gerência tem de ser mais criativa e encontrar outras formas de financiamento e
não sobrecarregar os sócios. O sócio A argumenta que, sendo o aumento de capital chumbado, irá
requerer a anulação da deliberação pelos votos de B e C serem meramente emulativos e
responsabilizar ambos os sócios por violação dos seus deveres de lealdade para com a sociedade.
Responda de forma sucinta, mas fundamentada, às seguintes questões:

1. Pronuncie-se sobre as entradas convencionadas e analise os argumentos de D e E (6 v.)

Identificação dos requisitos do contrato de sociedade e da obrigação de entrada como uma das
principais obrigações dos sócios (art. 9.º, n.º1, al. g) e h), 9.º, n.º2, 20.º, alínea a), 25.º e
seguintes, e 202.º do CSC)

Identificação dos vários tipos de entradas convencionadas (dinheiro e espécie).

Quanto às entradas de A e B problemática do prazo de diferimento das entradas e respetivas


posições doutrinárias quanto à consequência da sua inadmissibilidade (art. 203.º CSC).

Quanto à entrada de C enquadramento da problemática subjacente ao art. 21.º, n.º 2, do CSC e


respetivas consequências.

A respeito das entradas de D e E: análise do regime do artigo 28.º quanto à necessidade de


avaliação dos bens, com enquadramento dos argumentos utilizados, em particular o facto de
existirem ações cotadas em bolsa em que o valor dos bens estará, à partida, determinado (ou
não) e respetiva comparação com o regime do artigo 29.º, n.º 2. Consequências legais da
ausência de avaliação certificada.
2. (Com independência da questão anterior) Um mês após o registo do contrato de
sociedade, as ações da Sportsloosers, S.A. têm uma queda abrupta em mercado e
passam a valer cerca de EUR 0,50/ação. O sócio A exige então que D “pague a
diferença” porque a sociedade não pode ficar a perder e além do mais há o princípio da
intangibilidade do capital social. Tem razão? (2 v.)

Análise crítica do regime das entradas em espécie em concreto a problemática da valorização


e da desvalorização do bem contribuído após a realização da entrada.

Não era aplicável, in casu, o artigo 25.º, n.º 4, do CSC, dado que o risco de depreciação ou
valorização do bem corre por conta da sociedade.

3. Dois meses após o registo do contrato, F – esposa do gerente E – contrata com a


sociedade um conjunto de serviços de impressão e marketing digital da sociedade. O
credor G entende que o contrato não poderia ter sido celebrado e pretende
responsabilizar o gerente E pelo sucedido. Quid iuris? (2 v.)

Discussão sobre a integração da situação no regime do artigo 29.º do CSC e explicitação dos
fundamentos do regime ali previsto e eventual extensão às sociedades por quotas.

Caso se concluísse pela aplicação do regime referido, enunciação das consequências legais.
Quanto à responsabilização de E pelos credores: enquadramento do regime geral da
responsabilidade dos gerentes à luz do artigo 78.º CSC.

Deveria ainda ser ponderada a (não) aplicação do regime do artigo 30.º às situações do artigo
29.º e ao exercício dos direitos em causa, nomeadamente considerando as consequências
legais para a inobservância dos requisitos do artigo 29.º.

4. Pronuncie-se sobre a validade das demais cláusulas do contrato de sociedade (além


das relativas às obrigações de entrada) (5 v.)

Quanto à cláusula a): análise crítica do regime do artigo 217.º do CSC, explicitando as diversas
posições doutrinárias a respeito da possibilidade de ser convencionada no contrato de sociedade
a distribuição de lucros e respetiva admissibilidade da cláusula em causa.

Quanto à cláusula b): enunciação da problemática e posições doutrinárias existentes quanto à


obrigação de constituição de reserva legal nas sociedades por quotas considerando a revisão do
regime daquele tipo de sociedade operado pelo DL n.º 33/2011, de 07.03.

Quanto à cláusula c): identificação de prestação acessória nos termos do artigo 209.º do CSC.
Poderia ser ponderada a matéria relativa à obrigação de não concorrência dos sócios que sejam
simultaneamente gerentes da sociedade à luz do artigo 254.º do CSC e eventuais efeitos do
regime legal aplicável aos gerentes na cláusula em causa.

5. Pronuncie-se sobre (i) a regularidade da assembleia geral ocorrida em 28.07.2021, (ii) a


validade das deliberações tomadas e (iii) os argumentos e proposta de atuação do
sócio A (5 v.)

Identificação da falta de antecedência mínima do aviso convocatório previsto no artigo 248.º,


n.º 3, do CSC e respetivas consequências e enquadramento da situação em apreço no
regime do artigo 54.º do CSC, com explicitação e análise dos respetivos requisitos.

A respeito da votação do ponto 1 da ordem de trabalhos com a ausência de um dos sócios da


sociedade: enunciação da eventual invalidade da deliberação dado que o sócio em causa não
estava presente, com a discussão relativa ao direito do sócio participar, plenamente, na
assembleia geral, designadamente o direito de intervenção e participação na discussão (arts.
248.º, n.º 5, e 21.º, n.º 1, alínea b), do CSC).

Ainda a respeito do ponto 1 da ordem de trabalhos ponderar a suscetibilidade dos sócios


poderem proceder à distribuição de lucros considerado o incêndio ocorrido após o final do
período relevante para apuramento dos lucros, com enquadramento da situação
nomeadamente ao abrigo dos artigos 31.º a 33.º do CSC, em particular a obrigação da
gerência de não executar a deliberação nos termos do artigo 31.º, n.º 2, alínea a), do CSC.

Quanto ao ponto 2 da ordem de trabalhos: enquadramento da questão do aumento de capital


enquanto alteração do contrato de sociedade (v.g., arts. 85.º e 86.º, 87.º e ss., e 265.º do
CSC).

Considerando os argumentos invocados por A, análise problemática dos “abusos de minoria”


e eventual enquadramento no contexto do artigo 58.º, n.º 1, al. b), do CSC, com referência às
diversas posições doutrinárias a respeito dos deveres de lealdade dos sócios para com a
sociedade e respetivas consequências, designadamente para efeitos de invalidade de
deliberações sociais.
Direito Comercial II - Turma A – Época Normal
Ano Letivo 2017-2018 - 18 de junho de 2018
Regência: Professor Doutor Luís Menezes Leitão
Duração: 1:30 h

Tópicos de correção

I
António, Berto, Carolina, Diogo e Esmeralda decidem unir esforços para aproveitar a
vaga de turistas em Lisboa.
Para o efeito António e Berto decidiram, em janeiro de 2018, arrendar um escritório na
Rua Augusta para instalar a sede e Carolina e Diogo decidiram comprar quatro carros
para passear os turistas pelos principais pontos da cidade.
Em junho de 2018, depois de sanarem alguns pontos em aberto, decidem finalmente
celebrar (e registar) o contrato de sociedade “Pelas Encostas de Lisboa, S.A.”, no qual
ficou convencionado que cada amigo contribuiria com EUR 12.000, ficando com uma
participação igual no capital social de EUR 50.000. Ficou especificamente convencionado
que António e Berto apenas realizariam a sua entrada quando a sociedade dela necessitasse
e que Carolina entraria com dois carros, tendo os restantes amigos aceite que o valor
destes chegaria para “pagar” a sua entrada. Ficou igualmente clausulado que Esmeralda
nada suportaria se o negócio corresse mal na medida em que “já bem bastava ter investido
as suas poupanças para ficar sem nada”.
António, Berto e Diogo que eram mesmo muito amigos convencionaram entre si que
sempre votariam da mesma forma nas assembleias gerais que se viessem a realizar.
Como o negócio corria muito bem os sócios pensaram em adquirir vários andares numa
das torres em Lisboa para alargar os serviços que prestavam aos turistas. Decidem, para o
efeito, pedir um empréstimo ao Banco LX que, como garantia, exige uma hipoteca sobre
os imóveis de uma sociedade familiar da qual Diogo era acionista minoritário. Com alguma
relutância Diogo lá consegue convencer os seus familiares a aprovar a constituição dessa
hipoteca, tendo Teodoro, seu tio e acionista dessa sociedade familiar, votado contra.
A última assembleia geral da “Pelas Encostas de Lisboa, S.A.” foi muito complexa: Berto,
Diogo e Carolina votaram contra a distribuição de quaisquer lucros aos sócios. António
ficou furioso e propôs que fosse deliberado dividir a sociedade em duas: a “Pelas Encostas
de Lisboa, S.A.” ficaria responsável pelos passeios turísticos e teria como sócios Berto,
Carolina e Esmeralda e seria criada uma nova sociedade que ficaria com os imóveis a
adquirir, tendo como sócios António e Diogo. A divisão foi aprovada por unanimidade.

Responda sucinta, mas fundamentadamente, às seguintes questões:


1. A sociedade responde pelas dívidas do arrendamento e da compra dos
veículos? (3 v.)
Análise dos vários momentos de constituição da sociedade: (i) celebração do
contrato de sociedade 7.º/1 do CSC; (ii) registo do contrato de sociedade
(artigos 5.º e 18.º do CSC); e (iii) realização das publicações obrigatórias 167.º
do CSC.
Identificação do regime das sociedades irregulares – artigos 36.º e seguintes
do CSC;
Em concreto, aplicação do regime do artigo 36.º/2 do CSC com a competente
aplicação dos artigos 997.º e 999.º do Código Civil.
Referência à possibilidade (que parece não resultar do enunciado) de serem
assumidos pela sociedade os negócios em causa ao abrigo do artigo 19.º, n.º
1, alínea c), do CSC.

2. Analise a validade das estipulações do contrato de sociedade (5 v.)


Análise dos elementos obrigatórios do contrato de sociedade referidos no
artigo 9.º do CSC e os específicos das sociedades anónimas (vg. número de
acionistas [273.º CSC] e capital social [276.º, n.º 5, do CSC]).
Análise particular do regime das entradas dos sócios (artigos 20,º, alínea a),
25.º, 26.º, 28.º e 285.º, todos do CSC).
Verificação no caso concreto do chamado ágio ou prémio de emissão no valor
de EUR 2.000,00 de cada acionista e análise da problemática de diferimento
do pagamento do prémio de emissão (artigo 277.º, n.º 2, do CSC) para efeitos
das entradas de António e Berto.
Análise da possibilidade de diferimento da obrigação de entrada de António
e Berto à luz do artigo 285.º do CSC e respetivas consequências. Análise
igualmente da possibilidade de diferimento estabelecida no artigo 277.º, n.º
2, com destaque para as correntes doutrinárias que defendem que a
percentagem de 70% diz respeito ao total das entradas vs as correntes que
defendem que tal percentagem se reporta ao valor das entradas de cada sócio.
A respeito da obrigação de entrada de Carolina, identificação de uma entrada
em espécie e sua admissibilidade (277.º/1 do CSC). Análise do regime das
entradas em espécie, nomeadamente a verificação das entradas em espécie
nos termos do artigo 28.º do CSC e consequências da não observação de tal
obrigação.
Identificação de um eventual pacto leonino na cláusula que exime Esmeralda
da participação nas perdas – artigo 22.º, n.º 3, do CSC, com explicitação da
responsabilidade dos sócios corresponder ao valor das suas entradas, nos
termos dos artigos 22.º, n.º 1, e 271.º do CSC.
Análise das consequências da nulidade da cláusula (em concreto, a posição
do Prof. Menezes Cordeiro que defende a conversão do negócio, nos termos
do artigo 293.º do Código Civil e respetiva verificação do pressuposto de que,
sem a cláusula leonina ainda assim as partes queriam ter celebrado o contrato
de sociedade).

3. Teodoro, sócio de Diogo na empresa familiar fica chocado com a aprovação


da constituição da hipoteca para garantia das dívidas da “Pelas Encostas de
Lisboa, S.A.” porque entende que esta é nula. Tem razão? (3 v.)

Análise do regime relativo à validade das garantias, nos termos do artigo 6.º
do CSC, enquadrando a questão da capacidade geral das sociedades e a
análise crítica que tem vindo a ser feita a este propósito pela doutrina atual.
Em concreto, verificar a aplicação ao caso do regime estatuído no artigo 6.º,
n.º 3, do CSC, com a ponderação e densificação do critério do “justificado
interesse próprio” (já que, no caso, não existe qualquer situação de domínio
ou de grupo).
Na ponderação da validade da garantia prestada, observância da
compatibilidade do regime estabelecido no artigo 6.º, n.º 3, do CSC com o
artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 da Diretiva (UE) 2017/1132 do Parlamento Europeu e do
Conselho de 14 de junho de 2017 (

4. António pretende anular a deliberação de distribuição de lucros porque


entende que Berto e Diogo não poderia ter votado contra. Tem razão? (3 v.)
Identificação da existência de um acordo parassocial celebrado entre
António, Berto e Diogo, ao abrigo do artigo 17.º do CSC.
Caracterização do acordo parassocial em causa e análise da sua validade.
Consequências do incumprimento do acordo parassocial: a responsabilidade
derivada do incumprimento é meramente contratual, não podendo com base
no acordo parassocial impugnar-se a validade de atos praticados pela
sociedade ou pelos seus sócios, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do CSC.
Pelo exposto, não será suficiente a resposta que se limite a analisar os casos
de invalidade das deliberações sociais ao abrigo dos artigos 56.º e 58.º do
CSC.

5. Os sócios poderiam ter deliberado a “divisão” da sociedade? (3 v).


Identificação de assembleia geral universal nos termos do artigo 54.º do CSC.
Verificação dos requisitos para a validade daquela modalidade deliberativa:
nomeadamente a presença de todos os sócios e a vontade de todos os sócios
de deliberar sobre determinado assunto (ambas parecem estar verificadas no
caso).
Identificação de uma deliberação respeitante à cisão da sociedade: artigos
118.º e seguintes do CSC. Identificação de uma situação de cisão simples, nos
termos do artigo 118.º, n.º 1, alínea a) e 123.º do CSC.
Aplicação à cisão do regime da fusão, por remissão do artigo 120.º do CSC.
Em concreto, atendendo à remissão efetuada, cumpriria observar as
obrigações de registo do projeto nos termos do artigo 100.º do CSC, pelo que,
para efeitos de validade da deliberação em causa tornava-se necessário o
fornecimento e publicação dos elementos referidos no artigo 119.º do CSC, o
que não foi observado no caso. Ponderação das consequências do
incumprimento das formalidades legalmente prescritas (anulabilidade –
artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do CSC).

II

Comente a seguinte afirmação (3 v.):

“As diretrizes legais sobre os critérios gerais de atuação dos administradores, se


interpretadas literalmente, bloqueiam qualquer possível atuação destes”.
Referência ao artigo 64.º do CSC e aos deveres gerais dos administradores ali
prescritos.

Referência à designada business judgment rule, sua origem e consagração legal.

Análise das alterações introduzidas pelo DL. 76-A/2006, de 29.03 no artigo 64.º do
CSC.

Análise em particular das interpretações doutrinárias a respeito da alínea b) do n.º


1 do artigo 64.º - em especial a difícil compatibilização entre os interesses dos
diversos stakeholders ali referidos.
Direito Comercial II - Turma A – Época Normal – Coincidências
Ano Letivo 2017-2018 - 25 de junho de 2018
Regência: Professor Doutor Luís Menezes Leitão
Duração: 1:30 h

Tópicos de Correção

Alberto, Beatriz e Carolina decidiram unir esforços para produzir e comercializar uma
app para telemóveis que permite descobrir em que bares é que está em cada momento a
ser vendida a cerveja mais barata na cidade de Lisboa. Para o efeito, constituíram uma
sociedade comercial: a “Imperial ao Preço da Chuva, Lda.” (abreviadamente, “Imperial”).
Combinaram que, atendendo às necessidades do projeto, cada um contribuiria com €
20.000 para o respetivo capital. Três semanas depois da constituição da sociedade,
Carolina vendeu à Imperial um conjunto de computadores e licenças de utilização de
software de que era titular, no valor de € 19.975. Os dois primeiros anos da Imperial foram
fabulosos, mas o sucesso da sociedade teve um impacto negativo na amizade dos sócios,
que começaram a desentender-se. Na assembleia geral anual de Março de 2018, Alberto
sugeriu que se alterasse o contrato de sociedade, para que passassem a poder ser exigidos
aos sócios contributos adicionais, em dinheiro, até ao dobro da participação no capital.
Embora não estivesse prevista a discussão deste tema, Beatriz concordou, mas Carolina
absteve-se. Alberto disse a Carolina que “quem cala consente” e que enquanto gerente da
sociedade a interpelava, ali mesmo, para realizar o seu pagamento de € 40.000. Nessa
mesma assembleia, Beatriz tomou conhecimento de um encargo inesperado: a Imperial
tinha oferecido € 50.000 a uma associação de defesa dos animais, porque, segundo
Alberto, “os jovens que consomem cerveja barata preocupam-se imenso com estas
questões”.
O afastamento dos sócios e o desinteresse de Alberto veio depois a passar a sua fatura na
rentabilidade da sociedade. Alberto está mais empenhado num negócio familiar de
arrendamentos de curta duração e começou a atrasar-se no pagamento dos impostos
devidos pela Imperial. Acresce que os contratos celebrados para o desenvolvimento do
software não acautelam devidamente a posição da Imperial, e por esse motivo, passado um
período inicial, o software foi disponibilizado a concorrentes da Imperial. Quando Beatriz
e Carolina questionaram o comportamento e as omissões de Alberto, este respondeu-
lhes que “é praticamente impossível responsabilizar gerentes em Portugal” e que além
disso também ocorrem atrasos e incumprimentos tributários nas demais nas sociedades
familiares de que é sócio e gerente.

Entre outros, serão considerados os seguintes elementos de avaliação das questões colocadas no teste:

1. Um credor da Imperial pondera questionar a validade do negócio celebrado entre


Carolina e a Imperial, relativo à aquisição do material informático. Terá razões
para tanto? [4 valores]

R: Compreensão geral das regras sobre a formação e conservação do capital


como (entre outras dimensões) regras de proteção de credores.
Enunciação geral do princípio da intangibilidade do capital social.
Discussão sobre a aplicação do artigo 29.º a outros tipos societários. Verificação
dos pressupostos de aplicação do artigo 29.º, CSC ao caso em apreço: a aquisição
do material informático teve por partes a sociedade e Carolina, que foi sócia
fundadora; o contravalor dos bens adquiridos excede 10% do capital social; o
contrato de compra e venda foi celebrado nos dois anos seguintes ao do registo
do contrato de sociedade. Nestes termos, a aquisição deveria ter sido precedida
de deliberação dos sócios (proteção de sócios) – na qual Carolina não poderia
participar - e de verificação do valor dos bens adquiridos nos termos do artigo
28.º (artigo 29.º/3), enquanto forma de tutela de credores. Discussão sobre a
aplicação do n.º 3 do artigo 25.º ao caso em apreço, caso se manifestasse uma
diferença entre o valor real dos bens e o preço acordado no contrato de compra e
venda.
Possíveis consequências ao nível da responsabilidade dos gerentes da sociedade
perante credores sociais, caso o negócio não tenha sido aprovado pelos restantes
sócios à luz do artigo 78.º do CSC e respetivo enquadramento dos pressupostos.
Eventual responsabilidade dos gerentes perante a sociedade ao abrigo dos artigos
72.º e 75.º do CSC.

2. Se fosse consultado por Carolina, como se pronunciaria em relação à deliberação


de alteração dos estatutos, tomada na assembleia anual de Março de 2018? [5
valores]
R: Enquadramento da deliberação sobre a alteração dos estatutos como uma
deliberação sobre assunto não incluído na ordem do dia; compreensão da função
da convocatória e da indicação da ordem do dia como mecanismo de tutela
informativa dos sócios. Discussão sobre a verificação das condições para a
aplicação do artigo 54.º, n.º 1, com destaque para as referidas na segunda parte
daquele número, no caso em apreço. Caso se entendesse que Carolina tinha
concordado com a constituição da assembleia para deliberar sobre aquele ponto e
com a preterição das formalidades prévias, não se poderia depois admitir que
viesse a invocar a omissão do fornecimento de elementos mínimos de
informação (artigo 58.º, n.º 1, alínea c) + 377.º/8 [aplicável às SQ por remissão do
artigo 248.º, n.º 1]). Discussão sobre a invalidade da deliberação, caso se partisse
do pressuposto contrário (i.e., caso se interpretasse a abstenção de Cartolina
como falta de consentimento nos termos do artigo 54.º, n.º 1). Enquadramento
das “contribuições adicionais” como prestações suplementares, tendo em conta o
objeto, a natureza, e a dependência de uma decisão posterior, que torne exigíveis
as obrigações dos sócios (“passassem a poder ser exigidos aos sócios contributos
adicionais”). No caso em apreço, a exigibilidade da obrigação teria que resultar de
uma deliberação dos sócios (artigo 211.º/1) e não por Alberto, enquanto gerente.
Acresce que Carolina sempre poderia invocar o n.º 2 do artigo 86.º para sustentar
que não tinha consentido numa alteração que envolvia o aumento das prestações
impostas pelo contrato aos sócios e as regras da maioria exigível para a alteração
dos estatutos nas sociedades por quotas, que exigem a maioria de ¾ dos votos
correspondentes ao capital social (artigo 265.º/1).

3. Beatriz tem razões para duvidar da conformidade legal da oferta de € 50.000 à


associação de defesa dos animais? A resposta seria diferente se fosse um credor a
questionar este negócio? [5 valores]

R: Discussão sobre o sentido interpretativo geral a extrair do artigo 6.º,


ponderados os elementos históricos e dogmáticos discutidos extensamente na
doutrina portuguesa, incluindo necessariamente a discussão a respeito do sentido
do termo “capacidade” ali previsto; confronto com o princípio da especialidade
das pessoas coletivas e respetiva superação. Contraposição do regime previsto no
artigo 6.º e sua compatibilidade com o artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, da Diretiva (UE)
2017/1132 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de junho de 2017.
Em particular, discussão sobre a capacidade da sociedade para doar um montante
quase equivalente ao do respetivo capital social, tendo em conta o disposto no n.º
2 do artigo 6.º. Compreensão dos limites à capacidade das sociedades que
decorram do artigo 6.º como (entre outras dimensões) normas de proteção de
credores. Afirmação do direito dos credores invocarem a nulidade de negócios
celebrados pela sociedade fora do âmbito da respetiva capacidade.

4. Como qualificaria a conduta de Alberto enquanto gerente e os argumentos que


invoca contra a possibilidade de responsabilização? [6 valores]

R: Identificação das instâncias de incumprimento por parte de Alberto dos


deveres obrigacionais decorrentes do exercício das funções de gerente:
incumprimento de normas imperativas aplicáveis à sociedade (obrigações
tributárias), falta de diligência na celebração de contratos relativos a posições
jurídicas cruciais para a sociedade (contratos de desenvolvimento de software) e
falta de disponibilidade para o exercício das funções (“está mais empenhado num
negócio familiar”). Discussão sobre o critério de diligência exigível aplicável à
apreciação da conduta de Alberto (não a diligência que Alberto habitualmente
exerce noutros negócios, mas a diligências normativamente exigível a um gestor
criterioso e diligente). Discussão fundamentada sobre o sentido interpretativo a
dar às normas constantes dos artigos 64.º e 72.º.
Identificação das principais consequências decorrentes do incumprimento por
Alberto dos deveres acima identificados: justa causa de destituição e
responsabilização.
Direito Comercial II (Direito das Sociedades) - Turma A – Época de Finalistas
Ano Letivo 2017-2018 - 7 de setembro de 2018
Duração: 1:30 h

Critérios de Correção
Artur, Beatriz, Cláudio e Daniela, velhos amigos, decidem pôr em marcha o seu
projeto para a exploração de uma herdade de maçãs puramente biológicas. Para o efeito,
Artur, que havia recebido de herança um fantástico monte no Alentejo, colocou-o à
disposição para que Beatriz e Cláudio, engenheiros agrónomos de formação,
implementassem o pomar, enquanto Daniela trataria do website e da logística de
distribuição.
O arranque do projeto foi colossal: tiveram de alugar máquinas para aplanar o
terreno e iniciar a sementeira, contratar pessoal e ainda pagar as famosas sementes de maçã
xpto (a melhor do mercado).
Após um ano decidiram que o melhor seria constituírem uma sociedade comercial
para evitar problemas com o Fisco. Cumprindo as formalidades, lá se constituiu a “A Maçã
da Expulsão do Paraíso” (o nome agitaria consciências), com sede em Évora e com o
capital social de EUR 5.000,00, ficando Artur com 77% do capital (pagos com o imóvel
que valeria, pelo menos, EUR 150.000,00, de acordo com um especialista na matéria),
ficando Beatriz e Cláudio com 5% cada um (realizando para o efeito uma entrada de
EUR 5.000,00, por contrapartida de serem contratados como trabalhadores da sociedade
e assim recuperarem o valor da sua entrada) e Daniela ficaria com 13% do capital,
realizando a sua entrada quando a sociedade distribuísse lucros.
O exercício de 2017 foi excelente: EUR 1,5 milhões de lucros. Sucede, contudo,
que logo em março deste ano, um terrível incêndio destruiu toda a plantação. Ainda assim,
os sócios reunidos em assembleia geral deliberaram distribuir integralmente os lucros do
exercício e logo se veria como resolver a questão do dinheiro…
Mas a solução chegou: um novo acionista (Felisberto) estava disposto a entrar
para a sociedade com EUR 95.000,00, contando que para o efeito a sociedade passasse a
ter um capital social de EUR 100.000,00 e fosse “anónima”, para que as pessoas não
soubessem do seu negócio.
Manuel, ROC da sociedade, andava desconfiado dos negócios “meio estranhos”
que o novo administrador executivo (Gonçalo) andava a celebrar com Felisberto e decide
interpelar Artur, dizendo-lhe “apesar de o senhor não ser administrador executivo, alguém
tem de fazer alguma coisa… Se o Artur não destituir o Gonçalo, eu próprio o farei!”. Mas
Artur, que foi nomeado administrador até 2020, não está nem aí: nunca o irão chatear por
causa dos atos de Gonçalo e, além do mais, Artur até já tem até uma participação de 51,5%
numa sociedade de distribuição de fruta que escoa parte substancial da produção de maçãs
da sociedade (isto após a sociedade ter rejeitado comprar tal participação) e por isso quer
é tirar o máximo de proveito dessa nova sociedade.
Felisberto, contudo, estava a precisar rapidamente de liquidez na sua sociedade
“Aselha Mor, Unipessoal, S.A.” Para o efeito, remete uma carta a todos os acionistas
solicitando uma reunião na sede da “Aselha Mor”, no Funchal, para “discutir assuntos de
índole diversa”. Ali chegados os acionistas foram confrontados com a proposta de “A
Maçã da Expulsão do Paraíso” mutuar, sem juros, àquela sociedade, EUR 150.000,00, que
esta devolveria quando fosse possível. Artur estava reticente em aceitar tal proposta, mas
lá votou favoravelmente com os demais sócios, incluído Felisberto, que ficou radiante.

Responda sucinta, mas fundamentadamente, às seguintes questões:

1. O responsável pelas máquinas utilizadas para realizar a plantação quer exigir


da “A Maçã da Expulsão do Paraíso” o valor dos serviços prestados. Pode
fazê-lo? (2 v.)
Análise dos vários momentos de constituição da sociedade: (i) celebração do
contrato de sociedade 7.º/1 do CSC; (ii) registo do contrato de sociedade
(artigos 5.º e 18.º do CSC); e (iii) realização das publicações obrigatórias 167.º
do CSC.
Identificação do regime das sociedades irregulares – artigos 36.º e seguintes
do CSC;
Em concreto, aplicação do regime do artigo 36.º/2 do CSC com a competente
aplicação dos artigos 997.º e 999.º do Código Civil.
Referência à possibilidade (que parece não resultar do enunciado) de serem
assumidos pela sociedade os negócios em causa ao abrigo do artigo 19.º, n.º
1, alínea c), do CSC.
2. O Conservador do Registo Comercial, após analisar o contrato celebrado
entre os amigos, tem dúvidas quanto à validade do contrato e ao
cumprimento dos requisitos legais. Tem razões para isso? (4 v.)
Análise dos elementos obrigatórios do contrato de sociedade referidos no
artigo 9.º do CSC e os específicos das sociedades por quotas
(presumivelmente o regime seguido) (vg. número de sócios [7.º, n.º 2, do
CSC] e capital social [201.º do CSC]).
Omissão do tipo social em causa e consequências da sua omissão.
Análise particular do regime das entradas dos sócios (artigos 20,º, alínea a),
25.º, 26.º, 28.º e 202 a 204.º, todos do CSC).
Verificação no caso concreto do chamado ágio ou prémio de emissão e
análise da problemática de diferimento do pagamento do prémio de
emissão (artigo 277.º, n.º 2, do CSC) e sua aplicabilidade fora das
Sociedades Anónimas.
Análise da possibilidade de diferimento da obrigação de entrada de Daniela
à luz do artigo 203.º do CSC – nomeadamente face à incerteza da verificação
de lucros na sociedade – e respetivas consequências: vencimento imediato
(artigo 777.º do C. Civil) ou realização da obrigação no termo referido na
parte final do n.º 1 do artigo 203.º do CSC.
Destacar, em todo o caso, a possibilidade de compensação da obrigação de
entrada com o direito aos lucros ao abrigo do artigo 27.º, n.º 4, do CSC.
A respeito da obrigação de entrada de Artur, identificação de uma entrada
em espécie e sua admissibilidade (202.º, n.º 1, a contrario, do CSC). Análise
do regime das entradas em espécie, nomeadamente a verificação das
entradas em espécie nos termos do artigo 28.º do CSC e consequências da
não observância de tal obrigação.
Referência à intangibilidade do capital social e à potencial situação de
fraude das entradas de Beatriz e Cláudio porque estas seriam restituídas
pela remuneração a pagar pelos serviços prestados.
Requisitos da firma da sociedade – artigos 10.º e 200.º do CSC – em
particular por referência ao artigo 10.º, n.º 5, alínea b), do CSC.
3. Analise a validade da distribuição de lucros, conforme efetuada (3 v.)
Consideração do direito aos lucros, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, alínea a),
do CSC.
Análise do regime de conservação do capital social e suas funções,
nomeadamente por referência ao artigo 32.º e 33.º do CSC.
Ponderação da aplicação do artigo 34.º do CSC na medida em que os sócios
conheciam, à data da realização da assembleia geral, o incêndio existente e,
bem assim, as consequências quanto aos lucros – na verdade, a sociedade
precisaria de recuperar a plantação e, consequentemente, os montantes
seriam necessários, eventualmente, para a reconstituição do capital social e
das reservas legais.
Por outro lado, analisar os conceitos de lucro do exercício e de lucros
distribuíveis por referência ao artigo 33.º do CSC, nomeadamente à
necessidade de prévia constituição da reserva legal – artigo 218.º do CSC.
4. Analise a validade e o procedimento adotado por Felisberto para se tornar
acionista da “A Maçã da Expulsão do Paraíso” (3 v.)
Duplamente: aumento de capital e transformação da sociedade.
Necessidade de aprovação pela Assembleia Geral e pela maioria prevista no
artigo 265.º do CSC.
Verificação dos requisitos estabelecidos nos artigos 130.º e seguintes do CSC,
em particular a necessidade de elaboração de relatório por parte da gerência
(artigo 132.º do CSC) e não verificação dos impedimentos.
Em todo o caso, mencionar que o regime do anonimato pretensamente
pretendido não poderia ser alcançada, considerando a supressão das ações
ao portador pela Lei n.º 15/2017, de 3 de maio.
5. Manuel poderá mesmo executar o seu ultimato? E Artur não pode ser
“chateado” por causa dos negócios duvidosos celebrados por Gonçalo? (3 v.)
Qualificação do ROC da sociedade como órgão de fiscalização e
concretização da referência ao administrador executivo como escolha pela
sociedade do modelo dualista previsto no artigo 278.º, n.º 1, alínea c), do CSC
(artigo 446.º do CSC).
Competência para a destituição dos administradores cabe à assembleia geral
ou ao conselho geral e de supervisão (artigo 430.º do CSC) – o ROC não
poderia destituir o administrador em causa.
A respeito de Artur: o facto de não pertencer ao conselho executivo não limita
os seus deveres enquanto administrador, nomeadamente os referidos no
artigo 441.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CSC, podendo ser responsabilizado, nos
termos do artigo 72.º do CSC caso não tenha exercido os seus poderes
funcionais (a situação relatada no caso poderá, entre outros, ser subsumível
ao artigo 441.º, n.º 1, alínea j), do CSC, pelo que, tomando conhecimento de
alegadas irregularidades o seu dever de atuação ganhava especial relevância.
6. Os restantes acionistas da sociedade ficaram chocados ao saber que Artur
era, afinal, acionista da principal distribuidora dos produtos da “A Maçã da
Expulsão do Paraíso” e querem destituir Artur. Poderão fazê-lo? (3 v.)
Relevância da competência para a destituição caber ao conselho geral e de
supervisão ou à assembleia geral consoante o caso – artigo 430.º, n.º 1, do
CSC.
Análise do conceito de justa causa de destituição – artigo 403.º, n.º 5 do CSC
(aplicável ex vi artigo 430.º, n.º 2, do CSC) e respetiva ponderação no contexto
dos deveres gerais de administração – artigo 64.º do CSC.
Ponderação, em face dos dados da hipótese, da presença de uma situação de
desenvolvimento de atividade “concorrente” com a da sociedade ou, por
outro lado, o aproveitamento de oportunidade societária – com a
problematização do sentido normativo do artigo 398.º do CSC (aplicável ex vi
artigo 428.º do CSC – em particular evitar que o administrador se possa
aproveitar de conhecimentos ou elementos da sua atividade como
administrador, direta ou indiretamente, para satisfação de interesse próprio)
– em contraponto com a alegada rejeição, pela sociedade, da oportunidade
de se tornar acionista da sociedade e consequente aproveitamento por parte
de Artur. Na problemática em causa terá igualmente interesse a
contraposição do exercício do cargo de membro do conselho geral e de
supervisão que não tem, em regra, funções executivas (o que é útil para a
análise da possibilidade de influência de Artur nos negócios a celebrar entre
as duas sociedades).
7. Analise a validade da deliberação tomada a respeito do mútuo à “Aselha
Mor” (2 v)
Validade da convocatória para a assembleia geral: foi realizada pelo sócio e
não pelo presidente da mesa (377.º, n.º 1, do CSC – ou, eventualmente, pelo
Conselho Geral e de Supervisão, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, alínea s), do
CSC), não tendo sido realizada na sede da sociedade (artigo 377.º, n.º 6, alínea
a), do CSC, com a necessidade de fundamentação da inexistência de
condições na sede para a realização da assembleia geral, o que parece
duvidoso no caso).
Verificação, in casu, dos requisitos para que tivesse ocorrido uma assembleia
geral universal nos termos do artigo 54.º do CSC – que parecem, todos eles,
verificados no caso.
Referência à regra do artigo 431.º, n.º 1 do CSC nos termos da qual caberia ao
conselho de administração executivo a aprovação do mútuo à sociedade
“Aselha Mor”, por se tratar de matéria gestão (373.º, n.º 3, do CSC) e
respetivas consequências quanto à validade/eficácia da deliberação.
Análise do impedimento do direito de voto de Felisberto, porquanto é
acionista único da sociedade “Aselha Mor” e, como tal, está impedido, por
conflito de interesses, de votar na assembleia geral em causa – artigo 384.º,
n.º 6, alínea d), do CSC (com o esclarecimento de que tal impedimento não
afasta o direito do acionista de participar na assembleia geral) e regime de
nulidade do voto emitido contra preceito injuntivo (artigo 294.º do C. Civil)
e, bem assim, da deliberação abusiva, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea
b) do CSC, bem como a menção à prova de resistência (a desconsideração do
voto emitido em conflito de interesses ainda assim permitiria a aprovação
pelos restantes acionistas que votaram, todos eles, no mesmo sentido.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Direito Comercial II – Exame Escrito - 14 de Junho de 2017
Turma B
Regência: Prof. Doutor Luís Menezes Leitão
Tópicos de Correção

Antónia, Beatriz e Carolina são amigas desde a infância. Concluídas com louvor e
distinção as licenciaturas em gestão empresarial para o sucesso, as três amigas decidem pôr em
prática uma velha ideia de juventude: a produção e comercialização de snacks biológicos e
saudáveis. Para o efeito, começaram a testar alguns produtos, numa cozinha industrial
que Antónia herdou de uma tia avó que tinha um restaurante. A primeira experiência foi
um sucesso: barras de soja com sementes de girassol e mel de espelta. Produzidas as
barras, e embaladas em saquetas primorosamente concebidas por Beatriz, coube a
Carolina (ex-top model internacional) a sua comercialização nos bastidores do Portugal
Fashion. Todos adoraram as barritas: enchem imenso, não engordam e até tiram o apetite,
de tão enjoativas que são. Perante este sucesso, Antónia, sempre atenta ao comércio de
produtos biológicos, decidiu comprar 3 toneladas de espelta, num leilão online, por €
35.000. Passados uns meses, já com outros produtos experimentados, decidiram
finalmente constituir uma sociedade comercial, a “Beleza Biológica, Lda.”. Antónia abriu
mão da cozinha industrial; Beatriz entregaria € 25.000 à sociedade, mas apenas quando
estivesse melhor de finanças (as amigas não se importaram, porque Beatriz era essencial
no design das embalagens e das campanhas publicitárias); Carolina fez logo uma
transferência de € 15.000 e ficou de entregar os restantes € 10.000 num prazo de 3 anos
(como vai ser contratada com consultora pela sociedade, já tem os seus planos: quando
se vencerem os primeiros € 10.000 de honorários, dirá que nada mais fica a dever à
sociedade e não precisa de gastar o seu rico dinheirinho). O princípio era porém claro
para todas: as três teriam participações iguais no capital da sociedade.
Nos três primeiros anos de vida, a Beleza Biológica só deu prejuízos, tendo-se
acumulado resultados transitados negativos de € 28.000. Mas foi possível inverter a
tendência: no 4.º exercício a sociedade apurou um simpático resultado positivo de €
50.000. A assembleia geral de Março ficou no entanto marcada pela confusão: as três
sócias até aceitaram reunir-se numa sala privada, durante a festa de anos de Carolina, mas
Beatriz teimou em adiar a decisão sobre a distribuição de lucros. Já depois de ter saído da
sala, Carolina e Antónia aprovaram uma deliberação de reinvestimento de todos os
lucros, não se distribuindo qualquer montante aos sócios naquele exercício.
Foi porém sol de pouca dura: no final do 5.º exercício a sociedade voltou aos resultados
negativos e enfrenta agora dificuldades de tesouraria. Para tentar superar estes problemas,
as três sócias decidem apostar na exportação dos produtos. Por sorte, Carolina acabou de
receber 4 camiões TIR em herança (de um tio avô que era camionista TIR) e vendeu-os à
sociedade, por € 125.000, convencionando-se que esta pagaria quando a liquidez assim o
permitisse. Passados dois anos, e perante um cenário sombrio, Carolina ameaça as sócias:
ou a Beleza Biológica hipoteca o armazém frigorífico para garantir o pagamento dos €
125.000, ou Carolina pede a declaração da respetiva insolvência. Que triste forma de
acabar com o sonho das três amigas...

1. Pronuncie-se sobre o processo de constituição da sociedade. Em especial,


imagine que é consultado por Diogo, vendedor das 3 toneladas de espelta. Diogo
pretende saber a quem pode exigir o pagamento dos € 35.000. No contrato de
sociedade não há qualquer referência a este negócio. [5 valores]

- Referência aos principais elementos do contrato de sociedade que podiam ser


recolhidos no enunciado: tipo de sociedade (sociedade por quotas), respeito pelo
número mínimo de sócios (artigo 7.º/2); licitude do objeto (produção e
comercialização de snacks biológicos e saudáveis)
- Caso a avaliação da entrada em espécie de Antónia fosse pelo menos de € 25.000,
então poderia ser atribuída a cada uma das sócias uma quota de € 25.000,
ascendendo o capital social da Beleza Biológica a € 75.000.
- Identificação de uma situação de início da atividade comercial em comum antes
da conclusão do processo constitutivo da sociedade; aplicação do disposto no
artigo 36.º/2 nas relações entre as três sócias e terceiros, mais concretamente,
Diogo, vendedor de 3 toneladas de espelta; pelas dívidas da sociedade respondem
os bens comuns e, pessoal e solidariamente, os sócios, se bem que estes possam
exigir a prévia excussão do património comum (artigo 997.º/1 e 2, CC); a
obrigação correspondente ao preço da espelta deveria ter sido indicada no
contrato de sociedade, nos termos do artigo 16.º/1, CSC (e caso assim tivesse
ocorrido, a sociedade assumia esta obrigação, liberando as três sócias de
responsabilidade pessoal: artigo 19.º/3, CSC); como assim não ocorreu, as três
sócias permanecem pessoalmente responsáveis por esta obrigação, mesmo depois
do registo do contrato de sociedade.

2. Pronuncie-se sobre as entradas convencionadas pelas três sócias da Beleza


Biológica. [5 valores]

- Entrada de Antónia: identificação de uma entrada em espécie (cozinha industrial),


i.e., uma entrada que tem por objeto um bem suscetível de penhora diferente de
dinheiro; necessidade de aplicação do regime constante do artigo 28.º, CSC:
verificação do valor do bem através de um relatório de um ROC sem interesses
na sociedade;
- Entrada de Beatriz: referência à possibilidade genérica de diferimento da
realização de entradas em dinheiro nas sociedades por quotas (artigo 26.º/3 +
203.º/1); no entanto, não era admissível a cláusula cum potuerit pretendida pelas
sócias, uma vez que o vencimento da obrigação de pagamento da entrada tem
que ficar aprazado para datas certas ou ficar dependente de factos certos e
determinados (artigo 203.º/1); tendo em conta o princípio do aproveitamento
dos negócios jurídicos, poderia no entanto equacionar-se a conversão desta
cláusula de diferimento numa cláusula de âmbito máximo (exigibilidade a partir
do momento em que se cumpra o período de cinco anos sobre a celebração do
contrato: artigo 203.º/1, CSC).
- Entrada de Carolina: novamente, referência à possibilidade de diferimento das
entradas em dinheiro; no entanto, a possibilidade de compensação como forma
de extinção da obrigação de entrada está vedada pelo artigo 27.º/5, não estando
verificadas as condições muito particulares do artigo 27.º/4.

3. Pronuncie-se sobre a validade da deliberação de Março de 2017. Qual seria o


montante máximo de lucros a distribuir? [6 valores]

- Identificação de vícios formais e materiais na deliberação de Março de 2017. A


assembleia geral deveria ter sido previamente convocada, nos termos gerais
(artigo 248.º/1 + 248.º/3, entre outros); não o tendo sido, os sócios poderiam
ainda assim ter deliberado, mas apenas depois de atingida a tríplice unanimidade
do artigo 54.º/1, 2.ª parte: todos os sócios presentes, de acordo com a
constituição de assembleia e de acordo com a ordem de trabalhos; Beatriz não
estava de acordo com a inclusão da deliberação sobre as contas e a distribuição
de resultados, pelo que, no que se refere especificamente a esta matéria, a
deliberação foi tomada em assembleia não convocada (artigo 56.º/1, alínea a)
CSC); discussão fundamentada sobre a aplicação do artigo 56.º/1, alínea a)
(nulidade) ou do artigo 58.º/1, a estes casos, em que o sócio está presente mas
discorda com a inclusão de um ou mais pontos na ordem de trabalhos.
- Do ponto de vista material, era necessária a cobertura dos prejuízos transitados (€
28.000) pelo que só poderia ser equacionada a distribuição de € 22.000 (€ 50.000
– 28.000). Por outro lado, era necessária a constituição da reserva legal antes da
distribuição de bens aos sócios. No máximo, atendendo à necessidade de
constituir a reserva legal no caso em apreço, os sócios deveriam reservar a
vigésima parte dos lucros distribuíveis, i.e., € 1.100 (€ 22.000 X 5%), nos termos
dos artigos 218.º/2 + 295.º/1, CSC. O montante máximo de lucros a distribuir
era assim de € 20.900.
- A deliberação que impedisse a distribuição de pelo menos metade deste montante
(i.e., € 10.450) tinha que ser aprovada por maioria de ¾ dos votos
correspondentes ao capital social. Assim, ainda que a matéria fosse validamente
sujeita a deliberação, a maioria formada por Carolina e Antónia não seria
suficiente para a aprovação de uma deliberação de reinvestimento de todos os
lucros do exercício.

4. Como aconselharia a sociedade Beleza Biológica, perante o ultimato de Carolina?


A resposta seria a mesma se a sociedade tivesse sido constituída sob a forma de
sociedade anónima? [4 valores]

- Aplicação fundamentada do regime dos suprimentos ao crédito de Carolina.


Identificação dos principais aspetos do regime que eram aplicáveis ao caso em
apreço: subordinação do crédito de Carolina num cenário de insolvência (artigo
245.º/3, alínea a), impossibilidade de constituição de garantias reais (artigo
245.º/6) e impossibilidade de Carolina requerer a declaração de insolvência da
sociedade (artigo 245.º/2).
- Discussão fundamentada sobre a possibilidade/adequação da aplicação do
regime dos suprimentos às sociedades anónimas, perante o silêncio da lei.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Direito Comercial II – Turma B

Ano Letivo 2016-2017

Regência: Professor Doutor Luís Menezes Leitão

Tópicos de Correção

Zulmira sempre teve inveja do seu amigo de infância Xavier. Xavier tinha investido em 2013 as
suas poupanças no capital da Pão Quente, S.A. (“PQ”), ocasião em que participou na
constituição da sociedade e adquiriu ações correspondentes a 40% do respetivo capital, que
ascende a € 200.000. A PQ dedica-se à produção de pão premium e distribui dividendos
generosos todos os anos. A PQ já encabeça um grupo societário relevante, sendo titular de 30%
do capital da Croissant Quente, S.A. (“CQ”), especializada em croissants de luxo, assim como de
100% do capital da Maravilhoso Pão Português (“MPP”), que pretende internacionalizar o
negócio do pão português nos países de língua oficial portuguesa.

Em Janeiro de 2016, e depois de muita insistência, Zulmira adquiriu a Xavier metade da sua
participação (i.e. uma participação de 20%, com o valor nominal de € 40.000). Xavier vendeu-lhe
também um crédito sobre a sociedade, no valor de € 150.000. O crédito resultou da venda por
Xavier à PQ de um equipamento completo de cozinha industrial, em 2013. O preço não foi pago
na ocasião, e desde então a sociedade limita-se anualmente a confessar-se devedora de juros
comerciais sobre o montante em dívida.

Logo na primeira assembleia geral da PQ, em Março de 2016, Zulmira percebeu o sarilho em
que se tinha envolvido! Alguns sócios abandonaram a sala logo após o início dos trabalhos,
acusando o Conselho de Administração de manipular a ordem do dia, que consta da
convocatória assinada e enviada aos sócios por e-mail pelo Presidente do Conselho de
Administração. Depois, de forma surpreendente, a maioria dos sócios aprovou uma distribuição
de dividendos no valor de € 50.000, apesar de a situação líquida da sociedade ser apenas de €
210.000. Os € 50.000 cuja distribuição se deliberou correspondem ao resultado líquido do
exercício de 2015, que foi realmente muito bom. Nessa medida, o Conselho de Administração
propôs distribuir todo o resultado positivo, já que “se esperam anos ainda melhores no futuro”
e “com exceção do péssimo ano de 2014, em que houve resultados negativos, sempre se
distribuíram dividendos na PQ”).

Zulmira saiu da assembleia bastante desiludida. Nem sequer a deixaram votar, invocando uma
cláusula dos estatutos que sujeita a transmissão das ações a consentimento da sociedade, que
não foi prestado no caso em apreço. No descanso do lar, Zulmira olhou repetidamente para os
títulos das ações que Xavier lhe entregou, mas nada consta (apenas “ações ao portador, com
valor nominal de € 40.000”). Além disso, dois dos sócios da PQ acusam Zulmira de ser cúmplice
na violação de um acordo que tinham celebrado com Xavier. Segundo parece, Xavier tinha-se
comprometido perante Vasco e Ulrica a não vender a terceiros as ações nos primeiros dez anos
da sociedade, e ameaçam impugnar qualquer deliberação que dê consentimento à compra das
ações de Xavier por Zulmira.

Além disso, até tremeu quando ouviu falar de um investimento avultado que a PQ pretende
realizar no Dubai. Segundo os planos do conselho de administração, a PQ vai abrir negócio
naquele país, contratando a peso de ouro pessoal especializado em panificação de luxo. Para o
efeito, já obteve um financiamento bancário, tendo a CQ dado como garantia um pavilhão
industrial de que é titular.

1. A PQ podia distribuir dividendos em 2016? Os sócios teriam direito a uma distribuição


necessária, ou poderiam deliberar-se reinvestir todo o resultado positivo do exercício? [4
valores]

2. Como pode reagir Zulmira perante uma deliberação de distribuição de dividendos da


totalidade do resultado líquido do exercício de 2015 (i.e. € 50.000) tomada numa assembleia
tão tumultuosa? Deve Zulmira sentir-se desencorajada pelas ameaças dos sócios que
votaram favoravelmente, segundo os quais “podem repetir tudo segundo as regras que os
picuinhas tanto gostam”? [4 valores]

3. Zulmira estava mesmo impedida de participar na AG? E deve preocupar-se com as ameaças
de Vasco e Ulrica? [4 valores]

4. Imagine que a PQ é declarada insolvente em Junho de 2017. O Banco Internacional de


Fomento Temerário (“BIFE”), que concedeu um empréstimo à PQ para o desenvolvimento
do negócio no Dubai pretende agora executar a hipoteca constituída pela CQ. Mas os
credores desta última pretendem opor-se, invocando que a sociedade não tinha interesse
nenhum no projeto, que apenas dizia respeito à PQ. Quem tem razão? A resposta seria a
mesma se a garantia tivesse sido constituída pela MPP? [4 valores]

5. O crédito de € 150.000 sobre a PQ foi alienado por Zulmira a Teresa logo em Fevereiro de
2017, já que Zulmira precisava de liquidez e Teresa procurava um bom investimento. Na
insolvência da PQ, como vai ser tratada Teresa? Pode Teresa argumentar que o negócio de
alienação do crédito é inválido, porque a PQ não deu consentimento à venda? A situação
seria diferente se a PQ tivesse constituído uma hipoteca para garantia do crédito? [4 valores]
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Direito Comercial II – Turma B

Ano Letivo 2016-2017

Regência: Professor Doutor Luís Menezes Leitão

Tópicos de Correção

R1: Se a situação líquida da PQ era segundo as contas de 2015 apenas de € 210.000, a sociedade
nunca poderia distribuir bens acima de € 10.000 (artigo 32.º/1, CSC). Haveria ainda que
constituir reservas impostas por lei (artigo 33.º/1), destinando-se pelo menos € 500 (uma
vigésima parte do lucro distribuível) para esse efeito. A reserva legal estaria plenamente
formada quando correspondesse a € 40.000 (1/5 do capital social).

Distinção entre o direito abstrato aos lucros e o direito concreto, resultante da existência de
lucros e de uma deliberação de distribuição. Limites mínimos de distribuição e 294.º/1: salvo
deliberação tomada por maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital
presente/representado em AG, seria necessariamente distribuída metade dos lucros (i.e., €
4.750).

R2: A violação de regras de proteção do capital social como exemplo de “preceitos legais que
não podem ser derrogados por vontade unânime dos sócios” a que faz menção o artigo 56.º/1,
alínea d). A deliberação em apreço padecia também de nulidade em virtude da autoria da
convocatória da AG, que não podia ser assinada pelo presidente do conselho de administração
(artigo 56.º/1, alínea a) + artigo 56.º/2 + 377.º/1).

Regime de invocação da nulidade (artigos 60.º a 62.º). Suscetibilidade de renovação no que se


refere ao vício procedimental (autoria da convocatória) mas já não quanto ao vício material
(distribuição de bens aos sócios em violação do artigo 32.º).

R3: A transmissibilidade das ações apenas pode ser limitada por contrato de sociedade e dentro
dos estritos limites do CSC. A transmissão de ações pode ficar sujeita ao consentimento da
sociedade, mas apenas quando as ações sejam nominativas e conste essa limitação dos títulos.
As ações em apreço eram ao portador, logo a limitação à transmissibilidade era inválida.
Ainda que o acordo parassocial relativo à intransmissibilidade pudesse valer entre partes
(artigo 17.º/1), nunca poderia servir de base à impugnação de uma deliberação social (artigo
17.º/1, última parte).

R4: Discussão sobre a correta interpretação do artigo 6.º, CSC, em especial do artigo 6.º/3 tendo
em conta o enquadramento histórico e dogmático. Não havia relação de grupo em sentido
técnico-jurídico entre a PQ e a CQ, mas apenas entre a PQ e a MPP (artigo 482.º/alíneas c) e d) +
artigos 486.º + artigos 488.º e seguintes). Discussão sobre a possibilidade de interpretação
extensiva do conceito de grupo para abranger também grupos económicos de facto. Discussão
sobre a possibilidade de constituição de garantias pelas dominadas para cobertura de dívidas
das dominantes, ou apenas em sentido descendente. Regime probatório decorrente do artigo
6.º/3.

R5: Discussão sobre a aplicabilidade do regime dos suprimentos às sociedades anónimas.


Ponderação dos elementos que depunham a favor da qualificação do crédito em apreço como
um crédito sujeito ao regime dos suprimentos (permanência do crédito, relevância do crédito
face ao capital da sociedade, etc.). Discussão sobre a aplicação do regime dos artigos 243.º aos
adquirentes do crédito, ainda que terceiros em relação à sociedade. Regime insolvencial dos
suprimentos (subordinação: artigo 245.º/3, alínea a). Nulidade das garantias reais constituídas
para satisfação do crédito (artigo 245.º/6). Aplicabilidade das regras gerais sobre a cessão de
créditos ao crédito por suprimentos (desnecessidade de consentimento da sociedade).
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma A – 2019/2020
Regência: Prof. Doutor Luís Menezes Leitão
Tópicos de correção do exame de 12 de junho de 2020

1. A sociedade TEXTILEPOR, S.A. dedica-se à produção de têxteis para exportação.

Em março deste ano, tendo sido diagnosticada Covid-19 a alguns dos seus
trabalhadores e temendo um rápido contágio dos demais, os administradores
delegados, Ana e Bernardo, decidiram encerrar temporariamente a linha de
produção. Um mês depois, a interrupção da cadeia de fornecimentos tornou
definitivo o enceramento. O encerramento foi desastroso para a sociedade que se
encontra agora numa situação de pré-insolvência.

A CAPITAL INVESTMENTS, S.A., titular de uma participação social representativa


de 20% do capital social da TEXTILEPOR, S.A., entende que a decisão dos
administradores delegados (Ana e Bernardo) foi claramente precipitada e
desproporcional e que a TEXTILEPOR, S.A. deve ser ressarcida. Para o efeito,
pretendem promover uma ação de responsabilidade civil não só contra os
administradores delegados, mas também contra os demais administradores
(Carolina e Diogo). No seu entendimento, estes não tomaram as medidas
necessárias à salvaguarda do interesse da sociedade perante a atuação dos
delegados. Quid iuris? (7 valores)

Tópicos:

Enquadramento da atuação de cada um dos administradores:

-- A competência do conselho de administração [arts. 405.º e 64.º/1, a) CSC] e a


obrigação de administração do conselho enquanto órgão coletivo e de cada um dos
seus membros individualmente considerados

-- A possibilidade de delegação de poderes pelo conselho de administração nos


termos do art. 407.º/1 e 3 CSC, os seus limites (art. 407.º/2 e 4 CSC) e o seu reflexo
no status de cada administrador: administradores delegados (Ana e Bernardo) e

1
administradores não-delegados (Carolina e Diogo) (em especial, o art. 407.º/8
CSC).

Enquadramento da ação de responsabilidade civil como ação social ut universi,


dependente de deliberação prévia dos sócios (art. 75.º/1 CSC) ou como ação social
ut singuli (art. 77.º/1 CSC), considerando a participação social de 20% da
CAPITAL INVESTMENTS, S.A.

A responsabilidade civil dos administradores perante a sociedade (art. 72.º/1 CSC)


e seus pressupostos.

Em especial, quanto à ilicitude: discussão sobre se os administradores violaram a


sua obrigação de administração, concretizada no caso em função da bitola do gestor
criterioso e ordenado, distinguindo a atuação dos administradores delegados (Ana
e Bernardo), por um lado, e a alegada omissão de vigilância dos administradores
não-delegados (Carolina e Diogo), por outro [arts. 405.º/1 e 64.º/1, a) CSC]; a
discricionariedade empresarial como resultado da aplicação do Direito ao caso
concreto, da qual resulta o reconhecimento de duas ou mais alternativas de ação
normativamente admissível.

No presente caso, tanto se podia sustentar que os deveres de proteção dos


trabalhadores delimitam externamente o espaço de atuação dos administradores
na promoção do interesse da sociedade, como se podia afirmar que o
desenvolvimento da atividade empresarial depende de recursos humanos,
materiais e financeiros e que se pode justificar o sacrifício da produção a curto
prazo para salvaguar a capacidade produtiva da sociedade a prazo. Tanto uma
como outra perspetiva seria enquadrável na referência aos stakeholders no
art. 64.º/1, b) CSC.

Quanto à culpa, em especial: o sentido da presunção de culpa prevista no


art. 72.º/2 CSC (culpa em sentido amplo ou culpa em sentido estrito, sendo esta
última a posição do Prof. Doutor Menezes Leitão).

Discussão sobre se do art. 72.º/2 CSC resultaria alguma especificidade em termos


de responsabilidade civil dos administradores (business judgment rule?).

2
2. Em maio deste ano, o conselho de administração da TEXTILEPOR, S.A., que já
então se encontrava numa difícil situação financeira, decidiu apoiar o seu maior
fornecedor — a sociedade espanhola PREMIUM THREAD SL —, para evitar a
insolvência deste e, com isso, garantir a capacidade de produção da própria da
TEXTILEPOR, S.A. Para o efeito, prestou uma fiança a favor do BANCO DE VIGO,
para garantir um empréstimo a favor da PREMIUM THREAD SL.

A CAPITAL INVESTMENTS, S.A., que agora tomou conhecimento desta garantia,


pretende promover uma ação para declaração da sua nulidade. Quid iuris?
(6 valores)

Tópicos:

Discussão sobre a capacidade (de gozo) da sociedade e a superação (dogmática ou


pragmática) do princípio da especialidade (art. 6.º/1 CSC).

Discussão sobre a prestação de garantias a favor de terceiros e o sentido do


art. 6.º/3 CSC:

—articulação das referências normativas ao “fim” e ao “justificado interesse


próprio” da sociedade garante e ponderação das competências orgânicas para a sua
concretização perante o presente caso;

— as noções de relação de domínio e de relação de grupo e a razão do “desvio” à


regra geral; as garantias “upstream” e “downstream”

Para quem sustente a superação do princípio da especialidade, a questão


deslocar-se-ia para o âmbito da responsabilidade dos administradores perante a
sociedade.

Para quem sustente a reminiscência do princípio da especialidade, há bons


argumentos para sustentar a validade da garantia, atendendo ao justificado
interesse próprio da TEXTILEPOR, S.A. no apoio ao seu fornecedor: a manutenção
do fornecimento seria essencial à manutenção da sua própria capacidade
produtiva.

3
3. Para salvar a TEXTILEPOR, S.A. da insolvência, o conselho de administração
interpelou todos os acionistas para, em cumprimento da obrigação de
financiamento da sociedade assumida no acordo parassocial omnilateral:

(i) participarem num aumento de capital, proporcionalmente às respetivas


participações sociais, de 500.000€ para 750.000€, feito por novas entradas
em dinheiro (50.000€) e por conversão de créditos de suprimentos
(contabilizados como de 200.000€) em capital (no valor de 200.000€).

(ii) realizarem prestações suplementares, proporcionalmente às respetivas


participações sociais, num valor total de 200.000€.

Mais informou os acionistas que, nos termos do acordo parassocial omnilateral,


os acionistas que não cumprissem a sua obrigação de financiamento poderiam
ser excluídos da sociedade.

A CAPITAL INVESTMENTS, S.A. respondeu que não reconhece à administração


legitimidade para fazer estas exigências e que é tudo nulo. Quid iuris? (7 valores)

Tópicos:

Noção, papel e eficácia dos acordos parassociais na sua articulação com o contrato
de sociedade.

Discussão em torno dos acordos parassociais omnilaterais: desvio às regras de


eficácia relativa? Em que termos e com que limites?

Enquadramento da questão do financiamento da sociedade: distinção entre


capitais próprios e capitais alheios e a sua relevância na solvência/insolvência da
sociedade (art. 3.º CIRE).

As obrigações de financiamento dos sócios:

— A obrigação de entrada [art. 21.º, a) CSC] constituída por força do contrato de


sociedade, no momento da constituição desta, ou de deliberação de alteração do
contrato para aumento do capital (arts. 85.º e 87.º CSC). Distinção entre entradas
em dinheiro e entradas em espécie (tertio non datur). A “conversão de créditos em

4
capital” como entrada em espécie, traduzida na entrada com um direito de crédito
do sócio sobre a sociedade, dependente de avaliação de um ROC independente no
quadro do processo deliberativo, nos termos do art. 28.º CSC.

—A obrigação de prestações suplementares (arts. 210.º ss. CSC) constituída por


força do contrato de sociedade e tornada exigível por força de deliberação dos sócios
(art. 211.º CSC);

—Discussão sobre a admissibilidade da realização espontânea (e não em


cumprimento de uma obrigação assumida no contrato de sociedade) de prestações
suplementares para efeitos da capitalização das sociedades (capitais próprios)

— Discussão sobre a admissibilidade das prestações suplementares (realizadas em


cumprimento de obrigação assumida no contrato de sociedade ou
espontaneamente) como forma de capitalização das sociedades anónimas (capitais
próprios), ao abrigo da liberdade contratual

Para efeitos do presente caso, os sócios podem vincular-se a votar favoravelmente


numa deliberação de aumento de capital pela qual se constitui uma nova obrigação
de entrada.

Mais: se se admite a realização espontânea de prestações suplementares, deve


admitir-se a realização de tais prestações em cumprimento de uma obrigação
assumida num acordo parassocial. Simplesmente, o incumprimento de tal
obrigação não poderia fundamentar a exclusão do sócio; teria apenas as
consequências decorrentes do incumprimento do acordo parassocial.

O conselho de administração pode interpelar os sócios para o cumprimento das


obrigações assumidas no acordo parassocial.

O aumento de capital dependeria de deliberação dos sócios (arts. 85.º e 87.º CSC),
assente em proposta do conselho de administração ou de qualquer sócio (o caso não
cabe no âmbito do art. 456.º CSC). A realização espontânea das prestações
suplementares dependeria de contrato firmado entre a sociedade e cada um dos
sócios.

5
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma A – 2019/2020
Regência: Prof. Doutor Luís Menezes Leitão
Exame de 27 de julho de 2020
Duração: 90 minutos

1- Ana, Benedita, Constança, Dinis e Edmundo constituíram uma sociedade anónima para
produção de Perfumes, “Fragrância Dura e Perdura, S.A.”. Ficou estipulado que Ana entrava com
um imóvel avaliado em €140.000,00 mas apenas daí a um ano, o tempo que considerava
necessário para o “desapego”. Benedita estava encantada com a possibilidade de contribuir com
o seu trabalho, afinal podia juntar o útil ao agradável e não despendia as suas poupanças.
Constança, Dinis e Edmundo entravam com €20.000,00 cada um. Constança entregava de
imediato a sua parte, Dinis entregava dentro de um mês para não mobilizar o dinheiro da sua
conta a prazo antecipadamente, mas Edmundo avisou logo que lhe parecia dinheiro a mais, pelo
que só entregaria a sua parte quando a sociedade necessitasse.

Pronuncie-se fundamentadamente sobre as obrigações de entrada estipuladas pelos sócios


(6 valores)

Tópicos

Enquadramento do regime das entradas dos sócios (artigos 9.º, n.º1, al. g) e h); 9.º, n.º2,
20.º, alínea a), 25.º e seguintes, e 285.º do CSC);

Qualificação da entrada de Ana como entrada em espécie e respetivo regime,


designadamente, ter por objeto bens suscetíveis de penhora (artigo 20.º, n.º 1, al. a) do
CSC), a necessidade de verificação das entradas em espécie (artigo 28.º do CSC).;

Discussão acerca da admissibilidade do diferimento da obrigação de entrada e da


aplicação do artigo 26.º, n.º 2 do CSC à entrada em espécie;

Qualificação da entrada de Benedita como entrada em indústria, as quais apenas são


permitidas nos tipos sociais em que a lei expressamente o admita (artigo 20.º, alínea a)
do CSC). Estas são admitidas nas SNC (artigo 176.º, n.º 1, al.a) e artigo 178.º) e nas
sociedades em comandita, quanto aos sócios comanditados (artigo 468.º a contrario);

Análise e discussão do diferimento das entradas de Dinis e Edmundo nos termos do


disposto nos artigos 26.º, 277.º e 285.º do CSC.

2- Também o lucro, à semelhança do aroma, dura e perdura, até que o inesperado acontece e
uma pandemia ameaça o mundo. Ninguém mais se lembraria do perfume! Dinis, administrador
único, decide que o melhor seria abandonar os perfumes e, aproveitando o álcool em stock,
passar a comercializar gel desinfetante. Assim foi, e prevendo que ia ser o “negócio da pandemia”
encomendou uma quantidade astronómica de frascos, sendo que foram adquiridos ao preço “do
diamante”, face à “correria ao frasco”. A pandemia chegou e voou! Passados 9 meses, a
“Fragrância Dura e Perdura, S.A.” tem os armazéns repletos de frascos já com o plástico, de
qualidade miserável, a quebrar e sem qualquer utilidade.

a) Explique se Edmundo que, para além de sócio com uma participação de 10%, é um
ambientalista fervoroso e considera esta aquisição “de plástico” ruinosa, tem
fundamento para propor a destituição de Dinis.
b) E pode Dinis ser responsabilizado? Quem tem legitimidade ativa para o efeito? Tem razão
Dinis quando diz estar tranquilo porque ninguém pode controlar o mérito da sua decisão?
(7 valores)

Tópicos

Análise quanto ao objeto social (artigo 11.º do CSC) e objeto e capacidade (artigo 6.º, n.º4
do CSC). Análise dos artigos 390.º, n.º 2 do CSC, considerando o valor do capital social e
do artigo 409.º quanto à validade e eficácia do ato e vinculação da sociedade;
Enquadramento do regime dos deveres gerais dos administradores, bitola do gestor
criterioso e ordenado (artigo 64.º, n.º 1, do CSC);

Análise da destituição com justa causa do administrador por deliberação e legitimidade


do Edmundo requerer, enquanto sócio com uma participação de 10% (artigo 403.º do
CSC);

Pressupostos da responsabilidade obrigacional dos administradores para com a


sociedade (artigo 72.º, n.º 1 CSC);

Enquadramento da ação de responsabilidade civil como ação social ut universi, a qual


depende de deliberação prévia dos sócios (artigo 75.º, n.º 1 do CSC) ou como ação social
ut singuli (artigo 77.º, n.º1 do CSC)

Discussão acerca da apreciação judicial das decisões de mérito tomadas pelos


administradores; controlo do mérito e discricionariedade empresarial, e relevância para a
sua responsabilização; análise da exclusão da responsabilidade (artigo 72.º, n.º 2 do CSC
e respetivos requisitos) e alcance da business judgment rule.

3- A péssima situação financeira da sociedade também durava e perdurava. O fornecedor dos


recipientes plásticos multiplicava as ameaças à sociedade face à avultada dívida, pelo que
Constança decidiu emprestar à “Fragrância Dura e Perdura, S.A.” €150.000,00 até que a
sociedade se restabelecesse financeiramente. No entanto, a sociedade parece continuar a
afundar-se e Constança começa a ponderar vários cenários para garantir a dívida: (i) constituição
de uma hipoteca sobre um imóvel da sociedade, (ii) requerer a declaração de insolvência desta
ou (iii) alienar o seu crédito à amiga Filipa, bastante abastada, que depois resolveria a situação e,
no limite, requereria a declaração de insolvência da sociedade.
Qualifique juridicamente o crédito de Constança sobre a “Fragrância Dura e Perdura, S.A.” e
analise os cenários que Constança está a ponderar. (7 valores)

Tópicos
Discussão sobre a admissibilidade e respetivos critérios do regime do contrato de
suprimento nas sociedades anónimas, considerando a previsão exclusiva para as
sociedades por quotas (artigos 243.º e 245.º do CSC);

Referência ao critério do empréstimo ser feito em condições que o sócio ordenado faria
contribuição de capital;

Análise dos índices legais e respetiva verificação (artigo 243.º do CSC);

(i)Constança estava impedida de requerer a declaração de insolvência com base no


crédito de suprimento (artigo 245.º, n.º 2 do CSC), tratamento como credor subordinado
no processo de insolvência, sendo o seu crédito reembolsado de forma subordinada
(artigo 245.º, n.º 3, al. a) do CSC e artigo 48.º, al. g) do CIRE). (ii) Inadmissibilidade da
constituição da hipoteca para garantir o reembolso, sendo nula (artigo 245.º, n.º 6do
CSC). (iii) O regime dos artigos 243.º e seguintes é aplicável mesmo após a transmissão
do crédito a terceiro (Filipa); assim esta também estava impedida de requerer a
declaração de insolvência (artigo 245.º, n.º 2 do CSC).
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma A – 2019/2020
Regência: Prof. Doutor Luís Menezes Leitão
Tópicos de correção do exame de época especial de 9 de setembro de 2020

1. A Caixa de Financiamento Empresarial, S.A. (CFE), instituição de crédito


especializada no sector empresarial, tem apresentado resultados negativos nos
últimos anos. Numa reportagem recente de um jornal de referência, diz-se que o
Banco de Portugal está a investigar diferentes operações de crédito a partes
relacionadas realizadas entre 2005 e 2009 que, aparentemente, se revelaram
ruinosas e têm justificado as sucessivas perdas anuais.

Um conjunto de acionistas titulares de 5% do capital da instituição pretendem


responsabilizar civilmente os administradores. Para o efeito, solicitaram
informações detalhadas à administração da CFE, mas esta recusou, alegando
sigilo bancário.

(a) Enquadre normativamente o pedido de informações e a resposta da


administração. (3 valores)
(b) Analise os pressupostos para a responsabilização dos administradores e o
impacto da resposta da administração na correspondente ação. (5 valores)

Tópicos:

(a) Apresentação do direito de informação dos acionistas nas sociedades anónimas,


na tensão entre a participação social e as necessidades de funcionamento da
sociedade, considerando o paradigma legal e a concreta realidade de cada
sociedade. As regras gerais [arts. 21.º/1, c), 65.º e 66.º CSC] e as regras
específicas do tipo [arts. 288.º a 291.º CSC].
Neste caso, estava em causa um pedido de informação a prestar fora da
assembleia geral, sobre a atividade da sociedade. Seria por isso enquadrável no
art. 291.º CSC, mas os acionistas em causa não cumpriam o requisito dos 10%.
Seria valorizada a análise da razão de ser desta limitação no acesso à

1
informação por contraposição ao regime das sociedades por quotas (art. 214.º
CSC).
Para além disso, a administração invocou sigilo bancário. Seria valorizada a
discussão em torno do fundamento de recusa da informação [art. 291.º/4, c)
CSC] e os seus limites: no caso em princípio seria possível à administração
prestar muita informação sem violar sigilo bancário.
(b) Apresentação da problemática jurídico-económica da celebração de contratos
com partes relacionadas, e do conceito de “partes relacionadas” (IAS 24). Seria
valorizada a apresentação das diferentes coordenadas sistemáticas sobre
contratos com partes relacionadas: deveres de prestação de informação;
requisitos de aprovação (maxime, art. 397.º CSC e outras do RGIC que os
alunos não teriam obrigação de saber para este efeito); intensificação da
diligência exigida na sua ponderação e aprovação; aplicação das exigências de
lealdade (incluindo art. 410.º/6 CSC).
Os administradores estão obrigados a administrar a sociedade (art. 405.º CSC)
com a diligência de um gestor criterioso e ordenado [art. 64.º/1, a) CSC], para
promover o fim ou interesse social (obrigação de diligente administração).
Neste contexto, devem sobreordenar o interesse da sociedade a outros
interesses em presença (dever de lealdade).
Se o contrato celebrado com uma parte relacionada beneficiou esta última em
prejuízo da sociedade, o administrador atuou ilicitamente (violando as
referidas situações jurídicas passivas), presumindo-se a culpa para efeitos de
responsabilidade civil obrigacional (art. 72.º/1 CSC).
Seria valorizada a discussão sobre o sentido da “culpa” presumida: culpa em
sentido estrito (Prof. Menezes Leitão e outros) v. culpa em sentido amplo (Prof.
Menezes Cordeiro e outros).
O computo do dano segundo a teoria da diferença e as dificuldades inerentes
dada a complexidade da atividade empresarial.
Discussão sobre o nexo de causalidade: a causalidade normativa.

2
2. António, titular de uma quota de 25% do capital social da Parafusos de
Águeda, Lda. (PdA), iniciou negociações com Bruna para a venda desta sua
quota. Neste contexto, Bruna fez depender a apresentação de uma proposta da
realização de uma análise detalhada da documentação da sociedade que lhe
permita compreender a situação legal, financeira e técnica da sociedade e das
suas unidades fabris. Diz que só assim poderá perceber o estado da empresa,
determinar o seu valor e, assim, o preço a pagar pela quota de António. Este
colocou entrou a questão a Carolina, sócia com 40% do capital e gerente da PdA.

Carolina hesitou, mas foi dizendo que não é boa ideia um terceiro ter acesso aos
documentos da sociedade e que António não pode vender assim a sua quota.
Acrescentou ainda que a entrada de um novo sócio teria de ser avaliada por todos
os sócios, sem interferência de António. Carolina, pessoalmente, só aceitaria a
entrada de um novo sócio que estivesse na disposição de entrar com “dinheiro
fresco”, de que a PdA necessita para financiar a sua expansão internacional.

(a) Pode António assegurar o acesso de Bruna à documentação da sociedade?


(3 valores)

(b) Quais os passos a dar por António para a venda da sua quota a Bruna?
(3 valores)

(c) Tem razão Carolina quando diz que a entrada de um novo sócio teria de ser
avaliada por todos os sócios, sem interferência de António? (3 valores)

(d) Pode a venda da quota a Bruna ficar dependente de novas entradas para o
capital da PdA? (3 valores)

Tópicos:

(a) Apresentação do direito de informação dos sócios nas sociedades por quotas,
considerando o paradigma legal e a concreta realidade de cada sociedade. A
regra geral [arts. 21.º/1, c)] e as regras específicas do tipo [arts. 214.º e 215.º
CSC].

3
Contrariamente ao verificado nas sociedades anónimas, nas sociedades por
quotas os sócios têm acesso (pessoal) aos documentos da sociedade. Porém, o
acesso pode ser recusado «quando for de recear que o sócio as utilize para fins
estranhos à sociedade e com prejuízo desta» (art. 215.º/1 CSC). Seria este o
caso?
Seria valorizada a discussão sobre se e em que termos o sócio se poderia fazer
substituir na consulta dos documentos por um terceiro interessado na
aquisição da sua quota: a informação como um ativo da sociedade; a
confidencialidade da informação como condição da sobrevivência e da
rentabilidade da sociedade num mercado competitivo; os mecanismos
contratuais para assegurar a confidencialidade da informação e, assim, o
interesse da sociedade; o necessário acesso de potenciais compradores à
informação como condição do exercício de facto da liberdade de vender a quota
pelo sócio.
(b) Análise do regime da cessão de quotas, incluindo em especial a forma
escrita (art. 228.º/1 CSC); o consentimento da sociedade (arts. 228.º/2
e 230.º CSC); o sentido da comunicação à sociedade (art. 228.º/3 CSC)
e do pedido de registo para efeitos do art. 242.º-A ss.
(c) A deliberação dos sócios para efeitos do consentimento da sociedade;
o direito dos sócios a participar no processo deliberativo [art. 21.º/1, b)
CSC] e o regime do impedimento de voto (251.º CSC). O conceito
normativo de “conflito de interesses” para efeitos do art. 251.º CSC
restringido às relações entre o sócio e a sociedade, não abrangendo a
relação entre um sócio cedente e um terceiro adquirente.
(d) O consentimento não pode ser subordinado a condições (art. 230.º/3
CSC). Análise do regime do consentimento na tensão entre o interesse
do sócio em sair e o interesse da sociedade em não permitir a entrada
de um terceiro estranho (arts. 230.º e 231.º CSC).

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2018/2019
Regência: Prof. Doutor Januário da Costa Gomes
Exame – Época Normal
21 de junho de 2019 - Duração: 120 minutos

Tópicos de Correção
Grupo I (16 valores)
Arnaldo, Berta, Catarina, Diogo e Ernesto, velhos amigos, decidiram dedicar-se à exploração
vitivinícola, tendo constituído a sociedade “Bago d’Ouro, S.A.”, com sede em Odemira e com o
capital social de € 200.000,00. Para o efeito, Arnaldo entraria com o terreno que herdara da sua
avó (e que valia pelo menos € 200.000,00) ficando com uma participação equivalente a 55% do
capital, mas só transmitiria o direito de propriedade para a sociedade dali a três anos ficando a
sociedade a pagar-lhe € 5.000/mês como retribuição do direito de superfície por este constituído
a favor dela; Berta entraria com uma fórmula ainda não patenteada de produção de vinho (que
valeria qualquer coisa como € 50.000,00) ficando com uma participação de 25% do capital;
Catarina entraria com €40.000,00 (ficando com 10% do capital) e Diogo e Ernesto entrariam
cada um com €10.000,00 (ficando com 5% do capital) a realizar quando a sociedade precisasse.
Ficou ainda clausulado que Catarina não assumiria quaisquer perdas que a sociedade viesse a ter
porque o seu contributo já teria sido extraordinário.
Arnaldo, Catarina e Diogo que eram muito próximos convencionaram entre si que, caso a
sociedade precisasse futuramente de dinheiro, cada um deles deveria contribuir com, pelo menos,
EUR 50.000,00.
Considerando a grave situação financeira da sociedade Arnaldo, que era administrador da
sociedade, resolve convocar os sócios para uma assembleia geral a decorrer dali por 10 dias em
Faro, para “discussão da situação e aprovação do que se tiver por conveniente”. Na mencionada
assembleia compareceram todos os sócios e a discussão foi bastante acesa. Arnaldo propôs a
realização pelos sócios de prestações suplementares no valor de EUR 150.000,00 não remuneradas
e que tais contribuições fossem realizadas no prazo máximo de 15 dias. Catarina disse que não ira
votar favoravelmente porque era uma afronta vir pedir-lhe mais dinheiro. No momento da
votação, Diogo levantou o braço para pedir a palavra, tendo Arnaldo contado o seu voto como
favorável a par dos votos favoráveis de Arnaldo, Berta e Ernesto.
Quando, 15 dias depois, Arnaldo vem exigir que Catarina realize as prestações deliberadas, esta
recusa, argumentando que “nem à lei da bala” a obrigariam a realizar mais nenhuma contribuição,
já que ela tinha votado contra, que as prestações suplementares eram legalmente inadmissíveis e
que tal obrigação nem constava do contrato de sociedade. Arnaldo recorda-lhe que, além da ampla
maioria pela qual foi aprovada a deliberação, Catarina tinha ainda acordado com ele e com Diogo
a salvação financeira da sociedade. A discussão acendeu e Arnaldo ameaça destituí-la de
administradora e expulsá-la da sociedade. Catarina retorquiu dizendo que lhe era indiferente
porque era a única sócia da Vitivendas, Unipessoal, Lda. (sociedade por si adquirida depois de
a Bago d’Ouro ter rejeitado a compra do capital social a investidores americanos) através da qual
se escoava 80% da produção da Bago d’Ouro e que por isso tinha muito com se entreter,
entendendo Arnaldo que não era possível o desenvolvimento de tal atividade por Catarina.

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DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2018/2019
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Exame – Época Normal
21 de junho de 2019 - Duração: 120 minutos

1. Pronuncie-se quanto ao teor do contrato de sociedade e respetivas estipulações


(5 valores)
Regime das entradas (20.º/a) e 277.º do CSC) ; qualificação de cada uma das entradas (em especial qualificação
da entrada como entrada em espécie e sua a admissibilidade - 277.º/1 a contrario, do CSC); admissibilidade
do diferimento das entradas em espécie e em dinheiro (problemática do diferimento superior a 70% - 277.º/2 do
CSC), proibição de diferimento do ágio (277.º/2 in fine) problemática relativa ao diferimento da entrada de
Arnaldo (em espécie) e a retribuição do direito de superfície como forma de esvaziar a obrigação de entrada (e sua
relação com os princípios da conservação e intangibilidade do capital social – o valor que a sociedade pagaria pelo
direito de superfície seria de EUR 180.000,00, valor superior aos EUR 150.000,00 do capital por si subscrito);
proibição de pacto leonino (Catarina) e explicitação do regime das perdas relacionado com a limitação da
responsabilidade dos sócios nas S.A. (22.º/1 a 3 do CSC vs 271.º do CSC).

2. Diogo está indignado com tudo o que se passou e pretende invalidar a


deliberação por considerar que esta padece, genuinamente, de diversos vícios.
Tem razão? (5 valores)
Análise dos requisitos de convocação da assembleia geral (377.º do CSC)– em particular quanto à
legitimidade para a sua convocação (presidente da AG – 377.º/1 do CSC), antecedência da
convocatória(377.º/4 do CSC), deveres de informação (377.º/8 do CSC) e local de realização
(377.º/6/a) do CSC); possível qualificação como AG Universal (54.º CSC) e enunciação dos
respetivos requisitos – e sua consideração para efeitos de supressão dos vícios da convocatória – 56.º/1/a)
do CSC); relevância dos vícios da vontade (o braço no ar de Diogo que equivaleu a voto favorável e
consideração das deliberações como negócios jurídicos) na anulação de deliberações sociais e eventual
aplicação do critério do “teste de resistência” por analogia (58.º/1/b)/in fine do CSC, considerando
que, ainda que Diogo tivesse votado desfavoravelmente, a deliberação teria sido aprovada porque os votos
de Arnaldo, Berta e Ernesto representavam 85% do capital social).

3. Analise a validade dos argumentos utilizados por Arnaldo e Catarina na


discussão havida (6 valores)
Admissibilidade das prestações suplementares (210.º e ss do CSC) nas S.A.; necessidade de tal
obrigação constar do contrato de sociedade (210.º/1 CSC), podendo entender-se a deliberação como uma
alteração tácita do contrato de sociedade (atendendo a que, à partida, a maioria exigível para a alteração
ao contrato se encontrava verificada – 85.º, 383.º/1 e 2, 386.º/ 3 e 4, todos do CSC); relevância do
voto desfavorável para efeitos de inexigibilidade da prestação (86.º/2 do CSC); sendo admissível a
realização de prestações suplementares a faculdade de exclusão do sócio incumpridor (204.º e 205.º do
CSC por remissão do artigo 212.º/2 do CSC). Regime da destituição do administrador e respetivos
requisitos (403.º do CSC – em particular necessidade de deliberação social, exigência de justa causa
[ou, consequências da inexistência de justa causa – 403.º/5 do CSC], relevância dos factos atinentes à
posição de acionista e seus reflexos na relação de administração.

2
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2018/2019
Regência: Prof. Doutor Januário da Costa Gomes
Exame – Época Normal
21 de junho de 2019 - Duração: 120 minutos

Qualificação do contrato celebrado entre Arnaldo, Diogo e Catarina como acordo parassocial (17.º
CSC) e impossibilidade de este ser oponível nas relações entre a sociedade e Catarina.
Relevâncias das regras da designada Corporate Governance, em particular a “proibição de
aproveitamento de oportunidades societárias” e sua relação com os deveres gerais dos administradores
(64.º CSC), em particular o dever de lealdade, e respetivas consequências (eventual responsabilização –
72.º CSC).

Grupo II (4 valores)
Comente critica e fundamentadamente uma (e apenas uma) das seguintes afirmações:

1. O regime das ofertas públicas de compra visa fomentar as sociedades em domínio total.
Identificação do regime das OPAs (173.º e seguintes do CVM), em particular o regime
das aquisições obrigatórias – 187.º e ss do CVM e o regime das aquisições tendentes ao
domínio total – 194.º e seguintes, com a identificação das suas modalidades e diferenças
face ao regime do art. 490.º do CSC.
2. Como contrapartida dos condicionamentos legais e estatutários à cessão de quotas, o sócio tem o direito
de exoneração.
Identificação do regime de limitação legal (228.º/2 CSC) e convencional (229.º CSC) e
comparação com o regime das S.A. – liberdade de transmissão (328.º/1 do CSC)
observados os requisitos do artigo 102.º do CVM. O consentimento para a transmissão
é dado por deliberação da AG – 246.º/1/ b) do CSC; Relação do direito de exoneração
e sua relação com a proibição de vínculos perpétuos (com a manifestação do 229.º/1 in
fine). Diferenciação entre a exoneração do sócio e o regime da amortização ou aquisição
da quota como consequências da recusa de consentimento da sociedade (229/1 e 231/1,
ambos do CSC).
3. Os negócios celebrados por sociedade por quotas reduzida a um único sócio e sem que a pluralidade seja
refeita no prazo de um ano, determinam a responsabilidade do sócio único pelas dívidas sociais.
Identificação do regime da pluralidade de sócios como uma das características naturais
das sociedades comerciais – 980.º do CC e 7.º/2, 1.ª parte, do CSC sendo admissíveis,
no entanto, sociedades unipessoais por quotas - 270.º-A e ss do CSC e as sociedades
anónimas unipessoais – 488.º/1 CSC.
Identificação das consequências da unipessoalidade superveniente – dissolução
administrativa ou por deliberação dos sócios nos termos do 142.º/1/a) do CSC,
conversão da sociedade nos termos 270.º-A/3 do CSC e responsabilidade do sócio único
nos termos do artigo 84.º do CSC. Discussão dos termos do
levantamento/desconsideração da personalidade coletiva nas situações de redução à
unipessoalidade e sua eventual decorrência do regime dos artigos 270.º-F/4 e 84.º,
ambos do CSC.

3
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2018/2019
Regência: Prof. Doutor Januário da Costa Gomes
Tópicos de Correção do Exame de Recurso
23 de julho de 2019
Duração: 120 minutos

Grupo I (16 valores)


Ana, Beatriz, Carolina, Daniel e Evaristo decidem constituir uma sociedade anónima
que se dedicava a compra e revenda de carros e motas, designada Andando, S.A.
(“Sociedade”). Três dos referidos sócios entraram para a Sociedade do seguinte modo:
(i) Ana transferia € 1.000,00, no momento da constituição e os outros
€ 29.000,00 «em momento oportuno»;
(ii) Beatriz entrava com um imóvel que poderia funcionar como garagem e
que fora avaliado por um consultor imobiliário de uma reputada agência em
€ 45.000,00;
(iii) Carolina transferia as 500 mil ações que detinha de 5 sociedades cotadas;

Volvidos vários meses, a Sociedade decidiu fazer uma doação anónima – porquanto
apenas as partes na doação conheciam a origem dos fundos – a uma empresa que se
dedicava a vender produtos biológicos. O ‘racional’ era simples e Beatriz –
administradora e acionista – explicava-o assim: “A Biogreen, Lda quer renovar a frota de
carros em breve, seria muito oportuna esta “operação de charme””.
Entretanto, a Sociedade ia de «vento em poupa», razão pela qual a Makeit, SGPS, S.A.
decidiu adquirir aos 5 sócios as ações correspondentes as 99,9% do capital social.
Sucede que, um antigo credor da Sociedade – a Pinheiro e Coelho, Lda) – descobriu
uma dívida de € 25.000,00 relativos à aquisição de peças para motas por parte da
sociedade Andando, S.A.. Este montante nunca foi pago. Moveu, portanto, uma ação
apenas contra a Makeit SGPS porque, dizia, «detém (praticamente) 100% do capital da
sociedade-filha, o que implica que responda também perante terceiros.»
Ontem, dia 22, Flávio, colaborador da Sociedade, foi sondado por 3 (três) sócios para
Membro do Conselho de Administração com a responsabilidade financeira (CFO –
Chief Financial Officer). Contudo, como não percebia nada de contas, disse que só
aceitaria se Ernesto – um financeiro de mão cheia – fosse “promovido” a diretor geral.
Assim, Flávio pensou: «o Ernesto decide tudo e eu assino por baixo».
1. Pronuncie-se quanto à validade das entradas de Ana, Beatriz e Carolina. (3
valores)
Caracterização e justificação dos vários tipos de entrada; Ana entrava em dinheiro,
Beatriz e Carlina em espécie; densificação do art. 28.º; avaliação do ROC e mecanismos
de garantia de independência do art. 28.º; densificação da problemática em torno do
diferimento da entrada de Ana e sua admissibilidade em face do disposto no art. 277.º;

2. Ana, acionista da Andando, entende que a lei veda aquela doação, porquanto
ocorreu num momento que não era uma época festiva. Quid juris? (3 valores)
Densificação do art. 6.º, n.º 2 e das duas exceções; o racional demonstra que há um
interesse atendível? O recurso ao art. 6/1 como saída possível para não obviar esta
doação porquanto haja um alinhamento com o interesse da sociedade

3. Pronuncie-se quanto à viabilidade do argumento utilizado pela Pinheiro e


Coelho, Lda para fundar a sua pretensão. (6 valores)
A ratio do art. 501.º prende-se com a responsabilidade ilimitada da sociedade-mãe pelas
dívidas das filiais serem o contraponto ou contrapartida do poder de direção em que a
sociedade-mãe se encontra investida. Essa rigidez foi querida pelo legislador justamente
em razão da proteção dos credores; densificação da natureza excecional da norma;
(possível) conclusão que em causa está o reconhecimento de que, se uma sociedade é
integralmente controlada por outra, então, não mais se justifica a separação patrimonial
entre as duas sociedades. Donde, não há qualquer lacuna no direito vigente, não sendo
legítimo ao interprete-aplicado assimilar situações (no art. 501.º) que o legislador
manifestamente apartou.
Seria valorizada a referência a um argumento de cariz constitucional: a equiparação das
situações representaria uma desproporcional restrição da liberdade de iniciativa
económica privada atentatória do art. 61.º/1 e 18.º da CRP.

4. Pronuncie-se quanto à conduta de Flávio. (4 valores)


Violação de deveres de cuidado; não tinha a formação necessária nem a pretende
adquirir, donde, não reveste a aptidão necessária para o exercício das funções inerentes
ao cargo para o qual seria proposto; Densificação do art. 64.º e dos denominados “tipos
intermédios”; em causa poderia estar também o dever de diligência;
Seria valorizada a referência à figura dos administradores de facto relativamente a
Ernesto.
Grupo II (4 valores)
Comente critica e fundamentadamente uma (e apenas uma) das seguintes afirmações:

1. Uma sociedade por quotas pode ser uma ‘sociedade de pessoas’ ou uma
‘sociedade de capitais’, dependendo do que conste dos estatutos.

Identificação de que se tratava de uma classificação doutrinária que assenta no pendor


mais pessoalista ou capitalista das sociedades. Ora, no caso das sociedades por quotas
cabe aos sócios escolherem se aproximam a sociedade de um polo ou de outro.
Em causa estava, principalmente:
(i) Regime da responsabilidade dos sócios pelas dividas sociais;
(ii) Regime da transmissibilidade das quotas;
(iii) Estrutura organizatória da sociedade, incluindo influência dos sócios na gestão.
Mais a mais: encontram-se notas personalísticas (v.g. responsabilidade por todas as
entradas) e notas capitalísticas (v.g. gerentes podem não ser sócios).

2. Os suprimentos nas sociedades anónimas estão sujeitos ao regime do mútuo


do Código Civil.
Caraterização dos suprimentos; discussão da problemática aplicação analógica do
regime dos arts. 243.º e ss.; distinção entre mútuo (civil) e suprimentos e relevância
prática desta distinção no caso de uma sociedade anónima.

3. No caso de uma fusão de sociedade comerciais é sempre obrigatória a


atribuição de uma compensação, para lá da troca de participações sociais.

Densificação dos vários tipos de fusão: por incorporação e por concentração;


Explicitação da dimensão subjetiva da fusão: a aquisição de participações sociais é a
contrapartida própria da fusão a ponto de se afirmar que, sem troca de participações não
há fusão. Todavia, pode não ser fácil refletir na participação social da sociedade
beneficiária o valor da participação originária dos sócios envolvidos. Donde, aponta-se
uma saída: a possibilidade de “acertos de contas” através de qual os sócios envolvidos
recebem outras contrapartidas, para lá, portanto, das participações. Em causa estão as
contrapartidas pecuniárias recebidas aquando da fusão.
Discussão do sentido e alcance do n.º 5, em particular a necessidade (ou não) de proceder
a uma interpretação restritiva, de modo a não limitar aquilo que a ratio do preceito
recomenda ou, até, impõe.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)


2018-2019
09.09.2019 [120 minutos]

TÓPICOS

A sociedade A, que explorava um restaurante biológico, tinha, havia


anos, estreitas relações comerciais com a sociedade B, produtora de
produtos biológicos. Manuel e Marta, gestores, respetivamente, de A e de
B, entenderam ser a altura para “juntar as duas sociedades”, aglutinando
ao projeto a sociedade C, que, apesar de inativa e com dificuldades, tinha,
através do seu gerente Carlos, um excelente know-how do mercado.
Numa reunião estratégica realizada em Cascais, Manuel, Marta e Carlos
acordaram na constituição de uma nova sociedade, passando os sócios
das sociedades A, B e C, a extinguir, que detivessem uma percentagem
nos capitais sociais superior a 25%, a ser sócios da nova sociedade.
Nessa sequência, foi constituída a “Bio Nova, S.A.”, tendo como sócios
os sócios de A, B e C com mais de 25%, numa proporção que foi entre
todos acordada, sendo Manuel, Marta e Carlos membros do órgão de
administração.
Seis meses após a constituição da Bio Nova, Manuel e Marta
promoveram a aprovação da dissolução, respetivamente, das sociedades
A e B. Carlos não o fez quanto à sociedade C pelo facto de esta já estar
dissolvida.

Analise, fundamentada e criticamente, as seguintes situações (4+4+3v.)


1. Luís e Tadeu, sócios minoritários, respetivamente das sociedades A e B
pretendem impugnar a constituição da Bio Nova e a dissolução das
sociedades A e B, considerando ter sido esse um processo fraudulento
para “apagar os pequenos sócios”, mais considerando que Carlos, sócio
da sociedade C, nunca poderia ter “entrado” para a Bio Nova, uma vez
que a sociedade estava dissolvida.

O primeiro parágrafo do enunciado sugere, à primeira vista, que os


intervenientes, mais concretamente Manuel e Marta, tinham em mente
um processo de fusão entre as sociedades A, B e C.
Caracterização da fusão e suas modalidades à luz do regime do artigo
97.º e ss. CSC. Não se descortina se a via da fusão seria a da
incorporação ou da concentração.
A circunstância de a sociedade C estar dissolvida não seria obstáculo à
fusão, nos termos e por força do art. 97.º/2 CSC.
Referência sumária à natureza jurídica da fusão.
Apesar desta aparente indicação para a fusão, num primeiro momento,
tudo se alterou a partir da “reunião estratégica” e da sequência tal como
descrita no enunciado. O facto de as sociedades A e B terem sido
dissolvidas seis meses após a constituição da Bio Nova demonstra
eloquentemente que a via seguida foi a de constituir uma nova sociedade
sem perturbar (pelo menos num primeiro momento) a continuação das
existentes, as quais (sociedades A e B, já que a sociedade C já estava
dissolvida) vieram a dissolver-se mais tarde.
Explicitação e consequências da via da dissolução e liquidação das
sociedades (arts. 141.º e ss. e 146.º e ss. CSC).
Neste quadro, não vemos modo, pelo menos face aos dados do
enunciado, de dar razão a Luís e Tadeu, quer no que respeita à
constituição da Bio Nova, quer no que respeita às dissoluções das
sociedades A e B, as quais terão, presume-se, seguido os termos do CSC
e dos estatutos, acautelando, nos termos legais e regulamentares, as
posições dos sócios.
Nesta lógica, não havia também qualquer impedimento à entrada de C
para a nova sociedade, entrada essa que é feita ao abrigo da sua
liberdade individual e de iniciativa económica. Na realidade, a
dissolução da sociedade C (cuja causa se desconhece ao certo) não cria
qualquer impedimento à entrada de Carlos numa nova sociedade como
sócio.

2. Nelson, credor da sociedade A, pretende também impugnar a


constituição da Bio Nova por tal prejudicar os credores da sociedade A,
ao mesmo tempo que suscita a nulidade da hipoteca de um terreno
constituído pela mesma sociedade a favor da Bio Nova, um mês após a
constituição desta, por exigência de um banco a quem a Bio Nova
recorrera para obter financiamento.

Face ao referido a propósito da questão n.º 1, a questão agora colocada


(impugnação da constituição da Bio Nova) não pode ser resolvida à luz
do art. 101.º-A do CSC, uma vez que não estamos num quadro de fusão
de sociedades.
Por outro lado, a circunstância de os credores da sociedade A se
sentirem prejudicados pelo facto da constituição da Bio Nova não é

2
impeditivo desta constituição e não pode tolher a liberdade de iniciativa
económica dos sócios de A, B e C.
Ademais, o enunciado não concretiza que prejuízo é essa que está em
causa.
Não se vê também fundamento, face ao enunciado, para suscitar a
aplicação do art. 78.º CSC.
Já no que respeita à invocação da nulidade da hipoteca de um terreno,
por parte da sociedade A, a favor da sociedade Bio Nova, parece-nos que
a mesma tem argumentos favoráveis, à luz do art. 6.º CSC.
Referência ao princípio da especialidade e à polémica centrada na
existência (ou não) desse princípio quer nas pessoas coletivas em geral
(art. 160.º CC) quer nas sociedades em especial (art. 6.º CSC).
Alusão à diversidade de interpretações e ao eventual relevo do “fim” da
sociedade.
Interpretação do art. 6.º/3 CSC e ao relevo do “justificado interesse
próprio”, que é o da sociedade e não dos sócios qua tale.
Diversidade de interpretações sobre a quem pertence o ónus da prova da
existência (ou inexistência) do justificado interesse próprio.
Na situação concreta, face aos dados existentes, podemos pôr em causa a
existência de um justificado interesse próprio da sociedade A em prestar
garantia a favor da nova sociedade, apontando os elementos objetivos no
sentido de a hipoteca ter sido constituída no interesse da nova sociedade
e dos seus sócios.

3. Entretanto Túlio, sócio da sociedade B, que emprestara a esta 20.000


euros há já dois anos, pretende ser pago por esta, com preferência sobre
os demais credores, o que é impugnado por Vera, a maior credora da
sociedade, que sustenta ter preferência nesse pagamento, tanto mais que o
património da sociedade nem é suficiente para satisfazer o seu crédito.

Estamos no quadro da problemática dos suprimentos, regulada a partir


do art. 243.º CSC.
Presume-se que a sociedade B era uma sociedade por quotas. Contudo,
admitindo que fosse uma sociedade anónima, há que abordar a questão
da aplicabilidade, por analogia, do regime do art. 243.º e ss. àquelas
sociedades. A posição tomada no Curso foi no sentido favorável.
Explanação dos argumentos e teses em confronto.
Caracterização dos suprimentos. Relação entre o contrato de suprimento
e o contrato de mútuo.
O relevo do carácter de permanência (art. 243.º/1 CSC) para efeito da
caracterização como suprimento.
Natureza do índice ou da presunção do art. 243.º/2 CSC. O relevo do
ónus da prova do carácter de permanência.

3
Admitindo – presumindo iuris tantum – o carácter de permanência, a
questão suscitada por Túlio e impugnada por Vera tem especial relevo no
quadro da aplicação do art. 245.º/3 CSC, em caso de insolvência da
sociedade.
Naturalmente que, dentro ou fora do âmbito de aplicação do art. 245.º/3
CSC, não se justifica qualquer preferência do sócio-credor. Fundamento
do regime do art. 245.º/3 CSC.

II

Comente, fundamentada e criticamente, a afirmação n.º 4 e duas das


demais (3v. cada):
4. “O regime do art. 501.º CSC é aplicável, por identidade de razão, aos
grupos de facto”.

Referência à polémica doutrinária sobre a aplicabilidade do regime do


art. 501.º do CSC aos “grupos de facto”. Argumentos de Ana Perestrelo
de Oliveira nesse sentido. Refutação dos argumentos de APO feitos no
Curso.

5. “Enquanto na ação ut singuli, em que os sócios atuam singularmente,


na ação ut universi os sócios atuam em conjunto e na qualidade de sócios
contra os administradores da sociedade pelos danos a esta causados”.

Referência e diferenciação regimes arts. 75.º e 77.º CSC. A afirmação


feita está errada.

6. “Nas situações de responsabilidade de um administrador por danos


causados à sociedade, o sócio que o tenha indicado ao abrigo dos
estatutos responde solidariamente com o mesmo”.

Referência explicada e fundamentada ao regime do art. 83.º CSC.

7. “Tanto na sociedade por quotas quanto na anónima, a assembleia geral


pode, a todo o tempo, deliberar sobre matérias de interesse da sociedade”.

A afirmação está errada, sobretudo no que respeita às sociedades


anónimas. Razões do diverso peso das assembleias gerais nos diversos
tipos de sociedades. Referência específica, v. g., arts. 246.º e 373.º/3 e
405.º CSC.

8. “O capital social não tem qualquer função de garantia dos credores


sociais”.

4
Referência às funções do capital social e à sua evolução ao longo do
tempo. Crise da ideia da função de garantia sobretudo nas sociedades
por quotas, atento o regime do art. 219.º CSC.

5
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Direito Comercial II (Sociedades Comerciais)
Turma A — Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e José Ferreira Gomes
Tópicos de correção do exame de 17 de junho de 2019

Ana, Beatriz, Constança e Daniel, todos licenciados em design de moda e muito


amigos, desempregados e ativistas crentes num mundo eco-friendly, decidem criar,
fabricar e comercializar roupas para bebé 100% de bambu. Para o efeito,
constituíram a sociedade comercial “BB – Baby Bambu, Lda.” com capital social de
200.000,00€. Ana e Beatriz assumiram a gerência.
Ana, na qualidade de gerente, decidiu doar 20.000,00€ a uma associação de defesa
dos direitos das mulheres, ideia que considerou sublime. Uma estratégia de
marketing brilhante, uma vez que as mães, principais clientes da “BB”, são
mulheres. Beatriz, sempre ausente, não se apercebeu de nada.
O negócio parecia correr bem: a “BB – Baby Bambu, Lda.” apurou, relativamente
ao exercício de 2017, 100.000,00€ de lucro. Os sócios cautelosos deliberaram por
70% do votos correspondentes ao capital social: (a) afetar os 100.000,00€ ao reforço
da reserva legal e de uma reserva livre que já existia; bem como (b) alterar a
cláusula do pacto social, nos termos da qual a validade da alienação ou oneração
dos estabelecimentos comerciais estava dependente de autorização dos sócios,
para passar a estar dependente apenas de deliberação unânime da gerência.
1. Daniel, com 20% do capital social, não entende a deliberação de reforço da
reserva legal, até porque esta já se encontra preenchida. Precisa do dinheiro
e votou contra o reforço das duas reservas. Entretanto, tomou conhecimento
da doação e ficou furioso. Farto da situação, dez dias após a deliberação,
decidiu sair da sociedade e, nesse mesmo dia, alienou a sua quota a
Francisca.
Tanto Daniel como Francisca pretendem impugnar a deliberação de reforço
das reservas e exigir a quota parte que lhe caberia de lucro distribuível.
Analise separada e fundamentadamente a pretensão de cada um. (6 valores)
- Conceitos de “lucro” e de “lucro distribuível” (arts. 32.º e 33.º do CSC).
- Conceito e regime de reservas legais (arts. 218.º, 295.º e 296.º CSC) e reservas
estatutárias. Dever de constituição das reservas legais. As reservas para além do
exigido por lei devem ser enquadradas não como “legais”, mas como “voluntárias”.
- Direito aos lucros (art. 21.º/1, a) CSC), enquanto “direito abstrato” (expectativa
jurídica) e processo de concretização num “direito concreto” (direito de crédito) aos
dividendos. Nos termos do art. 31.º do CSC, a deliberação é sempre essencial; o seu
direito continuava a ser um direito abstrato.
- Nos termos do art. 217.º CSC, “Salvo diferente cláusula contratual ou deliberação
tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social em
assembleia geral para o efeito convocada, não pode deixar de ser distribuído aos
sócios metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível.”
-Para não ser distribuído (pelo menos) metade do lucro distribuível, a deliberação
tinha de ser aprovada por maioria de ¾ (75%) dos votos correspondentes ao capital
social, em assembleia geral para o efeito convocada, o que não se verificou, uma vez
que foi tomada por 70% dos votos correspondentes ao capital social.
- Deliberação passível de ser impugnada nos termos do art.º 58.º do CSC (regime
das deliberações anuláveis), em particular pela al. a) do n.º 1. Não é aplicável a al.
d) do n.º 1 do art.º 56.º do CSC dado que se trata de um preceito legal que pode ser
derrogado. Análise do regime da ação de anulação – arts. 59.º, 60.º e 61.º CSC:
- Daniel tinha legitimidade nos termos do n.º 1 do art.º 59.º do CSC e no
prazo previsto na al. a) do n.º 2 desse preceito.
- Impugnação parcial – só quanto à parte que votou contra (reforço das
reservas).
- Relativamente à outra deliberação, podia ser impugnada pelo órgão de
fiscalização (entendimento em termos restritivos). Seria valorizada a análise
da segunda deliberação (artigos 265.º e n.º 2 do art.º 246.º).
- Discussão sobre se, para além da anulação da deliberação, o tribunal podia
condenar a sociedade a pagar os dividendos.
- Quando Francisca, seria necessário, antes de mais, perceber se a sociedade
a devia reconhecer como sócia ou não. Análise do regime da cessão de quotas,
incluindo o regime do consentimento, comunicação à sociedade e pedido de
registo (arts. 228.º/2 e 3, 242.º-A CSC).
- De seguida era necessário perceber se o direito (de crédito) aos dividendos
se constituiu (e autonomizou da participação social) na esfera de Daniel ou
de Francisca, consoante a cessão de quotas tenha ocorrido antes ou depois da
deliberação que aprovou a sua distribuição.

2. Constança também não se conforma com a atuação tão pouco diligente de


Ana e Beatriz. Acha que a doação não é “sublime”, mas sim um insulto: é
completamente desproporcionada para a dimensão da sociedade e nunca
terá os resultados de marketing anunciados pomposamente por Ana. No
fundo, é uma forma de promoção das ideias desta, à custa da sociedade e dos
seus sócios. Por isso, pretende destruir os efeitos do negócio e
responsabilizar não só Ana, mas também Beatriz.
Ana está tranquila porque entende que nenhum tribunal “se vai meter” nas
decisões que cabem na sua esfera de discricionariedade empresarial. Beatriz
acha que não pode ser responsabilizada porque não foi ela que fez a doação
e não sabia de nada.
Pronuncie-se sobre a eficácia da doação e sobre a pretensão de
responsabilização das gerentes. (10 valores)
- Discussão sobre a capacidade (de gozo) da sociedade para a prática de atos gratuitos:
o princípio da especialidade e sua superação (dogmática e pragmática). Posição do Prof.
Menezes Cordeiro: doações não estão fora da capacidade das sociedades, sem prejuízo
da invalidade de doações legalmente proibidas.
- Doações podem configurar uma verdadeira indústria por parte de instituições
lucrativas e muito bem geridas, pelo que, à partida, nenhuma razão existe para
considerar as doações fora da capacidade da sociedade.
- A sociedade fica vinculada pela atuação de Ana (arts. 6.º e 260.ºCSC), sem prejuízo
da responsabilização e até destituição com justa causa (arts. 64.º/ 6 257.º CSC).
- Enquadramento da responsabilidade civil dos gerentes (Ana e Beatriz) perante a
sociedade (art. 72.º/1 CSC) e identificação do incumprimento da obrigação de diligente
administração (arts. 259.º e 64.º/1, a) CSC), inerente ao exercício das funções de
gerente.
- Critério de diligência normativa aplicável às condutas de Ana e Beatriz – bitola do
“gestor criterioso e ordenado” (art.º 64.º CSC).
- Discussão da adequação ou não do ato gratuito em causa ao fim ou interesse da
sociedade, incluindo o montante da doação e a sua importância relativa perante as
concretas circunstâncias da sociedade apresentadas no enunciado.
Constança podia propor uma ação de responsabilidade civil diretamente - regime da
ação ut singulli (art. 77.º do CSC), para reparação dos danos sofridos pela sociedade,
ou promover uma deliberação social com vista à propositura de uma ação pela
sociedade - regime das ações sociais ut universi (arts. 75.º e 76.º do CSC).
- Divergências doutrinárias relativamente ao sentido e alcance do art.º 72.º/2 CSC
(business judgment rule).
- O sentido e alcance da aprovação dos sócios como causa de exclusão de
responsabilidade civil (art. 72.º/5 do CSC).

3. Entretanto, Francisca escreveu a Ana e Beatriz exigindo várias informações


sobre a atividade da sociedade. Estas recusaram a prestação de qualquer
informação, dizendo que não a reconheciam como sócia. Quid iuris? (4
valores)
- Enquadramento da cessão de quotas como negócio jurídico de transmissão de quotas
voluntária inter vivos. – Regime dos art.s 228.º ss. CSC (necessidade de forma escrita,
consentimento da sociedade, comunicação à sociedade e pedido de registo - arts.
228.º/2 e 3, 242.º-A CSC).
- Não havendo elementos que permitam concluir que todo o procedimento foi
cumprido, Francisca não seria sócia perante Ana e Beatriz.
- Discussão sobre o direito dos sócios à informação nos termos do art. 214.º CSC e os
correspondentes limites.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Direito Comercial II (Sociedades Comerciais)
Turma A — Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e José Ferreira Gomes
Exame Escrito de Coincidência (1.ª Época) – 26 de junho de 2019
Tópicos de correção
Ana e Bernardo, apaixonados por viagens, dedicaram os últimos anos das suas vidas a
descobrir experiências únicas nos quatro cantos do globo. Nas suas viagens conheceram
Catarina, Duarte e Eduarda, com quem partilham esta paixão, e que cedo decidiram
converter num negócio comum. Assim, em março de 2018 conceberam uma boutique de
viagens personalizadas direcionada ao público português, tendo para o efeito criado a
sociedade comercial “Grandes Viagens, S.A.”, dotando-a de um capital social de
75.000,00€ e cujo objeto social era “proporcionar experiências locais, únicas e não quadráveis nos
folhetos comuns das agências de viagem em massa”.
O capital social seria dividido em 7.500 ações, repartidas, de forma igual, pelos acionistas.
Para o efeito, Ana entregou o seu loft arrendado à sociedade, Bernardo transmitiu os
contactos dos seus amigos ricos, sendo que ambos estimaram que cada uma dessas
contribuições equivaleria a, pelo menos, 15.000,00€. Catarina, Duarte e Eduarda
disponibilizariam 15.000,00€ cada, sendo que esta última apenas o faria assim que fosse
aprovado o pedido de financiamento que submetera junto do seu Banco. Ficou ainda
combinado que a sociedade teria um conselho de administração e um conselho fiscal,
tendo Ana e Bernardo celebrado um acordo nos termos do qual este cumpriria as
instruções de voto daquela.
Em 14 de maio de 2019, um dos administradores da sociedade ficou preocupado porque
percebeu que o balanço da sociedade aprovado nesse dia evidenciava resultados
negativos de 125.000,00€. Deste modo, decidiu convocar os acionistas para uma reunião a
realizar em Badajoz no dia 30 de maio de 2019 para discutir o futuro da sociedade.
Os cinco acionistas compareceram na referida reunião, na qual imperou a confusão desde
que Bernardo propôs que todos entrassem com mais dinheiro: quando o presidente da
mesa perguntou quem votava a favor, Ana e Bernardo gritaram que sim, tendo Duarte
espirrado nesse preciso momento, o que levou o presidente da mesa a pensar que seria
igualmente um “sim”.
Para agravar ainda mais a situação, o Banco, que havia aprovado o pedido de
financiamento submetido por Eduarda, apropriou-se de todas as quantias depositadas na
conta da sociedade “Grandes Viagens, S.A.” dado que Eduarda não pagara as prestações
devidas pelo financiamento da entrada e a sociedade havia garantido a dívida através de
um penhor de conta bancária autorizado por um dos seus administradores.
Concomitantemente, o senhorio do loft interpela a sociedade a pagar as rendas em atraso
relativas aos meses de janeiro a abril de 2018.
1. Analise de forma fundamentada a constituição da sociedade, pronunciando-se
designadamente sobre o tipo societário escolhido, o objeto, o capital social, as
entradas dos acionistas e o acordo celebrado entre Ana e Bernardo. (5 valores)
A pergunta cobria um conjunto alargado de matérias, pelo que é valorizada a capacidade de
análise sintética das principais questões:
- A distinção entre tipos societários e a escolha apropriada para cada projeto empresarial. Em
especial, a responsabilidade dos sócios; o regime da transmissibilidade das participações e a
estrutura orgânica.
- Constituição de uma sociedade anónima (art. 271.º e ss.), respeitando o número mínimo de 5
acionistas (art. 273.º), o capital social mínimo e o valor nominal mínimo das ações (arts. 276.º,
n.os 3 e 5);
- Firma “Grandes Viagens, S.A.” (arts. 9.º, 10.º e 275.º);
- Fases de constituição de uma sociedade comercial (obtenção do certificado de admissibilidade
da firma, celebração do contrato de sociedade com respeito pela forma legal prevista no art. 7.º,
n.º 1, registo do contrato e publicações obrigatórias);
- Duração indeterminada da sociedade (art. 15.º);
- Objeto da sociedade (art. 11.º): a atividade que a sociedade se propõe desenvolver de
“proporcionar experiências locais, únicas e não quadráveis nos folhetos comuns das agências
de viagem em massa”;
- Entradas: art. 20.º, al. a): “bens suscetíveis de penhora” (onde se deve ler bens suscetíveis de
avaliação económica);
- Entrada de Ana: entrada em espécie, transmissão do direito ao arrendamento, que sempre
careceria de consentimento do senhorio, que se presume que terá existido pela posterior
exigência de pagamento das rendas à sociedade. Exigência de avaliação por um revisor oficial
de contas, respeitando os requisitos previstos no art. 28.º. O valor do bem tem de ser pelo
menos equivalente ao valor nominal das ações (15.000,00€), nos termos do art. 25.º, n.º 1.
Existindo erro na avaliação feita pelo revisor, o sócio é responsável pela diferença, até ao valor
nominal da sua participação (art. 25.º, n.º 3), sem prejuízo da responsabilização do revisor, nos
termos do art. 82.º;
- Entrada de Bernardo: entrada em espécie, que careceria igualmente de uma avaliação por um
revisor oficial de contas, valendo todos os argumentos dados quanto à entrada de Ana;
- Entrada de Catarina, Duarte e Eduarda: dinheiro (respeitando o disposto na al. a) do art.
20.º), regra geral de realização imediata, até ao momento da celebração do contrato (art. 26.º), o
que não sucedeu no caso de Eduarda, cuja realização é diferida. Diferença entre “subscrição” e
“realização” da entrada. É permitido o diferimento das entradas em dinheiro, nos termos do
art. 26.º, n.º 3. Em especial, dever-se-á analisar o estatuído nos artigos 277.º e 285.º. No caso,
dá-se o diferimento da totalidade da entrada, ficando a realização sujeita à verificação de uma
condição (obtenção de financiamento):
i) Quanto ao montante do diferimento: discutir se o art. 277.º, n.º 2 se refere ao valor nominal
do total das ações ou apenas das ações de cada um dos acionistas individualmente;
ii) Ilicitude da condição: apesar de o art. 285.º não proibir de forma expressa o
condicionamento da realização das entradas à verificação de facto incerto (diferentemente do
que sucede com o art. 203.º, n.º 1), valem aqui as mesmas razões subjacentes à proibição
vigente no âmbito das sociedades por quotas, sendo a condição inválida. Em consequência,
dever-se-á defender uma das soluções possíveis: exigibilidade a todo o tempo (art. 777.º, n.º 1
do CC) ou aplicação do prazo de cinco anos do art. 285.º como prazo máximo supletivo.
- Modelo de administração e fiscalização adotado: modelo clássico ou tradicional (conselho de
administração, conselho fiscal e revisor oficial de contas), nos termos do arts. 278.º, n.º 1, al. a)
e 413.º;
- Acordo celebrado entre Ana e Bernardo configura um acordo parassocial (art. 17.º): acordo
entre dois ou mais sócios nessa qualidade, celebrado à margem do contrato de sociedade, que
regula relações societárias (no caso, o exercício do direito de voto por Bernardo). Liberdade de
forma (art. 219.º do CC). Não diz respeito a qualquer conduta proibida por lei, sendo
expressamente permitido o acordo relativo ao exercício do direito de voto (art. 17.º, n.º 2, 1.ª
parte). Discussão fundamentada acerca da (in)validade do acordo, analisando as alíneas do n.º
3 do art. 17.º, com conhecimento das interpretações doutrinárias de relevo. Eficácia meramente
obrigacional, inter partes, nos termos do art. 17.º, n.º 1, parte final, cumulada com eventual
indemnização pelo incumprimento desde que preenchidos os pressupostos da responsabilidade
civil obrigacional.

2. Pronuncie-se acerca da validade da decisão tomada na reunião de Badajoz. (5


valores)
A pergunta cobria um conjunto alargado de matérias, pelo que é valorizada a capacidade de
análise sintética das principais questões:
- Identificação de uma situação de perda de mais de metade do capital social, com consequente
aplicação do art. 35.º e respetivas consequências. Seria valorizada uma análise crítica do
preceito, designadamente com menção ao disposto nos arts. 171.º, n.º 2, 523.º e 528.º, n.º 2;
- Quanto à carta remetida pelo administrador da sociedade, equivale a uma convocatória de
uma assembleia geral, sendo certo que o próprio art. 35.º, n.º 1 refere que “devem (…) os
administradores requerer prontamente a convocação da mesma”. Análise das invalidades daí
decorrentes: incompetência do administrador para convocar a assembleia geral (art. 377.º, n.º
1 – cabia ao presidente da mesa a sua convocação); inobservância do prazo entre a convocatória
e a realização da assembleia (art. 377.º, n.º 4, com referência para os demais requisitos de
publicidade da convocatória); ausência de elementos mínimos de informação referidos no art.
377.º, n.º 5, e, bem assim, análise das consequências da omissão dos pontos referidos no art.
35.º, n.º 3 e, ainda, a ausência de determinação clara quanto à ordem do dia, o que era exigível
quer pela al. e) do n.º 5, quer pelo n.º 8, ambos do art. 377.º; inobservância (eventual) da
obrigação das assembleias gerais se realizarem ou na sede da sociedade ou em território
nacional, nos termos do art. 377.º, n.º 6, al. a); eventual violação do direito à informação dos
acionistas, por violação do art. 289.º, n.º 1, al. c);
- Não obstante as invalidades referidas, verificação da possibilidade de se verificar a existência
de uma assembleia geral universal, nos termos do art. 54.º, com análise dos respetivos
pressupostos (do enunciado não resulta clara a concordância de todos os sócios para a
deliberação);
- Ainda que se concluísse pela verificação dos pressupostos do art. 54.º, análise das
consequências da falta de consciência da declaração de voto (art. 246.º do CC). Para efeitos de
análise desta questão será necessária a análise do voto como declaração negocial e a
possibilidade de anulação da deliberação social em virtude da existência de tal vício da vontade
– nomeadamente em face quer do regime do art. 58.º, quer, de igual modo, tomando em conta
que o voto de Duarte era determinante para efeitos de aprovação da deliberação (prova de
resistência);
- Análise da proposta de Bernardo, consubstanciando-se na realização de entradas para reforço
da cobertura do capital (art. 35.º, n.º 3, al. c)).

3. Aprecie a garantia prestada pela sociedade a Eduarda e a viabilidade da pretensão


do senhorio do loft. (6 valores)
A pergunta cobria um conjunto alargado de matérias, pelo que é valorizada a capacidade de
análise sintética das principais questões:
- A prestação de garantias pela sociedade (penhor de conta bancária) é matéria da
responsabilidade da administração (art. 406.º, al. f)), ficando a sociedade vinculada pelos atos
dos administradores (art. 408.º, n.º 1);
- Quanto à validade da garantia, dever-se-á analisar o art. 6.º, n.º 3. Exigência de “justificado
interesse próprio” da sociedade, sob pena de nulidade da garantia (arts. 280.º ou 294.º do CC).
No caso, não se verifica esse requisito, por a concessão da garantia visar permitir à acionista
Eduarda a obtenção de um financiamento para a realização de ações subscritas. Sendo a
garantia prestada pela sociedade, esta coloca-se numa posição em que, no caso de
incumprimento da obrigação contraída pela acionista perante o Banco e de acionamento da
garantia (como sucedeu), haverá um reembolso indireto e dissimulado do valor das ações
realizadas pela acionista que recorreu ao crédito. Assim, antes de mais, é a própria lógica da
intangibilidade do capital social que não permite sustentar a existência de “justificado
interesse próprio”. Mesmo que se seguisse uma posição de maior flexibilidade quanto aos
limites da capacidade, cumpre considerar que entram em jogo princípios societários específicos
que restringem a liberdade de definição do “justificado interesse próprio” e que, direta ou
indiretamente, sempre invalidariam a garantia prestada;
- No que toca à exigibilidade de pagamento das rendas à sociedade, haverá que distinguir:
i) as rendas vencidas relativas ao período anterior à constituição da sociedade (janeiro e
fevereiro de 2018), que seriam da responsabilidade de Ana, a não ser que existisse uma
assunção de dívida por parte da sociedade, nos termos do art. 595.º do CC;
ii) o período em que a sociedade já havia sido constituída mas (eventualmente) sem ter sido
registada: com a transmissão da posição contratual de arrendatária, a sociedade torna-se, em
princípio, responsável pelo pagamento das rendas, já que passa a ser parte no contrato de
arrendamento. Contudo, desde o momento em que é celebrado o contrato até ao momento em
que é registado, seria aplicável o regime de responsabilidade do art. 40.º (responsabilidade
primária da sociedade, por maioria de razão ou por analogia com os arts. 36.º e 997.º do CC;
responsabilidade subsidiária e solidária daqueles que tiverem agido em representação da
sociedade). Porém, o senhorio apenas vem exigir o pagamento em momento posterior ao
registo, pelo que é aplicável o art. 19.º, n.º 1, al. b), pelo que as dívidas são assumidas ope legis
pela sociedade no momento do registo;
iii) o período posterior ao registo da sociedade: não há dúvida que a responsabilidade é da
sociedade. A sociedade, constituída e registada, é titular do contrato de arrendamento, sendo,
pois, obrigada ao pagamento das rendas contratualmente estipuladas.

4. Perante um cenário de insolvência iminente, Catarina está bastante preocupada


dado que no início do ano alienou o seu automóvel à sociedade, tendo
convencionado que o preço do mesmo apenas teria de ser pago “quando a sociedade
dispusesse de uma boa almofada financeira”. Além do negócio não ter beneficiado
de quaisquer formalidades prévias, um amigo alertou-a de que, por não ter querido
receber logo o preço, corre grandes riscos de não vir a receber qualquer quantia.
Quid iuris? (4 valores)
- A aquisição de bens a acionistas deverá ser previamente aprovada por deliberação da
assembleia geral, desde que se verifiquem os requisitos cumulativos previstos no n.º 1 do art.
29.º. Depois de problematizados os requisitos, referir que a deliberação da assembleia geral
deverá ser precedida de verificação do valor dos bens por revisor oficial de contas, na qual não
votará o fundador a quem os bens sejam adquiridos (arts. 28.º e 29.º, n.º 3). Obrigatoriedade de
redução a escrito do contrato, sob pena de nulidade (art. 29.º, n.º 4);
- Dado o silêncio da lei, discutir a possibilidade e/ou adequação da aplicação do regime dos
suprimentos às sociedades anónimas. Admitindo-se essa possibilidade, estamos perante um
contrato de suprimento sob a forma de vencimento de um crédito (art. 243.º, n.º 1, 2.ª parte),
devendo discutir-se o carácter de permanência e que o mesmo poderia ser ilidido (art. 243.º, n.º
2 e n.º 4, 2.ª parte). Analisar, por fim, a subordinação do crédito de Catarina num cenário de
insolvência (art. 245.º, n.º 3, al. a), sendo que não poderia ser a própria a requerê-lo (art. 245.º,
n.º 2).
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Direito Comercial II (Sociedades Comerciais)
Turma A — Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e José Ferreira Gomes
Exame de 22 de julho de 2019 (90 minutos)

Ana, Beatriz, Constança e Daniel criaram uma sociedade anónima “Lógica-Bio


S.A.” para comercialização de produtos biológicos. O negócio corria bem e
queriam expandir o negócio passando a exportar os produtos. Assim em,
13.03.2016, a AG reuniu para deliberar sobre: a) realização de um aumento do
capital; b) remuneração dos administradores; c) a não distribuição de lucros.
Relativamente à remuneração, Ana propôs para sua remuneração, enquanto
administradora, 25.000,00€ e um Rolls-Royce. Afinal, Beatriz, também
administradora, nada precisava de receber porque pouco faz e, considerando que
é totalmente contra poluentes e pesticidas, muito gostaria de continuar a
deslocar-se na sua bicicleta. Todas as propostas foram aprovadas.

Em fevereiro de 2017, a accionista Constança, titular de ações correspondentes a


3% do capital da “Lógica-Bio S.A.”, solicitou informações sobre as contas dos
últimos 3 exercícios, pois pretendia inteirar-se da situação financeira da
sociedade, desconfiando que a mesma já tivesse tido melhores dias. Constança,
que insiste e não desiste, durante a assembleia geral anual, solicitou ao Presidente
da Mesa informações a todos os acionistas acerca da remuneração choruda e
imoral de Ana. Constança quer ainda saber quais as técnicas utilizadas na recente
exploração de mirtilo. Na verdade podia conseguir aproveita-las para a
exploração de mirtilos da “Família Bio Lda”, que constituiu com a sua mãe. Não
lhe foram prestadas quaisquer informações

A praga de insetos e o aumento de sociedades dedicadas a comercialização de


produtos biológicos não estavam a contribuir para bons resultados financeiros.
O financiamento era urgente, não se podia esperar! Assim, Ana ligou a Daniel
relembrando-o que, de acordo com o previsto no contrato, podiam deliberar a
exigência de contribuições suplementares até 25.000,00€, em dinheiro, que não
venceriam juros.

Em 2018, a um passo da insolvência mas, ainda assim, mantendo a esperança,


Ana celebra com Daniel um contrato de empréstimo, enquanto a “Lógica-Bio
S.A.” não melhorasse a respetiva situação financeira.

1. Ana detém 55% do capital social, todos sabem e está fácil de provar, que
apenas pretende o aumento do capital social porque sabe que os restantes
sócios têm dificuldades financeiras e, no limite, até venderiam as suas
ações.
Beatriz está incrédula com a aprovação das propostas e também não
percebe como é possível a proposta da remuneração ter sido aprovada
com os votos da própria Ana.
As três semanas não chegaram para se conformar e Beatriz está decidida,
pretende impugnar todas as deliberações.
Analise fundamentadamente a pretensão de Beatriz. (7 valores)
- N.º de sócios inferior ao exigido (art.º 273.º, n.º1 do CSC)
Realização de um aumento do capital
- Quórum e maioria (art.ºs 383.º e 386.º do CSC)
- Requisitos da deliberação de aumento do capital social (art.º 87.º do CSC)
- Discussão doutrinária acerca do direito de preferência dos acionistas (art.º 458.º
do CSC)
- Anulabilidade por voto abusivo; situação em que o voto consubstancia um
exercício abusivo; adequação objetiva exigida; distinção das situações de abuso do
direito (art.º 58.º, n.º 1, al. b) do CSC)
- Além da anulabilidade da deliberação pode ainda haver lugar a indemnizar a
sociedade e os outros sócios
Remuneração dos administradores
- Competência da Assembleia Geral (art.º 399.º do CSC)
- Discussão acerca da existência de uma situação de impedimento de voto (situação
não prevista no art.º 384.º, n.º 6 do CSC) e da aplicação do art.º 251.º do CSC às
SA
- Deliberação anulável nos termos do art.º 58.º, nº 1, al. b) do CSC (vantagem
especial) ou al. b) (consoante a posição assumida)
Não distribuição de lucros
- Direito aos lucros (art.º 21.º do CSC)
- Necessidade da deliberação ser tomada por maioria de três quartos dos votos
correspondentes ao capital social em assembleia geral para o efeito convocada;
tutela do direito dos minoritários aos lucros (art.º 294.º do CSC).
- Levantar a hipótese de anulabilidade em caso de incumprimento; vício
procedimental (art.º 58.º, nº 1, al. a) do CSC)

2. Pronuncie-se acerca das informações solicitadas por Constança. Havia


fundamento legal para a recusa da informação? Poderá Constança reagir
à recusa da prestação de informação? (6 valores)
- Direito à informação – Constança tinha legitimidade, enquanto sócia, para
solicitar informação e preenchia o requisito quantitativo de titularidade do capital
social (art.ºs 21.º, n.º 1, al .c) e 288.º a 290.º do CSC )
- Distinção dos tipos de informação consoante o acesso
- Discussão acerca da taxatividade da enumeração legal dos elementos previstos
nos art.ºs 288.º e 289.º do CSC
Contas dos últimos 3 exercícios - Direito mínimo à informação compreende
relatórios de gestão e documentos de prestação de contas relativos aos três últimos
exercícios (art.º 288.º, n.º 1, al. a) do CSC); recusa injustificada de informações é
causa de anulabilidade da deliberação (art.ºs 290.º, n.º 3 e 58.º, n.º 1, al. c) do
CSC); recusa ilícita de informações (art.º 518.º do CSC); possibilidade de requerer
ao tribunal inquérito à sociedade (art.º 292.º do CSC)
Remuneração de Ana – Informações em Assembleia Geral e respetivos limites
(art.º 290.º do CSC); no caso estávamos perante uma situação de consumpção de
previsões de informação (art.º 288.º, n.º 1, al. c) do CSC), pelo que não há que a
repetir em Assembleia Geral
Técnicas utilizadas na recente exploração de mirtilo - Informações em Assembleia
Geral e respetivos limites (art.º 290.º do CSC); no caso discutir a licitude da recusa
de informação nos termos dos art.ºs 290.º, n.º 2 e 291.º , n.º 4 do CSC

3. Daniel já não se recorda das cláusulas previstas no contrato mas tem


dúvidas acerca da legalidade da exigência daquelas contribuições. Quanto
ao empréstimo não está muito preocupado porque para garantia da dívida
foi constituída uma hipoteca sobre o terreno da exploração de mirtilo.
Estava salvaguardado, não estava disposto a quaisquer contribuições e se
a sociedade não pagasse ativaria a garantia. Quid iuris? (7 valores)
- Distinção entre prestações suplementares e acessórias
- Previsão legal exclusiva para as sociedades por quotas e discussão acerca da
admissibilidade das prestações suplementares nas SA – Prof. Menezes Cordeiro
entende que não são admitidas, respondendo o sócio apenas pelas ações que
subscreva (art.º 271.º do CSC)
Empréstimo
- Qualificação como contrato de suprimento
- Previsão legal exclusiva para as sociedades por quotas e discussão acerca da
admissibilidade nas SA- Prof. Menezes Cordeiro defende a aplicação analógica da
matéria dos suprimentos, necessidade do empréstimo ser feito em condições em
que o acionista ordenado faria uma contribuição de capital
- Índices do art.º 243.º do CSC
- Regime do contrato de suprimento - a constituição da hipoteca não era possível
para garantir o reembolso; nulidade da garantia (at.º 245.º, n.º 6 do CSC)
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
TÓPICOS DE CORREÇÃO DO EXAME DE DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e Ana Perestrelo de Oliveira

Isabel é gerente da sociedade ÓLEOS E AZEITES DO ALENTEJO, LDA., da qual são sócios Jaime,
Luísa e Maria, cada um titular de uma quota representativa de 33,33% do capital social da
sociedade. Esta enfrenta há já algum tempo sérias dificuldades financeiras. Por isso, Isabel
convidou os sócios da sociedade para jantar em sua casa e discutir o futuro da mesma.

Tentou convencê-los a investir mais dinheiro num aumento de capital para equilibrar as
contas, mas sem sucesso. Tentou então que aceitassem a realização de prestações
suplementares no valor de €150.000: seriam €50.000 por cada sócio, o que daria à justa para
equilibrar as contas. Jaime e Luísa aceitaram; Maria não. Passados uns dias, Isabel enviou
um e-mail a Maria a dizer que a mesma estava obrigada a realizar as prestações
suplementares. A tanto impunha a sua lealdade à sociedade. Para além disso, a vontade da
maioria dos sócios sobrepunha-se à sua.

Entretanto, para assegurar o pagamento dos impostos e contribuições à segurança social, bem
como dos salários aos trabalhadores (bem como a sua própria remuneração), Isabel foi
tentando convencer o BANCO DO CRÉDITO AGRÍCOLA (BCA) a assegurar uma linha de crédito
de apoio à tesouraria. Neste contexto, adulterou as contas da sociedade, para que estas dessem
uma melhor imagem da situação financeira da sociedade.

No meio desta situação calamitosa, surgiu uma luz ao fundo do túnel: Isabel foi contactada
por um importador chinês, interessado em importar grandes quantidades de azeite ao longo
dos próximos 5 anos. Magoada com a atitude de Maria, falou com Jaime e Luísa e os três
constituíram uma nova sociedade, com a firma PRODUTOS AGRÍCOLAS PARA EXPORTAÇÃO,
LDA., através da qual celebraram o contrato de fornecimento com o importador chinês.

1. Analise criticamente as iniciativas de Isabel junto dos sócios para fazer face às dificuldades
financeiras da sociedade, incluindo em especial o e-mail dirigido a Maria. (7 valores)

Tópicos:
Enquadramento da questão no âmbito do financiamento societário: Distinção entre capitais próprios
e capitais alheios e sua relevância na tensão entre a solvência e a insolvência. Apresentação, ainda
que sintética, das modalidades de capitais próprios: capital social, ágio ou prémio de emissão,
reservas, resultados transitados e prestações suplementares. Comparação crítica entre capital social,
prestações suplementares e suprimentos, na tensão entre as necessidades de financiamento da
sociedade e a predisposição dos sócios para a financiar.

Análise crítica do regime das obrigações de prestações suplementares: a constituição da obrigação


(por força do contrato, artigo 210.º CSC) e a exigibilidade da prestação (por força da deliberação dos
sócios, artigo 211.º CSC). A admissibilidade das prestações suplementares realizadas
voluntariamente pelos sócios, independentemente de qualquer previsão estatutária.

No caso, não havendo previsão estatutária, Maria não estava obrigada à realização das prestações
suplementares.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
TÓPICOS DE CORREÇÃO DO EXAME DE DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e Ana Perestrelo de Oliveira

A discussão dos sócios, durante o jantar em casa de Isabel, não consubstancia uma deliberação dos
sócios suscetível de alterar o contrato de sociedade. Não houve convocatória nos termos legais
(artigos 248.º/1 e 3 e 377.º/5, 6 e 8 CSC), nem parece ter havido consentimento unânime para
constituição de assembleia geral universal, pelo que a deliberação seria nula (artigo 56.º/1, a) CSC)
ou anulável (artigo 58.º/1, a) CSC) quando à posição que se tome relativamente à parte final da al.
a) do artigo 56.º/1 CSC. Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, esta parte final deve ser articulada com
o disposto no artigo 54.º CSC, pelo que a mera presença de todos os sócios não afasta a nulidade.

Em todo o caso, ainda que a assembleia se tivesse constituído validamente para deliberar, não foi
alterado o contrato de sociedade para prever obrigações de prestações suplementares, porquanto tal
alteração dependia de maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social (artigo 265.º/1 CSC),
o que não se verificou no caso: Maria tinha 33,33% do capital e opôs-se.

Por fim, a deliberação sempre seria ineficaz perante Maria nos termos do artigo 86.º/2 CSC, segundo
o qual «[s]e a alteração envolver o aumento das prestações impostas pelo contrato aos sócios, esse
aumento é ineficaz para os sócios que nele não tenham consentido».

Seria ainda valorizada a análise do dever de lealdade dos sócios e suas concretizações. No caso, a
concretização da lealdade teria de ser coerente com as coordenadas sistemáticas do artigo 86.º/2 CSC:
Maria não podia ser obrigada a financiar a sociedade.

2. Quando descobriu a verdadeira situação financeira da ÓLEOS E AZEITES DO ALENTEJO, LDA.,


o BCA cortou o crédito à sociedade — o que de imediato lhe causou graves danos por
impossibilidade de cumprimento pontual dos contratos firmados com fornecedores e das
obrigações para com o fisco e a segurança social — e intentou uma ação de
responsabilidade (i) contra a sociedade e (ii) contra a própria Isabel, pelos danos que esta
direta e indiretamente lhe causou. (7 valores)
Tópicos:

Enquadramento da pretensão perante a sociedade nas consequências da personificação: os atos


praticados pelos gerentes e administradores no exercício das suas funções, lícitos ou ilícitos, são
imputáveis à sociedade. Nestes termos, a sociedade responde pelo ato ilícito de Isabel como ato
próprio.

Enquadramento da pretensão contra Isabel nas regras de responsabilidade civil dos gerentes e
administradores perante terceiros: artigos 78.º e 79.º CSC.

O artigo 78.º prevê duas soluções para o ressarcimento dos danos indiretos, ou seja, aqueles que
decorram da insuficiência do património social para a satisfação dos créditos de terceiros: por um
lado, a ação de responsabilidade civil fundada na inobservância culposa de normas de proteção (legais
ou contratuais) a intentar diretamente pelo credor; por outro, a ação subrogatória que o credor poderá
intentar em nome da sociedade, reclamando a indemnização a que esta tenha direito (mas não tenha
exercido), nos termos dos arts. 606.º a 609.º CC. No presente caso releva a primeira solução: estamos
perante a responsabilidade de Isabel por violação de normas dirigidas à proteção dos credores. Trata-
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TÓPICOS DE CORREÇÃO DO EXAME DE DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e Ana Perestrelo de Oliveira

se de uma espécie típica de ilicitude, desenvolvimento da regra geral do artigo 483.º/1, 2.ª parte CC.
Discussão sobre a configuração das regras relativas à preparação das contas da sociedade como
normas de proteção dos credores, cuja violação fundamenta responsabilidade civil perante estes nos
termos do artigo 78.º CSC. Discussão sobre se no presente caso estaria verificado o pressuposto da
“dupla causalidade” entre a violação da norma de proteção e a diminuição da garantia patrimonial,
e entre esta e o dano sofrido pelo credor.
O artigo 79.º prevê a responsabilidade dos gerentes ou administradores, nos termos gerais, para com
sócios e terceiros, incluindo credores, pelos danos causados diretamente no exercício de funções.
Estão em causa os danos causados sem a interferência da sociedade (ainda que no exercício de
funções). Esta norma aplica-se não à afetação ilícita do património da sociedade, diminuindo a
garantia patrimonial dos credores, mas à atuação do administrador para além do seu vínculo de
representação orgânica. Esta, mesmo se invocada, é irrelevante. Discussão sobre se os danos causados
por Isabel ao adulterar as contas são ou não “danos diretamente causados”.

3. Maria está furiosa e quer que o tribunal declare o contrato de fornecimento com o
importador chinês como tendo sido celebrado com a ÓLEOS E AZEITES DO ALENTEJO, LDA.
e não com a outra sociedade entretanto constituída. Quid iuris? (6 valores)
Tópicos:

Enquadramento da pretensão no levantamento ou desconsideração da personalidade coletiva,


enquanto instituto jurídico mediante o qual são afastados determinados efeitos da personificação
coletiva na decisão de caso concreto, revelando assim os próprios limites materiais da personificação.
Seria valorizada a apresentação dos efeitos basilares da personificação, tal como enunciados pelo Prof.
Menezes Cordeiro.
De acordo com o Prof. Menezes Cordeiro, o fundamento do levantamento — abuso das regras da
personificação — concretiza-se em quatro grupos de casos: (i) confusão de esferas jurídicas;
(ii) subcapitalização; (iii) atentado a terceiros; e (iv) abuso de personalidade. Seria valorizada a
análise crítica destes grupos de casos.
Quanto aos seus efeitos, pode distinguir-se entre (i) levantamento da imputação; (ii) levantamento
da limitação de responsabilidade e (iii) levantamento de organização. Seria valorizada a análise
crítica desta sistematização dos efeitos do levantamento.
O presente caso podia ser enquadrado no atentado a terceiros ou no abuso de personalidade e os
efeitos pretendidos por Maria são próprios do levantamento da imputação: pretende que os efeitos do
contrato celebrado com o importador chinês não sejam imputados à sociedade criada e usada de forma
abusiva, mas sim à Óleos e Azeites do Alentejo, Lda.
DIREITO COMERCIAL II (Sociedades Comerciais)
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Prof. Doutor António Menezes Cordeiro / Ana Perestrelo de Oliveira
Exame Escrito (Coincidências) 28-jun.-2021
Duração: 90 minutos

Amílcar, Bernardo, Carlos, Durval e Elsa, constituíram, em 2010, a sociedade Entregamos Tudo,
S.A., que se dedica à entrega ao domicílio dos mais variados produtos de vestuário. Com o eclodir
da pandemia covid-19 e o mais do que previsível boom das plataformas de entregas ao domicílio, os
sócios decidiram realizar um aumento de capital, de modo a canalizar fundos para o projeto. Assim,
ficou acordado que:
a. Amílcar nada entregaria à sociedade por ocasião do aumento de capital, uma vez que tinha
um crédito sobre a sociedade no montante de EUR 50.000, em virtude da venda do imóvel
que serve de garagem para as motas dos estafetas, ficando «quite» com a Entregamos Tudo,
S.A.
b. Bernardo entrava com EUR 15.000, ainda que apenas estivesse vinculado a efetuar a
entrada quando «lhe fosse mais conveniente».
c. Carlos entraria com um imóvel, avaliado pela WarehouseReview em EUR 60.000.
d. Durval contribuiria com os seus conhecimentos de programação, recentemente adquiridos
num curso de gestão de apps e que estariam avaliados em EUR 20.000.
Elsa, por seu turno, nada entregaria à sociedade, visto que, segundo a própria, «teria sido melhor
recorrermos a outro tipo de financiamento, nunca a um aumento de capital, ao qual sempre me opus».
Em alternativa, no início de abril de 2020, Elsa emprestou EUR 150.000,00 à Entregamos Tudo,
S.A., tendo ficado acordado que o reembolso do montante mutuado seria devido uma vez
decorridos 14 meses desde a sua disponibilização. Acontece que Elsa, não obstante as insistências,
não conseguiu ainda que a Entregamos Tudo, S.A. lhe devolvesse o montante mutuado, ponderando
agora requerer a declaração de insolvência da sociedade.
Entretanto, com o avançar do desconfinamento e a gradual reabertura das grandes superfícies
comerciais, é convocada uma assembleia geral da Entregamos Tudo, S.A., com vista a discutir a
rentabilidade da aposta no ramo da entrega de refeições ao domicílio. Durval, sempre atento às
questões ambientais, aproveita a oportunidade para solicitar que lhe sejam prestadas informações
detalhadas sobre o impacto ambiental do tipo de pneus das motas e bicicletas utilizadas pelos
estafetas. Embalado, Durval pede ainda que lhe seja disponibilizado o Relatório e Contas do último
ano, com vista à análise das diversas rubricas do balanço.

1. Pronuncie-se quanto às entradas dos sócios a pretexto do aumento de capital da Entregamos


Tudo, S.A. (6 valores)
✓ Alusão ao regime do aumento de capital: artigos 87.º e ss. do CSC, em particular, artigo 89.º do CSC.
✓ Entrada de Amílcar: alusão e aprofundamento da problemática associada à proibição de compensação da
obrigação de entrada (cf. artigo 27.º, n.º 5 do CSC). Referência à possibilidade desta entrada ser
configurada como uma entrada em espécie e, por conseguinte, passar pelo crivo de um ROC (artigo 28.º do
CSC): caso assim não sucedesse, seria de aplicar o disposto no artigo 25.º, n.º 4 do CSC e, por conseguinte,
a entrada teria de ser realizada em dinheiro.
✓ Entrada de Bernardo: qualificação como entrada em dinheiro (artigo 20.º, alínea a), artigo 25.º, n.º 1 e
artigo 26.º, todos do CSC). Referência ao regime do diferimento das entradas em dinheiro nas SA (artigo
277.º, n.º 2 e artigo 285.º, n.º 1, ambos do CSC) e alusão à problemática da sujeição da realização da
obrigação de entrada a um facto incerto e indeterminado, ponderando a aplicação analógica do artigo 203.º,
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DIREITO COMERCIAL II (Sociedades Comerciais)
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Prof. Doutor António Menezes Cordeiro / Ana Perestrelo de Oliveira
Exame Escrito (Coincidências) 28-jun.-2021
Duração: 90 minutos
n.º 1 do CSC. Seria ainda valorizado o aprofundamento dos contornos da discussão em torno da
exigibilidade da obrigação de entrada à qual não tenha sido aposto prazo para a sua efetivação.
✓ Entrada de Carlos: qualificação como entrada em espécie (artigo 20.º, alínea a) e artigo 25.º, ambos do
CSC). Discutir a suficiência da avaliação realizada pela WarehouseReview, correlacionando este ponto
com a teleologia do regime previsto no artigo 28.º do CSC (necessidade de avaliação da entrada em espécie
por um ROC independente).
✓ Entrada de Durval: qualificação como entrada em indústria (artigo 20.º, alínea a) e artigo 25.º do CSC,
ambos do CSC) e análise da norma resultante do artigo 277.º, n.º 1 do CSC, com particular destaque
para a ratio que subjaz ao preceito.
✓ Elsa: referência ao artigo 86.º, n.º 2 do CSC, nos termos do qual «[s]e a alteração envolver o aumento
das prestações impostas pelo contrato aos sócios, esse aumento é ineficaz para os sócios que nele não tenham
consentido», concluindo pela inexigibilidade da obrigação de entrada relativamente a Elsa, em virtude da
falta de consentimento para o aumento de capital.

2. Pronuncie-se quanto aos pedidos de informação de Durval no decorrer da assembleia geral da


Entregamos Tudo, S.A. (4 valores)
✓ Pedido de informação sobre o impacto ambiental dos pneus - Aprofundamento do regime da prestação de
informações em AG, compreendendo: i) a referência ao artigo 290.º do CSC e, em particular, a enunciação
e explicação dos requisitos de admissibilidade do pedido de informações; ii) a análise do preenchimento do
requisito respeitante à necessidade de a informação solicitada ser necessária à formação da opinião
fundamentada dos sócios sobre os assuntos sujeitos a deliberação (a AG foi convocada com o propósito de
ser discutida a rentabilidade da aposta no ramo de negócio da entrega de refeições ao domicílio); iii) a
discussão em torno da razoabilidade de serem solicitadas, em sede de AG, informações técnicas e de gestão
pormenorizadas, bem como pedidos de informação que possam ser considerados desproporcionais, em face
dos custos na obtenção e apresentação da informação por parte da sociedade: aprofundamento do papel da
figura do abuso de direito neste contexto e da relevância da repartição de competências entre a AG e o
órgão de administração no seio das SA.
✓ Pedido de disponibilização do Relatório e Contas - Abordagem do tema da consumpção de previsões de
informação, em particular se deve ser repetida em AG informação disponível a coberto dos artigos 288.º
(no caso, artigo 288.º, n.º 1, alínea a)) e 289.º, ambos do CSC, apresentando, para tanto, as posições
doutrinárias em torno do tema.

3. Analise a viabilidade da pretensão de Elsa relativamente à declaração de insolvência da


Entregamos Tudo, S.A. (4 valores)
✓ Qualificação do empréstimo de Elsa como suprimento (artigos 243.º e ss. do CSC), devendo ser conferido
um especial destaque aos requisitos legais (em particular, o requisito da permanência) e à discussão em
torno da aplicabilidade analógica do regime legal dos suprimentos previsto para as SQ às SA, elencando
as posições doutrinárias a este respeito.
✓ Seria valorizado o aprofundamento das características dos suprimentos como capital quase-próprio, bem
como a explicitação das vantagens e desvantagens dos suprimentos em face de outras formas de
financiamento das sociedades comerciais (por exemplo, as prestações acessórias, as prestações suplementares,
o aumento de capital ou o financiamento externo, tipicamente junto de entidades bancárias).
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DIREITO COMERCIAL II (Sociedades Comerciais)
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Prof. Doutor António Menezes Cordeiro / Ana Perestrelo de Oliveira
Exame Escrito (Coincidências) 28-jun.-2021
Duração: 90 minutos
✓ Aprofundamento do regime dos suprimentos, com particular enfoque no artigo 245.º, n.º 2 do CSC («[o]s
credores por suprimentos não podem requerer, por esses créditos, a falência da sociedade»). Seria valorizado
o confronto da solução prevista no artigo 245.º, n.º 2 do CSC com a norma resultante do artigo 20.º, n.º
1 do CIRE, bem como as posições doutrinárias e os entendimentos jurisprudenciais a este respeito.

4. Elsa desconfia que a Entregamos Tudo, S.A. atravessa uma fase periclitante em termos
económicos, motivo pelo qual ainda não lhe foram reembolsados os EUR 150.000,00. Afinal,
soube-se há dias que os administradores da Entregamos Tudo, S.A. esbanjaram grande parte do
património da sociedade na aquisição de trotinetes que se vieram a revelar absolutamente
imprestáveis para a generalidade dos percursos dos estafetas. Quis iuris? (6 valores)
✓ Enquadramento do tema da aquisição das trotinetes no quadro dos deveres dos administradores,
englobando: i) a explicitação dos deveres gerais dos administradores contemplados no artigo 64.º, n.º 1 do
CSC; ii) o aprofundamento do dever procedimental de obtenção de informação adequada à tomada de
decisão.
✓ Seria ainda valorizada a discussão relativa à integração desta decisão empresarial na denominada
«discricionariedade empresarial» dos administradores, com os reflexos, em termos de sindicabilidade
judicial, que a rodeiam.
✓ Referência aos requisitos da responsabilidade civil dos administradores, em linha com o artigo 72.º, n.º 1
do CSC, complementando a análise com a menção à business judgement rule (cf. artigo 72.º, n.º 2 do
CSC) e às diversas colorações que lhe têm sido atribuídas pela nossa doutrina.
✓ Seria ainda valorizada a referência ao regime da destituição por justa causa dos administradores, em linha
com o artigo 403.º do CSC.

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
EXAME DE RECURSO DE DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e Ana Perestrelo de Oliveira
Duração: 90 minutos
22 de julho de 2021

A sociedade agrícola Quinta da Mata, Lda. tem 3 sócios: António e Bento, primos, e
Carlos.
Em dezembro de 2021, António, gerente único, decide dar um novo fôlego à sociedade:
deixa para trás a produção agrícola para se dedicar à realização de eventos, apostando nos
“loucos anos pós-covid”. Realiza então diversos contratos de comodato, relativos a todos os
tratores, já que estes deixavam de ser necessários, mas “convinha não ficarem a emperrar,
porque nunca se sabe”. Bento contesta a validade dos contratos por “nada renderem à
sociedade”, mas António defende-se alegando que tudo tinha sido combinado entre os dois
à margem do contrato de sociedade, pelo que “é uma surpresa e um abuso” a atitude de Bento,
e que de certeza foi só por causa de uma zanga familiar que entretanto ocorreu.
Carlos, que andava pelo estrangeiro e devido à pandemia pouco acompanhou a vida
societária, quando soube o que se passava, juntou-se numa reunião zoom com Bento e
decidiram por unanimidade destituir António com justa causa e propor uma ação de
responsabilidade civil contra ele. Bento e Carlos assegurariam a gestão até encontrarem
alguém adequado. Tudo voltaria ao normal, mas seria necessária uma nova injeção de
dinheiro. Fica então decidido que iriam promover um aumento de capital por novas entradas.
Assim foi: foi convocada a assembleia geral nos termos legais e regulamentares e a
deliberação de aumento foi considerada aprovada com o voto de Bento e Carlos. Nesta
sequência, entrou para a sociedade Duarte, que realizou uma entrada em dinheiro de 20000€,
aproveitando a folga financeira decorrente de ter recebido o valor de 20000€ pela venda de
adubos e outros materiais.

1. Bento tem fundamento e legitimidade para contestar a validade dos contratos? (7


valores)

— Fundamento: Contratos de comodato são atos gratuitos, pelo que se coloca o


problema da capacidade da sociedade para a sua prática (artigo 6.º/1 e 2 CSC):
discussão sobre a vigência ou não de um princípio de especialidade. No
primeiro caso, os contratos seriam nulos, pois não estão preenchidas as
condições para a prática de liberalidades (artigo 294.º/280.º CC); de acordo com
a posição que sustenta a superação do princípio da especialidade, o ato é válido.
Existe, isso sim, violação dos deveres do gerente.
— Legitimidade: acordo parassocial entre sócio e sócio-gerente respeitante a
questões de administração. É nulo por violação do artigo 17.º/2. De qualquer
maneira só produziria efeitos inter partes. Também não se pode invocar o
instituto geral do abuso do direito (artigo 334.º CC) para impedir o pedido de
declaração de nulidade, sob pena de se frustrar a ratio das limitações à validade
e eficácia dos acordos parassociais.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
EXAME DE RECURSO DE DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e Ana Perestrelo de Oliveira
Duração: 90 minutos
2. A deliberação de destituição e de proposição da ação de responsabilidade civil de
António é válida e tem fundamento? (7 valores)
— Violação dos deveres do administrador é justa causa de destituição (artigo 257.º/6) e
gera responsabilidade civil (artigos 64.º e 72.º), podendo os sócios deliberar a
proposição de ação pela sociedade nos termos do artigo 78.º (ação social ut universii)
— Quer a destituição quer a proposição de ação de responsabilidade civil carecem de ser
validamente deliberadas pelos sócios por maioria simples (artigo 257.º/2).
— Possibilidade de reuniões da assembleia geral por meios telemáticos (artigo 377.º/6,
b), ex vi do artigo 248.º/1)
— Não há assembleia universal pois teriam de estar os 3 sócios (artigo 54.º).
— É verdade que o sócio-gerente está impedido de votar (artigo 251.º/1, b) e f)) mas não
pode ser impedido de estar presente (artigo 248.º/5)
— A deliberação é nula por falta de convocação (e não estavam presentes todos os
sócios): artigo 56.º/1, a)

3. António quer invalidar a deliberação de aumento de capital, incluindo a entrada de


Duarte: não só considera que a deliberação não podia ter sido aprovada sem o seu
voto, como entende que a entrada de Duarte “é uma fraude”. Quid juris? (6 valores)

— António tem razão. Falta da maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital


social para aumento de capital (artigo 256.º), pelo que a deliberação é anulável:
artigo 58.º/1, a).
— A entrada de Duarte reclama a aplicação do artigo 29.º, uma vez que pouco antes do
contrato de sociedade tinha sido adquirido um motocultivador a Duarte, existindo o
risco de ser esta, afinal, a real entrada de Duarte (entrada em espécie não avaliada).
Teria de haver avaliação por ROC.
DIREITO COMERCIAL II (Sociedades Comerciais)
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Prof. Doutor António Menezes Cordeiro / Ana Perestrelo de Oliveira
Exame de Recurso (Coincidências) 28-jul.-2021
Duração: 90 minutos

Ana, David, Hélder, Mariana e Zélia, constituíram, em 2015, a sociedade Distribuidora de Motores
Elétricos, S.A., que se dedicava à importação e comercialização de motores elétricos para veículos
pesados e que, a coberto dos Estatutos, estaria em atividade durante 15 anos.
Em 2020, os cinco sócios embarcaram numa viagem de team building e, à entrada para o Museu de
Orsay em Paris, Ana propôs que deliberassem, enquanto esperavam na fila para a compra de
bilhetes, a introdução da seguinte Cláusula nos Estatutos da Distribuidora de Motores Elétricos, S.A.:
«Não há lugar à distribuição de lucros de exercício.» (Cláusula 8)
David, pretendendo disfrutar ao máximo da Cidade da Luz, recusa-se a deliberar o que quer que
fosse, propondo a Ana que se preocupasse com o tema aquando do regresso do coletivo a Portugal.
Já no final do ano de 2020, David vendeu a sua participação social na Distribuidora de Motores
Elétricos, S.A. a Bernardo e constituiu a sociedade Hotel Paraíso, Unipessoal Lda., na sequência do
sugerido pelos seus pais, que pretendiam vender-lhe um terreno sem que o outro filho (Francisco)
se intrometesse.
Entretanto, desde a entrada de Bernardo para o capital social da Distribuidora de Motores Elétricos,
S.A. que a vida dos restantes sócios tem sido um rebuliço constante. Agora, Bernardo pretende
que a Distribuidora de Motores Elétricos, S.A. faça uma doação no valor de EUR 100.000,00 à
Associação Apoiar Quem Precisa, que tem visto os pedidos de ajuda aumentar substancialmente
desde o eclodir da pandemia Covid-19.

1. Suponha que, não obstante a oposição de David, foi deliberada a alteração aos Estatutos nos
termos expostos em texto: de que vícios inquina a deliberação? (8 valores)
- Relevância da recusa de David em deliberar: a discussão dos sócios, enquanto esperavam na fila do
Museu de Orsay, não consubstancia uma deliberação dos sócios suscetível de alterar o contrato de
sociedade. Não houve convocatória nos termos legais (artigo 377.º do CSC), pelo que a deliberação
seria nula (artigo 56.º/1, a) CSC) ou anulável (artigo 58.º/1, a) CSC), consoante a posição que se
tome relativamente à parte final da al. a) do artigo 56.º/1 CSC (isto é, quanto à suficiência de estarem
presentes todos os sócios): coordenar a resposta com o disposto no artigo 54.º/1 do CSC.

- Previsão contratual de não distribuição de lucros de exercício: enquadramento do problema na


temática do direito dos sócios ao lucro (artigo 21.º, a), artigo 22.º e artigo 294.º, todos do CSC),
conjugando com a alusão e análise crítica da proibição dos pactos leoninos (cf. artigo 22.º/3 do CSC);
distinção entre os diversos tipos de lucro, com especial destaque para o confronto entre lucros de
exercício e lucros de balanço; exposição das diversas correntes doutrinárias em torno da validade das
cláusulas que excluem a distribuição de lucros de exercício e os fundamentos que as suportam:
relevância – a existir – de a sociedade ter sido constituída por 15 anos (sociedade de duração
determinada).

2. Francisco tinha margem para reagir à venda do terreno pelos seus pais à Hotel Paraíso, Unipessoal
Lda.? (6 valores)

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DIREITO COMERCIAL II (Sociedades Comerciais)
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Prof. Doutor António Menezes Cordeiro / Ana Perestrelo de Oliveira
Exame de Recurso (Coincidências) 28-jul.-2021
Duração: 90 minutos
- Enquadramento da questão na temática do levantamento ou desconsideração da personalidade
coletiva: explicação da figura e concretização – com análise crítica – em grupos de casos. O presente
caso – em que se pretendia contornar o disposto no artigo 877.º do Código Civil – podia ser
enquadrado no atentado a terceiros ou no abuso de personalidade, tendo Francisco margem para
peticionar que os efeitos do contrato de compra e venda do terreno não sejam imputados à sociedade
criada – a Hotel Paraíso, Unipessoal Lda. –, mas sim a David.

3. Pronuncie-se sobre os problemas em torno da doação à associação Alimentar os mais carenciados.


(6 valores)
- A doação é um ato gratuito, pelo que se coloca o problema da capacidade da sociedade para a sua prática
(artigo 6.º/1 e 2 CSC): discussão sobre a vigência ou não de um princípio de especialidade, com enunciação e
explicação das diversas correntes sobre o tema. O avaliando devia ainda conjugar a discussão anterior com o
tema da validade das doações praticadas por sociedades comerciais, destacando, em particular, que para as
posições que defendem a superação do princípio da especialidade a doação relatada no caso prático seria válida
(o que não significa que não pudesse originar responsabilidade dos titulares dos órgãos de administração). Seria
ainda valorizada a menção às posições que erigem determinados requisitos a condição de validade das doações
praticadas por sociedades comerciais, em articulação com as pistas normativas decorrentes do artigo 6.º/2 do
CSC.

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
TÓPICOS DE CORREÇÃO DO
EXAME DE DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS) - ÉPOCA ESPECIAL
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e Ana Perestrelo de Oliveira
15 de setembro de 2021 | 90 minutos

A GOMES & SANTOS, S.A. produz, há mais de 40 anos, sapatos para homem de alta qualidade. Foi
inicialmente fundada por dois amigos, António Gomes e Bernardo Santos, numa parceria com
posições paritárias. Atualmente, as ações representativas do seu capital social estão nas mãos dos
respetivos filhos: Cecília, Diogo e Elisabete Gomes são titulares de 16,67% cada um (totalizando
50%); Filipa e Gonçalo Santos são titulares de 25% cada um (totalizando 50%). O conselho de
administração é composto por Cecília Gomes (presidente) e Filipa Santos (vogal).
No âmbito do programa Portugal 2020, a sociedade beneficiou de fundos europeus (incentivos não
reembolsáveis) para remodelação e modernização da sua fábrica em São João da Madeira. A 31
de janeiro de 2020, Filipa, que tinha estado completamente alheada da gestão diária da sociedade,
escreveu um email a Cecília a dizer que não concordava com a forma como os referidos incentivos
tinham sido contabilizados nas contas de 2019 da sociedade. Foi ao ponto de escrever que as contas
estavam “manipuladas”, que não podia ser conivente com essa situação e que, por isso, renunciava
ao seu cargo de administradora. E acrescentou: «não assino mais nada em nome da sociedade!».
Cecília ficou estupefacta. Está segura de que os incentivos estão corretamente contabilizados
(pediu, aliás, ao ROC da sociedade que confirmasse a correção deste ponto em particular) e está
muito preocupada: a sociedade tem contratos para assinar urgentemente, para assegurar o
calendário de investimentos a que se obrigou no âmbito do programa Portugal 2020, e sem a
assinatura de Filipa não o pode fazer. Os seus receios confirmaram-se: o calendário de
investimentos atrasou-se e, no final de 2020, a sociedade teve de devolver ao Estado € 500.000 de
incentivos que havia recebido.
Cecília ficou ainda mais estupefacta quando percebeu que Filipa renunciou, a 31 de janeiro de
2020, porque se queria dedicar a um projeto concorrente, desenvolvido com os seus irmãos, através
da IRMÃOS SANTOS S.A. De facto, logo em abril de 2020, esta sociedade ficou com um cliente
chinês que rendia anualmente à GOMES & SANTOS, S.A. cerca de € 2.000.000.
1. Cecília acha que Filipa deve ressarcir a GOMES & SANTOS, S.A. pelos danos decorrentes dos
termos em que renunciou. Quid iuris? (7 valores)
Tópicos:
Enquadramento da conduta de Filipa enquanto administradora da GOMES & SANTOS, S.A.: a
obrigação de administrar a sociedade (art. 405.º CSC) com a diligência de um gestor
criterioso e ordenado [art. 64.º/1, a) CSC].
O sentido dos deveres de cuidado previstos no art. 64.º/1, a) CSC (e não só) como
concretização daquela obrigação.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
TÓPICOS DE CORREÇÃO DO
EXAME DE DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS) - ÉPOCA ESPECIAL
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e Ana Perestrelo de Oliveira
15 de setembro de 2021 | 90 minutos

O sentido do dever de lealdade [art. 64.º/1, b) CSC] como vinculação à sobreordenação do


interesse da sociedade relativamente a outros interesses em presença e sua articulação com
a obrigação de administrar com diligência.
Em primeiro lugar, Filipa tinha estado completamente «alheada da gestão diária da
sociedade», incumprindo a sua obrigação de diligente administração e, em particular, o seu
dever de informação estrutural (obter conhecimento da atividade da sociedade adequado às
suas funções).
Em segundo lugar, perante as alegadas irregularidades das contas, Filipa, em vez de reagir
no sentido de salvaguardar o interesse da sociedade e promover as correções às contas que
entendia necessárias, limitou-se a renunciar, abandonando assim a sociedade. A renúncia
não traduz cumprimento da obrigação de administração.
Em terceiro lugar, ao afirmar que não assinava mais nada em nome da sociedade, pôs em
causa o funcionamento da mesma, novamente em incumprimento da sua obrigação de
diligente administração. Com efeito, nos termos do art. 404.º/2 CSC, a renúncia só produz
efeitos no final do mês seguinte àquele em que tiver sido comunicada. Até lá, Filipa devia ter
cumprido diligentemente os seus deveres.
Em quarto lugar, na medida em que a razão que levou Filipa a abandonar a sociedade nestes
termos foi a promoção de um negócio concorrente, está também em causa a violação do seu
dever de lealdade para com a sociedade.
Filipa era responsável perante a sociedade nos termos do art. 72.º/1 CSC, a menos que
demonstrasse ter atuado sem culpa (o que parece difícil no presente caso). A sociedade podia
intentar ação social nos termos do art. 75.º CSC.
2. Cecília acha também que todos os irmãos Santos foram desleais e, por isso, são igualmente
responsáveis pela perda de rendimento da GOMES & SANTOS, S.A. decorrente do desvio de
clientela. Analise esta questão na tensão entre o regime legal das sociedades por quotas e das
sociedades anónimas. (6 valores)
Tópicos:
Enquadramento do caso nos deveres de lealdade dos sócios e, em particular, dos acionistas
das sociedades anónimas. Origem e fundamento destes deveres.
Alcance e concretizações típicas. Grupos de casos: (1) Controlo das deliberações da maioria
e do exercício do direito de voto (incluindo por minoritários); (2) Limitação do exercício de
outros direitos sociais (maxime, o direito de ação); (3) Deveres na aquisição e alineação de
participações sociais; (4) Deveres de conduta no mercado de capitais; (5) Deveres de não
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
TÓPICOS DE CORREÇÃO DO
EXAME DE DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS) - ÉPOCA ESPECIAL
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e Ana Perestrelo de Oliveira
15 de setembro de 2021 | 90 minutos

concorrência (em determinados casos); e (6) Deveres de não apropriação de oportunidades


de negócio (em determinados casos).
Contrariamente ao verificado a propósito das sociedades civis (artigo 990.º CC), das
sociedades em nome coletivo (artigo 180.º CSC) e das sociedades em comandita simples
(artigo 474.º CSC), a lei não imputa expressamente aos sócios das sociedades por quotas e
anónimas uma proibição de concorrência com a sociedade.
Não obstante, alguma doutrina tem estendido o dever de não concorrência aos sócios dos
vários tipos societários, por aplicação analógica não só do referido artigo 180.º CSC, mas
também dos artigos 254.º e 398.º/3, relativos aos gerentes e administradores de sociedades
por quotas e anónimas. Não seria uma extensão indiscriminada: seria limitada aos casos em
que a mesma envolva um perigo agravado em relação ao normal exercício de atividade
concorrente. (Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de governo das sociedades, 2017, 151-
152).
Havendo incumprimento do dever de lealdade, há responsabilidade dos acionistas perante a
sociedade nos termos gerais do art. 798.º CC.
3. Entretanto, para assegurar uma resposta urgente às dificuldades financeiras da GOMES &
SANTOS, S.A., decorrentes de toda esta situação, Cecília está a equacionar diferentes
modalidades de financiamento da sociedade pelos seus acionistas. Analise estas diferentes
modalidades, na tensão entre o interesse da sociedade e o interesse dos sócios. (7 valores)
Tópicos:
Enquadramento da questão nas diferentes modalidades de financiamento das sociedades
comerciais pelos sócios e, em particular, na distinção entre capitais próprios e capitais
alheios.
Cada uma destas modalidades traduz um específico equilíbrio do interesse da sociedade e do
interesse dos sócios enquanto financiadores. A sociedade tem preferência por soluções de
capitais próprios (gratuitas: sem juros) não reembolsáveis (capital social) ou reembolsáveis
apenas em termos tais que assegurem a proteção dos credores, para assim assegurar maior
solidez financeira (solvência: vide art. 3.º/2 CIRE). Não sendo tal possível — porque os sócios
querem ser reembolsados nalgum momento futuro ou querem ser remunerados pelo seu
investimento (juros) — então a sociedade tem de financiar-se com capitais alheios.
Na perspetiva da sociedade, a ordem de preferência é então tipicamente a seguinte: (1)
financiamento através de um aumento do seu capital social (arts. 85.º a 89.º e, eventualmente,
art. 456.º CSC); (2) a realização de prestações suplementares pelos sócios (em cumprimento
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
TÓPICOS DE CORREÇÃO DO
EXAME DE DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS) - ÉPOCA ESPECIAL
3.º Ano – Turma A - 2020/2021
Regência: Profs. Doutores António Menezes Cordeiro e Ana Perestrelo de Oliveira
15 de setembro de 2021 | 90 minutos

de obrigação estatutária ou realizadas voluntariamente) (arts. 210.º a 213.º CSC – discussão


da sua aplicabilidade às sociedades anónimas); (3) a realização de suprimentos pelos sócios
(em cumprimento de obrigação estatutária — obrigação de realização de prestações
acessórias, art. 244.º/1 CSC — ou realizados voluntariamente; discussão da sua
aplicabilidade às sociedades anónimas) que, por natureza, têm carácter de permanência
(arts. 243.º a 245.º CSC); (4) a contratação de um empréstimo comum a curto prazo junto
dos sócios (arts. 1142.º ss. CC e 394.º a 396.º CCom).
É valorizada a exploração de traços típicos de regime de cada uma destas modalidades de
financiamento.
DIREITO COMERCIAL II - SOCIEDADES COMERCIAIS
3.º Ano – Turma B – Ano Letivo 2019/2020
Regência: Prof. Doutor António Menezes Cordeiro | Prof. Doutor Januário da Costa Gomes
Exame de Época Normal (02 de julho de 2020)
Duração: 2h00m + 0h10m (tolerância)

Grupo I (8 valores)
Ana, Bruna, Carlos e Diogo constituíram a sociedade Fazemos Tudo, Lda., destinada à produção e
comercialização de material informático. Para o efeito, Ana contribuiu com um imóvel, avaliado em EUR
170.000,00, enquanto cada um dos restantes sócios entrou com EUR 10.000,00 em dinheiro.
No contrato de sociedade, Eva foi designada gerente e estipulou-se que a sua remuneração corresponderia
a um valor mensal fixo. Todavia, foi posteriormente celebrado um acordo, assinado por todos os sócios e
pela gerente, no qual se estabeleceu que os administradores têm direito a um prémio anual, correspondente
a 3% do lucro de exercício da sociedade (caso este exista).
1. O contrato de sociedade foi celebrado por escrito, com reconhecimento presencial das assinaturas
de cada um dos sócios, e posteriormente registado. Duas semanas depois, Carlos alega que se
encontrava «sob tratamento médico, assente em sedativos, e sem qualquer noção do que se estava a passar» no
momento da sua celebração, e que apenas aceitou avançar com a ideia por não querer ferir a
suscetibilidade do seu amigo, Diogo. Pronuncie-se quanto à (in)validade o contrato de sociedade e
respetivas consequências. (3 valores)
a) quanto à forma do contrato: (i) exigência de escritura pública, tendo em conta a entrada de Ana
com um bem imóvel (artigos 7.º, n.º 1 do CSC e 875.º do CC); (ii) nulidade do contrato após o
registo (artigo 42.º, n.º 1, alínea e) do CSC): discussão quanto à natureza (in)sanável do vício (por
um lado, artigo 42.º, n.º 2 a contrario do CSC; por outro lado, artigos 172.º e 173.º do CSC); (iii)
efeitos e legitimidade para arguir a nulidade, à luz do princípio favor societatis;
b) quanto aos argumentos de Carlos: (i) ponderação acerca da integração da incapacidade acidental
(artigo 257.º do CC) enquanto vício subsumível no artigo 45.º, n.º 1 do CSC (não se aplicaria o
artigo 45.º, n.º 2 do CSC, porquanto não se trata de um estado de incapacidade stricto sensu); (ii)
irrelevância do temor reverencial (artigo 255.º, n.º 3 do CC); (iii) efeitos: exoneração do sócio (artigo
240.º do CSC) e não a anulação do contrato (que seria consumida pela nulidade).

2. Enquanto gerente, Eva celebrou um contrato com a sociedade Armazéns do Félix, Lda., com vista à
aquisição de um armazém que serviria para guardar ferramentas e equipamento, pelo preço de EUR
150.000,00. Mais tarde, descobriu-se que o armazém foi comprado a um valor muito superior ao
preço normal de mercado (EUR 95.000,00) e que Eva aceitou a proposta do vendedor porque um
dos sócios é o seu marido. Por isso, a sociedade Fazemos Tudo, Lda pretende: (i) adotar todos os
possíveis meios de reação contra a conduta de Eva, e (ii) recusar o pagamento do prémio anual,
apesar de o lucro de exercício ter sido de EUR 200.000,00. Quid juris? (5 valores)
a) quanto ao status de Eva enquanto gerente: designação (artigo 252.º do CSC), remuneração (artigo
255.º do CSC), poderes de gestão e de representação (artigos 259.º ss. do CSC);
b) quanto à compra do armazém: análise da violação do dever de lealdade (artigo 64.º, n.º 1, alínea b)
do CSC) e seus fundamentos; em particular, o dever de aproveitamento de oportunidades de
negócio em benefício da sociedade;

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c) quanto aos meios de reação da sociedade contra Eva: (i) responsabilidade do administrador perante
a sociedade: pressupostos (artigo 72.º do CSC); e (ii) destituição de Eva fundada em justa causa:
discussão quanto ao conceito relevante de justa causa, à luz do artigo 257.º, n.º 6 do CSC (tese
civilista vs. tese laboral);
d) quanto ao pagamento do prémio anual: (i) qualificação do acordo celebrado entre Eva e os sócios
como um acordo parassocial omnilateral e atípico: discussão quanto à sua (in)admissibilidade; (ii)
limites dos acordos parassociais: em particular, a não contrariedade à lei (e.g., aplicação dos artigos
32.º e 33.º do CSC – distinção entre «lucro de exercício» e «lucro distribuível») e o artigo 17.º, n.º 2
do CSC (in casu, não influenciaria a conduta da gerência); (iii) eficácia meramente obrigacional
(contrariamente ao contrato de sociedade) e discussão quanto à (in)admissibilidade de execução
específica; (iv) incumprimento gera responsabilidade obrigacional (artigo 798.º do CC).

Grupo II (8 valores)
António e Berto são dois dos cinco sócios da Smart TV, S.A. Atendendo à atual crise, acreditam que a
melhor forma de continuar a laborar é fundirem-se com a sociedade 4K LCD, Lda., que tem como sócios
Felisberto e Guilhermina (cada um com uma quota de 50%).
Assim, António, administrador único da Smart TV, começou a ultimar o projeto de fusão com
Guilhermina, gerente única da 4K LCD, o qual, depois de cumpridas as formalidades necessárias, foi
registado no dia 9 de junho de 2020. Logo aí, ambas as sociedades convocaram uma Assembleia Geral para
o dia 1 de julho para aprovarem a fusão, nos termos da qual a Smart TV absorveria a 4K LCD, sendo paga
uma compensação a Guilhermina de EUR 10.000,00 por deixar de exercer funções de administração.
1. Como forma de convencer Felisberto a aprovar a fusão, a Smart TV resolve pagar uma dívida de
Felisberto a Hélder, através da entrega de um imóvel no valor de EUR 75.000,00. Ivo, trabalhador
da Smart TV, teme que tal ato comprometa a continuação da sociedade e resolve aconselhar-se
consigo. Quid Iuris? (3 valores)
a) análise da capacidade da sociedade: superação do princípio da especialidade;
b) integração do pagamento da dívida como ato gratuito e ponderação da sua validade de acordo com
o artigo 6.º, n.º 3, do CSC e as diversas posições jurídicas sobre o assunto (designadamente, a
necessidade de interpretação de acordo com o artigo 9.º da Diretriz (UE) 2017/1132 do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017);
c) análise da legitimidade de Ivo para impugnar o ato, designadamente no que tange ao ónus da prova
do “interesse próprio” da sociedade (caso se conclua pela não validade pela inexistência de
“interesse próprio”, ponderação da integração no conceito de “grupo de facto” no contexto do
artigo 6.º, n.º 3 do CSC, tendo em atenção o processo de fusão em curso).

2. Durante a assembleia geral da Smart TV, S.A., Berto resolve propor que se delibere retirar a
compensação a pagar a Guilhermina em virtude do projeto de fusão, porque entende que, de acordo
com as regras legais, tal seria inadmissível e que, em virtude da perda de metade do capital social da
Smart TV, não era recomendável. Todos concordam em discutir a matéria, mas António não
concorda com a proposta e vota contra. António resolve pedir a declaração de invalidade da
deliberação por considerar que o ponto em causa não estava na convocatória da assembleia geral e
que não poderia ser deliberado. Pronuncie-se sobre: (i) os argumentos de Berto, e (ii) a validade da
deliberação de Smart TV. Pode a fusão, ainda assim, concretizar-se? (5 valores)
a) qualificação da fusão, na modalidade de fusão por incorporação – 97.º, n.º 4, alínea a) do CSC;

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b) quantos aos fundamentos de Berto: (i) quanto à questão da compensação a pagar a Guilhermina –
integrar a questão ao abrigo do artigo 97.º, n.º 5, do CSC (e respetiva análise da ratio do preceito) e
à luz do princípio do tratamento igualitário entre sócios; (ii) quanto à perda de metade do capital
social – regime do artigo 35.º do CSC e impacto da informação no processo de fusão nos termos
do artigo 102.º, n.ºs 1 e 2 do CSC;
c) quanto aos fundamentos invocados por António: análise do regime das assembleias universais e
respetivos requisitos do artigo 54.º do CSC, que parecem estar verificados no caso. Não parece
existir outros fundamentos para invalidade da deliberação;
d) quanto à concretização da fusão: (i) incumprimento do prazo de convocatória previsto no artigo
100.º, n.º 2 e respetiva relação com o 101.º-A e o regime da impugnação da fusão pelos credores
da sociedade; (ii) 102.º, n.º 3 do CSC – tendo os projetos de fusão de ser deliberados por ambas as
sociedades exatamente nos mesmos termos, a deliberação de retirar a compensação a Guilhermina
equivalia a rejeição da proposta.

Grupo III (4 valores)

Comente, de modo crítico e fundamentado, uma (e apenas uma) das seguintes afirmações:
1. «A obrigação de entrada não limita a possibilidade de poderem ser impostas outras contribuições
aos sócios, designadamente emergentes dos deveres de lealdade».
a) caracterização da obrigação de entrada e respetivos enquadramento no artigo 20.º, alínea a) do
CSC e integração no status do sócio;
b) tomada de posição sobre os deveres de lealdade dos sócios e respetiva admissibilidade à luz da
doutrina atual;
c) caracterização de outras modalidades de contribuições dos sócios além da obrigação de entrada:
(i) prestações acessórias; (ii) prestações suplementares e (iii) suprimentos; indicação de outras
modalidades (e.g., a obrigação de adequação do capital social à atividade a desenvolver pela
sociedade, nomeadamente com necessidade de aumento do capital social).

2. «É controvertido qual o regime aplicável aos sócios minoritários que, no exercício do seu direito de
voto, e sem qualquer interesse legítimo, obstam à tomada de decisões essenciais para a sociedade».
a) caracterização das deliberações anuláveis por voto abusivo e respetivo enquadramento à luz do
artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CSC: análise dos pressupostos;
b) discussão quanto à articulação entre o instituto do abuso de direito (artigo 334.º do CC) e as
deliberações por voto abusivo: reflexão com base nas posições doutrinárias relevantes e na prática
jurisprudencial mais recente;
c) tomada de posição quanto ao regime aplicável aos “abusos de minoria”: (i) por um lado, o “teste de
resistência” e a responsabilidade solidária dos sócios que formaram maioria (artigo 58.º, n.º 3 do
CSC) indiciam que apenas os casos de “abuso de maioria” se enquadram no artigo 58.º, n.º 1, alínea
b) do CSC; (ii) por outro lado, a ratio do regime em invalidar deliberações de natureza emulativa é
conforme ao desvalor atribuído a estes casos de “abuso de minoria”.

3/3
DIREITO COMERCIAL II - SOCIEDADES COMERCIAIS
3.º Ano – Turma B – Ano Letivo 2019/2020
Regência: Prof. Doutor António Menezes Cordeiro | Prof. Doutor Januário da Costa Gomes
Exame de Recurso (30 de julho de 2020)
Duração: 2h00m + 0h10m (tolerância)

Grupo I (8 valores)
André, Beatriz, Carmo, Daniel e Eva, amigos de longa data, organizaram-se e começaram a fazer entregas ao
domicílio dos mais variados produtos através de uma App (já patenteada) que Carmo desenvolveu.
Em 2020 decidiram que o melhor seria oficializar a atividade e logo em janeiro celebraram o contrato de sociedade,
dando lugar à TocaFoge, SA, contudo, e dado o contexto pandémico que rapidamente se fez sentir, só conseguiram
concluir o registo da sociedade em maio.
Para efeitos da constituição da sociedade, Carmo entraria com a App que desenvolveu, e que servia de base à
atividade societária, já Eva entendia que nada mais precisaria de entregar porque tinha um crédito sobre a sociedade
no valor de EUR 125.000, por um imóvel que lhe vendera, e assim “ficariam quites”. Todos os outros sócios
contribuiriam com EUR 100.000, em dinheiro.

1. Embora Daniel só conseguisse entrar com EUR 10.000 de imediato, comprometeu-se a entregar os
restantes EUR 90.000, “assim que fosse conveniente para si”. Carmo sente-se indignada com a atitude de
Daniel por entender que este não quer assumir o compromisso coletivo e avisa-o de que assim não poderá
ser sócio. Ademais, também Carmo pretende agora adiar a sua entrada para daí a 4 meses, por forma a ter
a certeza se quer mesmo entrar para a sociedade, em particular depois de constatar a resistência de Daniel
em efetuar a respetiva entrada.
Aprecie as entradas realizadas pelos sócios e os argumentos de Carmo. (4 valores)

a. Entrada de Carmo e Eva: qualificação das entradas como sendo entradas em espécie (art. 20º, a)
CSC);
b. Problemática da entrada em espécie de Eva (por se tratar de um crédito que aquela detinha sobre
a sociedade) – alusão e aprofundamento da problemática associada à proibição de compensar a
obrigação de entrada (art. 27º, nº5 CSC); referência à possibilidade da admissibilidade desta entrada
ser compreendida como entrada em espécie e, consequentemente, sujeita a controlo do ROC (art.
28º CSC) – a assim não suceder: aplicação do art. 25º, nº4 CSC e consequente necessidade de a
entrada ser realizada em dinheiro.
c. Entrada dos restantes sócios: (i) qualificação das entradas como sendo entradas em dinheiro; (ii)
problemática do diferimento da entrada em dinheiro de Daniel: 1. admissibilidade de diferimento
(art. 277º, nº2 CSC) e alusão à querela relativa à limitação dos 70% (isto é, se a limitação tem por
referência o valor global das entradas de todos os sócios ou o valor individual da entrada cada
sócio) e aplicação ao caso concreto, consoante a tomada de posição, e 2. problemática da sujeição
da realização da obrigação de entrada a um facto incerto e indeterminado (“assim que fosse
conveniente para si”) – alusão à discussão doutrinária relativa ao regime a aplicar nestas situações
e tomada de posição (com necessária referência, independentemente da posição adotada, à
limitação temporal do diferimento das obrigações de entrada em 5 anos – art. 285º CSC.).
d. Quanto aos argumentos de Carmo: (i) obrigação de entrada como uma das obrigações essenciais
do sócio, da qual depende a atribuição do status de sócio e traduz, nessa medida, o nível de empenho
do mesmo; (ii) problemática do diferimento das obrigações de entrada em espécie (art. 26.º, n.º 1
CSC).

2. Francisco, amigo de longa data de André, vendera, em fevereiro, dois veículos à sociedade para otimização
das entregas ao domicílio. O valor das viaturas (EUR 30.000), nunca chegou a ser pago, e agora, Francisco
quer exigi-lo a André – diz Francisco que “já estamos em julho e nada de pagamentos!”. André defende-se com o
argumento de que nada lhe deve pois foi a sociedade que lhe comprou os automóveis, não ele.
Gustavo, advogado responsável pela constituição da sociedade, aproveita o alvoroço, esfrega as mãos e
vem também reclamar a André os seus honorários. Quid iuris? (4valores)

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a) Quanto à pretensão de Francisco: (i) a dívida é contraída num momento em que a sociedade ainda não
se encontra registada (sociedade irregular por formação: alusão ao art. 40º CSC); (ii) aprofundamento
das diferentes interpretações sobre o art. 40º, nº1 CSC e tomada de posição, em particular no que
respeita à admissibilidade de invocação do benefício da excussão prévia.
b) Possibilidade de assunção da dívida pela sociedade nos termos do art. 19º, nº1, c) ou nº2 CSC e art.
40º, nº2 CSC, dado que a sociedade é registada em maio e a dívida é exigida em julho.
c) Quanto aos honorários do advogado responsável pela constituição da sociedade: referência ao art. 19º,
nº1 a) e nº4 CSC e diferentes interpretações sobre os mencionados preceitos; consoante posição
adotada, conclusão pela admissibilidade de Gustavo dever solicitar o pagamento à sociedade TocaFoge,
SA (e não a André).

Grupo II (8 valores)
Ana, Bárbara e Carlos são três dos sócios da TransMaris, SA, sociedade que se dedica à comercialização de produtos
turísticos, principalmente viagens internacionais. Durante uma assembleia geral, os accionistas deliberaram (i)
constituir uma hipoteca sobre um terreno da sociedade, a pedido da MediaPublic (uma agência publicitária), no
contexto da contratação, pela MediaPublic, de um financiamento junto de uma instituição de crédito e (ii) afetar a
totalidade dos lucros de exercício daquele ano a reservas. Embora Carlos tenha votado contra ambas as propostas,
as mesmas foram aprovadas pelos restantes acionistas, sendo relativamente consensual entre todos a ideia de que
boas relações com agências de publicidade nunca são de mais (em particular, nos tempos que correm).
1. Carlos, que estava contra a constituição da hipoteca, invoca, não só a (i) nulidade da mesma por entender
que não cabe à sociedade “andar ao colo com estas agências”, mas também (ii) a nulidade da própria
deliberação por considerar que não compete aos acionistas tomar decisões sobre esta matéria. Carlos alega
ainda que não podem os outros acionistas comprometer desta forma o seu direito ao lucro.
A argumentação de Carlos procederá? (4 valores)

a) Quanto à constituição da hipoteca: (i) superação do princípio da especialidade; e (ii) alusão ao art. 6º,
nº3 CSC e aprofundamento das diferentes interpretações;
b) Quanto ao argumento de a deliberação em si ser nula: (i) alusão à incompetência da assembleia geral
para deliberar sobre a prestação de garantias reais – a competência é reservada ex lege ao conselho de
administração (art. 405º e 406º, f) CSC), salvo a pedido da administração (arts. 405.º/1 e 373.º/3); (ii)
enquadramento do vicio de incompetência – diferentes teorias sobre o seu enquadramento,
nomeadamente teoria do enquadramento dos vícios relacionados com incompetência no âmbito de
aplicação do art. 56º, nº1 c) CSC (análise critica do âmbito de aplicação deste preceito) ou eventual
recondução, dependendo da posição adotada, ao disposto no art. 58º, nº1, a) CSC. Consoante a posição
adotada, conclusão pela nulidade ou anulabilidade da deliberação;
c) Quanto à violação do direito aos lucros: (i) referência ao direito abstrato aos lucros (art. 21º, nº1, a)
CSC), não confundível com o direito concreto aos lucros; (ii) mencionar o art. 294º CSC e as diferentes
interpretações sobre o preceito.

2. Uns meses mais tarde, foi deliberada a necessidade de serem realizadas prestações suplementares pelos
sócios, no valor de EUR 10.000€. Bárbara revolta-se porque entende que (i) “só são precisas tais
contribuições porque os administradores andaram a esbanjar o dinheiro da sociedade em investimentos
sem credibilidade, dos quais nada percebiam nem tinham procurado informar-se minimamente”, (ii)
recusando-se a cumpri-las uma vez que as contribuições não constavam do contrato de sociedade e (iii)
tinha votado contra a exigibilidade daquelas.
Quid iuris? (4 valores)
a) Problemática da (in)admissibilidade de prestações suplementares nas SA (art. 210º e ss. CSC): diferentes
posições sobre o tema e tomada de posição. Seria ainda exigível a enunciação dos principais traços de
regime das prestações suplementares, inclusive a diferenciação em face de outras contribuições
patrimoniais dos sócios para a sociedade;
b) O voto desfavorável de Bárbara traduz a inexigibilidade da prestação (menção obrigatória ao disposto
no art. 86.º, nº2 do CSC);
c) Análise da responsabilidade dos administradores: (i) sujeição dos administradores aos deveres
resultantes do art. 64º CSC e breve explicação sobre os mesmos; (ii) em concreto, menção à violação
do dever de cuidado; (iii) requisitos da responsabilidade dos administradores (art. 72º, nº1 CSC),

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complementando a análise com a menção – e tratamento analítico - da denominada business judgment rule
(artigo 72º CSC), devendo o aluno concluir, à partida, pela não verificação dos pressupostos desta
figura;
d) Meios disponíveis para reagir e exigir a responsabilidade dos administradores: art. 75º, 77º e ss CSC (e
referência suplementar à destituição por justa causa – art. 403º CSC).

Grupo III (4 valores)

Comente, de modo crítico e fundamentado, uma (e apenas uma) das seguintes afirmações:
1. «A existência de uma personalidade coletiva com autonomia funcional e patrimonial é a grande vantagem
do regime societário, mas é necessário reconhecer limites à atuação através das sociedades, levantando
aquela quando se justifique.”

a) Pressupostos da aquisição da personalidade coletiva pelas sociedades comerciais;


b) Corolários e implicações (com especial destaque para o benefício da limitação da responsabilidade) da
atribuição da qualidade da personalidade coletiva às sociedades comerciais;
c) Alusão ao instituto do levantamento da personalidade coletiva e ao enquadramento teórico do mesmo
(em particular, breve referência às teorias explicativas do instituto do levantamento da personalidade
coletiva);
d) Referência aos grupos de “casos típicos” de levantamento da personalidade coletiva, sendo valorizada
a diferenciação entre casos de responsabilidade e casos de imputação: particular valorização do
tratamento jurisprudencial do instituto do levantamento da personalidade coletiva;
e) Pressupostos e limites do instituto do levantamento da personalidade coletiva, sendo valorizado o
tratamento do princípio da subsidiariedade no que respeita à aplicação do instituto.

2. “O direito à informação é um direito inerente ao status do sócio, mas a sua absolutização pode comprometer
a melhor atividade societária, e é o próprio regime do Código das Sociedades Comerciais que traduz o
necessário equilíbrio de interesses em causa.”

a) Alusão ao direito à informação como sendo um dos direitos dos sócios, ao abrigo do art. 21., n.º 1,
alínea c) CSC: caracterização e funcionalidade associada ao direito;
b) Enunciação dos diversos tipos de informação, consoante os aspetos respeitantes ao respetivo acesso.
c) Seria valorizada a indicação dos interesses em confronto no que à disponibilização de informação aos
sócios respeita, em particular os perigos inerentes a uma disponibilização absoluta de informação a
qualquer sócio, como sejam, por exemplo, (i) os segredos vitais da sociedade, (ii) os custos logísticos
associados à disponibilização, em massa, de informações aos sócios, (iii) as matérias cobertas por sigilo
profissional, e (iv) as informações relativas a matérias cujo conhecimento pode, de algum modo,
prejudicar os sócios ou a própria sociedade (cláusula de maior perigo).
d) Indicação e enunciação dos traços gerais das diversas hipóteses legais relativas ao direito à informação,
em particular as normas resultantes dos artigos 214.º e ss. CSC e 288.º e ss. CSC.
Seria valorizada, em particular, a relação entre a distribuição de competências interna da sociedade
(coletivo de sócios vs. órgão de administração) e o tipo de informações que podem ser solicitadas, pelos
sócios, em sede de assembleia geral.

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DIREITO COMERCIAL II - SOCIEDADES COMERCIAIS
3.º Ano – Turma B – Ano Letivo 2019/2020
Regência: Prof. Doutor António Menezes Cordeiro | Prof. Doutor Januário da Costa Gomes
Exame de Época Especial (15 de setembro de 2020)
Duração: 2h00m + 0h10m (tolerância)

Grupo I (8 valores)

David, Diogo, Inês, João e Paulo, colegas de trabalho e sócios da Eventos Festivos, S.A., decidem, uma
vez constatado o forte impacto negativo que a pandemia COVID-19 acarretou para a atividade e contas da
Eventos Festivos, S.A., proceder a um aumento de capital.

1. Pronuncie-se quanto às entradas dos sócios aquando do aumento de capital da Eventos Festivos,
S.A., nos termos do qual:
 David entrava com um lote de ações que tinha de uma outra sociedade da qual era sócio
(cuja atividade consistia na confeção de pastelaria típica da região do Algarve);
 Diogo entrava com €10.000,00, ainda que tenha ficado acordado que somente realizaria a
entrada quando o país “se livrasse da pandemia”;
 Inês, dotada de uma voz deveras afinada e que havia, há uns tempos, realizado umas
atuações nuns eventos organizados pela Eventos Festivos, S.A. – e que, por esse motivo,
tinha um crédito no valor de €5.000,00 sobre a mesma – acordou que nada teria de entregar
efetivamente à sociedade, ficando, com este aumento de capital, “quite” com a sociedade.
Inês salvaguardou, contudo, que, não sendo possível este “ajuste de contas”, entraria com os
seus “belíssimos dons musicais” que, certamente, valeriam muito dinheiro;
 João, por seu turno, entraria com um dos imóveis que havia herdado e que estava avaliado
pela HomeFriends em €400.000,00;
 Paulo comprometeu-se a entrar com uma app (já patenteada) que permitia, no decorrer
dos concertos, sinalizar os postos de abastecimento de comida e bebidas com menos
afluência. (4 valores)
a) Alusão ao regime do aumento de capital: artigos 87.º e ss. do CSC, em particular, artigo 89.º do CSC
(“Entradas e aquisição de bens”);
b) Entrada de David: qualificação como entrada em espécie (artigo 20.º, alínea a) e artigo 25.º, ambos do
CSC); teleologia do regime previsto no artigo 28.º do CSC (necessidade de avaliação da entrada por um
ROC independente);
c) Entrada de Diogo: qualificação como entrada em dinheiro (artigo 20.º, alínea a), artigo 25.º, n.º 1 e artigo
26.º, todos do CSC); regime do diferimento das entradas em dinheiro nas sociedades anónimas (alusão
aos artigos 277.º, n.º 2 e 285.º, n.º 1, ambos do CSC); aprofundamento da circunstância de não existir
um momento certo e determinado para a realização da entrada: ponderar aplicação analógica do artigo
203.º, n.º 1 do CSC;
d) Entrada de Inês: qualificação como entrada em dinheiro (artigo 20.º, alínea a), artigo 25.º, n.º 1 e artigo
26.º, todos do CSC); alusão à problemática da extinção da obrigação de entrada por meio de
compensação: indicação e aprofundamento do regime decorrente do artigo 27.º, n.º 5 do CSC; quanto à
possível entrada de Inês com os seus “belíssimos dons musicais”, qualificação como entrada em indústria
(artigo 20.º, alínea a) e artigo 25.º, ambos do CSC) e alusão ao artigo 277.º, n.º 1 do CSC: aprofundamento
da ratio subjacente a tal proibição;

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e) Entrada de João: qualificação como entrada em espécie (artigo 20.º, alínea a) e artigo 25.º, ambos do
CSC); aprofundar a relevância da avaliação levada a cabo pela HomeFriends; teleologia do regime previsto
no artigo 28.º do CSC (necessidade de avaliação da entada por um ROC independente);
f) Entrada de Paulo: qualificação como entrada em espécie (artigo 20.º, alínea a) e artigo 25.º, ambos do
CSC); teleologia do regime previsto no artigo 28.º do CSC (necessidade de avaliação da entada por um
ROC independente).

2. David, há anos cliente assíduo da discoteca LuxÁgil, solicita a realização de uma assembleia geral
da Eventos Festivos, S.A., por forma a, nos termos Estatutários, aprovar a compra e exploração
de um espaço noturno de música alternativa. Diogo, sempre muito atento aos pormenores técnicos
do negócio da Eventos Festivos, S.A., aproveita a oportunidade e, no decorrer da referida
assembleia geral, reitera o pedido para que lhe sejam prestadas informações “com o máximo de detalhe”
relativas às particularidades do palco que a sociedade havia adquirido para efeitos da realização, em
Dezembro próximo, do Festival Para Pessoas Sentadas que a Eventos Festivos, S.A. estava a preparar.
Diogo, aproveitando o balanço, questiona ainda a que se deveu a decisão de, em tempos de
profunda crise financeira para as empresas que atuam na área da cultura, a Eventos Festivos, S.A.
ter constituído uma hipoteca sobre o principal espaço que detinha, até então, para a organização
dos seus eventos em favor do Banco a Todos Empresta, S.A., para garantir um financiamento
bancário celebrado entre aquela instituição de crédito e a MusicTickets, S.A. Quid iuris? (4 valores)
a) Pedido de prestação de informações em AG: (i) alusão ao artigo 290.º do CSC e, em particular,
aprofundamento dos requisitos de admissibilidade constantes de tal preceito; (ii) ponderação do
preenchimento do requisito atinente à necessidade de a informação solicitada ser necessária à formação
da opinião fundamentada dos sócios sobre os assuntos sujeitos a deliberação (recorde-se que a AG havia
sido convocada com o objetivo de ser aprovada a compra e exploração de um espaço noturno de música
alternativa e, já não, para ser discutido o Festival Para Pessoas Sentadas); (iii) sem prejuízo do ponto anterior
e no que respeita, concretamente, à exigência, colocada por Diogo, de a informação ser prestada “com o
máximo de detalhe”, aprofundamento da razoabilidade de, em sede de assembleia geral, serem solicitadas
informações técnicas e de gestão pormenorizadas e desproporcionais (aproveitando para explorar o
papel do abuso de direito neste contexto) tendo em consideração, em especial, a repartição de
competência (AG vs. órgão de administração) nas SA;
b) Pedido de prestação de informações fora da AG: (i) considerando que Diogo reiterou o pedido de
prestação de informações, alusão ao contexto problemático da solicitação da prestação de informações
fora da AG: em particular, indicação dos artigos 288.º, 289.º e, em especial, do artigo 291.º, todos do
CSC; (ii) elenco dos modos de reação ao não-cumprimento do dever de prestação de informações
(especialmente, o regime que resulta do artigo 292.º do CSC);
c) Quanto à constituição da hipoteca a favor do Banco a Todos Empresta, S.A.: (i) superação do princípio
da especialidade; (ii) alusão ao artigo 6.º, n.º 3 do CSC e aprofundamento das diferentes interpretações;
(iii) em particular, concretização, tendo em conta as particularidades do caso prático, do conceito de
“justificado interesse próprio”.

2/4
Grupo II (8 valores)

Afonso, Bertolino e Carlota são três dos cinco sócios da sociedade Digital MX, S.A., que se dedica ao
fabrico e comercialização de equipamento informático, e cujo capital social ascende ao valor de € 200.000,00.
Nos dois primeiros exercícios, a Digital MX, S.A. apenas obteve prejuízos, tendo-se acumulado resultados
transitados negativos de € 30.000,00. Todavia, no terceiro exercício económico, foi possível inverter a
tendência, tendo a sociedade apurado um simpático resultado positivo de € 50.000,00.

1. Durante a assembleia geral de março, foi aprovada, por maioria de dois terços dos votos
correspondentes ao capital social, a distribuição de € 5.000,00 por todos os acionistas. De seguida,
Bertolino resolve propor que se aprove ainda a mudança de sede da sociedade Digital MX, S.A.,
apesar de se tratar de matéria que não consta da convocatória da assembleia geral. Todos
concordaram em discutir a matéria, mas Carlota não concordou com a proposta e votou contra.
Aprecie a (in)validade das deliberações aprovadas na assembleia geral, tanto numa perspetiva
procedimental como substancial. (5 valores)
a) Determinação do lucro de exercício distribuível (artigos 32.º e 33.º do CSC): (i) necessidade de cobrir os
prejuízos transitados (€ 50.000,00 - € 30.000,00 = € 20.000,00); (ii) constituição de reserva legal mínima,
correspondente à vigésima parte dos lucros distribuíveis, i.e., € 1.000,00 (€ 20.000,00 / 20), até perfazer
um total de € 40.000,00, correspondente a um quinto do capital social (artigo 295.º, n.º 1 do CSC); (iii)
montante máximo de lucro distribuível: € 19.000,00;
b) A deliberação que impedisse a distribuição de, pelo menos, metade do lucro distribuível (i.e., € 9.500,00)
teria de ser aprovada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social (artigo
294.º, n.º 1 do CSC), o que não se verificou, pelo que a deliberação de distribuição de apenas € 5.000,00
pelos acionistas seria anulável por vício de procedimento (artigo 58.º, n.º 1, alínea a) do CSC);
c) Quanto à deliberação relativa à mudança de sede: (i) análise do regime das assembleias universais e
respetivos requisitos do artigo 54.º do CSC, que parecem estar verificados no caso, pelo que não se
aplicaria o artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do CSC; (ii) delimitação da competência da assembleia geral, que só
pode deliberar sobre matérias de gestão a pedido do conselho de administração (artigos 406.º, alínea l) e
373.º, n.º 3 do CSC), sob pena de nulidade da deliberação por vício substancial (artigo 56.º, n.º 1, alínea
c) ou d) do CSC, consoante a posição adotada).

2. No dia da celebração do contrato social, mas à margem deste, todos os sócios acordaram que, caso
a sociedade viesse a necessitar de fundos, estes ficariam obrigados a emprestar-lhe um valor máximo
de € 10.000,00, apesar de o contrato de sociedade nada dizer a esse respeito. Ora, a partir do quarto
exercício, a situação económica da Digital MX, S.A. tem vindo a piorar de modo significativo.
Com vista a salvar a sociedade, foi exigido a cada sócio que procedesse ao empréstimo no valor de
€ 10.000,00 em benefício da sociedade. Todos cumprem, à exceção de Afonso, que diz que ninguém
o pode obrigar a pagar. Quid juris? (3 valores)
a) Qualificação do empréstimo como suprimento (artigos 243.º e ss. do CSC): (i) análise dos requisitos
legais (em particular: caráter de permanência); (ii) fontes: contrato de sociedade, deliberação social ou
contrato autónomo celebrado com a sociedade (artigo 244.º do CSC); (iii) discussão quanto à aplicação
analógica do regime legal às sociedades anónimas (v.g., MENEZES CORDEIRO: necessidade de
verificar casuisticamente se o acionista ordenado, naquelas condições, faria um suprimento);
b) Qualificação do acordo celebrado entre os sócios como um acordo parassocial omnilateral: (i) discussão
quanto à sua (in)admissibilidade; (ii) validade formal (artigo 219.º do CC) e substancial (artigo 17.º do
CSC); (iii) eficácia meramente obrigacional do acordo parassocial (contrariamente ao contrato de
sociedade), salvo se o mesmo for interpretado enquanto contrato a favor de terceiro, e discussão quanto
à (in)admissibilidade de execução específica; (iv) incumprimento do acordo parassocial gera
responsabilidade obrigacional dos contratantes (artigo 798.º do CC).

3/4
Grupo III (4 valores)

Comente, de modo crítico e fundamentado, uma (e apenas uma) das seguintes afirmações:

1. «O favor societatis é um princípio geral, de exigência comunitária, que visa conservar a sociedade por
forma a acautelar a multiplicidade de interesses em jogo.»
a) Princípio do favor societatis: (i) conjunto de várias regras destinadas a minimizar a invalidade das sociedades
comerciais e as respetivas consequências; (ii) referência ao âmbito de aplicação do princípio ser o das
sociedades irregulares por invalidade (artigo 41º e seguintes CSC);
b) A decorrência do favor societatis como exigência do legislador europeu, em especial a Diretriz 2017/1132,
de 14 de junho.
c) Manifestações do princípio do favor societatis: taxatividade dos fundamentos de nulidade; introdução de
prazos para invocação dessa nulidade; existência de esquemas destinados a sanar a nulidade (artigo 42º,
nº2 do CSC); não retroatividade da nulidade; limitação da legitimidade para invocar a nulidade; limitação
dos efeitos da anulabilidade; relativa inoponibilidade da invalidade a terceiros; regime especial no
respeitante às consequências da nulidade (artigo 52º do CSC);
d) Identificação dos vários interesses protegidos em jogo: (i) tutela de terceiros que contratam com a
sociedade (ii) tutela dos restantes sócios que em nada se relacionam com o vício; (ii) interesses gerais,
tutela da confiança depositada pelo tráfico jurídico na atuação de e com entes societários;

2. «O âmbito do artigo 72.º, n.º 2 do CSC, quando verificado, permite concluir pelo respeito e
observância pelos administradores dos deveres que lhes incumbem nos termos do artigo 64.º do
CSC, ou seja, pela sua atuação cuidadosa e leal.»
a) Identificação, conceito e âmbito da business judgment rule: (i) responsabilidade obrigacional dos
administradores (ii) pressupostos da responsabilidade dos administradores (art. 72.º, n.º 1 do CSC - danos
ilícitos; inobservância de deveres específicos; com presunção de culpa) (iii) pressupostos da business
judgment rule (atuação em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de
racionalidade empresarial) (iv) art. 72.º, nº 2 do CSC e diversas interpretações;
b) Identificação e breve explicação dos deveres a que os administradores estão adstritos: (i) dever de
cuidado; (ii) dever de lealdade; (iii) valorada eventual breve explicação das interpretações sobre estes
deveres;
c) Diferenciação entre cumprimento dos deveres dos administradores e respetivos pressupostos (atuação
leal e cuidadosa – artigo 64.º do CSC) e a violação dos deveres ainda que com verificação da business
judgment rule (atuação em termos informados, livre de interesses pessoais e segundo critérios de
racionalidade empresarial) [não] coincidência de pressupostos e conceitos (i) diversas interpretações
doutrinárias: business judgment rule como exclusão de ilicitude ou de culpa; (ii) posição da regência; (iii)
nível de correção da afirmação em função da posição adotada.

4/4
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2017/2018
Regência: Prof. Doutor Januário da Costa Gomes
Tópicos de correção do Exame de 18 de junho de 2018

Adriana e Beatriz estavam fartas de turistas, mas, em vez de reclamarem, resolveram


explorar os turistas o mais possível. Para o efeito, constituíram em 2015 a “e-Tuks
d’Alfama, Lda.”, juntamente com Charles, um francês reformado que se mudou para
Lisboa há alguns anos. A ideia era ficarem com idênticas participações sociais. Charles
entrava com o dinheiro, Adriana e Beatriz com o trabalho, ficando como gerentes. O
capital social seria de €1.000.
Como este valor não dava para nada, fizeram um acordo, à margem do contrato de
sociedade, nos termos do qual Charles se obrigava a emprestar à sociedade, logo à
cabeça, €40.000, para que esta adquirisse dois tuk-tuks elétricos e, dois anos depois, se
o negócio corresse bem, mais €40.000, para aquisição de mais dois tuk-tuks. Em
contrapartida, nesse mesmo acordo, Charles exigiu que, enquanto o empréstimo não
fosse todo reembolsado, a sociedade não distribuiria dividendos. Dizia: «Enquanto não
pagar as dívidas, não há festa para ninguém!»
As coisas correram bem logo no primeiro ano, mas bom bom foi o segundo. Assim,
no início de 2017, Adriana e Beatriz ligaram a Charles a pedir que este emprestasse
os €40.000 necessários à compra dos novos tuk tuks, mas este respondeu com evasivas.
Em janeiro 2018, Adriana e Beatriz não estiveram com meias medidas: convocaram a
assembleia geral para aprovar contas, distribuir €20.000 de dividendos e excluir
Charles da sociedade, por incumprimento da sua obrigação de financiamento.
Charles ficou furioso. Apesar de não ter ficado escrito no acordo celebrado à margem
do contrato de sociedade, aquilo que tinham discutido era que ele só emprestaria mais
dinheiro se o primeiro empréstimo estivesse a ser reembolsado como deve ser. Ora,
isso nunca aconteceu: a sociedade ora pagava as prestações, ora não pagava. Em todo
o caso, a sua decisão de não emprestar mais dinheiro não justifica a sua exclusão. Para
além disso, acha inacreditável a proposta de distribuição de dividendos, porque a
sociedade ainda lhe deve 10.000 euros, que já deviam estar pagos há mais de 6 meses.
Adriana e Beatriz fizeram tábua rasa destas objeções de Charles. A assembleia
realizou-se e estas aprovaram as propostas que tinham apresentado.
Ato contínuo, Charles intentou ação de condenação contra a sociedade, exigindo o
pagamento imediato dos €10.000 em falta, acrescidos de juros remuneratórios que,
segundo o mesmo, foram fixados em 25% ao ano, e de juros de mora à taxa legal.
Grupo I
1. Enquadre as obrigações de entrada (assumidas no contrato de sociedade) e de
financiamento da sociedade (assumidas no outro acordo), bem como as
consequências do respetivo incumprimento. (5 valores)
Tópicos:
Obrigações de entrada
Noção, natureza e conteúdo possível da obrigação de entrada, em particular numa sociedade
por quotas. Breve explicação das entradas em dinheiro e das entradas em espécie (com bens
diferentes de dinheiro) e sua avaliação no quadro da formação da vontade dos sócios (arts. 25.º
e 28.º).
Explicação da proibição de entradas em indústria nas sociedades por quotas (art. 202.º/1): a
dificuldade de avaliação; a colisão do seu carácter futuro e sucessivo com o princípio da imediata
e integral liberação das entradas; a impossibilidade de garantir o seu cumprimento, por
impraticabilidade da sua execução forçada. Tudo isto prejudica a função do capital social de
garantia dos credores.
As obrigações de entrada constituem um elemento essencial do contrato de sociedade [art. 9.º/1,
f) a h)]. A cláusula relativa às entradas em indústria é nula, por contrariedade a norma
injuntiva (art. 280.º/1 CC), devendo Adriana e Beatriz realizar as suas entradas em dinheiro
(art. 25.º/4 por analogia).
Obrigações de financiamento
O acordo celebrado à margem do contrato de sociedade era um acordo parassocial, nos termos
do qual Charles se obrigou a celebrar com a sociedade dois contratos de empréstimo que, pela
sua natureza, seriam configuráveis como contratos de suprimentos.
O acordo parassocial é um contrato entre sócios que regula o exercício de posições de
socialidade. Estes acordos em princípio têm eficácia meramente obrigacional, não pondendo
fundamentar a impugnação de atos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade (art. 17.º/1).
A obrigação de financiamento assumida não é qualificável como obrigação de prestações
suplementares (arts. 210.º a 213.º) ou de prestações acessórias (art. 209.º). O seu
incumprimento não fundamenta a exclusão do sócio (art. 204.º ss.), mas tão-só a
responsabilidade civil do sócio inadimplente, nos termos gerais do art. 798.º CC.
2. Analise as pretensões de Adriana e Beatriz relativamente à distribuição de
dividendos e à exclusão de Charles, bem como a validade das respetivas
deliberações. (5,5 valores)
Tópicos:
A proibição de distribuição de dividendos enquanto o empréstimo não fosse integralmente
reembolsado constava do acordo parassocial (art. 17.º/1). O seu incumprimento não
fundamenta a impugnação de atos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade. A
deliberação seria então válida.
Porém, é valorizada a exposição que os alunos tenham feito do desvio ao art. 17.º/1 que
alguma doutrina e jurisprudência têm sustentado no caso dos acordos parassociais
omnilateriais. A sustentação fundamentada deste desvio permite a impugnação da
deliberação de aprovação da distribuição de dividendos. Em todo o caso, haveria que
discutir se uma tal cláusula seria admissível se tivesse sido incerta no contrato de
sociedade. Se se considerar inadmissível neste contexto, não poderia a mesma
fundamentar a impugnação quando inserta num acordo omnilateral.
A doutrina e a jurisprudência aceitam genericamente cláusulas estatutárias que
estabelecem regras especiais quanto à distribuição de dividendos, nos termos dos artigos
217.º e 294.º. Em particular, cláusulas que reduzem a maioria necessária para a
deliberação de retenção de mais de metade dos lucros do exercício (STJ 7-Jan.-1993). Já
as cláusulas que impõem a constituição de reservas quanto a todos os lucros tendem a
ser consideradas nulas porque violam a competência da assembleia geral [246.º/1, e) e
376.º/1, b)]. Algumas vozes, porém, sustentam que são válidas porque a cláusula é
unânime e a competência da AG não é materialmente distinta da competência dos sócios
na constituição da sociedade [V.g., CASSIANO DOS SANTOS, “O direito aos lucros”,
Problemas do Direito das Sociedades, 197-198]. Neste caso, a temporalidade da cláusula
depunha a favor da sua admissibilidade.
Quanto à exclusão de C, como referido já, a obrigação de financiamento constituída à margem
do contrato de sociedade não é qualificável como obrigação de prestações suplementares (arts.
210.º a 213.º) ou de prestações acessórias (art. 209.º). O seu incumprimento não fundamenta
a exclusão do sócio (art. 204.º ss.), mas tão-só a responsabilidade civil do sócio inadimplente,
nos termos gerais do art. 798.º CC.
É valorizada a discussão do art. 241.º — de acordo com o qual um sócio pode ser
excluído da sociedade nos casos e termos previstos na presente lei, bem como nos casos
respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato —, bem como
do art. 242.º — segundo o qual pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com
o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da
sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.
A deliberação seria então anulável nos termos do art. 58.º/1, a), e não nula, porquanto não
estava em causa a violação de uma norma legal injuntiva (o contrato de sociedade não previa,
mas podia prever a exclusão do sócio neste caso). A ação de anulação pode ser proposta por C
(art. 59.º/1) contra a sociedade (art. 60.º/1), no prazo de 30 dias a contar da deliberação [art.
59.º/2, a)].
3. Analise o crédito de Charles, bem como a sua pretensão relativamente ao seu
pagamento imediato, acrescido dos referidos juros. (5,5 valores)
Tópicos:
O crédito de Charles era qualificável como um crédito de suprimentos, atenta a sua finalidade
de capitalização material da sociedade, verificando-se o índice do carácter de permanência (art.
243.º).
É valorizada a discussão sobre a sua natureza (comercial ou civil).
O reembolso estava por isso sujeito ao disposto no art. 245.º e, em particular, à proposição de
que, não tendo sido fixado prazo para o reembolso, é aplicável o art. 777.º/2 CC, com a
especialidade de que, na fixação do prazo, o tribunal deve atender às consequências que o mesmo
acarretará para a sociedade, podendo, designadamente, determinar que o pagamento seja
facionado em certo número de prestações.
Os suprimentos podem render juros remuneratórios, mas discutem-se os seus limites. A
doutrina em geral entende que aos suprimentos se aplicam os limites do art. 1146.º CC,
diretamente (para quem considere o contrato civil) ou por remissão do art. 102.º, § 2.º CCom
(para quem considere o contrato comercial). Neste sentido, os juros de 25% /ano não seriam
admissíveis.
É, contudo, valorizada a discussão sobre se, sendo os créditos
de suprimentos subordinados e, logo, de maior risco, devem poder ser remunerados para
além dos limites do art. 1146.º CC, fazendo corresponder a remuneração ao risco.

Grupo II
Responda a uma — e só a uma — das seguintes perguntas (4 valores):
1. Analise o fundamento e alcance do poder de direção da sociedade-mãe nos grupos
de iure (relações de grupo, arts. 488.º ss.) e nos grupos de facto (relações de domínio,
art. 486.º).
Tópicos:
Sintética exposição sobre a distinção entre grupos de facto (relações de domínio, art. 486.º) e
grupos de iure (relações de grupo, arts. 488.º ss.) e suas principais consequências normativas.
Em especial quanto aos grupos de iure: análise a possibilidade de uma direção económica
unitária como fundamento do poder da sociedade-mãe de dar instruções desvantajosas à
sociedade-filha (art. 503.º) e a correspondente responsabilidade por dívidas e perdas da
sociedade-filha (arts. 501.º e 502.º); discussão sobre os limites desse poder, nomeadamente
quando esteja em causa a sobrevivência da sociedade-filha.
Quanto aos grupos de facto: análise do poder de facto da sociedade-mãe de determinar os
destinos da sociedade-filha, através do exercício (ou ameaça de exercício) do poder de voto
maioritário na destituição e designação dos membros dos órgãos sociais; o interesse social
(perspectiva contratualista ou institucionalista) como limite da licitude do exercício desse poder
e consequente reconhecimento do dever dos administradores da sociedade-filha de não
acatamento das instruções desvantajosas para a mesma; o reconhecimento jurisprudencial e
doutrinário do dever de lealdade dos sócios (em especial, da sociedade-mãe) perante a sociedade
e perante os demais sócios; a responsabilidade solidária do sócio que use a sua influência para
determinar a conduta dos administradores em sentido prejudicial à sociedade, nos termos do
art. 83.º/4.
2. Analise o fundamento e constitucionalidade do regime da aquisição tendente ao
domínio total (art. 490.º).
Tópicos:
Explicitação do conceito grupo constituídos por domínio total (inicial e superveniente); em
particular, destacando o “projetável” domínio total através de aquisições de ações enquanto
modo de constituir uma relação de grupo.
Mecanismo de constituição de uma relação de grupo através de “transição” de uma situação de
domínio qualificado para domínio total. Traços gerais do regime do art. 490.º em especial o
direito de aquisição potestativa de ações prevista no art. 490.º/3. A tensão existente entre este
n.º 3 e o direito fundamental de propriedade privada.
No seu acórdão n.º 491/02, de 26-nov.-2002 (P. Mota Pinto), o TC acompanhou a perspetiva
da “propriedade corporativa” de Engrácia Antunes, segundo a qual a participação social
«constitui sempre uma propriedade “mediatizada” pela interposição de uma entidade
corporativa dotada de personalidade e organização jurídica próprias».
É uma propriedade cujos contornos só são perceptíveis à luz do tipo societário em causa, por
cujas regras se rege, sendo o seu conteúdo suscetível de compressão e extensão em função de
vicissitudes societárias várias. Em suma, à luz desta construção, a posição do sócio não é
intangível: está sujeita às vicissitudes societárias operadas à luz das correspondentes regras
legais e estatutárias. Isto é particularmente claro perante o regime da aquisição tendente ao
domínio total (art. 490.º).
Seria valorizada a discussão em torno da “compressão” da “propriedade corporativa”
para lá do que seria necessário, adequado ou proporcional.
Seria ainda valorizada, quanto ao princípop da igualdade, a discussão se a diferente
posição dos sócios (maioritário e minoritários) justifica um tratamento diferenciado
tratando de modo diferente o que é diferente na medida da sua diferença.
Seria valorizada a referência à jurisprudência dos tribunais superiores.
3. Comente fundamentadamente a seguinte frase: “Na fusão de sociedades não há
um fenómeno de extinção, mas de transformação”.
Tópicos:
A fusão é um processo de concentração de sociedades que opera a reunião dos seus elementos
patrimoniais e pessoais em uma única estrutura societária. A reunião dos elementos
patrimoniais ocorre com a transmissão global do património (dimensão objetiva da fusão).
A reunião dos elementos pessoais corresponde à aquisição da qualidade de sócio da sociedade
beneficiária do processo (dimensão subjetiva da fusão).
Seria valorizada a explicação das duas modalidades de fusão: por incorporação
[art. 98.º/4, a)] e por concentração [art. 98.º/4, b)].
Na discussão da natureza da fusão confrontam-se duas grandes orientações dogmáticas: (i) a
teoria da sucessão universal, semelhante à mortis causa; e (ii) a teoria do ato modificativo,
semelhante à transformação.
Esta última é hoje dominante: a fusão mais do que operar uma extinção de sociedades com a
transmissão do seu património, envolve, sobretudo, uma transformação das sociedades
envolvidas mediante processos de concentração económica. Estas sociedades surgem assim
reunidas numa mesma estrutura, sem modificação das situações jurídicas envolvidas, que
reaparecem na sociedade beneficiária. Não há, portanto, lugar a dissolução e liquidação das
sociedades, mantendo-se o seu substrato patrimonial (cfr., v.g., Diogo Costa Gonçalves, CSC
Clássica, 2.ª ed., 2011, art. 97.º, anot. 10-11). Da mesma forma, a posição jurídica dos sócios
de cada uma das sociedades continua, enquanto realidade dinâmica, no âmbito da sociedade
beneficiária, com tudo o que isso implica (Diogo Costa Gonçalves refere-se, a este propósito, ao
status socii in statuo viae ostendit).
Só esta perspetiva corresponde à vontade das partes envolvidas que visam uma concentração
económica e não a extinção das sociedades.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2017/2018
Regência: Prof. Doutor Januário da Costa Gomes
Tópicos de Correção do Exame de 26 de junho de 2018
Duração: 120 minutos

A Pinto e Santos, S.A. (“Sociedade”) foi constituída em 2010 por 5 sócios: Ana, Beatriz,
Carolina, Duarte e Edgar. A Sociedade dedicava-se a arquitectura de interiores na
área da grande Lisboa. Decidiram que seria importante dar um sinal ao mercado e,
portanto, na assembleia geral de março de 2018 deliberaram um aumento de capital
no montante total de 800.000,00 €. Todos os sócios participaram no referido aumento.
Fizeram-no do seguinte modo:
(i) Ana e Beatriz injetavam um total de 400.000,00 €, tendo ficado escrito em
ata que as mesmas o iriam depositar este montante em 1 ano e meio a contar
da data da assembleia geral;
(ii) Duarte transmitia para a Sociedade uma pool de ações1 de várias empresas
cotadas;
(iii) Edgar entrava com um direito de usufruto de um armazém no Xl-Factory
que seria extraordinária para exposições de “salas modelo” e “quartos-
modelo”. Contudo, Edgar morre 1 mês depois da referida entrada.
Meses mais tarde, em finais de maio, o Conselho de Administração reuniu-se com
vista a decidir se era feita uma doação de 50.000,00 € para a referida Associação
comprar bicicletas promover um planeta mais limpo. Ana manifestou-se contra
porque – dizia – “não estamos no Natal e não temos grande folga para caridade”. Por
sua vez, Beatriz, defendeu seria um ato de solidariedade que ficaria muito bem junto
dos órgãos da referida Associação que – não raro – entregavam à Pinto e Santos, S.A.
a decoração dos pavilhões.
Foi ainda assinado um acordo em junho de 2018 entre a Sociedade e Beatriz onde se
podia ler a seguinte cláusula:
«1. A Segunda Outorgante [Beatriz] participará nos resultados da Sociedade até um
montante máximo anual de 100,00 €
2. A limitação referida no número precedente vigorará por um prazo de 60 (sessenta)
anos contados da assinatura do Acordo»

1 Lote ou conjunto de ações.

1
Grupo I

1. Pronuncie-se quando às várias formas de participação no aumento de capital


atendendo, designadamente, à morte de Edgar. (6 valores)

Definição da obrigação de entrada (art. 20.º al. a)) e sua importância para a constituição do
capital social a através deste (ou das normas que ao capital social dizem respeito) a proteção dos
credores.
Tal como na constituição da sociedade também aquando do aumento de capital há lugar à
realização de entradas. (art. 87.º e ss)
(i) Entrada de A e B: Qualificação da entrada como sendo em dinheiro. Regra geral
as entradas (em dinheiro) devem ser realizadas aquando do aumento de capital (art. 26.º
ex vi art. 89.º, n.º 1). Estava em causa o diferimento da totalidade dos 400.000,00 € que
representavam ½ do montante global de entradas. Donde, não seria admissível tamanho
diferimento. (art. 277.º, n.º 2).
. Valorizava-se quem discutisse se os 70% se referiam ao montante global das entradas
ou a cada entrada individualmente considerada.
(ii) Entrada de D: A pool de ações seria uma entrada em espécie porquanto constitui
uma entrada com um bem diferente de dinheiro. Donde, haveria que passar pelo
procedimento do art. 28.º, que exige uma avaliação da entrada por um ROC
independente, essencial à modelação da vontade dos sócios e à proteção dos credores.
(iii) Entrada de E: O usufruto seria, também, uma entrada com um bem diferente de
dinheiro, suscetível de penhora. A morte de E extinguiria o usufruto (1443.ºCC), apesar
de o mesmo ter sido entretanto transmitido à sociedade (art. 1444.ºCC): o direito é
transmitido com a limitação temporal da vida do primeiro usufrutuário. Enquanto
entrada em espécie, estava sujeita ao procedimento do art. 28.º. A avaliação da entrada,
a confirmar pelo ROC, devia ter em consideração a delimitação temporal do direito.

2
2. Pronuncie-se quanto à viabilidade dos argumentos utilizados por Ana e
Beatriz quanto à oferta do valor das referidas bicicletas (4 valores).

Estava em causa a liberalidade praticada pela sociedade. Devia portanto discutir-se a


capacidade da sociedade para praticar o ato, à luz do art. 6.º, ponderando, em particular, o n.º
2 e a sua articulação com o n.º 1. Devia analisar-se: (i) a usualidade segundo as circunstâncias
da época; (ii) a usualidade atendendo às condições da própria sociedade.
Quanto à argumentação de Ana: por um lado refere-se a uma circunstância específica – o Natal
– onde é usual e social (e empresarialmente) aceita a oferta de presentes. Por isso, a contrario,
A entende que o momento da doação não corresponde a um momento em que tipicamente sejam
aceites concessões de tais liberalidades. Por outro lado, invoca a falta de folga financeira. Donde,
dir-se-á, que a Sociedade não apresentava condições que justificassem a concessão de tal doação.
Quanto à argumentação de B: sustenta o interesse próprio da sociedade na doação, enquanto
“operação de charme” a um cliente da Sociedade. Donde, muito embora fosse difícil de subsumir
no art. 6.º, n.º 2, sempre se poderia invocar a aplicação do art. 6.º, n.º 1 como forma de justificar
esta doação, atendendo à intenção de prosseguir (remotamente) o lucro.

3. O Acordo celebrado entre a Sociedade e Beatriz é lícito e eficaz? Responda


fundamentadamente. (5 valores)

O acordo limita a participação nos lucros em 100,00 € durante 60 (sessenta) anos.


Estava em causa um eventual pacto leonino. Regra geral os sócios participam nos lucros (art.
22.º, n.º 1). Contudo, esta regra-geral pode sofrer várias compressões e limitações. Pergunta-
se, portanto, se a compressão in casu é admissível à luz do n.º 1 e do n.º 3 da referida norma.
Ora, o n.º 3 admite exceções à regra geral da participação nos lucros, salvo quanto à exclusão
de um sócio da comunhão nos lucros. Assim: a cláusula referida, ainda que não incluída no
contrato de sociedade, seria – materialmente – uma exclusão do sócio da participação nos lucros,
atento o lapso temporal e o baixo limite estabelecido: 100,00 €.
. Seria valorizada a discussão em torno de uma eventual admissibilidade de tal Cláusula numa
Sociedade que historicamente demonstrasse ter um balanço exíguo. Por exemplo, caso os lucros
a distribuir fossem tipicamente de 150,00€, caso em que uma limitação de 100,00 € seria
admissível. Contudo, in casu mesmo este raciocínio não seria procedente. É que a sociedade fora

3
constituída em 2010 e, portanto, não há sequer lapso temporal bastante para tamanha
conclusão.
. Seria valorizada a densificação da ratio do art. 22.º, n.º 3 e do art. 994.º CC.

Grupo II
Responda a uma — e só a uma — das seguintes perguntas (5 valores):
1. A business judgment rule aplica-se aos fiscalizadores das sociedades?
Responda fundamentadamente.
Discussão sobre o sentido do art. 72.º, n.º 2, cujo enquadramento dogmático tem sido debatido
pela doutrina. Ora consubstancia (i) um privilégio de limitação de responsabilidade civil que
opera ao nível do dever de indemnização; (ii) um padrão de apreciação judicial; (iii) uma causa
de exclusão de ilicitude; (iv) uma causa de exclusão de faute (ou, insistindo-se na dissociação
entre ilicitude e culpa, causa de exclusão de culpa); (v) uma presunção de ilicitude; ou, por fim,
(vi) uma concretização do dever de administrar, contribuindo para fixar a ilicitude.
Quem sustente construções segundo as quais este preceito visa salvaguardar a
discricionariedade da atuação orgânica — em particular, perante decisões ditas empresariais
— deve discutir se a aplicação das mesmas aos órgãos de fiscalização faz sentido: também estes
atuam em condições de incerteza, de pressão de tempo e de meios, devendo reconhecer-se uma
margem de discricionariedade, enquanto resultado normativo da concretização das suas
obrigações.
Quem entenda que o disposto no art. 72.º, n.º 2 corresponde a uma concretização ou
densificação da obrigação de prestar, na sua dimensão procedimental, deve sempre
reconhecer-se a sua aplicação aos órgãos de fiscalização: também a estes são imputáveis deveres
de obtenção de informação, de lealdade e de atuação segundo critérios de racionalidade
económica.
. Seriam valorizados exemplos práticos em que os fiscalizadores têm margem de decisão. E.g.
como reagir perante uma situação de potencial irregularidade? Como elaborar e acompanhar a
preparação de documentação técnica e financeira?

2. Considera que o art. 80.º constitui a base legal indispensável para construção
dogmática da figura do administrador de facto? Responda
fundamentadamente.

4
Densificação do conceito de administrador de facto: (i) não seja administrador de direito; (ii)
realize uma actividade positiva; (iii) de direcção, administração e gestão; (vi) exercida com total
independência; e (iv) de forma constante.
Lê-se no art. 80.º: «As disposições respeitantes à responsabilidade dos gerentes ou
administradores aplicam-se a outras pessoas a quem sejam confiadas funções de
administração.». Discussão das várias saídas interpretativas. Designadamente: alguns Autores
defendem haver uma equiparação dos administradores de facto aos administradores de direito,
atento o sentido normativo do preceito.
Contudo, o presente preceito apresenta algumas limitações para a conclusão no sentido de
fundar a construção da figura do administrador de facto:
É que se lê: “a quem sejam confiadas funções de administração”, i.e. parece estar a presente um
acto de vontade de alguém que incumbe outrem do exercício de tais funções. Donde, estariam
de fora os casos em que é o próprio a chamar a si actos que estariam inseridos no círculo dos
administradores de direito.

3. Comente fundamentadamente a seguinte frase: “As sociedades por quotas


serão ‘sociedades de capitais’ ou ‘sociedade de pessoas’ consoante as escolhas
dos seus sócios”.

Identificação de que se tratava de uma classificação doutrinária que assenta no pender mais
pessoalista ou capitalista das sociedades. Ora, no caso das sociedades por quotas cabe aos sócios
escolherem se aproximam a sociedade de um polo ou de outro.
Em causa estava, principalmente:
(i) Regime da responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais;
(ii) Regime da transmissibilidade das quotas;
(iii) Estrutura organizatória da sociedade, incluindo influência dos sócios na gestão.
Mais a mais: encontram-se notas personalísticas (v.g. responsabilidade por todas as entradas)
e notas capitalísticas (v.g. gerentes podem não ser sócios).

5
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2017/2018
Regência: Prof. Doutor Januário da Costa Gomes
Exame de recurso de 19 de julho de 2018
Duração: 120 minutos
Ana, Beatriz, Carlos e Daniela eram sócios da sociedade Bicicletas em Movimento,
S.A. (“BeM, S.A.”), constituída em janeiro de 2018. Ana e Beatriz compunham o
conselho de administração.
Amantes que eram da recitação de poesia trovadoresca, reuniam-se semanalmente no
café Cantigas de Escárnio. Finda a reunião, decidiram os quatro tratar dos assuntos da
BeM, S.A. Pedidas as imperiais, falaram das contas, da contratação de uma secretária
e do arrendamento do novo espaço em Oeiras. Ana lançou um novo tema: celebrar
uma ‘avença’ de 1.000,00 € com um escritório de advogados. Daniela, contudo, achou
um disparate tratar deste assunto assim. Seria preciso ver os preços do mercado e
sondar vários escritórios com vista à obtenção “do melhor preço”. Beatriz —
autoritária — disse: «Fica-te mal puxares o tapete agora. Estamos todos de acordo em avançar
com a sociedade de advogados Dom Dinis e vamos fechar este assunto mesmo se és contra,
porque, afinal, 3 dos quatro sócios estão a favor».
Já em junho de 2018, o conselho de administração decidiu prestar uma fiança a favor
do Banco Bom, S.A., no valor de 2 milhões de euros, para garantir o cumprimento das
obrigações assumidas pela sociedade Consultoria Europeia, Lda. — uma empresa que
nada tinha a ver com a BeM, S.A. —, no quadro do financiamento da aquisição de um
novo imóvel para a realização de congressos. Como contrapartida, a Consultoria
Europeia. Lda pagará à BeM, S.A. 75,00 € por mês.
Recentemente a BeM, S.A. foi surpreendida por várias coimas e pedidos de
indemnização. As dificuldades de tesouraria são evidentes. Neste contexto, Carlos —
titular de 8% do capital social — decide fazer um empréstimo a favor da Sociedade no
valor da 25.000,00 €. Carlos achou que era o mínimo que podia fazer para acudir a
BeM,S.A. que se encontrava numa situação delicada.

Grupo I
1. Pronuncie-se sobre a validade da deliberação relativa à avença com o escritório
de advogados. (6 valores)

Tópicos de correção
Esta questão colocava dois desafios:
Primeiro:
1
. A totalidade dos sócios estavam presentes e estavam também todos de acordo em tratar dos
assuntos da BeM, S.A.. Donde, haveria que ponderar a aplicação do art. 54.º, n.º 1 parte final
relativa às assembleias universais;
. Não houve lugar a formalidade prévia, maxime, convocatória da dita assembleia;
. In casu, não havia unanimidade quando a que a assembleia deliberasse sobre um determinado
assunto, uma vez que Daniela entendia que não se deveria deliberar sobre a matéria relativa à
avença com um escritório de advogados. Assim, seria irrelevante o argumento de que 3 sócios
estavam a favor quanto à inclusão daquele assunto para efeitos de deliberação, atenta a exigência
da lei no tocante à unanimidade;
. Assim, a deliberação em causa seria anulável, nos termos do art. 58.º/1, a), excluindo-se a
nulidade, nos termos do art. 56.º/1, a) porque todos os sócios estavam presentes;
- Seria valorizada a discussão em torno do confronto destes dois preceitos, questionando a
solução sustentada no ponto anterior: Basta que estejam todos presentes para que se afaste a
nulidade? Não deveria este preceito ser sistematicamente articulado com o art. 54.º/1, exigindo-
se que os sócios presentes manifestem a sua vontade de que o órgão se constitua validamente,
sem formalidades prévias, para discutir o assunto em causa?
Segundo:
A deliberação incidia sobre matéria de gestão, reservada ex lege ao conselho de administração,
estando fora da competência dos sócios, salvo a pedido da administração (arts. 405.º/1 e 373.º/3).
Era este o caso. Não havia portanto fundamento para nulidade da deliberação, nos termos do
art. 56.º/1, c) ou d), consoante a posição adotada sobre o sentido da alínea c).

2. Daniela suspeitava da garantia prestada pela BeM, S.A. Defende que «é


manifestamente excessivo e desajustado prestar uma tal fiança: «Aqueles 75,00 €
por mês é tomarem-nos por tontos!». Teria razão? (5 valores).

Tópicos de correção
. Estava em causa uma garantia pessoal: fiança;
. Discussão em torno do princípio da especialidade e da sua vigência e, bem assim, do sentido e
alcance do disposto nos n.os 1 e 3 do art. 6.º;
. Densificação do conceito de “justificado interesse próprio”, enquanto benefício ou vantagem
pela prestação da garantia subsumível ao fim ou interesse da sociedade (art. 6.º/1)
. Discussão em torno da flagrante desproporção entre prestações: de um lado, a oneração de uma
dívida que ascendia a 2 milhões de euros, e do outro lado uma “remuneração” de 75,00 euros

2
mensais. Donde, materialmente, não havia contraprestação pela fiança concedida, i.e. seria uma
garantia gratuita;
. Ainda assim, a garantia poderia ser válida desde que, claro está, houvesse justificado interesse
próprio.

- Seria valorizada a discussão em torno da qualificação da fiança como uma garantia gratuita,
para efeitos de aplicação do art. 6.º, n.º 3 e da ligação desta norma com o art. 64.º, n.º 1:
presunção de violação da obrigação de diligente administração?

3. Pronuncie-se sobre a qualificação do empréstimo realizado por Carlos,


atendendo, designadamente, aos motivos invocados para a sua realização.
(4 valores)

Tópicos de correção
. Qualificação do contrato como um contrato de suprimento;
. Densificação do regime e dos pressupostos do disposto nos art. 243.º e ss;
. A problemática da aplicação do regime dos suprimentos às sociedades anónimas. Confronto
das teses de Raúl Ventura e a crítica formulada por Januário da Costa Gomes e António
Menezes Cordeiro.

Grupo II
Responda a uma — e só a uma — das seguintes perguntas (5 valores):
1. Qual o sentido da previsão da compensação no caso de fusão de sociedades
comerciais?
Tópicos de correção
. Densificação dos vários tipos de fusão: por incorporação e por concentração;
. Explicitação da dimensão subjetiva da fusão: a aquisição de participações sociais é a
contrapartida própria da fusão a ponto de se afirmar que, sem troca de participações não há
fusão.
. Todavia, pode não ser fácil refletir na participação social da sociedade beneficiária o valor da
participação originária dos sócios envolvidos. Donde, aponta-se uma saída: a possibilidade de
“acertos de contas” através de qual os sócios envolvidos recebem outras contrapartidas, para lá,

3
portanto, das participações. Em causa estão as contrapartidas pecuniárias recebidas aquando da
fusão.
. Discussão do sentido e alcance do n.º 5, em particular a necessidade (ou não) de proceder a
uma interpretação restritiva, de modo a não limitar aquilo que a ratio do preceito recomenda
ou, até, impõe.

2. Por que razão não é tipicamente obrigatória a existência de um órgão de


fiscalização nas sociedades por quotas?

Tópicos de correção
. A não obrigatoriedade prende-se com a reduzida dimensão e volume de negócios, face ao
disposto no art. 262.º, n.º 2 CSC, que reflete um menor impacto da sociedade no interesse
público. A imposição de órgãos de fiscalização justifica-se sobretudo por imperativos de interesse
público.

3. Comente a seguinte afirmação:


«Uma Sociedade Anónima que tenha estipulado nos seus estatutos que se vincula com
assinatura de 2 administradores fica (ainda assim) vinculada se apenas for aposta uma
assinatura»

Tópicos de correção
. Densificação do regime do art. 408.º e 409. O titular dos poderes de representação é o órgão
Conselho de Administração. Contudo, o exercício dos poderes de representação é feito
conjuntamente. Ou seja: os poderes de representação são exercidos conjuntamente pelos
administradores. Donde, resulta que todos os administradores devem ter a possibilidade de
exercer os poderes de representação, não havendo, portanto, administradores com e
administradores sem poderes de representação. No entanto, a representação da Sociedade pelo
Conselho de Administração é exercido conjuntamente pelos administradores, ou seja, parece
haver aqui uma intervenção de pelo menos dois administradores.

. Discussão das teses em confronto. Por um lado – no sentido da não vinculação – poder-se-ia
invocar (i) elemento literal constante do art. 408.º; (ii) o elemento sistemático, atento o facto de
os campos de aplicação do art. 408.º e 409.º serem distintos, pois que o primeiro diz respeito à
forma/modo de representação da sociedade (número de administradores para vincular a
sociedade) e o segundo prende-se com a extensão dos poderes de representação (atuação do
administrador dentro/fora do objeto social vincula a sociedade). Donde, pelo art. 408.º conclui-

4
se no sentido da ineficácia; (iii) elemento teleológico, uma vez que se deve exigir a qualquer
terceiro uma diligência mínima de aferir dos poderes bastantes;
Por outro lado, poder-se-ia argumentar que (i) o elemento literal do art. 409.º aponta para uma
aponta para ilimitação dos poderes representativos, em que a irregularidade da representação
da Sociedade é inoponível a terceiros e portanto o negócio é válido e eficaz; (ii) sistematicamente
é mais conforme a inoponibilidade a terceiros (p.eg. art. 409.º, n.º 2 e art. 6.º, n.º 4); (iii)
teleologicamente é a posição mais conforme à rapidez e tutela de terceiros;
- Seria valorizado quem referisse o disposto no art. 9.º, n.º 1 e 3 da Primeira Diretiva

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2017/2018
Regência: Prof. Doutor Januário da Costa Gomes
Tópicos de correção do exame de coincidência de recurso de 25 de julho de 2018

Eduardo, Filipa, Guilherme e Hélder eram sócios da sociedade Limpa Piscinas, S.A.
(“LP, S.A.”), constituída em janeiro de 2018. Eduardo e Filipa compunham o conselho
de administração.
Os 4 (quatro) acionistas reuniam-se semanalmente no café Lampedusa onde
cantarolavam música lírica italiana. Finda a reunião, decidiram os quatro tratar dos
assuntos da LP, S.A. Pedidas as imperiais, falaram das contas, da contratação de uma
secretária e do arrendamento do novo espaço em Caxias. Eduardo lançou um novo
tema: celebrar uma ‘avença’ de 2.000,00 € com um escritório de advogados. Hélder,
contudo, achou um disparate tratar deste assunto assim. Seria preciso ver os preços do
mercado e sondar vários escritórios com vista a obter o preço mais competitivo. Filipa,
contudo, argumentou que era uma atitude abusiva vir dizer agora – e só agora (!) –
que afinal é contra deliberar sobre aquele assunto.
Já em junho de 2018, o conselho de administração decidiu prestar uma fiança a favor
do Banco Super, S.A., no valor de 3 milhões de euros, para garantir o cumprimento
das obrigações assumidas pela sociedade Consultoria Europeia, Lda. — uma empresa
que nada tinha a ver com a LP, S.A. —, no quadro do financiamento da aquisição de
um novo imóvel para a realização de congressos. Contudo, era a LP, S.A. que fazia o
tratamento das piscinas das casas de todos os quadros da Consultoria Europeia, Lda..
Como contrapartida pela prestação da fiança, a Consultoria Europeia. Lda pagará à
LP, S.A. 100,00 € por mês.
Foi ainda assinado um acordo em junho de 2018 entre a LP, S.A. e Eduardo onde se
podia ler a seguinte cláusula:
«1. O Segundo Outorgante [Eduardo] participará nos resultados da Sociedade até um
montante máximo anual de 75,00 €
2. A limitação referida no número precedente vigorará por um prazo de 50 (sessenta)
anos contados da assinatura do Acordo»

Grupo I
1. Pronuncie-se sobre a validade da deliberação relativa à avença com o
escritório de advogados. (6 valores)
Tópicos de correção

1
Esta questão colocava dois desafios:
Primeiro:
. A totalidade dos sócios estavam presentes e estavam também todos de acordo em tratar dos
assuntos da LP, S.A.. Donde, haveria que ponderar a aplicação do art. 54.º, n.º 1 parte final
relativa às assembleias universais;
. Não houve lugar a formalidade prévia, maxime, convocatória da dita assembleia;
. In casu, não havia unanimidade quando a que a assembleia deliberasse sobre um determinado
assunto, uma vez que Hélder entendia que não se deveria deliberar sobre a matéria relativa à
avença com um escritório de advogados.
. Assim, a deliberação em causa seria anulável, nos termos do art. 58.º/1, a), excluindo-se a
nulidade, nos termos do art. 56.º/1, a) porque todos os sócios estavam presentes;
- Seria valorizada a discussão em torno do confronto destes dois preceitos, questionando a
solução sustentada no ponto anterior: Basta que estejam todos presentes para que se afaste a
nulidade? Não deveria este preceito ser sistematicamente articulado com o art. 54.º/1, exigindo-
se que os sócios presentes manifestem a sua vontade de que o órgão se constitua validamente,
sem formalidades prévias, para discutir o assunto em causa?
Segundo:
A deliberação incidia sobre matéria de gestão, reservada ex lege ao conselho de administração,
estando fora da competência dos sócios, salvo a pedido da administração (arts. 405.º/1 e 373.º/3).
Era este o caso. Não havia portanto fundamento para nulidade da deliberação, nos termos do
art. 56.º/1, c) ou d), consoante a posição adotada sobre o sentido da alínea c).

2. Hélder suspeitava da garantia prestada pela LP, S.A. Defende que «Aqueles
100,00 € são claramente insuficientes para legitimar a garantia prestada».
Teria razão? (5 valores).
Tópicos de correção
. Estava em causa uma garantia pessoal: fiança;
. Discussão em torno do princípio da especialidade e da sua vigência e, bem assim, do sentido e
alcance do disposto nos n.os 1 e 3 do art. 6.º;
. Densificação do conceito de “justificado interesse próprio”, enquanto benefício ou vantagem
pela prestação da garantia subsumível ao fim ou interesse da sociedade (art. 6.º/1)
. Discussão em torno da flagrante desproporção entre prestações: de um lado, a oneração de uma
dívida que ascendia a 2 milhões de euros, e do outro lado uma “remuneração” de 100,00 euros
mensais. Donde, materialmente, não havia contraprestação pela fiança concedida, i.e. seria uma
garantia gratuita;

2
. Ainda assim, a garantia poderia ser válida desde que, claro está, houvesse justificado interesse
próprio.

- Seria valorizada a discussão em torno da qualificação da fiança como uma garantia gratuita,
para efeitos de aplicação do art. 6.º, n.º 3 e da ligação desta norma com o art. 64.º, n.º 1:
presunção de violação da obrigação de diligente administração?

3. O Acordo celebrado entre a Sociedade e Beatriz é lícito e eficaz? Responda


fundamentadamente. (5 valores)
O acordo limita a participação nos lucros em 75,00 € durante 50 anos.
Estava em causa um eventual pacto leonino. Regra geral os sócios participam nos lucros (art.
22.º, n.º 1). Contudo, esta regra-geral pode sofrer várias compressões e limitações. Pergunta-se,
portanto, se a compressão in casu é admissível à luz do n.º 1 e do n.º 3 da referida norma. Ora,
o n.º 3 admite exceções à regra geral da participação nos lucros, salvo quanto à exclusão de um
sócio da comunhão nos lucros. Assim: a cláusula referida, ainda que não incluída no contrato
de sociedade, seria – materialmente – uma exclusão do sócio da participação nos lucros, atento
o lapso temporal e o baixo limite estabelecido: 75,00 €.
. Seria valorizada a discussão em torno de uma eventual admissibilidade de tal Cláusula numa
Sociedade que historicamente demonstrasse ter um balanço exíguo. Por exemplo, caso os lucros
a distribuir fossem tipicamente de 100,00€, caso em que uma limitação de 75,00 € seria
admissível. Contudo, in casu mesmo este raciocínio não seria procedente. É que a sociedade fora
constituída em 2018 e, portanto, não há sequer lapso temporal bastante para tamanha
conclusão.
. Seria valorizada a densificação da ratio do art. 22.º, n.º 3 e do art. 994.º CC.

Grupo II
Responda a uma — e só a uma — das seguintes perguntas (4 valores):
1. Qual o sentido da previsão da compensação no caso de fusão de sociedades
comerciais?
Tópicos de correção
. Densificação dos vários tipos de fusão: por incorporação e por concentração;

3
. Explicitação da dimensão subjetiva da fusão: a aquisição de participações sociais é a
contrapartida própria da fusão a ponto de se afirmar que, sem troca de participações não há
fusão.
. Todavia, pode não ser fácil refletir na participação social da sociedade beneficiária o valor da
participação originária dos sócios envolvidos. Donde, aponta-se uma saída: a possibilidade de
“acertos de contas” através de qual os sócios envolvidos recebem outras contrapartidas, para lá,
portanto, das participações. Em causa estão as contrapartidas pecuniárias recebidas aquando da
fusão.
. Discussão do sentido e alcance do n.º 5, em particular a necessidade (ou não) de proceder a
uma interpretação restritiva, de modo a não limitar aquilo que a ratio do preceito recomenda
ou, até, impõe.

2. Considera que o art. 80.º constitui a base legal indispensável para construção
dogmática da figura do administrador de facto? Responda
fundamentadamente.
Densificação do conceito de administrador de facto: (i) não seja administrador de direito; (ii)
realize uma actividade positiva; (iii) de direcção, administração e gestão; (vi) exercida com total
independência; e (iv) de forma constante.
Lê-se no art. 80.º: «As disposições respeitantes à responsabilidade dos gerentes ou
administradores aplicam-se a outras pessoas a quem sejam confiadas funções de
administração.». Discussão das várias saídas interpretativas. Designadamente: alguns Autores
defendem haver uma equiparação dos administradores de facto aos administradores de direito,
atento o sentido normativo do preceito.
Contudo, o presente preceito apresenta algumas limitações para a conclusão no sentido de
fundar a construção da figura do administrador de facto:
É que se lê: “a quem sejam confiadas funções de administração”, i.e. parece estar a presente um
acto de vontade de alguém que incumbe outrem do exercício de tais funções. Donde, estariam
de fora os casos em que é o próprio a chamar a si actos que estariam inseridos no círculo dos
administradores de direito.

3. Comente a seguinte afirmação: «o art. 78.º, n.º 1 CSC permite o ressarcimento


dos credores sociais através do levantamento da personalidade coletiva.».

4
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
3.º Ano – Turma B - 2017/2018
Regência: Prof. Doutor Januário da Costa Gomes
Tópicos de correção do exame de época especial de 13 de setembro de 2018
Grupo I
Em março de 2018, Berto, então presidente do conselho de administração da sociedade
ESFORÇO E DEDICAÇÃO S.A., usou o Facebook para atacar verbalmente um conjunto de
funcionários da empresa, essenciais ao desenvolvimento da sua atividade. Perante isto,
estes funcionários demitiram-se em bloco, causando um problema grave no
desenvolvimento da atividade da empresa.
Álvaro, principal acionista da sociedade, pretende reagir. Acha que tais declarações no
Facebook são inadmissíveis ao presidente do conselho de administração de uma tal
instituição, pondo em causa a sua reputação. Para além disso, pelas consequências que
tiveram, configuram gestão danosa. Tudo boas razões para a destituição de Berto.
Solicitou então ao presidente da mesa, Marto, a convocação da assembleia geral para
deliberação sobre (i) a destituição de Berto com efeitos imediatos (sem indemnização ou
compensação) e (ii) a responsabilização do mesmo pelos danos causados à sociedade.
Marto convocou a assembleia que reuniu em junho e deliberou aprovar as propostas de
Álvaro. Marto não permitiu que Berto votasse apesar de ser sócio há muitos anos.
1. Berto pretende reagir judicialmente. Entende que a deliberação de destituição é
nula porque carece de fundamento e porque foi impedido de votar. Está
particularmente irritado com a perda da sua remuneração. (6 valores)
Tópicos:
O regime das invalidades das deliberações sociais e os fundamentos de nulidade nos termos
do art. 56.º.
Discussão sobre o regime de destituição ad nutum dos administradores (art. 403.º/1) e a
relevância da justa causa para efeitos da exclusão do direito a indemnização (art. 403.º/5).
Discussão do regime do impedimento de voto previsto no art. 384.º/6, c), nos termos do qual
só há impedimento se a destituição for com justa causa.
No presente caso, o tribunal deveria analisar se havia ou não justa causa e, em função disso,
decidir sobre a correção do impedimento de voto de Berto. Caso este tivesse sido
indevidamente impedido de votar, caberia discutir o impacto desse facto na validade da
deliberação. Não cabendo em nenhuma das alíneas do art. 56.º, ficaria afastada a nulidade.
Discutir-se-ia então a anulabilidade da deliberação à luz do art. 58.º/1, a).

1
2. Tem razão Álvaro quanto aos fundamentos para responsabilizar Berto perante a
sociedade? Em que termos deve ser proposta a ação? (5 valores).
Tópicos:
Sim, tem.
Discussão sobre os fundamentos de responsabilidade civil delitual e de responsabilidade civil
obrigacional. No primeiro caso, o fundamento é a violação do direito ao bom nome da
sociedade, positivado no art. 484.º CC. No segundo, está em causa a violação da obrigação
de diligente administração [arts. 405.º/1 e 64.º/1, a)], com presunção de culpa [art. 72.º/1].

3. No meio da crise gerada e perante as dificuldades financeiras sentidas, a nova


administração pretende forçar os sócios a realizar um aumento de capital.
Entende que este é um imperativo da lealdade por estes devida à sociedade. Tem
razão? (5 valores)
Tópicos:
Discussão sobre o dever de lealdade dos sócios, sua origem, sentido e alcance atual. Discussão
sobre as suas dimensões positiva e negativa, e suas concretizações sistematicamente
enquadradas. Os sócios de uma SA obrigam-se apenas à realização das suas entradas (art.
271.º) ou outras prestações acordadas nos estatutos, não estando em princípio obrigados a
financiar a sociedade.

Grupo II
Responda a uma — e só a uma — das seguintes perguntas (4 valores):
1. Comente a afirmação: «a business judgment rule em Portugal é um mito».
Tópicos:
Discussão sobre o sentido do art. 72.º/2 na doutrina e jurisprudência e, em particular, sobre
se o mesmo constitui de alguma forma uma recepção da chamada business judgment rule,
desenvolvida pela jurisprudência norte-americana. Esta afirmação corresponde à posição
desenvolvida, por exemplo, por José Ferreira Gomes, que pode ser consultada na monografia
Da administração à fiscalização das sociedades, Almedina, 2015, 821 ss.

2. Qual o papel do presidente da mesa da assembleia geral no sistema jus-societário


português?
Tópicos:
Cabe ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, enquanto centro de poder instituído na
sociedade anónima, independente do seu órgão de administração (especialmente nas

2
sociedades emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado
regulamentado, por força do art. 374.º-A/1 CSC), zelar pelo regular e ordenado
funcionamento da assembleia geral. Neste contexto, sendo imparcial, deve tutelar os direitos
dos acionistas (maxime, o seu direito à informação) e assegurar que a administração não é
juiz em causa própria em matérias como o exercício do direito à informação.
Naturalmente, reconhecem-se ao presidente todos os poderes-deveres necessários para o
desempenho desta função, que inclui não só a garantia do cumprimento de todas as regras,
legais e estatutárias, relativas ao processo deliberativo, mas também o respeito pelos direitos
individuais dos acionistas (maxime, o direito de informação).
Em particular, é imputado ao presidente não só o (a) poder-dever de convocar corretamente
os acionistas, mas também os poderes-deveres de assegurar (b) que a concretização da ordem
de trabalhos não traduz uma violação da lei ou dos estatutos e (c) que foi atempada e
corretamente prestada aos acionistas toda a informação de que estes necessitam para decidir
sobre os assuntos nela incluídos.

3. Comente a afirmação: «uma Sociedade Anónima que tenha estipulado nos seus
estatutos que se vincula com assinatura de 2 administradores fica (ainda assim)
vinculada se apenas for aposta uma assinatura».
Tópicos:
Densificação do regime do art. 408.º e 409. O titular dos poderes de representação é o órgão
Conselho de Administração. Contudo, o exercício dos poderes de representação é feito
conjuntamente. Ou seja: os poderes de representação são exercidos conjuntamente pelos
administradores. Donde, resulta que todos os administradores devem ter a possibilidade de
exercer os poderes de representação, não havendo, portanto, administradores com e
administradores sem poderes de representação. No entanto, a representação da Sociedade
pelo Conselho de Administração é exercido conjuntamente pelos administradores, ou seja,
parece haver aqui uma intervenção de pelo menos dois administradores.
Discussão das teses em confronto. Por um lado – no sentido da não vinculação – poder-se-ia
invocar (i) elemento literal constante do art. 408.º; (ii) o elemento sistemático, atento o facto
de os campos de aplicação do art. 408.º e 409.º serem distintos, pois que o primeiro diz
respeito à forma/modo de representação da sociedade (número de administradores para
vincular a sociedade) e o segundo prende-se com a extensão dos poderes de representação
(atuação do administrador dentro/fora do objeto social vincula a sociedade). Donde, pelo art.
408.º conclui-se no sentido da ineficácia; (iii) elemento teleológico, uma vez que se deve exigir
a qualquer terceiro uma diligência mínima de aferir dos poderes bastantes;
Por outro lado, poder-se-ia argumentar que (i) o elemento literal do art. 409.º aponta para
uma aponta para ilimitação dos poderes representativos, em que a irregularidade da
representação da Sociedade é inoponível a terceiros e portanto o negócio é válido e eficaz; (ii)

3
sistematicamente é mais conforme a inoponibilidade a terceiros (p.eg. art. 409.º, n.º 2 e art.
6.º, n.º 4); (iii) teleologicamente é a posição mais conforme à rapidez e tutela de terceiros;
Seria valorizado quem referisse o disposto no art. 9.º, n.º 1 e 3 da Primeira Diretiva

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Direito Comercial II, Turma A – Dia
Regência: Prof. Doutor António Menezes Cordeiro

Tópicos de correção do exame de 14 de junho de 2017

António, Bernardo, Carlos e Diogo constituíram, há anos, a “Calções para banhos,


Lda.” (cujo capital ficou dividido em quatro partes iguais), cujos calções têm vendido que
nem pãezinhos quentes na sua loja online. Tipicamente, no início de junho, metade da coleção
está esgotada!
Porém, nem tudo são rosas. Os sócios não se têm entendido quanto aos destinos a dar
aos lucros da sociedade. António e Bernardo, que também são gerentes, entendem que, para
a sociedade se manter competitiva no mercado, tem de reter grande parte dos seus resultados
(80%) para assegurar investimentos futuros. Carlos não opina grande coisa, mas Diogo
tem-se manifestado contra, ano após ano, porque quer a sua parte nos lucros para investir
noutro projeto próprio que acha que será mais rentável.
Na assembleia geral de 2016, houve uma guerra: Diogo apresentou um parecer de um
Professor de Direito e lá conseguiu que a sociedade distribuísse a maioria dos lucros. Para
evitar o mesmo filme na assembleia de 2017, António e Bernardo decidiram incluir nas
contas de 2016 elevadas provisões, alegadamente para cobrir o risco de incobrabilidade de
créditos que têm sobre vários clientes. As provisões são contabilizadas como custos, pelo que
praticamente não havia lucros a distribuir no fim do exercício de 2016.
Diogo ficou furioso com esta manobra. Como a sociedade vende quase tudo a pronto,
na sua loja online, não há grandes créditos sobre clientes, pelo que as provisões são
claramente abusivas! Quer por isso impugnar as contas e a deliberação da assembleia geral.
Pelo meio, quer também responsabilizar os gerentes e os sócios por aquilo que considera ser
uma “falcatrua” clara para o prejudicar. António e Bernardo dizem que esta era uma opção
contabilística que cabe na esfera da competência exclusiva dos gerentes. São estes que
desenvolvem diariamente a atividade da sociedade, pelo que só eles sabem que provisões são
necessárias para o efeito. Nem os sócios nem os tribunais podem imiscuir-se na sua
discricionariedade empresarial!
Carlos, por seu turno, ficou estupefacto. Sempre esteve à margem destas guerras e
acha que Diogo perdeu a cabeça ao tentar responsabilizá-lo a ele por uma deliberação na qual
ele participou, mas sem conhecimento de qualquer “falcatrua”. Perante isto, decidiu que era
hora de sair da sociedade e vendeu a sua quota a Ernesto, “sem passar cartão a ninguém”, por
10.000 euros, a pagar em quatro prestações mensais, iguais e sucessivas. Porém, quando
Ernesto se dirigiu aos gerentes a pedir informações, estas foram-lhe negadas. A sociedade
não o reconhecia como sócio. Ernesto ficou furioso e recusa-se a pagar as prestações em
falta. Carlos responde que o contrato é para cumprir!

1. Analise a responsabilidade civil dos gerentes António e Bernardo relativamente à opção


de constituição de provisões contestada por Diogo. (7,5 valores)

Tópicos:
- Enquadramento normativo da responsabilidade civil dos gerentes perante a
sociedade.
- Os pressupostos de responsabilidade civil obrigacional dos gerentes, em especial, a
delimitação da ilicitude e da culpa.
- Quanto à ilicitude, o debate em torno da delimitação da conduta devida por
referência às normas de competência (no caso, as decorrentes dos arts. 252.º e 259.º
CSC), à bitola de diligência normativa prevista no art. 64.º/1, a) CSC, e ao fim da
sociedade: interesse social como interesse comum dos sócios enquanto sócios
(perspetiva contratualista) ou como síntese dos interesses dos stakeholders
(perspetiva institucionalista).
- Ainda a propósito da ilicitude, a questão da discricionariedade empresarial como
resultado normativo: alternativas de ação normativamente admissíveis que resultam
da aplicação do Direito ao caso concreto.
- Quanto à culpa, discussão sobre a sua autonomia (também) perante o sentido da
presunção de culpa do art. 72.º/1 CSC: culpa em sentido amplo (faute),
compreendendo ilicitude, culpa e nexo de causalidade?
- O sentido dos “deveres de cuidado”: concretizações da obrigação de diligente
administração em deveres específicos de conteúdo procedimental?
- O sentido do art. 72.º/2 CSC: business judgment rule? Reforço da
discricionariedade empresarial (já referida em cima) ou concretização da conduta
devida? A divergência doutrinária e suas consequências na flutuação da
jurisprudência.
- No caso: tipicamente identifica-se uma ampla margem de discricionariedade dos
gerentes na constituição de provisões, dentro dos limites da legalidade
contabilística. Porém, a margem de discricionariedade, enquanto resultado
normativo, é sempre sindicável: caso o tribunal considerasse que a justificação
apresentada não tinha cabimento perante a realidade da sociedade, poderia concluir
pela ausência de racionalidade empresarial na opção dos gerentes e, logo, pela sua
ilicitude, para efeitos de responsabilidade civil perante a sociedade.
- Diogo teria de promover a propositura de uma ação de responsabilidade civil pela
sociedade (art. 75.º - ação social ut universi) ou diretamente, mas para reparação
dos danos sofridos pela sociedade (art. 77.º - ação social ut singuli).
- Não havia fundamento para ação de responsabilidade civil para ressarcimento de
danos dos sócios (art. 79.º CSC): não havia vínculo obrigacional para com os
sócios que tivesse sido violado; não havia fundamento de responsabilidade aquilina
(art. 483.º/1 CC): sócios não têm direito de crédito aos lucros antes de deliberação
dos sócios que o constitua; dificilmente se identificaria no caso uma norma de
proteção dos sócios que tivesse sido violada.
2. Analise a validade da deliberação de aprovação de contas e a responsabilidade civil dos
sócios António, Bernardo e Carlos pela sua aprovação. (7,5 valores)

Tópicos:
- Introdução ao sistema de invalidades das deliberações sociais no CSC: as fronteiras
entre a nulidade e a anulabilidade e os desvios face ao regime geral das invalidades
dos negócios jurídicos.
- Os casos de invalidade previstos no art. 58.º/1, b) CSC: (i) o propósito de obtenção
de “vantagens especiais” para o sócio ou para terceiros, em prejuízo da sociedade
ou de outros sócios e (ii) o propósito de prejudicar aquela ou estes.
- O conceito de “vantagens especiais”.
- O “teste de resistência da parte final do preceito («a menos que se prove que as
deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos»): sentido e
alcance.
- Enquadramento sistemático: dever de lealdade dos sócios perante a sociedade e
perante os outros sócios: sentido e alcance.
- A responsabilidade civil dos sócios nos termos do art. 58.º/3 CSC: concretização do
quadro geral de responsabilidade por violação do dever de lealdade?
- Critérios de delimitação dos sujeitos passivos de responsabilidade.
- No caso não parecia haver nenhum “benefício especial” para António e Bernardo,
mas apenas uma divergência entre sócios quanto ao que seria mais adequado ao
interesse da sociedade. Faltaria portanto fundamento para anulação da deliberação.
- Caso assim não se entendesse, caberia discutir quem seria responsável pelos danos
causados. Pelo menos quanto a Carlos parece inexistir culpa.
- Discussão em torno dos danos a indemnizar: A sociedade sofreu danos?
Aparentemente não. Os “outros sócios” sofreram danos? Discussão sobre se a
(mera) expectativa de Diogo aos lucros pode constituir dano a indemnizar.

3. Analise a cessão de quota de Carlos a Ernesto e a questão do pagamento das prestações


em falta. (5 valores)

Tópicos:
- Enquadramento: a cessão de quotas como negócio jurídico de transmissão de
quotas voluntária inter vivos.
- Requisito de validade: a forma escrita (art. 228.º/1 CSC)
- Eficácia interna v. eficácia externa do negócio: os requisitos de oponibilidade à
sociedade
o O consentimento da sociedade como regra supletiva (art. 228.º/2 CSC):
competência dos sócios; termos do consentimento (art. 229.º CSC); (não)
impedimento de voto do sócio alienante (art. 251.º CSC).
o A comunicação à sociedade (art. 228.º/3 CSC)
o A solicitação de registo (art. 242.º-A CSC) e sua articulação com o quadro
geral dos fins do registo e seus efeitos sobre os negócios sujeitos a registo.
- No caso em análise poderia dizer-se que a inoponibilidade do negócio à sociedade
não prejudica a vinculação dos sócios ao acordo celebrado e que, como tal, Ernesto
está obrigado a pagar o preço. Poderia, porém, discutir-se a aplicabilidade da
exceção de não cumprimento (art. 428.º CC) pelo facto de Carlos não ter praticado
os atos a que estava obrigado para assegurar a produção dos efeitos do negócio
perante a sociedade.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Direito Comercial II, Turma A – Dia
Regência: Prof. Doutor António Menezes Cordeiro

Tópicos de correção do exame de coincidências de 26 de junho de 2017

A sociedade Brinquedos fixes S.A. especializa-se na construção e comercialização de


brinquedos de madeira vintage. Tem sido um sucesso e enfrenta agora dores de crescimento.
Precisam de dinheiro fresco para investir em novas máquinas e contratar mais um designer
Andreia e Beatriz, que são acionistas e administradoras, contactaram as demais acionistas,
Catarina, Daniela e Eduarda, para assegurar o financiamento necessário. No contrato de
sociedade todas se obrigaram a realizar empréstimos à sociedade, em dinheiro, «no montante
que a sociedade viesse a precisar» que venceriam juros a 3% ao ano. Catarina e Daniela
disseram prontamente que sim, satisfeitas com a possível rentabilização do dinheiro
emprestado. Eduarda, porém, diz que não tem condições e que não pode fazê-lo. Andreia e
Beatriz ficaram preocupadas com esta resposta de Eduarda. Aliás, já estavam preocupadas
com o nível de endividamento da sociedade, porque sabiam que vão precisar de um
empréstimo bancário e que assim vai ser difícil consegui-lo.
Depois de falarem com o advogado e de encontrarem uma solução para que o seu
empréstimo fosse contabilizado nos capitais próprios da sociedade, lá foram Andreia e
Beatriz falar com o Banco Indústria, para conseguir o financiamento que ainda lhes faltava. O
Banco, porém, não estava convencido. As boas perspetivas de evolução da sociedade não lhe
chegavam: queria garantias. Como as acionistas não tinham grande património pessoal, o que
o Banco queria é que a Sardinhas Finas, Lda., uma sociedade que está na família de
Andreia há várias gerações, garantisse o financiamento. Andreia fala com o pai que, depois
de muita pressão, lá aceitou ajudar a filha e presta a garantia.
No meio disto tudo, Eduarda decidiu sair da sociedade, antes que Andreia e Beatriz
decidissem pedir-lhe mais dinheiro, convencendo Filipa a comprar as suas ações ao portador.
Para o efeito, limitaram-se a assinar um documento de uma página na qual sintetizaram os
termos essenciais do negócio.
1. Analise criticamente os financiamentos das acionistas à Brinquedos fixes S.A.,
incluindo a recusa de Eduarda e a possível solução para reforço dos capitais próprios
por Andreia e Beatriz. Em que é que estes financiamentos diferem de um
financiamento da sociedade por aumento de capital? (7 valores)
Tópicos:
Análise crítica das diferentes obrigações dos sócios relativamente ao financiamento da
sociedade: obrigação de entrada (para o capital social), obrigação de prestações
acessórias e obrigação de prestações suplementares.
A obrigação prevista no contrato era uma obrigação de realização de prestações
acessórias inválida, na medida em que não estavam fixados os seus elementos essenciais,
nomeadamente a quanto é que os sócios se obrigavam (art. 287.º/1 CSC).
Andreia e Beatriz poderiam realizar voluntariamente prestações suplementares ou
prestações acessórias segundo o regime de reembolso das prestações suplementares (art.
213.º CSC), assegurando a sua contabilização como capitais próprios e, assim, reduzindo
o desequilíbrio financeiro da sociedade. Discussão sobre a admissibilidade das
obrigações de realização de prestações suplementares nas SA.
2. Eduarda, irmã de Andreia e sócia minoritária da Sardinhas Finas, Lda. ficou furiosa
com o facto de esta sociedade ter garantido as dívidas da Brinquedos Fixes, Lda. e
quer impugnar o negócio que qualifica como «uma pouca vergonha». Quid iuris? (7
valores)
Tópicos:
Análise da questão da capacidade das sociedades comerciais: a superação do princípio da
especialidade (art. 6.º/1 CSC). A prestação de garantias por sociedades nos termos do art.
6.º/3 CSC: o justificado interesse próprio e as relações de domínio ou de grupo.
A nulidade da garantia prestada pela sociedade sem capacidade para o efeito.
3. Beatriz acha que a venda das ações ao portador de Eduarda a Filipa não pode ser
válida, desde logo porque tinham incluído, no contrato de sociedade, uma cláusula
nos termos da qual a transmissão de todas e quaisquer ações da sociedade dependia
de prévio consentimento de todas e cada uma das sócias. Quid iuris? (5 valores)
Tópicos:
Ações e tipos de ações: critérios de distinção. Em particular, a distinção entre ações
nominativas e ações ao portador. A representação documental das ações e o regime de
transmissão. O princípio da livre transmissibilidade das ações (art. 328.º CSC) e as suas
restrições limitadas às ações nominativas (art. 329.º CSC).
A transmissão das ações tituladas ao portador faz-se por tradição do correspondente
título (art. 101.º/1 CVM), o que não ocorreu no caso. As cláusulas contratuais de
limitação da transmissão destas ações eram nulas por contrariedade à lei (art. 280.º/1
CC).
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Direito Comercial II, Turma A – Dia
Regência: Prof. Doutor António Menezes Cordeiro
Tópicos de correção do Exame de recurso de 21 de junho de 2017

António, Bento, Carlos, Duarte e Eduardo criaram uma sociedade anónima “Padel
Universitário S.A.” para vender artigos de padel. O capital social, de 50.000€, ficou
igualmente dividido por todos os sócios. Carlos foi nomeado administrador único. Passados
poucos meses da abertura da primeira loja ao público, como se aproximasse o Verão, Carlos
decide que bem mais rentável do que vender bolas e raquetes seria vender fatos de banho:
afinal ninguém iria jogar padel em agosto! Por isso, comprou uma loja de fatos de banho em
Campo de Ourique, naquele que considerou ser o “negócio perfeito”.
Acontece que Bento e Eduardo detestavam praia e ficaram escandalizados com o
“despautério” do administrador: propõem então a sua destituição com justa causa; a
deliberação foi aprovada, apesar dos votos contra de António, velho amigo de Carlos, além
do próprio Carlos.
Foi igualmente decidido propor uma ação de responsabilidade. Carlos, porém,
defende-se que tomou uma decisão era a mais benéfica para a sociedade, que colheu todas as
informações necessárias e que “qualquer gestor diligente” teria na altura tomado aquela
opção, apesar de não ter trazido tantos proventos como esperado, devido aos elevados preços
e à muita concorrência.
Para evitar problemas, foi nomeado como administrador Xavier, experiente gestor,
que, aproximando-se a assembleia anual, imediatamente decidiu propor a não distribuição de
lucros, tendo a proposta sido aprovada por 2 dos 3 sócios presentes. Paralelamente, para
recuperar a sociedade, celebrou um contrato de empréstimo com Duarte, por dois anos,
garantindo a sociedade o reembolso através da hipoteca de um terreno que tinha em Caxias.
A sociedade nunca pagou e Duarte quer agora ativar a garantia.

1. Pronuncie-se sobre a validade da compra da loja de fatos de banho e sobre a


eventual responsabilidade de Carlos. (6 valores)
− Objeto social: artigo 11.º
− Objeto e capacidade: artigo 6.º/4: objeto não limita a capacidade. Validade do ato por
se integrar na esfera de capacidade da sociedade
− Eficácia do ato e vinculação da sociedade: análise do artigo 409.º. Em princípio o ato
é válido e vincula a sociedade
− Dever de não exceder objeto: artigo 6.º/4
− Análise do artigo 64.º
− Análise do artigo 72.º/2 Business judgement rule e improcedência da sua invocação.

2. Analise a deliberação de destituição do administrador. (4 valores)


− Artigo 403.º destituição com justa causa

1
− Carlos estava impedido de votar: vício procedimental que gera anulabilidade (artigo
58.º/1, a)) Distinção do artigo 58.º/1, b)
− O voto de Carlos foi indiferente: discussão da prova de resistência; acresce que a
deliberação foi aprovada no sentido contrário ao do voto de Carlos

3. Analise a proposta de Xavier e a deliberação dos sócios de não distribuição de


lucros. (4 valores)
− Direito dos sócios aos lucros (artigo 21.º)
− Artigo 294.º: regra de tutela do direito dos minoritários aos lucros
− Necessidade de maioria de ¾ dos votos correspondentes ao capital social, o que não
se verifica.
− Vício procedimental: anulabilidade; artigo 58.º/1, a)

4. Analise o empréstimo de Duarte e verifique se o mesmo pode ativar a garantia


como pretende. (6 valores)
− Qualificação como suprimento (assente em contrato ad hoc). Previsão exclusiva nas
sociedades por quotas e discussão doutrinária sobre a sua admissibilidade e critérios
nas sociedades anónimas.
− No caso havia suprimento porque tudo indica que o empréstimo foi feito em
condições em que o sócio ordenado faria contribuição de capital (Professor Doutor A.
Menezes Cordeiro)
− Regime de suprimento; em especial, a subordinação e a proibição de garantias
− Nulidade da garantia artigos 245.º/6 CSC

2
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano - 2016/2017
Duração: 2 horas
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

I
Amílcar (20%) constituiu em 2010, conjuntamente com Bernardo (20%), Cátia (20%), Daniel (20%) e
Óscar (20%), a “Baterias Eléctricas, S.A.”, com um capital social de €175.000. A sociedade dedica-se à
comercialização de baterias e acessórios para carros eléctricos. Em Janeiro de 2011, Edmundo,
“inimigo” de infância de Amílcar adquiriu as acções nominativas de Daniel. Quando descobriu o que
havia sucedido, Amílcar, temendo o pior dos ambientes e as consequências que tal circunstancialismo
poderia acarretar para o normal desenrolar da vida da sociedade, veio alegar que não foram respeitados
os estatutos da sociedade que impunham que as acções apenas poderiam ser alienadas após terem
passado dois anos da constituição da sociedade e desde que os administradores dessem um parecer
favorável ao adquirente o que, tendo em consideração o “jogo de forças” existente na sociedade, não
aconteceria.
Em Março de 2012, os sócios, por maioria de 4/5, deliberaram que a “Baterias Eléctricas, S.A.”
deveria adquirir a totalidade do capital social da “Pneus Ecológicos, S.A.”. Posteriormente, no decorrer
do mês de Dezembro de 2012, a “Pneus Ecológicos, S.A.” afiançou, junto do “Banco Médio, S.A.”,
uma dívida da “BWM E, S.A.”, que detém, actualmente, 25% do capital social da “Baterias Eléctricas,
S.A.”. Zélia, credora, quer da “Baterias Eléctricas, S.A.”, quer da “Pneus Ecológicos, S.A.” já
comunicou a ambas as sociedades que deseja arguir a invalidade da deliberação daquela, no que toca à
compra desta última sociedade, assim como da fiança prestada pela “Pneus Ecológicos, S.A.” à “BWM
E, S.A.”.
Em Fevereiro de 2013, e confrontados com a notícia de que os produtores de borracha para pneus
iriam sofrer uma acentuada quebra na respectiva produção, no semestre seguinte, os administradores da
“Pneus Ecológicos, S.A.” decidiram encomendar e adquirir o triplo dos pneus que, por norma,
costumavam adquirir, tendo desembolsado mais 50% por cada unidade. Sucede que, no decorrer do
ano de 2013, não chegou a ocorrer nenhuma quebra na produção de borracha, o que se traduziu numa
perda competitiva da “Pneus Ecológicos, S.A.”, não só porque ficou com pneus em stock que se foram
deteriorando, mas, sobretudo, porque se viu privada de quantias que poderia ter investido de forma
mais rentável.
Jorge, que entretanto se havia tornado accionista da “Pneus Ecológicos, S.A.”, sempre atento à vida
da sociedade e ao “abrandamento” que a mesma sofreu desde o “fatídico” primeiro semestre de 2013,
decide, em Maio de 2016, emprestar à sociedade €100.000 até que esta volte a demonstrar a tão
desejada saúde financeira. Verificando, ao dia de hoje, que a sociedade tarda em regressar aos “bons
velhos tempos”, Jorge pondera promover a constituição de uma hipoteca sobre um imóvel da “Pneus
Ecológicos, S.A.” para garantir a dívida, assim como, em último caso, requerer a declaração de
insolvência da sociedade.
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano - 2016/2017
Duração: 2 horas
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

Explique justificadamente:

(i) Se Amílcar conseguirá, com base nos argumentos avançados, impedir a


entrada de Edmundo na Sociedade (4 valores);
(ii) Se a pretensão de Zélia será procedente (5 valores.);
(iii) Se os administradores da “Pneus Ecológicos, S.A.” devem ser
responsabilizados pela decisão tomada em Fevereiro de 2013 (4 valores);
(iv) A situação jurídica de Jorge (3 valores).

II
Comente, crítica e fundadamente, uma das seguintes afirmações (4 v.) :

1. Pelos negócios celebrados em nome de uma sociedade por quotas ou anónima, no período compreendido entre a
celebração do contrato de sociedade e o seu registo definitivo, respondem apenas os sócios.
2. A proibição de entradas em indústria nas sociedades por quotas e anónimas visa proteger os interesses dos credores
sociais.
3. Os sócios da sociedade incorporada têm de consentir na atribuição da quantia em dinheiro prevista no artigo 97.º, n.º
5, do Código das Sociedades Comerciais.
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano - 2016/2017
Duração: 2 horas
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

Tópicos de Correção

(i) Se Amílcar conseguirá, com base nos argumentos avançados, impedir a entrada de Edmundo na Sociedade
(4 valores).

I – Análise do regime da livre transmissibilidade e do carácter limitado e excepcional das limitações


à transmissão de acções, nos termos do artigo 328.º, n.ºs 1 e 2 do Código das Sociedades
Comerciais. Sendo as acções nominativas, a respectiva transmissão poderia ser limitada, ainda que
as modalidades de limitação sejam taxativamente previstas, não podendo o contrato excluir a
transmissibilidade das acções nem limitá-la além do que a lei permitir.

II – Análise da compatibilidade da sujeição da transmissão ao decurso de determinado prazo com o


disposto no artigo 328.º, n.º 2, al. c), do Código das Sociedades Comerciais (compatibilidade com o
“interesse social”). Análise da compatibilidade da sujeição da transmissão a parecer favorável dos
administradores: parece ultrapassar os limites previstos na lei, pelo que não limitaria a transmissão.

III – Distinção entre a competência para o consentimento, supletivamente atribuída à assembleia


geral, nos termos do artigo 329.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, e o condicionamento
do consentimento da sociedade a parecer favorável dos administradores, que parece ultrapassar os
limites permitidos pela lei.

(ii) Se a pretensão de Zélia será procedente (5 valores).

I – Relativamente à compra da “Pneus, Ecológicos, S.A.”, a competência para a decisão de


aquisição é do órgão de administração da “Baterias Eléctricas, S.A.”, não tendo os sócios
competência para deliberar sobre matérias de gestão, salvo se por iniciativa do órgão de
administração, nos termos dos artigos 405.º, n.º 1 e 373.º, n.º 3, do Código das Sociedades
Comerciais. Alusão à discussão relativa à recondução da inobservância das regras de competência à
nulidade prevista no artigo 56.º, n.º 1, al. c) do Código das Sociedades Comerciais. Seria valorizada a
argumentação no sentido da inaplicabilidade do mencionado preceito a este tipo de situações.
Parece que apenas se justificaria a anulabilidade. Zélia não parece ter legitimidade, nos termos do
artigo 59.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano - 2016/2017
Duração: 2 horas
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

II – No que concerne à garantia, deveria ser discutido o princípio da especialidade e, em particular,


o disposto no artigo 6.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais.

III – Ainda que não existisse, nos termos dos artigos 486.º, n.º 1 e 488.º e ss., do Código das
Sociedades Comerciais, uma relação de domínio ou de grupo, poderia existir um grupo de facto ou
um interesse empresarial relevante. Discussão sobre a possibilidade de, perante uma relação de
grupo, a prestação de garantias ser em sentido ascendente. Referência ao ónus da prova quanto à
falta de interesse próprio. Por outro lado, deveria ser feita referência às particularidades, nesta sede,
das garantias não remuneradas e a quem compete, neste caso, o ónus da prova do justificado
interesse próprio.

(iii) Se os administradores da “Pneus Ecológicos, S.A.” devem ser responsabilizados pela decisão tomada em
Fevereiro de 2013 (4 valores).

I – Análise do regime dos deveres gerais dos administradores (artigo 64.º, n.º 1, do Código das
Sociedades Comerciais) e da responsabilidade obrigacional dos administradores para com a
sociedade de acordo com o disposto no artigo 72.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.

III – Deve ser feita referência e analisada a exclusão de responsabilidade decorrente do artigo 72.º,
n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente, qual a sua origem e evolução e o
alcance dogmático e prático do preceito. Seria especialmente valorizada a análise detalhada dos
requisitos do referido preceito, assim como a discussão relativa ao afastamento do juízo de ilicitude
e/ou de culpa.

III – Seria valorizada a referência ao problema da sindicância, por parte dos tribunais, das decisões
de mérito tomadas pelos administradores, com vista à sua responsabilização.

(iv) A situação jurídica de Jorge (3 valores).

I – Discussão do problema relativo à ausência de norma expressa sobre suprimentos nas


Sociedades Anónimas. Seria valorizada a discussão sobre a utilização de critérios quantitativos para
efeitos de qualificação dos suprimentos nas Sociedades Anónimas. Referência aos índices legais
(artigo 243.º do Código das Sociedades Comerciais).

II – Se se concluísse que estávamos diante de um suprimento, deveria ser feita referência à


circunstância de Jorge estar impedido de requerer a declaração de insolvência com base no crédito
de suprimento, nos termos do artigo 245.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, sendo o
seu crédito reembolsado de forma subordinada (artigo 245.º, n.º 3, do Código das Sociedades
Comerciais). Por outro lado, devia ser feita referência à inadmissibilidade de constituição de
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano - 2016/2017
Duração: 2 horas
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

hipoteca para garantir o reembolso, nos termos do n.º 6, do artigo 245.º do Código das Sociedades
Comerciais.

II

Comente, crítica e fundadamente, uma das seguintes afirmações (4 v.) :

1. Pelos negócios celebrados em nome de uma sociedade por quotas ou anónima, no período compreendido entre a
celebração do contrato de sociedade e o seu registo definitivo, respondem apenas os sócios.

I – Referência ao artigo 40.º do Código das Sociedades Comerciais.


II – Discussão relativa ao benefício da excussão prévia das pessoas responsáveis patrimonialmente:
responsabilidade da sociedade.

2. A proibição de entradas em indústria nas sociedades por quotas e anónimas visa proteger os interesses dos
credores sociais.

I – Referência ao regime das entradas.


II – Ratio da proibição das entradas em indústria nas sociedades por quotas e anónimas: análise
crítica da proibição tendo em conta, nomeadamente, os inconvenientes e as críticas que têm sido
apontados à função de garantia do capital social.

3. Os sócios da sociedade incorporada têm de consentir na atribuição da quantia em dinheiro prevista no artigo
97.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais.

I – Referência à contrapartida em dinheiro por efeito da fusão: ratio do preceito.


II – A posição jurídica do sócio ante a possibilidade de atribuição de uma contrapartida em dinheiro
por efeito da fusão.

Características gerais a valorizar:

• Identificação dos dados problemáticos;


DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano - 2016/2017
Duração: 2 horas
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

• Conhecimento das posições doutrinárias e/ou jurisprudência;


• Raciocínio crítico: tomada de posição, mobilização de novos argumentos.
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano (Noite) – 2016/2017
Duração: 2 horas
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

I
(16 valores)

Em Janeiro de 2015, a Digital 4you, Lda encontrava-se em dificuldades económicas e decidiu


avançar para um aumento de capital em que os seus 4 sócios entravam do seguinte modo:
(i) A entrava com 80.000,00 €, que se comprometia a injectar na sociedade logo que o euro
igualasse a libra;
(ii) B entrava com um imóvel avaliado por uma reputada instituição financeira internacional
em 150.000,00 €, embora B considerasse que valia 200.000,00 €;
(iii) C entrava com um conjunto de acções que tinha de empresas norte-americanas;
(iv) D, credor da Digital 4you, Lda em 100.000,00 € acordou com um dos gerentes que ficaria
“quite”.

O ano de 2016 foi bastante positivo e (também) por isso entendeu a gerência desta sociedade
que seria oportuno fazer um donativo anónimo à Saúde Sempre, SA uma sociedade que tinha
como administrador E, a quem a gerência da Digital 4you, Lda queria “agradar” a E, uma vez que
pretendia estreitar relações com esta sociedade anónima.

Ora, a Digital 4you, Lda tinha como objecto social o desenvolvimento tecnológico de pequenos
aparelhos usados para medir diversos indicadores de saúde (eg. frequência cardíaca, metros
percorridos etc). Por sua vez, a Saúde Sempre, SA dedicava-se à venda de vários produtos de saúde,
como seja remédios não sujeitos a receita médica, sapatos ortopédicos etc.
Atendendo à proximidade entre os objectos sociais e, bem assim, à amizade que unia os órgãos
de administração, as administrações das sociedades interveniente decidiram apresentar o projecto
de fusão onde se previa a absorção da Digital 4you, Lda pela Saúde Sempre, SA, tendo ainda ficado
previsto que os sócios da Digital 4you, Lda iriam ser “compensados” com 10.000,00 €, apesar das
participações sociais na sociedade incorporante serem de valor igual ao valor das quotas que
detinham.

Em Abril do presente, foi aprovada uma deliberação na AG da Saúde Sempre, SA, relativa à
compra de um imóvel por 300.000,00 € que pertencia a um dos sócios (F) desta Sociedade. O
imóvel seria usado para um “segundo escritório” da Sociedade. F vota a favor, ainda que saiba
que o valor do imóvel no mercado é bastante inferior.

(i) Pronuncie-se quanto às entradas realizadas no aumento de capital. (5 valores)


(ii) A Digital 4you, Lda tinha capacidade para a realização daquele “donativo”? (3 valores)
(iii) Pronuncie-se quanto à compensação prevista aquando da fusão. (4 valores)
(iv) A deliberação tomada em Abril enferma de algum vício/desvalor? (4 valores)

II
Comente, crítica e fundamentadamente, 1 (uma) das seguintes afirmações (4 valores)
(i) O art. 78.º, n.º 1 CSC permite o ressarcimento dos credores sociais através do
levantamento da personalidade colectiva;
(ii) Aos administradores de facto aplica-se-lhes o regime dos art. 71.º e ss CSC por força da
parte final do art. 80.º CSC;
(iii) O regime do art. 501.º CSC só é aplicável, dentre as situações de domínio total, às de
domínio total inicial.

1
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano (Noite) – 2016/2017
Duração: 2 horas
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

(i) Pronuncie-se quanto às entradas realizadas no aumento de capital. (5 valores)

Entrada de A

• Qualificação da entrada como entrada em dinheiro (art. 20.º al. a); art. 25.º/1; art.
26.º; arts. 202.º e ss)
• Admissibilidade do diferimento das entradas nas sociedades por quotas;
• Ausência de um momento certo e determinado para a realização da entrada e
conclusão pela inadmissibilidade com fundamento no art. 203.º, n.º 1.

Entrada de B

• Qualificação como entrada em espécie (art. 20.º al. a); art. 25.º);
• Irrelevância das avaliação da instituição financeira e, claro está, do próprio sócio.;
• Necessidade de avaliação pelo ROC; Ratio do preceito em exigir entidade externa
e independente à sociedade (art. 28.º).

Entrada de C

• Qualificação como entrada em espécie por se tratar de bem diferente de dinheiro,


admitindo-se a justificação por remissão para o que tenha sido tido a propósito
de B.

Entrada de D

• Seria entrada em dinheiro, mas em bom rigor ele não chega a realizar a entrada
(art. 20.º al. a); 25.º/1; art. 26.º; em especial o art. 27.º);
• O que há, isso sim, é uma compensação;
• Proibição de entrada por compensação e indicação da ratio do art. 27.º, n.º 5.

(ii) A Digital 4you, Lda tinha capacidade para a realização daquele “donativo”? (3
valores)

• Densificação do art. 6.º, n.º 1 e 6.º n.º 3;


• Relevância do anonimato do “donativo”: não será conhecido (em princípio) por
terceiros, não havendo, portanto, um benefício para a imagem da sociedade;
• Densificação do que significa “usualidade” e “necessário ou conveniente”;
• Ponderar possibilidade de após não conseguir aplicar o disposto no n.º 2, aplicar o n.º 1.

2
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano (Noite) – 2016/2017
Duração: 2 horas
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

(iii) Pronuncie-se quanto à compensação prevista aquando da fusão. (4 valores)

• Identificação da ratio da compensação prevista pelo legislador no art. 97.º, n.º 5 e


explicação da relevância e sentido deste “acerto de contas”;
• Desenvolvimento da exigência de troca de participação enquanto elemento
imprescindível da fuão;
• No caso, as participações sociais teriam o mesmo valor, donde, seguindo alguma
doutrina que propugna por uma restrição interpretativa, não haveria lugar a esta
compensação, uma vez que atentaria contra a teleologia da norma.

(iv) A deliberação tomada em Abril enferma de algum vício/desvalor? (4 valores)

• Discussão em torno da competência para a aquisição do imóvel;


• O regime da aquisição de bens a sócios: art. 29.º;
• Densificação dos diversos pressupostos do art. 58.º, n.º 1 al. b) e respectiva arguição (art.
59.º). Em especial: o preço abaixo do preço de mercado;
• Seria valorizada a referência (e distinção) face ao regime geral constante no art. 334.º do
CC;
• Seria valorizada a referência à prática jurisprudencial ter já entendido que uma
deliberação deste teor (e com aquele intento) seria anulável nos termos do art. 58.º, n.º 1
al. b).

II

(i) O art. 78.º, n.º 1 CSC permite o ressarcimento dos credores sociais através do
levantamento da personalidade colectiva;

• Valorização da identificação dos dois caminhos alternativos: levantamento vs.


Responsabilidade dos sócios administradores;
• O art. 78.º consagra a responsabilidade dos administradores (independentemente de
serem ou não sócios);
• Pela via do levantamento da personalidade colectiva atingem-se os sócios
(independentemente de serem ou não administradores);
• Havendo comportamentos subsumíveis no art. 78.º, então, a via seguida deve ser a do
ressarcimento dos credores através da responsabilização dos administradores.

(ii) Aos administradores de facto aplica-se-lhes o regime dos art. 71.º e ss CSC por
força da parte final do art. 80.º CSC;

3
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano (Noite) – 2016/2017
Duração: 2 horas
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

• Densificação do conceito de administrador de facto e seus requisitos: (i) Actuação típica e


positiva de administração; (ii) Actuação exercida com autonomia; (iii) Actuação
sistemática e continuada; (iv) Aceitação por parte da Sociedade; (v) ausência de título.
• Seria valorizada a referência à consagração legal da figura no CIRE;
• Discussão sobre a relevância do art. 80.º para a aplicação do regime previsto para os
administradores de direito;
• Seria valorizada a discussão em trono da aplicação analógica, interpretação extensiva ou
aplicação directa do regime dos art. 71.º ss.

(iii) O regime do art. 501.º CSC só é aplicável, dentre as situações de domínio total,
às de domínio total inicial.

• Identificação da ratio subjacente à responsabilização da sociedade directora de forma


pessoal e ilimitada;
• Seria valorizada a discussão em torno do facto de estarmos (pelo menos) próximos da
desconsideração da personalidade colectiva da sociedade controlada;
• Discussão em torno do facto de a letra da lei não distinguir as diferentes situações de
domínio;
• Aplicação directa da norma às sociedades submetida a um contrato de subordinação e às
sociedades em relação de grupo por domínio total ou superveniente (v. art. 491.º)

Características gerais a valorizar:


• Identificação dos dados problemáticos;
• Conhecimento de posições doutrinárias/jurisprudenciais;
• Raciocínio critica: tomada de posição e mobilização de novos argumentos.

4
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano - 2016/2017
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

Em janeiro/2015, A constituiu a Roda de Ouro Unipessoal, Lda., cujo objeto é o agenciamento de


ciclistas de estrada. No ato de constituição da sociedade, A nomeou-se gerente.
Em março/2015, a Roda de Ouro Unipessoal, Lda. foi fiadora num mútuo bancário em que eram
mutuários o pai e a mãe de F, um jovem ciclista muito promissor, que era agenciado pela Roda de Ouro
Unipessoal, Lda. No final de 2015, após reiterado incumprimento dos pais de F, a Roda de Ouro
Unipessoal, Lda. foi demandada pelo banco para pagar. A Roda de Ouro Unipessoal, Lda. defendeu-se
invocando a nulidade da fiança prestada.
Em março/2016, A transformou a Roda de Ouro Unipessoal, Lda. numa sociedade anónima – a RdO,
S.A.. Entram para a sociedade na qualidade de sócios B, C, D e E. A foi nomeado administrador único.
B, além de acionista da RdO, S.A. é também o acionista maioritário da Sisal, S.A., que patrocina a LX,
uma das principais equipas nacionais.
Em abril/2016, numa assembleia geral da RdO, S.A. cuja ordem do dia consistia na decisão sobre a
aquisição de um imóvel para a nova sede da sociedade, B solicitou a A que lhe fornecesse informação
sobre a negociação de um contrato de cedência dos direitos desportivos sobre o ciclista J à FP, a equipa
rival de LX. A recusou fornecer essa informação.
Em maio/2016, B decidiu convocar uma Assembleia Geral para apreciar o desempenho de A como
administrador. Uma vez que se encontrava fora do país, confiava em C, D e E, e não podia votar, A
decidiu não comparecer. Durante a assembleia geral, B conseguiu persuadir os demais acionistas a votar
favoravelmente a destituição de A. Adicionalmente, sabendo que a situação económica de A era
deficitária, convenceu os demais acionistas a aprovar um aumento de capital, o qual, certamente, A não
poderia acompanhar.
Em janeiro/2017, A decidiu vender as suas ações a G, tendo acordado com este que os dividendos
referentes ao exercício de 2016 lhe eram devidos. Em março/2017, A enviou carta à RdO, S.A.
solicitando o pagamento dos dividendos, juntando, para comprovar o seu direito, o contrato de compra
e venda de ações celebrado com G. Em resposta, a RdO, S.A. declarou que, apesar de se prever a
distribuição de dividendos este ano, A nada receberá.

Explique justificadamente:
(i) Se deve proceder o argumento da Roda de Ouro Unipessoal, Lda. contra a pretensão do
banco (5v.);
(ii) Se foi lícita a recusa de A em prestar as informações solicitadas por B (3v.);
(iii) De que modo pode A impedir que as deliberações de destituição e de aumento de capital
produzam efeito (5v.);
(iv) Se é fundada a recusa da RdO, S.A. em realizar o pagamento solicitado por A. (3v.).

II
Comente, crítica e fundadamente, uma das seguintes afirmações (4 v.):

1. As sociedades intervêm eficazmente em atos jurídicos – vinculam-se – por meio de órgãos (ou titulares destes) e de
representantes voluntários.
2. É nesta linha que se deve inscrever a proibição dos pactos leoninos: envolvem um misto de renúncia antecipada aos
direitos e de doação do que (ainda) não se tem.
3. A relação de grupo constituída com o domínio total superveniente, nomeadamente através de aquisições potestativas, é a
única que escapa totalmente ao controlo da sociedade dominada e da sua assembleia.
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano - 2016/2017
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

I
Tópicos de Correção

(i) Deve proceder o argumento da Roda de Ouro Unipessoal, Lda. contra a pretensão do
banco? (5v.)

I – O problema colocado pela hipótese respeita à capacidade das sociedades comerciais para prestarem
garantias (artigo 6.º/1 e 3 CSC).
Seria valorizada a demonstração do conhecimento do debate na doutrina e na jurisprudência,
designadamente no que respeita à conceptualização (objetiva e subjetiva) do "justificado interesse
próprio".

II – No caso em apreço, parece dificilmente defensável que a sociedade garante tivesse um justificado
interesse próprio na prestação da fiança, dado que não se afigura qualquer conexão funcional entre a
obrigação garantida e a atividade da sociedade. Daqui decorreria, em princípio, a nulidade da fiança
prestada, por falta de capacidade da sociedade.
Poderia, ainda assim, hipotizar-se que a prestação da garantia constituiria um modo de agradar ao ciclista
agenciado, que assim melhoraria o seu desempenho, acabando a sociedade por beneficiar. Todavia, esta
explicação obrigar-nos-ia a ter por referência um conceito de justificado interesse próprio muito lato,
ficando comprometida a função seletiva que o mesmo é chamado a desempenhar.

III – No caso em apreço, importaria, todavia, ponderar a circunstância de a sociedade em causa se tratar
de uma unipessoal, sendo o sócio único igualmente gerente. Posto isto, ficaria eventualmente aberta a
porta à intervenção de argumentos/institutos como a proibição de venire contra factum proprio ou a
desconsideração da personalidade coletiva, obtendo-se desse modo a responsabilização da sociedade
e/ou do sócio.

(ii) Foi lícita a recusa de A em prestar as informações solicitadas por B? (3v.)

O problema suscitado por esta alínea tem que ver com o exercício do direito à informação em contexto
de assembleia geral, nas sociedades anónimas (artigo 290.º CSC).
No caso em apreço, importaria debater se a informação solicitada por B se encontra dentro dos círculos
decorrentes da aplicação dos dois critérios constantes do mencionado preceito: (i) ser a informação
solicitada necessária à formação da opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação (artigo
290.º/1 CSC); (ii) não suceder que prestação da informação possa ocasionar grave prejuízo à sociedade
(artigo 290.º/2 CSC).
Atendendo a que, nos termos da hipótese, a ordem do dia da assembleia geral versava sobre a decisão
de adquirir um imóvel, não parece preenchido o requisito includente no âmbito do exercício do direito à
informação referido em (i). Posto isto, a recusa terá sido fundada. Não obstante, deveria ainda mencionar-
se que, no caso concreto, a prestação da informação poderia causar graves prejuízos à sociedade.
DIREITO COMERCIAL II
3.º Ano - 2016/2017
Duração: 120 minutos
Regência: Professor Doutor Manuel Januário da Costa Gomes

(iii) De que modo pode A impedir que as deliberações de destituição e de aumento de capital
produzam efeito? (5v.)

I – A estratégia mais eficiente para colocar em causa a produção de efeitos pelas deliberações seria arguir
a respetiva invalidade.

II – Quanto à deliberação de destituição, temos que a convocatória da assembleia geral em que a mesma
foi tomada se afigura irregular. Nas sociedades anónimas, as assembleias gerais devem ser, salvo algumas
exceções (que no caso se não verificam), convocadas pelo presidente da mesa de assembleia (artigo
377º/1 CSC).
Temos que: (i) as assembleias gerais em que o aviso convocatório haja sido assinado por quem não
tivesse competência, têm-se por não convocadas (artigo 56.º/2 CSC); (ii) são nulas as deliberações
tomadas em assembleia geral não convocada [(artigo 56.º/1, a) CSC]. Logo: a deliberação de destituição
é nula, podendo o A arguir judicialmente esta invalidade.

III – Quanto à deliberação de aumento de capital, é-lhe aplicável o que acabou de se observar sobre a
deliberação de destituição.
Adicionalmente, uma vez que o objeto da deliberação não constava da ordem do dia, deveria ainda ser
notado que, não fora a deliberação nula, seria anulável [v., em especial, artigo 58.º/1, c) e 4, c) CSC].

(iv) É fundada a recusa da RdO, S.A. em realizar o pagamento solicitado por A. ? (3v.)

Sim, parece fundada a recusa da RdO, S.A.


O titular do direito aos dividendos é o sócio [artigo 21.º/1 a) CSC]. Nos termos do artigo 294.º/2, o
crédito do acionista à sua parte nos lucros só se vence 30 dias após a deliberação que determine a sua
distribuição. Logo, no momento em que o direito aos dividendos se vence, o A já não é sócio. Sendo as
obrigações eficazes apenas entre as partes (artigo 406.º CC), a RdO, S.A. não se encontraria vinculada
pelo contrato.
Apesar do exposto, seria ponderável atribuir ao negócio celebrado entre A e G os efeitos de uma cessão
de direitos/créditos futuros (artigo 577.º CC). Se notificada à RdO, S.A. nos termos do artigo 583.º CC
(podendo entender-se que a junção do contrato na carta enviada por A valeria como notificação), ficaria
esta obrigada a pagar o dividendo a A, quando se vencesse o direito de G a receber esse mesmo dividendo.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
EXAME DE DIREITO COMERCIAL II – TURMA A
Ano Letivo 2015-2016
Regência: Professor Doutor António Menezes Cordeiro
14 de junho de 2016

TÓPICOS DE CORREÇÃO

Estamos em março de 2016. O Banco dos Pobrezinhos, S.A. (BP), historicamente perspetivado
como uma instituição sólida e de referência no mercado português, enfrenta atualmente sérias
dificuldades financeiras. Por pressão do seu revisor oficial de contas, as contas de 2015
apresentam vários negócios desastrosos celebrados com sociedades do mesmo grupo que, em
contas anteriores, eram ocultadas.

Perante a pressão do Banco de Portugal, o conselho fiscal do BP reuniu-se para discutir a


situação. Perante os factos apresentados, parece claro que os administradores “executivos” —
Ernesto, Filipe e Gonçalo — não só promoveram a celebração daqueles negócios em condições
claramente contrárias aos interesses do BP, como ocultaram conscientemente a informação sobre
os mesmos nas contas dos anos anteriores. A discussão na reunião do conselho fiscal foi intensa:
Hugo está revoltado e exige que o conselho fiscal promova a destituição com justa causa de
Ernesto, Filipe e Gonçalo, bem como as competentes ações de responsabilidade civil destinadas
a ressarcir o BP. Inácio, porém, entende que não cabe ao conselho fiscal, nem a qualquer
tribunal, sindicar as opções de mérito dos administradores...

Não tendo conseguido chegar a acordo sobre este tema, os membros do conselho fiscal
concluíram que pelo menos precisavam de mais informações sobre a origem do problema:
decidiram rever todas as deliberações dos órgãos sociais dos últimos anos que pudessem estar
relacionadas com negócios suspeitos. Entre estas destaca-se a deliberação da assembleia geral do
BP na qual se aprovou a subscrição de papel comercial à JFK, S.A., sua acionista de referência.
Não só a JFK, S.A. votou nesta deliberação como, sabe-se agora, a mesma permitiu salvar a JFK,
S.A. da insolvência, dado que na altura tinha falta de liquidez para assegurar pagamentos aos
seus credores.

Entretanto, uma coisa é clara: o BP precisa de ser “capitalizado”: dada a urgência da situação,
dois dos seus acionistas de referência — as sociedades KLM, S.A. e LML, S.A. —decidiram
realizar voluntariamente, logo em março, prestações suplementares, no valor total de €100
milhões (€50 milhões cada).

No meio do turbilhão gerado pelos problemas do BP, a própria KLM, S.A. precisa urgentemente
de liquidez para sobreviver. No final de maio decidiu então vender a sua participação no BP à
MAC, S.A.. Juntamente com as ações (tituladas, nominativas), transmite o crédito de €50
milhões relativo a prestações suplementares, bem com um outro, relativo a um empréstimo de
€40 milhões realizado em 2012.
1. Discuta fundamentadamente quem tem razão na discussão entre Hugo e Inácio, no conselho
fiscal, sobre a sindicância das opções de mérito dos administradores. Como é que a
sociedade poderia responsabilizar os administradores “executivos”? [4 valores]

Tópicos: A obrigação de diligente administração do conselho de administração [arts. 405.º e 64.º/1, a)]
e a obrigação de diligente fiscalização do conselho fiscal [art. 420.º e 64.º/2]; sentido e alcance da
fiscalização da administração da sociedade prescrita pelo art. 420.º/1, a) e b): controlo formal
(legalidade e regularidade) e controlo de mérito (economicidade e adequação); a questão da
discricionariedade empresarial na articulação das competências do conselho de administração e do
conselho fiscal; a responsabilidade civil dos administradores (art. 72.º/1) e o regime da ação social ut
universi (arts. 75.º e 76.º) (contraposição face à ação social ut singulli); a apreciação judicial das
opções dos administradores: a discricionariedade empresarial como questão prévia ou como resultado
normativo; o sentido e alcance do art. 72.º/2 (business judgment rule?).

Foram adicionalmente valorizados os seguintes pontos abordados por alguns alunos: estamos perante
o modelo de governo clássico (ou tradicional) da SA [art. 278.º/1, a)]; sentido da referência a
administradores “executivos”: o ato de delegação de poderes pelo conselho de administração na
distinção entre “delegados” e “não delegados” e a atual insuficiência deste critério para distinguir
entre “executivos” e “não executivos”; a competência para a destituição dos administradores cabe à
coletividade de sócios e não ao conselho fiscal (art. 403.º/1).

2. Analise a validade da deliberação da assembleia geral do BP relativa ao negócio de


subscrição de papel comercial da JFK, S.A., tanto do ponto de vista procedimental como
substancial. [5,25 valores]

Tópicos: O conceito e a natureza da deliberação social; o regime das invalidades; o impedimento de


voto da JFK, S.A. [art. 384.º/6, d)] e a nulidade do voto emitido contra norma legal injuntiva (art.
294.º CC); a anulabilidade da deliberação por vício de procedimento [art. 58.º/1, a)]; a anulabilidade da
deliberação por vício de substância: a “vantagem especial” da JFK, S.A. em prejuízo da sociedade [art.
58.º/1, b)]; legitimidade ativa e passiva e prazo para a propositura da ação (arts. 59.º e 60.º); não havia
elementos no enunciado que permitissem sustentar a aplicação do art. 29.º.

Foi adicionalmente valorizado o seguinte ponto abordado por alguns alunos: a delimitação da
competência da coletividade de sócios que, nos termos do art. 373.º/3, só pode deliberar sobre matérias
de gestão a pedido do conselho de administração.

3. Analise a “capitalização” da sociedade operada março pela KLM, S.A. e pela LML, S.A.: Em
que consistem as prestações suplementares e como podem estas servir para “capitalizar” o
BP? Foi válida a sua realização voluntária? [5,25 valores]
Tópicos: Noção e regime das prestações suplementares (arts. 210.º a 213.º); aplicabilidade do regime às
SA; distinção perante as entradas para o capital social e perante as prestações acessórias; o tratamento
contabilístico das mesmas como capitais próprios, seu fundamento e importância prática na vida da
sociedade; a admissibilidade da realização voluntária de prestações suplementares.

4. Analise o negócio celebrado entre a KLM, S.A. e a MAC, S.A.: Como opera a transmissão das
ações? Podiam ser validamente transmitidos os créditos relativos a prestações suplementares
e ao empréstimo realizado em 2012? Qual a natureza deste empréstimo? Se o BP for
declarado insolvente, como será tratada a MAC, S.A.? [5,50 valores]

Tópicos: A transmissão de ações tituladas nominativas nos termos do art. 102.º CVM: declaração de
transmissão no título seguida de registo junto do emitente (a requerimento do transmitente); a cessão
de créditos decorrentes das prestações suplementares cuja restituição se mantém sujeita ao regime do
art. 213.º; a potencial qualificação do empréstimo como suprimento, se confirmado o caráter de
permanência (art. 243.º/1), segundo os índices do art. 243.º/2 e 3; o regime dos suprimentos previsto
no art. 245.º e sua aplicabilidade ao crédito transmitido pela KLM, S.A. à MAC, S.A.; em especial, o
tratamento da MAC, S.A. como credor subordinado no processo de insolvência [arts. 245.º/3, a) do
CSC e 48.º, g) do CIRE].
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
EXAME DE RECURSO DIREITO COMERCIAL II – TURMA A
Ano Letivo 2015-2016
Regência: Professor Doutor António Menezes Cordeiro
22 de junho de 2016
TÓPICOS DE CORREÇÃO

A “Tijolos, Terra e Tudo, Lda.” (“TTT”) é uma sociedade comercial que se dedica à
comercialização de materiais para construção. Está sobretudo especializada em tijolos e terra,
mas os seus gerentes ufanam-se de conseguir num curto espaço de tempo “qualquer material
de construção existente no mundo civilizado”.

No início de 2015, António Alberto (“AA”), um dos gerentes da sociedade, tomou uma
decisão que reputa de “genial”. Percebeu que os principais clientes – empreiteiros de
construção civil – aproveitavam a hora de almoço para comprar e transportar os materiais de
construção. Como Bento Bruno (“BB”) - um dos empregados do armazém - tem muito jeito
para a cozinha, começou a oferecer aos clientes uns acepipes, que estes aceitaram com gosto,
enquanto carregavam os camiões. O passo seguinte parecia óbvio: AA comprou um
equipamento de cozinha industrial, e pôs dois empregados à disposição de BB, que dentro de
poucas semanas tem um autêntico restaurante a funcionar no armazém. As coisas correm tão
bem que BB passou a ser sócio da TTT, como forma de premiar o sucesso desta nova linha de
negócio.

Os problemas começaram, porém, em Janeiro de 2016. O dono da “Flôr do Trancão”, um


restaurante das vizinhanças que sofreu com a concorrência começou a fazer perguntas sobre
a licitude do novo negócio da TTT. Para o acalmar, AA combinou que 20% da carne
adquirida pela TTT para a confeção das refeições ficava para o “Flôr do Trancão”, sem custos.
Mas o caldo entornou-se mesmo: a ASAE fez uma inspeção surpresa ao local, e tendo
encontrado um autêntico restaurante a funcionar sem autorização, ordenou o encerramento
do armazém (incluindo a parte da venda de materiais de construção) e aplicou à TTT uma
coima de 25.000 euros.

1. Carina Carinhas (“CC”) está indignada com o desempenho de AA, e pretende que este
a compense pelo prejuízo que sofreu. Segundo ela, as suas quotas na TTT perderam
todo o valor, devido à atuação “temerária” de AA. Como aconselharia CC a proceder, e
com que fundamentos? A resposta seria a mesma se a implementação do negócio de
restauração tivesse sido aprovada em assembleia geral? (5 valores)

Tópicos: Responsabilidade civil dos administradores dos administradores perante a sociedade (art.
72.º/1) e o regime das ações sociais ut universi (arts. 75.º e 76.º) e ut singulli (art. 77.º); a
apreciação judicial das opções dos administradores: a discricionariedade empresarial como questão
prévia ou como resultado normativo; o sentido e alcance do art. 72.º/2 (business judgment rule?);
a atuação conforme ao fim da sociedade e ao seu objeto social: o art. 6.º/4; a aprovação dos sócios
como causa de exclusão de responsabilidade civil (art. 72.º/5). Responsabilidade civil perante os
sócios e o regime do art. 79.º.

2. Diana Deolinda (“DD”) prefere seguir outra via. Para tentar recuperar bens em
benefício da TTT, entende que devem ser questionadas as entregas de carne ao “Flor
do Trancão” durante o primeiro semestre de 2016. Este restaurante deve devolver à
TTT o valor de mercado das quantidades de carne entregues. Será boa ideia? Com que
fundamentos (5 valores)

Tópicos: A delimitação da capacidade de gozo das sociedades comerciais, o princípio da


especialidade e a superação deste; a nulidade dos negócios celebrados fora da capacidade de gozo da
sociedade; a questão da qualificação da entrega de carne ao Flor do Trancão como uma liberalidade
para efeitos do art. 6.º/2; os efeitos da nulidade segundo o art. 289.º CC.

3. Aquilo que parecia um sonho a BB, está a tornar-se um pesadelo. Após o encerramento
do armazém, tentou vender a sua quota a AA, mas os outros sócios contestam a venda,
argumentando que a mesma tem que ser autorizada pela sociedade e que, de qualquer
forma, a venda é proibida nos primeiros 7 anos de vida da TTT, nos termos dos
estatutos. Podem ter razão? Vai BB ficar eternamente vinculado à TTT? (5 valores)

Tópicos: A cessão de quotas; o consentimento da sociedade como solução supletiva, salvo quanto a
cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios: no presente caso, não
temos dados suficientes para saber se AA (gerente) era sócio da sociedade ou não, pelo que se
aceitaram as duas respostas como corretas, desde que fundamentadas (art. 228.º/2); análise da
competência dos sócios para o consentimento da sociedade [art. 246.º/1, b)], das consequências da
preterição do consentimento (228.º/2) e dos demais requisitos de eficácia da cessão de quotas
perante a sociedade (arts. 228.º/3 e 242.º-A). A cláusula que proíbe a cessão de quotas por 7 anos
era válida, perante o art. 229.º/1; o direito de exoneração dos sócios. A válvula de escape para o
sócio que vê o consentimento recusado, disponível após três anos de titularidade (art. 231.º): a
obrigação da sociedade incluir uma proposta de amortização ou aquisição da quota com a recusa de
consentimento.

4. Antes que as coisas deem ainda mais para o torto, AA decide promover o reembolso
de EUR 150.000 de prestações suplementares, que tinham sido entregues à sociedade,
em dinheiro, por Edite Ester (“EE”), sua noiva e também sócia da TTT. Segundo diz
aos amigos, “o balanço da sociedade não está famoso e o melhor é ir pagando as
dívidas, à medida que se gera alguma liquidez”. Com efeito, o ativo da TTT está
globalmente avaliado em EUR 1.000.000, enquanto o passivo ascende a EUR 1.300.000.
Pode um credor reagir? A resposta seria a mesma caso se tratasse de um financiamento
de EE à construção do armazém? (5 valores)
Tópicos: O conceito e o regime das prestações suplementares (arts. 210.º-213.º); o regime de
reembolso e a qualificação das prestações suplementares como capitais próprios (art. 213.º); a
sociedade apresentava uma situação líquida negativa em 300.000 € pelo que a sociedade não podia
restituir as prestações suplementares (213.º/1). Um credor, na qualidade de interessado, poderia
requerer a declaração de nulidade do ato de reembolso das prestações suplementares (art. 286.º
CC), bem como responsabilizar o gerente nos termos do art. 78.º CSC.

O financiamento para construção do armazém e os critérios para a sua qualificação como


suprimentos (art. 243.º); o regime dos suprimentos (arts. 243.º-245.º); em particular, o regime do
reembolso em situação de solvência e em situação de insolvência da sociedade (art. 245.º/3 e 5);
neste caso, a sociedade estava aparentemente solvente, pelo que seria de admitir o reembolso dos
suprimentos, sem prejuízo da sua possível resolução se no ano seguinte fosse declarada a
insolvência da sociedade (art. 245.º/5).
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
EXAME DE RECURSO DIREITO COMERCIAL II – TURMA A
COINCIDÊNCIAS
Ano Letivo 2015-2016
Regência: Professor Doutor António Menezes Cordeiro
28 de junho de 2016
TÓPICOS DE CORREÇÃO
Anabela, Bernardo e Carlos são brilhantes estudantes do Técnico. Tiveram uma ideia
brilhante para uma “App” que liga pequenas empresas acabadas de nascer (startups) a milhares
de potenciais financiadores, num esquema de crowdfunding. No fundo é como um Tinder que
liga financiados a financiadores. Chamaram-lhe “Tinderfunding”.
Sentados à volta da mesa do café discutem o futuro. Eles próprios precisam de
financiamento para arrancar com o projeto e não se entendem. Bernardo e Carlos querem falar
com investidores americanos e dizem que estes só querem uma SA. Anabela é mais cautelosa:
quer avançar primeiro com uma SQ; depois, se as coisas correrem bem, logo a transformarão
numa SA.
Acabaram por arrancar o projeto como uma SA (Tinderfunding, S.A.), com um capital
social de 50.000€. Cada um meteu 10.000€. O remanescente meteram os americanos. Mas este
montante não chega para nada e os americanos estão prontos a investir. A preocupação dos três
amigos centra-se agora na sua potencial diluição: os americanos é que vão entrar com “dinheiro
à séria” (mais 500.000€); se colocassem todo o dinheiro que estão dispostos a investir na
sociedade como capital social, ficariam “donos e senhores” da mesma (com mais de 90% do
capital). Não pode ser. Discutem então formas alternativas de financiamento que lhes permita
manter o controlo da sociedade e ao mesmo tempo apresentar uma sólida situação financeira a
longo prazo.
Entretanto, o conselho de administração é composto por quatro membros: os três amigos e
um representante dos americanos. Estando em minoria no conselho, os americanos querem
assegurar que o mesmo não se mete em aventuras. Para tanto, convenceram os três amigos a
introduzir no contrato de sociedade uma cláusula nos termos da qual o conselho de
administração não pode contrair dívidas superiores a 20.000€ sem autorização da assembleia
geral. Apesar disso, passado uns meses, Bernardo adquiriu um software, que diz ser
revolucionário, por 30.000€, sem passar cartão a ninguém. Os americanos ficaram furiosos!
Bernardo respondeu que, tendo vasculhado toda a informação sobre o software, tinha concluído
que era uma oportunidade única de negócio, que fazia todo o sentido para a Tinderfunding.
1. Quais os traços essenciais de distinção entre os tipos sociedade anónima e sociedade por
quotas? Porque é que os investidores americanos só querem uma anónima? Porque é que
Anabela entende ser mais prudente começar com uma sociedade por quotas? (5 valores)
Tópicos: Distinção entre estes tipos de sociedades comerciais em função (i) da responsabilidade dos
sócios por dívidas sociais; (ii) da transmissibilidade de participações sociais e (iii) da estrutura
organizatória. Os investidores americanos queriam uma SA atento, sobretudo, o regime de livre

1
transmissão de participações sociais e de dupla fiscalização societária (por um órgão de fiscalização
global e por um órgão de fiscalização contabilística). Anabela entende ser mais prudente começar por
uma SQ porque comporta menos custos, precisamente porque não implica a constituição de órgãos de
fiscalização.
2. Distinga fundamentadamente as alternativas de financiamento à disposição da
sociedade: (i) obrigação de prestações suplementares no contrato de sociedade, (ii)
obrigação de prestações acessórias no contrato de sociedade, (iii) obrigação de
financiamento a longo prazo no acordo parassocial por todos celebrado. O que
recomendaria para a Tinderfunding, S.A.? (5 valores)
Tópicos: O conceito e o regime das prestações suplementares (arts. 210.º-213.º), em particular, o
objeto, a gratuitidade, o regime de exigibilidade e consequências do incumprimento, o regime de
reembolso e a qualificação das prestações suplementares como capitais próprios. Discussão sobre a
aplicabilidade deste regime às SA.
O conceito e o regime das prestações acessórias (arts. 209.º para as SQ, 287.º para as SA), em
particular, o objeto, a alternativa entre a gratuitidade e a onerosidade, o regime de exigibilidade e
consequências do incumprimento, o regime de reembolso. A flexibilidade do regime. A não
qualificação das prestações acessórias como capitais próprios.
O conceito e o regime dos acordos parassociais (art. 17.º), a obrigação de financiamento e sua não
qualificação como obrigação de prestações acessórias (≠ art. 244.º/1), consequências do
incumprimento. A qualificação do financiamento como suprimento e seu regime (arts. 243.º-245.º).
3. Analise a validade da cláusula contratual segundo a qual o conselho de administração
não pode contrair dívidas superiores a 20.000€ sem autorização da assembleia geral. O
contrato de compra e venda celebrado por Bernardo é válido? (5 valores)
Tópicos: A distribuição de competências entre os órgãos da SA (art. 405.º e 373.º/3); discussão sobre
imperatividade desta distribuição e sua ratio (princípio do líder); seria valorizada a discussão sobre os
desvios à regra do art. 373.º/3 (Hollzmüller et alia); consequência da limitação dos poderes do
conselho de administração no contrato de sociedade e sua inoponibilidade a terceiros (arts. 6.º/4,
409.º): o negócio seria válido.
4. O que podem os americanos fazer quanto a Bernardo? Têm sentido as justificações de
Bernardo? (5 valores)
Tópicos: Responsabilidade civil dos administradores dos administradores perante a sociedade (art.
72.º/1) e o regime das ações sociais ut universi (arts. 75.º e 76.º) e ut singulli (art. 77.º); a
apreciação judicial das opções dos administradores: a discricionariedade empresarial como questão
prévia ou como resultado normativo; o sentido e alcance do art. 72.º/2 (business judgment rule?)
perante as afirmações de Bernardo. Responsabilidade civil perante os sócios e o regime do art. 79.º.

2
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
TÓPICOS DE CORRECÇÃO DO
EXAME DE DIREITO COMERCIAL II (SOCIEDADES COMERCIAIS)
Turma A, Regência Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, 2014/2015
18 de junho de 2015
A sociedade Grandes Obras Públicas S.A. (GOP) é uma sociedade com vários acionistas,
mas entre os quais se destacam António, Bernardo e Carlos Viegas, primos que, em
conjunto, são titulares de cerca de 45% do seu capital social. A GOP necessita de obter
capital para continuar a crescer.
Na assembleia geral anual realizada em março de 2014, sem qualquer aviso prévio,
António resolveu pôr a questão em cima da mesa quando estavam a discutir as contas
relativas ao exercício de 2013 e propôs que fosse aumentado o capital social da GOP em
500.000 euros, em dinheiro, com emissão de novas ações, a subscrever, pelo menos em
parte, por novos investidores.
Bernardo não gostou da ideia e logo se opôs, invocando uma cláusula de acordo
celebrado entre os três primos em 2000, nos termos da qual não poderia ser aumentado
o capital da GOP sem o consentimento unânime dos três primos.
A discussão ficou violenta e Bernardo apelou ao presidente da mesa para que tomasse
posição. Este, intimidado, disse que era tudo válido e “chutou para canto”, colocando a
proposta de António a votação, a qual acabou por ser aprovada por uma maioria de
apenas 53% dos votos. Bernardo, revoltado, logo afirmou que tal deliberação era inválida
e que iria impugná-la.
No dia seguinte, Bernardo começou a pensar em passos adicionais para reagir. Do
acordo celebrado entre os três primos em 2000 resultavam obrigações de financiamento
à sociedade, sem juros, limitadas a 50% do valor nominal das participações de cada um
dos primos. Bernardo, estando na disponibilidade de meter a sua parte, pretende que a
sociedade exija a realização desses financiamentos.
1. Analise fundamentadamente se Bernardo tem razão sobre a invalidade da
deliberação de aumento de capital e em que termos a poderia
eventualmente impugnar. [5 valores]
Anulabilidade da deliberação com fundamento (i) na falta de previsão na ordem de trabalhos
(arts. 58.º/1, c) e 4, a) e 377.º/5 e 8 CSC); e (ii) na preterição da maioria necessária para
aprovar um aumento de capital (arts. 58.º/1, a) e 386.º/3 CSC).
A legitimidade e o prazo para a impugnação da deliberação nos termos do art. 59.º e sua
conjugação com o regime geral dos arts. 287.º e 289.º CC.
A cláusula parassocial não era oponível à sociedade, tinha mera eficácia obrigacional entre as
partes do acordo, pelo que não podia, por si, condicionar a votação em assembleia.

2. Analise fundamentadamente as obrigações de financiamento assumidas


pelos três primos, distinguindo entre prestações suplementares, prestações
acessórias e suprimentos. [5 valores]
As obrigações de financiamento assumidas em acordo parassocial têm uma natureza meramente
obrigacional e não social, não cabendo à sociedade exigir o seu cumprimento, salvo se se entender
tratar-se de um contrato a favor de terceiro (a sociedade) (art. 17.º/1).
Contraposição face ao regime das prestações suplementares (210.º) e das prestações acessórias
(287.º). Discussão em torno da aplicabilidade do regime das prestações suplementares às
sociedades anónimas.
Sendo cumprida a obrigação em causa, o financiamento teria natureza de suprimento se concluísse
pelo seu carácter de permanência (243.º). Análise da discussão em torno dos índices de
permanência e da aplicabilidade do regime dos suprimentos nas sociedades anónimas.

3. Analise a natureza e efeitos do acordo celebrado entre os três primos em


2000, considerando que este incluía ainda uma cláusula nos termos da qual
as partes deveriam assegurar (i) que o conselho de administração seria
composto por seis membros e que cada parte indicaria dois desses
membros; (ii) que as deliberações do conselho de administração sobre
determinadas matérias particularmente importantes deveriam ser tomadas
por maioria de 2/3 dos votos emitidos. [4 valores]
Caracterização do contrato como um acordo parassocial, sua natureza e regime jurídico (17.º).
Análise da cláusula relativa à composição do conselho de administração como vinculação dos
acionistas à promoção da conformação do contrato social (1.ª parte) e da eleição dos membros por
si designados (2.ª parte), no exercício dos seus direitos sociais (em particular, o voto).
Análise da cláusula relativa às maiorias necessárias para deliberação no conselho: em princípio
não se aplicaria o art. 17.º/2 CSC, na medida em que a vinculação parassocial dos acionistas
tivesse reflexo numa conformação das maiorias deliberativas do conselho nos estatutos da
sociedade, caso em que estaríamos, uma vez mais, perante uma regulação do exercício do direito de
voto e outros direitos sociais dos acionistas. Se não tivesse previsão nos estatutos, poderia
eventualmente colidir com o 17.º/2 CSC: análise do sentido e alcance desta norma.

4. António, que resolveu participar no aumento de capital, não quer ficar sem
liquidez e, para realizar a sua entrada (de 75.000 euros), propõe-se
transmitir à sociedade umas marcas que tem registadas em seu nome e que
entende que poderão ser úteis à sociedade. Quid iuris? [4 valores]
Análise do regime jurídico do aumento de capital.
Análise dos tipos de entradas (em dinheiro, em espécie e em indústria) e quais as admissíveis nas
sociedades anónimas (art. 277.º/1 CSC). O regime das entradas em espécie: a verificação da
entrada por relatório de ROC e sua razão de ser (art. 28.º, ex vi art. 89.º CSC).
No presente caso estávamos perante entradas em dinheiro. A dação em cumprimento da obrigação
de liberar a entrada em dinheiro, pretendida por António, depende de deliberação como alteração
do contrato de sociedade, com observância do preceituado relativamente a entradas em espécie
(art. 27.º/2 CSC).
Bónus 1: Justificação do aumento de capital perante outras alternativas de financiamento.
Bónus 2: Análise do sentido e alcance do direito de preferência dos acionistas em aumentos de
capital em dinheiro (art. 458º CSC).
5. Analise fundamentadamente o comportamento do presidente da mesa, no
quadro do regime jurídico que lhe é aplicável. [2 valores]
Análise das competências do presidente da mesa para convocar a assembleia geral (377.º) e para
dirigir os seus trabalhos, assegurando o cumprimento da lei e dos estatutos no processo
deliberativo, em particular no que respeita à prestação de informação aos sócios, com isso
salvaguardando sobretudo a posição dos acionistas minoritários.
No caso em análise, relevava em particular a preparação da lista de presenças (382.º) para efeitos
da verificação do cumprimento do quórum constitutivo (383.º); a verificação do cumprimento do
dever de informação aos acionistas sobre o aumento de capital (377.º/8); a verificação do
cumprimento da maioria necessária para aprovar a deliberação de aumento de capital (386.º/3).
[Vide Manual do Prof. Menezes Cordeiro, vol. 2, p. 737 ss]
Bónus: apreciação da diferente conduta devida pelo presidente da mesa perante deliberações nulas e
deliberações anuláveis: no primeiro caso haveria dever específico de não permitir deliberação; no
segundo haveria margem de discricionariedade para apreciar deliberação à luz dos interesses em
presença, com destaque para o interesse da sociedade.
Direito Comercial II – Turma A – 2014/2015
Tópicos de correção do exame de coincidências de 26 de Junho de 2015

O Fado da Sócia Enamorada

Antónia, jovem abastada e diletante, está secretamente apaixonada por Bento, também
jovem, mas empreendedor e laborioso. Bento é sócio da “Czar dos Frangos, S.A.”
(“CF”), sociedade constituída em 2006, com o capital inicial de € 150.000, dividido em
50.000 acções nominativas, tituladas, com o valor nominal de € 3 cada. A sociedade
dedica-se a actividades de restauração. Antónia adquiriu em Março de 2014 20.000 acções
da CF a Gertrudes, que houvera constituído a sociedade com Bento e outros três amigos.

Pronuncie-se sobre as seguintes questões. Os factos enunciados a propósito de cada uma delas não devem
ser atendidos na resposta às restantes:

[Questão 1] Quando Bento se apercebeu do negócio celebrado entre Gertrudes e


Antónia ficou horrorizado, porque esta última é muito chata e está constantemente a aborrecê-lo
com ofertas ridículas de flores e chocolates. Sugere, por isso, que Antónia não deve ser
reconhecida como sócia porque os entraves à negociação das acções da CF não foram
respeitados: segundo os respectivos estatutos, as acções da categoria B – as detidas por
Gertrudes -, só podem ser alienadas após terem passado três anos da constituição da
sociedade, e desde que os administradores dêem parecer favorável ao adquirente (o que
seguramente não acontecerá, dada a influência de Bento junto dos demais
administradores) [4 valores].

Tópicos: Análise e discussão do regime da livre transmissibilidade e do carácter


limitado e excepcional das limitações à transmissão de ações (artigo 328.º/1 +
328.º/2). As ações em causa eram nominativas, e por isso, em tese, a respectiva
transmissão poderia ser limitada (alíneas a), b) e c) do artigo 328.º/2 +
299.º/2/b). No entanto, as modalidades de limitação são taxativamente previstas
(o contrato não pode excluir a transmissibilidade das ações nem limitá-la além do
que a lei permitir). A subordinação da transmissão ao decurso de determinado
prazo é possível, desde que possa ser configurada como concorde com o
interesse social (artigo 328.º/2/c). A subordinação a parecer favorável do
conselho de administração parece ultrapassar os limites previstos na lei, pelo que
não limitava a transmissão por Gertrudes.
A este propósito cumpria distinguir entre a “competência” para o consentimento,
que supletivamente é atribuída à assembleia geral – e que no silêncio do
enunciado assim se devia presumir (artigo 329.º/1) – e o condicionamento do
consentimento da sociedade – a parecer favorável, como parece suceder no caso
em apreço – que ultrapassa os limites permitidos pela lei (artigo 328.º/2/a).
Seria também valorizada a referência à forma de transmissão de ações tituladas
nominativas (artigo 102.º/1 CVM: por declaração de transmissão, escrita no
título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto de
intermediário financeiro que o represente). Seria também valorizada a referência à
necessidade de homogeneidade em cada categoria de ações (artigo 302.º: todas as
ações da categoria B deveriam ser afectadas pelas limitações à transmissão).

[Questão 2] Ultrapassado o litígio sobre a titularidade das 20.000 acções, os sócios, por
maioria considerável (80%), decidiram que a CF deveria adquirir a totalidade do capital
da Burgomestre das Codornizes, S.A. (“BC”), dada a complementaridade das actividades
sociais. Um dos cinco administradores da BC assinou o contrato de compra e venda.
Após a aquisição, a BC afiançou uma dívida da Participações Galináceas, S.A. (“PG”),
que detém 10% do capital da CF. Herculano, que por coincidência é credor da BC e da
CF, pretende arguir a invalidade da deliberação da CF bem como da fiança da BC.
Quanto a esta última está tranquilo, porque os respectivos administradores nunca vão
conseguir dar um bom motivo para a fiança… [5 valores].

Tópicos:
1. A competência para a decisão da compra das ações da BC é do órgão de
administração da CF, não podendo os sócios deliberar sobre matérias de gestão,
salvo a pedido deste (arts. 405.º/1 e 373.º/3 CSC). A deliberação é inválida. A
inobservância das regras de competência não parece justificar a nulidade do
artigo 56.º/1/c), mas apenas a anulabilidade. Herculano não parece ter
legitimidade para a arguir (59.º/1).
2. A competência para a representação da sociedade é do conselho de
administração (405.º/2), ficando a sociedade vinculada pelos atos praticados pela
maioria dos administradores ou por número menor fixado no contrato de
sociedade (408.º/1). Discussão sobre o sentido desta norma na sua articulação
com o disposto no art. 409.º/1, segundo o qual os atos praticados pelos
administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes
confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes
do contrato de sociedade ou resultantes de deliberações dos acionistas.
3. Quanto à prestação da garantia, impunha-se discutir a superação do princípio
da especialidade no Direito português e, em particular, o sentido do art. 6º/3.
Não existia uma relação de domínio (486.º/1) ou de grupo (488.º e ss.) entre as
sociedades envolvidas. mas poderia existir um grupo de facto ou um interesse
empresarial relevante.
Seria valorizada a discussão fundamentada sobre estes aspectos, bem como sobre
a possibilidade de, perante uma relação de grupo, a prestação de garantias ser não
só em sentido descendente, como ascendente. Caso fosse abordada a questão
neste sentido, o aluno deveria referir que o ónus da prova da falta de interesse
próprio era de Herculano, que queria invalidar a garantia.
Seria também valorizada a resposta que, fundamentadamente, invocasse que, em
princípio, a garantia não remunerada seria inválida, com base numa leitura mais
próxima da letra do artigo 6.º/2 e 3. Em coerência, o ónus da prova do
justificado interesse próprio seria dos interessados na manutenção da garantia.

[Questão 3] Antónia, eleita administrador em 2015, fica admirada com uma conta para
pagar. Corresponde a um serviço prestado em 2005, antes do registo do contrato de
sociedade, por um conhecido designer de interiores, especializado em restaurantes. A sua
indignação aumenta quando verifica que o projecto assinado por este designer nem sequer
foi utilizado nos restaurantes da CF. Como nada consta da versão inicial do contrato de
sociedade, decide reenviar a factura para as sócias que constituíram a sociedade, pois
terão sido elas a contratar o serviço [3 valores].

Tópicos: A sociedade assume, ipso jure, com o registo, os direitos e obrigações


resultantes da exploração normal de um estabelecimento que constitua objecto de
uma entrada em espécie ou que tenha sido adquirido por conta da sociedade, no
cumprimento de estipulação do contrato social (artigo 19.º/1/b). Esta assunção
retrotrai os seus efeitos à data da respectiva celebração, e libera as sócias que
tenham agido em representação da sociedade, bem como as restantes, nos termos
combinados do artigo 19.º/3 e 40.º/1. Seria assim valorizada a referência a esta
assunção ipso jure, quando relacionada com uma eventual entrada em espécie dos
restaurantes. O facto de o projeto ter ficado por utilizar não parece relevar, já que
a norma do artigo 19.º/1/b) não exige que as despesas tenham sido causa de
sucesso empresarial, mas apenas que se relacionem com a exploração de um
estabelecimento.
Seria igualmente valorizada a resposta que referisse a necessidade de estipulação
no contrato das despesas devidas a terceiros, pela sociedade, como retribuição
por serviços prestados durante a constituição da sociedade, numa interpretação
articulada dos artigos 19.º/1/a e 16.º/1. À semelhança do que foi referido a
propósito da abordagem alternativa, o facto de o projeto não ter sido utilizado
parece ser irrelevante, desde que a despesa se insira num processo normal de
formação de um projeto empresarial. Deveria também ser feita referência à
eficácia retroativa da assunção (artigos 19.º/3 e 40.º/1).

[Questão 4] Em finais de 2015, e perante uma catadupa de projetos fracassados e


ameaças de credores, Antónia decide emprestar à CF € 200.000, até ao fim da crise financeira
(que não se vislumbra, a médio prazo). Em 2014, a crise financeira perdura, imunda e
grossa. Antónia começa a pensar se não será melhor ideia promover a constituição de uma
hipoteca sobre um imóvel da CF para garantia a dívida ou simplesmente desistir do seu
grande amor e pedir a declaração de insolvência da sociedade [4 valores]

Tópicos: Análise do problema suscitado pela falta de norma expressa relativa a


suprimentos nas sociedades anónimas. Aplicação dos índices constantes do artigo
243.º perante a constatação de que um acionista ordenado, com uma participação
relevante no capital social (40%) teria feito uma contribuição de capital em lugar
de um mútuo, dadas as necessidades estruturais da sociedade.
Não foi exigido o reembolso do mútuo durante três anos, pelo que está
verificado o índice de permanência a que se refere o n.º 3 do artigo 243.º.
António não podia requerer a declaração de insolvência com base no crédito de
suprimento (245.º/2), sendo o seu crédito reembolsado de forma subordinada
(245.º/3). Não era admissível a constituição da hipoteca para garantir o
reembolso (245.º/6).
[Questão 5] Em 2016, o fado de Antónia está prestes a terminar: após um esforço
financeiro considerável da jovem milionária, a CZ conseguiu equilibrar as contas da
sociedade. O activo da sociedade ascende a € 400.000, tendo-se conseguido fixar o
passivo em €200.000. O resultado líquido do exercício de 2015 ascendeu a € 30.000, que
Antónia quer distribuir integralmente aos sócios. Pode fazê-lo? [4 valores].

Tópicos: Distinção entre deveres da administração e competências dos sócios em


matéria de deliberação sobre aplicação de resultados. A administração deve
elaborar o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de
prestação de contas (65.º/1), para em seguida os apresentar ao órgão de
fiscalização competente, no prazo de 5 ou 3 meses após o encerramento do
exercício, consoante a sociedade apresente, ou não, contas consolidadas (65.º/3);
A proposta de aplicação de resultados é parte integrante do relatório de gestão
(66.º/5/f) e por isso é da competência da administração, e não de António.
A decisão sobre a aplicação dos resultados é competência dos sócios (31.º/1 +
376.º/1/b, no caso em apreço).
Quanto à pretensão material de António, deveria ser atendido o artigo 33.º CSC e
tido em conta o conceito de lucro distribuível: caso a diferença entre proveitos e
custos seja positiva, deve ainda considerar-se a parcela necessária para cobrir
prejuízos transitados (que não existiam neste caso), bem como a parte destinada a
formar reservas impostas por lei ou pelo contrato de sociedade. Na ausência de
prejuízos transitados, ainda assim teria de ser destinada uma parcela de 1/20 dos
lucros (€30.000 / 20 = €1500) à reserva legal (295.º/1).
Depois disso, o remanescente (€28.500) deveria ser ao capital próprio da
sociedade (€400.000 de ativo - €200.000 de passivo = €200.000 de capitais
próprios) (artigo 32.º/1) para determinação do lucro distribuível.
Verificando-se que o montante global (€200.000 + €28.500) era superior à soma
do capital social (€150.000) e das reservas (máximo de €30.000) (€150.000 +
€30.000 = €180.000), pelo que podia haver distribuição do lucro remanescente
(€28.500) aos sócios (artigo 32.º/1).
 

*   *   *  
FACULDADE  DE  DIREITO  DA  UNIVERSIDADE  DE  LISBOA  
DIREITO  COMERCIAL  II  –  SOCIEDADES  COMERCIAIS  
Regência:  Prof.  Doutor  Menezes  Cordeiro  
Tópicos  de  correção  do  Exame  de  Finalistas  –  14-­‐set.-­‐2015  
 
 
 
Anacleto e Brícia constituíram uma sociedade por quotas em 2012 com a firma Produztudo, Lda.: o
capital foi dividido 40% para Anacleto, 60% para Brícia; ficaram os dois como gerentes; dos
estatutos constava que a sociedade se vinculava pela assinatura dos dois gerentes. Dos estatutos
constava ainda uma cláusula nos termos da qual cada um dos sócios se obrigava a financiar a
sociedade, caso esta necessitasse, em 25.000 euros.

Em 2013, a Produztudo, Lda. foi contratada pela OVNI, S.A. para conceber e produzir uma
plataforma digital (software) de interação entre professores e alunos, numa nova experiência de
ensino. Nesse contexto, a Produztudo, Lda. subcontratou a parte gráfica a um designer meio louco,
mas que se dizia que daria conta do recado, chamado Calisto. A experiência não correu bem:
Calisto fumava coisas estranhas e acabou por não entregar parte dos materiais a que se
comprometera, causando atrasos significativos no projeto. Tais materiais acabaram por ter de ser
produzidos por terceiros.

Entretanto, em 2014, Calisto, num alegado intervalo de lucidez, enviou um e-mail a Deolinda,
funcionária administrativa da Produztudo, Lda., alegando que ainda tinha por receber 15.000
euros. Esta, que tinha uma relação muito próxima com aquele, logo respondeu: «Claro que sim,
meu amigo. Estou só à espera de receber de um cliente e depois transfiro-te!». Isso não chegou a
acontecer e Calisto enviou e-mail a Anacleto a cobrar, ao que este respondeu: «Sei que te
devemos isso, mas não podemos pagar agora».

Brícia, que andava meio ausente, entretanto apercebeu-se do que se passava e, numa conversa
com Anacleto esclareceu que a sociedade nada devia a Calisto. Antes pelo contrário, este é que
devia indemnizar a sociedade pelos prejuízos causados pela não entrega atempada dos materiais a
que se comprometera.

Brícia não só não permitiu que se pagasse a Calisto, como convocou uma assembleia geral para
destituir Anacleto do cargo de gerente com justa causa. Na assembleia, assumiu a presidência e
não permitiu que Anacleto votasse, por entender que este tinha um conflito de interesses.

Entretanto, Calisto intentou uma ação para cobrar o valor que a Produztudo, Lda. alegadamente
lhe deve, afirmando que os e-mails de Deolinda e de Anacleto vinculam a sociedade,
consubstanciando reconhecimentos de dívida.

1. Pode Anacleto impugnar a deliberação da assembleia geral da Produztudo, Lda.? Com que
fundamento e em que termos? (4 valores)

Análise da convocatória da assembleia geral nos termos do 248.º/3 [e 56.º/1, a)] e das
regras sobre a presidência da mesma (248.º/4); o regime geral da destituição dos
gerentes: a possibilidade de destituição sem justa causa (257.º/1) e a relevância desta
para efeitos de indemnização (257.º/7); o regime especial do 257.º/5 e 6 aplicável ao
presente caso: havendo apenas dois sócios, a destituição só pode ocorrer por via judicial e
com justa causa.

Não podendo a destituição ocorrer por deliberação dos sócios, não era relevante a questão
do impedimento do exercício do direito de voto [251.º/1, f)].

A deliberação era nula por violação de norma injuntiva [56.º/1, d)], nulidade que seria
invocável nos termos gerais do 286.º CC.

2. Analise se Calisto tem razão à luz das regras de representação jus-societárias. (5 valores)
FACULDADE  DE  DIREITO  DA  UNIVERSIDADE  DE  LISBOA  
DIREITO  COMERCIAL  II  –  SOCIEDADES  COMERCIAIS  
Regência:  Prof.  Doutor  Menezes  Cordeiro  
Tópicos  de  correção  do  Exame  de  Finalistas  –  14-­‐set.-­‐2015  
 
 
Discussão sobre a questão dos poderes de representação dos gerentes, na articulação
entre os 260.º/1 e 261.º/1 e a posição do Prof. Menezes Cordeiro sobre a tutela da
confiança de terceiros, valorizando-se a discussão de posições contrárias.

Discussão sobre a questão dos poderes de representação dos trabalhares, à luz do disposto
no 115.º/3 do CT — segundo o qual, «Quando a natureza da actividade envolver a prática
de negócios jurídicos, considera-se que o contrato de trabalho concede ao trabalhador os
necessários poderes, salvo se a lei exigir instrumento especial» — e sua articulação com as
regras previstas no CCom para os gerentes, auxiliares e caixeiros da sociedade (248.º ss
CCom).

3. A ata da assembleia geral não chegou a ser assinada e, no final o mês seguinte à
deliberação, Anacleto exigiu o pagamento da sua remuneração enquanto gerente. Quid
iuris? (3 valores)

As deliberações dos sócios só podem ser provados pela correspondente ata (63.º/1),
assinada, no caso das SQ, por todos os sócios que tenham participado na AG (248.º/6).
Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, a ata é uma formalidade ad probationem que completa
as deliberações, dando-lhes eficácia. Assim, na ausência de ata, a deliberação seria
ineficaz. Valorizar-se-ia a discussão nos termos apresentados pelo Prof. Coutinho de Abreu
em sentido contrário, em casos como o enunciado.

4. Uns meses depois, cansado de todos estes episódios, Anacleto, numa conversa de café com
Ernesto, acordou vender-lhe a sua quota. Ernesto pretende estar presente na assembleia
geral que entretanto foi convocada por Brícia para exigir aos sócios que financiem a
sociedade, para pedir informações sobre o que anda Brícia a fazer. Tem Ernesto
legitimidade para o efeito? (5 valores)

Noção de cessão de quotas; requisito de forma escrita (288.º/1), de consentimento da


sociedade (288.º/2), de comunicação à sociedade (288.º/3) e de solicitação de registo
(242.º-A e 242.º-B), como condição da oponibilidade da cessão à sociedade. Sem estes
passos, Ernesto não seria sócio aos olhos da sociedade, não tendo legitimidade para estar
presente na AG.

5. Entretanto, Ernesto pretende saber que tipo de obrigação de financiamento assumiram os


sócios nos estatutos e se a mesma se transmite com a quota. Quid iuris? (3 valores)

Distinção entre o regime das obrigações de prestações acessórias (209.º) e das prestações
suplementares nas SQ (210.º-213.º): perante os poucos dados enunciados no texto,
aceitar-se-ia qualquer das qualificações, desde que devidamente justificada.

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